PGO, BrT-Oi, convergência, TV paga…

O Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) já começou a estudar o impacto concorrencial das mudanças regulatórias aprovadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Segundo o relator do processo de fusão Oi/Brasil Telecom, e presidente interino da instituição, Paulo Furquim, o estudo sobre o Plano Geral de Outorgas (PGO) e o Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações (PGR) ficará pronto em seis meses e irá tratar de temas como o unbundling, separação contábil, e a eficácia desses instrumentos para a competição. Esse será o primeiro resultado do grupo de trabalho sobre Mercados Regulados, um dos grupos que fazem parte da nova estrutura da instituição.

Quanto à fusão da Oi com a Brasil Telecom, o Cade só irá decidir se irá tomar uma medida preventiva quando for publicado o Decreto Presidencial com o novo PGO.

Qual o objetivo da reformulação do Cade?
Os principais ativos do Cade são a sua reputação e o conhecimento das pessoas. Anteriormente, estávamos baseados na estrutura mimetizada dos tribunais, que é a organização em gabinetes. Notamos a necessidade de uma organização horizontal. Reformulamos o Cade de uma estrutura vertical de gabinete para uma estrutura matricial, com as pessoas se vinculando a grupos temáticos, que já estão funcionando há dois meses, e muito bem. Esses grupos vão também produzir trabalhos – os working papers – estudos que, num primeiro momento têm uma circulação interna, mas que também serão, em dado momento, divulgados externamente, no nosso site, sobre temas que o Plenário considere relevante.

Quais são os grupos formados?
São quatro. De Negociação e Termos de Compromisso de Cessação. Com ele, o Cade e os administrados de um modo geral, inclusive pessoas físicas que estejam sendo processadas pelo Cade ou que tenham um ato de concentração em análise, visam buscar uma medida negociada, ao invés de uma medida unilateral. Essa solução tem uma série de vantagens, pois assegura a nossa intervenção, mas a um custo menor e eficácia maior. O primeiro papel desse grupo será disciplinar a negociação, que antes era conduzida por cada conselheiro individualmente e idiossincraticamente. Será criado um comitê de negociação permanente, ao qual não se vinculem os conselheiros. Conselheiros vêm e vão, o que é considerado saudável. O comitê de negociação terá perpetuidade.
O segundo grupo é o de Relacionamento Internacional, que cuida de uma agenda intensíssima, extremamente absorvente. O outro grupo cuida de Métodos Quantitativos em Economia. É um instrumento quantitativo para medir qual é de fato o efeito de subir o preço de um produto, com a venda de outro semelhante. A União Européia tem grupos muito fortes nesta área. O Brasil, entre os países em desenvolvimento, é o que mais avançou. Para avançar mais, é preciso que o Cade permita que os gestores possam continuamente se dedicar a isso. Esse grupo vai produzir trabalhos de quais seriam os métodos quantitativos que podem ser utilizados para analisar uma fusão, as vantagens e as desvantagens de se usar esse ou aquele método. Dará segurança às empresas, antes de fazerem a fusão, de como elas serão avaliadas.
Por fim, o grupo de Mercados Regulados. Esse grupo vai cuidar dos segmentos de telecom, energia elétrica até o mercado de saúde. De um modo geral, todos os mercados que têm agências reguladoras.

Uma decisão do Cadê Sky/DirecTV versou sobre conteúdo audiovisual. Esse grupo também cuidaria disso?
O audiovisual faz parte do conjunto de elementos que se relaciona com telecom. Serviços como TV por assinatura, por exemplo, são muito dependentes de telecom. O grupo cuidará de todos os assuntos que são relevantes à concorrência. A discussão sobre se esse conteúdo é doméstico ou não, a princípio não é relacionado à concorrência, mas pode vir a ter implicações a concorrência e por isso é importante.
Embora vários conselheiros vejam uma política de proteção à produção doméstica nos mais variados setores como algo importante, não faz parte da atribuição legal do Cade. No caso Sky/DirecTV, havia uma preocupação com eventual abuso que poderia haver com a fusão, em determinado período de tempo, com relação aos provedores desses conteúdos. Por isso as empresas foram obrigadas a manter esses contratos.
É interessante esse mercado – nós o chamamos de mercado de dois lados – pois a renda de uma empresa de serviço de conteúdo vem tanto do lado do anunciante quanto daquele que adquire o serviço. Isso é importante e teve a ver com a decisão sobre a Sky/DirecTV porque, passar o programa significa gerar receita para a empresa de conteúdo. Embora fosse um contrato privado, e não um problema de concorrência, vimos que era interessante manter o sinal para os canais serem vistos porque, ao serem vistos, geravam receita no outro mercado. Essa complexidade é interessante.

Qual é a expectativa do Cade ao criar os grupos?
Todos eles, em seis meses, vão apresentar um conjunto de produtos concretos. Um deles, rotineiro, é a prestação de serviços pontuais solicitados pelos gabinetes. Eu sou o relator da fusão Oi/BrT. Se tenho alguma dúvida sobre um determinado ponto, faço uma pergunta para eles estudarem a resposta. Além disso, os grupos vão produzir documentos sobre questões gerais, que não são relativas a casos concretos. Nesse momento um dos grupos está estudando uma questão formulada pelo plenário do Cade: qual o impacto concorrencial de uma mudança regulatória do PGO e no PGR?
Conforme o conteúdo do documento produzido, que vai para o plenário, os conselheiros decidem quais informações do documento são de circulação pública ou não. Qualquer coisa que implique antecipação de uma decisão do conselho, não podemos tornar público. Nos próximos seis meses, essa é a atividade do grupo.

Quanto tempo para o grupo responder essa primeira pergunta?
São seis meses para apresentação da resposta. O contrato teve início na primeira semana de outubro. Isso não significa que o documento estará no site ao final desse prazo. A estimativa é de que ele se torne público em oito meses, depois de passar pelo crivo dos conselheiros.

O Cade vai adotar qualquer medida antecipatória quanto à fusão BrT-Oi?
O Cade não fez ainda qualquer pedido de cautelar e não chegou ao Cade, por parte de nenhum concorrente, pedido dessa natureza. A medida cautelar tem como pré-requisito que o tempo traz um prejuízo ao ambiente. Esperar até a decisão final pode gerar um custo que torna a decisão ineficaz. Se a decisão fosse instantânea, não existiriam esses problemas. Por isso, o periculum in mora.
Na análise de casos complexos, a decisão demora um ano. E nesse tempo, o mercado pode se alterar de tal forma que, até o Cade decidir, a decisão é ineficaz. Inês é morta.
Nesse caso concreto, não há esse risco no momento, porque a operação não pode ser feita por causa do PGO. Só existe o fundamento para uma medida desse tipo quando houver a mudança do PGO, e aí, sim, as empresas vão se fundir. Se o Cade entender que elas não podem se fundir, que elas têm que aguardar a decisão do Cade para realmente se fundir, a instituição pode entrar com uma medida cautelar. Neste momento, não posso traduzir absolutamente nenhuma intenção.

O Cade não tem que se manifestar antes da decisão?
O Cade foi notificado da operação porque duas empresas se comprometem a se fundir, mesmo que esse compromisso possa não se realizar por um evento de terceiros. Diferentes empresas tem trazido informações e o Cade tem buscado informação por conta própria. O Cade está estudando o assunto por uma questão de antecipação. Quando a mudança do PGO de fato ocorrer, nós já vamos conhecer muito bem a operação, e se for necessário uma medida imediata, que a gente já pode adotá-la.
A empresa também pode nos procurar para, temendo uma ação unilateral, antecipadamente fazer um acordo com o Cade. Ela corre o risco, se não fizer esse acordo, que, no dia seguinte da mudança do PGO, exista alguma medida cautelar bloqueando a operação.

O Cade precisa ser provocado para estabelecer uma medida cautelar?
Dois são os mecanismos principais para uma medida cautelar. O Cade, por conta própria, ou SDE [Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça] ou a Seae [Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda] – que são as entidades do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que estão com o processo, podem pedir ao Cade a adoção da ação. Outro mecanismo são as empresas concorrentes ou consumidores ou qualquer entidade civil pode entrar com um pedido de cautelar, e o Cade é obrigado a dar uma resposta.
Uma ação desse tipo poderia acontecer agora. Muito provavelmente a Embratel, que já se manifestou como interessada nessa operação e participará de tudo, recebendo todos os documentos apresentados ao Cade, poderia pedir isso, mas não o fez até agora.
Se a Embratel entrar com uma medida cautelar, nós teremos que deliberar sobre ela, dando provimento ou não, esclarecendo os motivos da decisão. Normalmente, a justificativa para a cautelar precisa de duas condições: periculum in mora, o risco de não se decidir agora, e “fumaça do bom direito”, que quer dizer: ainda não se analisou a questão profundamente, mas pelas informações iniciais, ela é preocupante.

A Embratel apresentou algum documento sobre a fusão BrT-Oi?
A Embratel não apresentou estudos sobre a operação, mas a Telcomp [Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas] sim. De qualquer forma, as medidas antecipatórias no Cade se justificam somente depois da publicação do PGO.

No caso da BrT-Oi, o Cade vai analisar o impacto regulatório?
O cade vai analisar a operação. O estudo do grupo de trabalho de Mercados Regulados seria feito independentemente da fusão BrT-Oi. Se a operação vier a ser abortada por qualquer motivo, o grupo de trabalho continua o estudo.
É preciso ver a operação como um todo porque essa unificação pode afetar a análise de outros mercados. Na constituição do mercado relevante, por exemplo, uma coisa é banda larga, outra coisa ligação local. A princípio, são mercados relevantes distintos, mas o fato de haver uma concentração no mercado A pode afetar sua análise do mercado B, sobretudo quando essas empresas oferecem serviços conjuntos, em pacote.
Nós analisamos, em resumo, o efeito esperado de uma fusão. No primeiro momento, os efeitos sobre as condições de concorrências e , num segundo momento, dado os efeitos nas condições de concorrências, se houver efeitos negativos, se são superiores ao bem-estar do consumidor final.
Os efeitos negativos da concorrência podem ser eventualmente compensados, como prevê a nossa lei, se houver grandes ganhos de eficiência e que sejam específico da operação, quer dizer, não podem ser obtidos de outro modo, e que sejam transferidos ao consumidor final.
Nossa rotina de olhar os mercados separadamente ou não é um mecanismo de responder a essa grande questão: se o contrato fere a concorrência e prejudica o consumidor final. Normalmente a eficiência está relacionada a uma queda de custo, gera mais renda para a empresa? Ela poderia ser obtida de outra forma ou é específica da operação? Poderia ser gerada pela fusão de outras empresas, que não implicasse tantos prejuízos competitivos?
Esses ganhos têm que ser transferidos ao consumidor final. Obviamente, nós não conseguimos prever exatamente como esses ganhos serão repassados, mas precisamos que as condições estruturais do mercado sejam tais que é possível dizer que o consumidor final não será prejudicado e, melhor ainda, vai receber esses benefícios. Normalmente a gente usa alguns modelos para fazer esse tipo de predição.

O PGO não afeta apenas a Oi e BrT, mas permitiria, na teoria, a fusão da Telefônica com a Embratel…

O estudo do grupo temático não é relacionado a uma operação, é a resposta a uma pergunta geral: quais são os efeitos concorrenciais da mudança do PGO e do PGR. Unbundling, separação contábil, qual a eficácia desses instrumentos em termos de concorrência, de competição. Vamos estudar os temas que são regulatórios, mas que têm implicações concorrenciais. O PGO é um deles e o grupo vai estudar a implicação das mudanças regulatórios que estão se avizinhando e que são relevantes para o caso BrT-Oi, mas que são relevantes também para outros casos, que eventualmente venham a ocorrer.
O grupo temático é a construção de um conhecimento aprofundado sobre um setor que tem nos colocados desafios, não apenas por uma operação complicada, é o setor mesmo que se transformou em uma tal intensidade, que exige um novo conhecimento. E esse é o propósito do grupo.

Convergência, concentração de empresas, o que preocupa o Cade?
O tema da convergência é um belo exemplo. O mercado de telecomunicações tem passado por transformações muito grandes. Esse setor passa por mudanças tecnológicas muito profundas. Há mudança não só de empresas, mas também de mercados. Mercados que não existiam e passaram a existir. Definições, portanto, do que é o mercado, qual é a fronteira desse marcado, qual o grau de inter-relação, são questões novas, que nunca foram debatidas, não existe uma jurisprudência e por isso o Cade sentiu a necessidade de aprofundamento.
O documento sobre convergência feito pelo Cade é a síntese de das discussões realizadas nas audiências públicas, mas não é um documento vinculativo, ou seja, não significa que o Cade decidirá o caso, por exemplo, TVA/Telefônica, considerando que tudo é um mercado só. Ao contrário, das decisões do Cade, a melhor referência é a de plenário, e a última semelhante foi sobre o caso Oi/WayTV.

A decisão do Cade sobre a compra da Way TV pela Oi/Telemar mostrou aonde está a preocupação da instituição sobre concentração?
De um certo modo, sim. O Cade observou que a ausência das restrições estabelecidas poderia viesar a concorrência de modo anticompetitivo no mercado de banda larga.

Então, o Cade está preocupado com a competição no mercado de banda larga e não no de TV por assinatura?
Naquele caso, sim. As manifestações do Cade são sempre sobre casos específicos. Vai deixar de ser agora com os grupos temáticos produzindo documentos gerais, coisa que o Cade nunca fez. O Cade é um tribunal administrativo, ele funciona muito como judiciário.

Mas quando o Cade julga um caso, ele está indicando a tendência de suas preocupações.
Perfeito. A interpretação de cada caso por parte do Cade, pode servir para analisar outros casos. É a famosa jurisprudência. Começa-se a construir um modo de decidir. Mas é claro que em todo caso novo tem que se verificar se as condições são semelhantes. A preocupação do Cade é assegurar a concorrência nas novas plataformas. Se uma operação indica qualquer prejuízo à concorrência nas novas plataformas, então o Cade tomará as providências para assegurar a concorrência.

O caso TVA/Telefônica já chegou ao Cade?
Não está no Cade. Ele veio como uma medida antecipatória, uma cautelar que foi solicitada, salvo engano, pela Embratel, e o Cade decidiu que tinha fumaça, mas não tinha periculum in mora. Ou seja, era uma situação que poderia gerar uma restrição no futuro, mas não havia periculum in mora, e não foi determinada a cautelar.

A demora estaria relacionada com o fato de a Anatel não estar preparada para instruir os processos?
O tempo de análise da Anatel nos atos de concentração é muito variado. Pode ser muito rápido, pode ser extremamente longo. Não existe uma correlação entre esse tempo e a complexidade do caso. Já houve casos em que a duração foi muito longa, anos, porque a Anatel não tem o mesmo prazo legal que da SDE.

O processo administrativo do Clube dos 13, está há mais de 15 anos tramitando no Sistema de Defesa da Concorrência…
Há um aspecto jurídico para entender porque a instrução de processo administrativo é tão demorada. Nesse caso, ninguém comprou ninguém, ao contrário dos atos de concentração. Havia uma queixa de determinados agentes a respeito dos contratos de aquisição dos direitos relativos ao campeonato brasileiro de futebol. O processo administrativo tem que seguir o rito da ampla defesa e do contraditório. Todos têm que ser notificados de tudo o que ocorre, de todos os documentos que entram, que precisam passar por todos os advogados para que possam contestar ou aprovar. A SDE tem que fazer oitivas de testemunhas e tomar uma decisão se mantém aquela prova ou não. Assim vai, o processo é muito longo.
Acho que, de um modo geral, existe um trade-off entre tempo e a qualidade técnica de uma decisão. A nossa função não é ter a melhor qualidade possível se isso isso significar que o processo vá demorar cinco, oito, dez anos. É melhor termos uma qualidade técnica que seja até certo ponto sacrificada, mas que seja mais rápida. Essa é uma posição do Cade, tanto que é muito raro um caso demorar aqui dentro.

No setor de telecom, o Cade é acionado, na maioria das vezes, nos atos de concentração. Vocês pretendem atuar nas questões de conduta desse setor?
O projeto de lei que tramita no Congresso Nacional torna o Cade com mais capacidade para intervir tanto nos atos de concentração quanto em conduta e eu, em particular, considero muito importante os atos de concentração. Em telecomunicações, nós atuamos nas duas áreas. Houve um caso que em que a decisão ficou empatada por três a três e, por voto de qualidade, a empresa não foi condenada. A empresa era a Vivo, num caso que se originou no Rio Grande do Sul. Os conselheiros do Cade se dividiram, porque era uma análise que dava margem a uma interpretação complexa.
Cartel é uma prática mais simples de identificação. Mas diferentes estratégicas, como fechamento de mercados e discriminação de preço são discussões muito mais complexas. O Cade, prefere, assim, fazer os acordos prévios, os TCCs, para implementar a decisão mais rapidamente.
Aconteceu no caso Net por causa do SporTV. As empresas não Net entraram com uma representação contra a Globosat, que se recusava vender o canal SporTV, e ficou configurado que, de fato, ela vendia em pacotes os canais Globosat para Net. E, ao invés de se enfrentar um processo longo, com passagem no Judiciário, preferimos o acordo, pois percebemos que, de fato, os canais estavam com grande dificuldade de sobreviver, e, até sair a solução do judiciário, poderia não haver mais empresas. Pelo acordo, a Globo se comprometeu vender o canal nas mesmas condições que vendia para a Net. E isso está acontecendo, tanto que a TVA transmite o SporTV.
Já o caso Sky/DirecTV resultou em uma série de restrições, e argumentou-se recentemente se havia descumprimento dessas restrições. O caso está na seção de acompanhamento das decisões do Cade. Até o momento, não se configurou o descumprimento. A retirada do canal MTV do line up é uma questão contratual. Quando acabou o contrato, a MTV propôs um aumento e a Sky disse que não aceitava. A restrição do Cade não obrigava a Sky/DirecTV a passar a MTV a qualquer preço, mas sim manter as mesmas condições. Se a MTV mantivesse o preço, a Sky seria obrigada a passar o canal.

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