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“Quebra do anonimato na internet coloca em risco a liberdade e a privacidade”

[Título original: Anonimato na Internet: ‘absolutamente necessário’. Entrevista especial com Fernanda Bruno]


“A discussão sobre a legitimidade do anonimato em esferas ou espaços públicos não é um privilegio da atualidade e marcou calorosas disputas na modernidade”, relembra a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernanda Bruno. Na entrevista a seguir, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, ela trata da questão do anonimato na Internet. “O anonimato é absolutamente necessário para indivíduos e grupos que vivem em regimes totalitários ou sob censura, para os quais, muitas vezes, comunicar-se anonimamente é uma questão de sobrevivência muito concreta”, opina.

Fernanda Bruno é doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, onde coordena a Linha de Pesquisa “Tecnologias da Comunicação e Estéticas” e o CiberIdea: Núcleo de Pesquisa em Tecnologias da Comunicação, Cultura e Subjetividade. É organizadora do livro Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação (Porto Alegre: Sulina, 2010).

Confira a entrevista.

O anonimato na Internet é algo legítimo?
Sim, o anonimato na Internet é absolutamente legítimo. Tão legítimo quanto a privacidade e a liberdade de comunicação, informação e expressão. É importante ressaltar que, no caso da Internet, esses três aspectos estão entrelaçados e que a quebra do anonimato pode colocar em risco tanto a liberdade quanto a privacidade dos indivíduos e dos dados que hoje circulam na rede.
A discussão sobre a legitimidade do anonimato em esferas ou espaços públicos não é um privilégio da atualidade e marcou calorosas disputas na modernidade. Parte dessa discussão está atrelada à utopia de uma sociedade transparente, a qual tem muitas faces. Para citar uma delas, aquela que paradoxalmente constitui um dos lados mais “sombrios” do “Século das Luzes” é exatamente a que vai defender a ordem social intimamente atrelada a uma visibilidade total, à utopia política de um olhar vigilante. Um dos mais conhecidos projetos dessa utopia é o sonho panóptico de Jeremy Bentham [1]. Conhecidos também são os temores que o anonimato despertou com o surgimento da vida urbana e das massas modernas. Toda uma polícia e uma política de identificação se constituiram na tentativa de distinguir os traços de uma identidade individual nos rostos e corpos indiferenciados e anônimos das multidões urbanas.
Na contracorrente desses processos, toda uma outra linhagem de pensadores e práticas defende o anonimato como um princípio fundamental para o pleno exercício da vida pública e da liberdade em coordenação com a proteção da vida privada. Hoje, tanto o temor do anonimato quanto uma tentativa de ampliar os sistemas de identificação ressurgem com a Internet, mas, seguramente, qualquer tentativa de quebrar o anonimato é muitíssimo mais perigosa para a sociedade do que a sua existência como princípio legítimo e aliado à privacidade e à liberdade.

E, em sua opinião, o anonimato na Internet deve ser protegido?
Sim, deve ser protegido no sentido de garantido, assegurado, sem dúvida. Pois, sem o anonimato, a Internet se torna um espaço de controle e de vigilância potencial. Como bem mostram vários estudos, entre os quais destaco os de Alexander Galloway [2], nossas comunicações na rede são operadas por protocolos que como deixam rastros que podem ser localizados, o que implica a possibilidade do controle.
Entretanto, não há, nesta mesma estrutura e na arquitetura da rede, nada que exija o vínculo de tais rastros a indivíduos especificamente identificados. Ou seja, essa estrutura acolhe e assegura o anonimato, ainda que o número do IP possa ser rastreado. E isso deve ser mantido. Na verdade, a garantia do anonimato é o que, digamos, nos “protege” do controle e do vigilantismo na Internet.

Quem não quer o anonimato e por quê?
A Internet é, desde o seu surgimento, uma rede de comunicação distribuída, baseada no anonimato, apesar de algumas tentativas pontuais contrárias. E, com essa estrutura, ela se tornou o que é hoje, uma rede fundamental e essencial em nossa vida social, política, econômica, cultural, cognitiva etc.
Segurança e interesses comerciais e corporativos são a base de boa parte dos argumentos recorrentes contra o anonimato na Internet. É plenamente legítima e necessária a defesa da segurança na Internet, mas não creio que esta seja inimiga do anonimato, ao contrário. Mesmo porque, em caso de crimes, a quebra do anonimato já está prevista e garantida pela lei.
Mas acho que há pelo menos dois níveis a serem considerados: um primeiro, mais “vital”, no sentido forte do termo, é que o anonimato é absolutamente necessário para indivíduos e grupos que vivem em regimes totalitários ou sob censura, para os quais, muitas vezes, comunicar-se anonimamente é uma questão de sobrevivência muito concreta. Um segundo nível consiste não tanto no anonimato em si, mas em uma série de outros processos que estão articulados a ele na Internet, a liberdade de comunicação e expressão, a privacidade, a possibilidade e abertura em reinventar modelos de partilha de informação, conhecimento, bens etc.

Como você vê a relação da fama e do anonimato na Internet?
Fama e anonimato convivem plenamente e profusamente na Internet, território absolutamente cambiante e marcado pela diversidade. Estamos falando agora não mais do anonimato, digamos “estrutural” ou “arquitetural”, mas no desejo de as pessoas permanecerem anônimas ou conquistarem alguma fama. Por um lado, há um impulso e uma corrida pela fama muito presente em diversos domínios da rede, reproduzindo os ideais da cultura de massas com novas roupagens. Por outro lado, há dinâmicas colaborativas em que sistemas de reputação convivem com o anonimato dos participantes. E há, ainda, processos sociais, políticos, estéticos cujo “pathos” passa pelo anonimato. A mais recente e breve ‘mania’ que chamou a minha atenção neste sentido foi o Chatroulette, onde uma das grandes excitações, à diferença das redes sociais “entre amigos eleitos ou relativamente conhecidos”, é o encontro aleatório com o desconhecido, uma roleta de anônimos interconectados. Não sei se o Chatroulette vai vingar ou não para além de seu sucesso inicial, mas trata-se de um dispositivo interessantíssimo, e é instigante imaginar esse processo coletivo de encontros aleatórios com o desconhecido.

Os engenheiros que viabilizaram a Internet fizeram isso pensando no anonimato. Para você, que história social da Internet, enquanto mídia e a partir do anonimato intrínseco, criamos?
Eu diria que a história da Internet é marcada por uma extrema inventividade, uma grande capacidade de se desviar dos fins que lhes são propostos. E isso desde seu início, em que se desviou dos fins estritamente militares e acadêmicos e, desde então, vem sendo apropriada de múltiplos modos e em muitas direções, constituindo modelos alternativos não apenas de comunicação, mas de produção e circulação da informação e do conhecimento, de sociabilidade, de ação política, social, cultural, assim como dinâmicas alternativas de mercado, trocas etc.
É claro que essa inventividade não se dá num território de plena harmonia, mas num campo de embates e disputas cada vez mais acirrados em que concorrem também modelos centralizados, massificados, corporativos, conservadores etc. Mas de toda forma, na Internet, esses embates são possíveis, enquanto, nas mídias massivas, as relações de força eram muito mais cristalizadas. E, voltando ao anonimato, toda essa inventividade que atravessa a história da Internet, sem dúvida não se deve apenas ao anonimato, mas a múltiplos fatores, atuando de forma conjunta e extremamente complexa. Porém, creio que a Internet estaria muito ameaçada sem ele.
O que há de mais interessante é que a Internet não está encerrada e não pode ser explicada nem pelo gênio de alguns indivíduos, nem pela gestão de certas corporações, nem por ações de um pequeno número de centros. Embora haja tudo isso na rede (egos inflados, grandes corporações, centros), a inventividade que importa e que me parece mais efetiva na história da Internet é essa inventividade distribuída, coletiva, atrelada, entre outras coisas, às redes do anonimato.

Notas:
[1] Jeremy Bentham foi um filósofo e jurista inglês. Juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade.
[2] Alexander Galloway é professor do Departamento de Cultura e Comunicação da Universidade de Nova York.

 

Google, nossas vidas e monopólio na web

[Título original: Google: nossas vidas como base para construção de um monopólio na web.]

Há quem diga que a web 2.0 está criando novos tipos de paradigmas na sociedade, uma vez que disponibiliza um tipo de autonomia e interação que antes era quase impensável. Um deles é a economia da gratuidade. Serviços que antigamente eram caros e tecnicamente difíceis de serem utilizados hoje estão sendo disponibilizados na internet sem gerar custo ao usuário e fazendo com que ele perca menos tempo e tenha mais qualidade em seu trabalho.

Quem está sabendo tirar partido desse novo cenário é a empresa Google. Para os mais entusiastas, os serviços parecem perfeitos, mas, quanto mais cresce o Google, maior fica também o monopólio que a empresa está construindo em torno dessas ofertas que disponibiliza. O que esperar? Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP), André Fleury, “o mercado financeiro reconhece que o monopólio que o Google está estabelecendo na web garante que, no futuro, a empresa poderá ser capaz de gerar receitas e barreiras para que novos participantes não sejam concorrentes diretos”.

Ele concedeu entrevista à IHU On-Line por telefone e falou sobre essa realidade que está surgindo e sobre o desenvolvimento da web 2.0 e o nascimento da web 3.0.

André Leme Fleury é graduado em Engenharia Mecânica de Produção, pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou mestrado e doutorado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Catarina e na USP, respectivamente. Na USP é, atualmente, professor e coordenador do projeto Cidade do Conhecimento. É autor de “Dinâmicas organizacionais em mercados eletrônicos” (São Paulo: Editora Atlas, 2001).

Confira a entrevista.

Já podemos falar em economia do gratuito em relação à internet? Como essa economia está se constituindo e que perspectivas podemos ter em relação ao seu desenvolvimento?
Sim, podemos falar sobre economia do gratuito, que está ainda nos seus passos embrionários. O que se quer dizer com “passos embrionários ou iniciais”? Se pegarmos o Google [1] como exemplo, veremos que ele vale 200 bilhões de dólares, mas fatura sete bilhões exatamente por causa dessa economia da gratuidade que está surgindo agora. Em outras palavras, o Google tem uma quantidade de informações hoje em dia extremamente elevada em seu poder. Essas informações estão concentradas no YouTube, no Google Maps, no Google Earth, no Orkut (onde ele conhece muito das pessoas), entre outros serviços. Ele disponibiliza esses recursos onde obtém uma série de informações que são extremamente valiosas. No entanto, ainda não está claro como ele vai gerar modelos comerciais em relação a esse patrimônio que dispõem. Então, a economia do gratuito está ligada, num primeiro momento, à questão dos novos modelos de negócio que surgirão ao longo do tempo.
A segunda questão está relacionada ao compartilhamento do conhecimento para um bem comum e que, ao mesmo tempo que beneficia um usuário, dá retornos para a empresa também. São duas dinâmicas diferentes: a primeira se refere ao futuro das apostas na bolsa de valores que viabiliza recursos para que as empresas possam desenvolver ainda mais seus serviços, como é o caso do Google, e a segunda está relacionada aos softwares com códigos abertos. Aqui na USP, já estamos trabalhando essa questão e nos perguntamos: como compartilhar conhecimento de tal maneira que os professores possam utilizar o material um do outro e assim prestar melhores serviços, gerar conhecimento e oferecer aos repositórios o resultado disso?

A web 2.0 é uma receita de inovação e integração para produção social realizada pelas empresas e instituições?
A web 2.0, tecnologicamente, não representa inovação alguma, ou seja, as ferramentas que caracterizam a web 2.0, seja blog, wiki [2], fóruns, são tecnologias que estão disponíveis há bastante tempo para a maioria das pessoas. O que realmente apresenta uma inovação é a forma de relacionamento. As empresas estão começando a despertar para essa coisa das interações e das redes sociais, mas existe ainda muito chão para elas construírem. Aqui na universidade, estamos trabalhando os conceitos de construção colaborativa de conhecimento, ou seja, como os alunos podem adquirir conhecimento necessário para desenvolver os seus trabalhos, analisar e resolver os problemas. A mudança de paradigma aí é bastante extensa porque muda o relacionamento professor-aluno. Antes, apenas o professor detinha o saber; hoje, os alunos buscam o conhecimento, disponibilizam e aplicam esse conhecimento, e o professor passa a ter uma postura de mediador de uma rede. Essa mudança é radical e requer muita maturidade.

O Google está criando cada vez mais plataformas para que possamos “empurrar nossa vida para dentro da web”. Estamos criando uma cultura da inteligência coletiva com isso?
Depende de como esse conhecimento será compartilhado. No momento em que transfiro uma planilha minha para o Google Docs, eu estou simplesmente mudando o meu canal de acesso. Não existe uma mudança significativa em relação ao compartilhamento de conhecimento. A inteligência coletiva só surge quando existe esse compartilhamento. Então seriam necessárias novas dinâmicas para trabalhar esses documentos de tal maneira que eles não sejam mais meus. Nesse sentido, eles passariam a incorporar e desenvolver novas possibilidades de captura, além de gerar uma nova forma de divulgação desse conhecimento.

Mas o que o Google ganha com essa totalidade de serviços gratuitos?
Nada. O retorno só vem da bolsa de valores que investe no potencial dos serviços oferecidos. Por exemplo, a coisa mais cara é armazenar mídias, documentos etc. O Google oferece esse espaço que não temos e de forma gratuita. Existem links patrocinados, mas que não revertem o valor investido. No entanto, o mercado financeiro reconhece que o monopólio que o Google está estabelecendo na web garante que, no futuro, a empresa poderá ser capaz de gerar receitas e barreiras para que novos participantes não sejam concorrentes diretos.

A web 2.0 parece incluir cada vez mais as pessoas, isso porque seus dispositivos geralmente são fáceis de usar e permitem que se façam coisas na internet que antes só eram possíveis através de softwares caros e que exigem conhecimento técnico. Como está se constituindo o conceito de web 2.0 a partir dessa noção de excluídos e incluídos digitalmente?
Eu separaria essa questão em duas. A primeira diz respeito aos softwares livres, que são tão bons ou melhores do que os softwares proprietários. Um exemplo é o moodle [3], que temos usado extensivamente em diversas iniciativas. É extremamente fácil baixá-lo, instalá-lo e configurá-lo. Esse software representa muito essa idéia da economia do gratuito, em outras palavras. Eu uso e me beneficio dele. A cada vez que ele é aprimorado, esse aperfeiçoamento é incorporado pela comunidade, caso ela ache isso apropriado. Essa cultura tende a se valorizar cada vez mais.
Em relação à exclusão e inclusão digital, a coisa é bem mais complexa. Eu não vejo uma relação direta entre a web 2.0 e a inclusão digital. Temos trabalhado muito o conceito de emancipação digital, que não é apenas a pessoa saber mexer nos recursos, mas ser capaz de gerar renda com esses recursos. Ainda há poucas iniciativas nesse sentido, pois requer uma série de outras iniciativas de educação para que essas pessoas possam usar essas ferramentas das melhores formas possíveis.

Como se configura hoje e como pode ainda ser melhor explorada a arquitetura da participação a partir do conceito de web 2.0?
Esse é o principal desafio para quem está trabalhando com esse tipo de plataforma atualmente. O caso mais clássico que temos são os trabalhos de conclusão de curso que orientamos aqui na USP. Os alunos são conduzidos para trabalhar numa plataforma que tem wiki, tem fórum e assim por diante. E isso tem funcionado muito bem, pois as empresas estão interessadas nesse tipo de desenvolvimento e as universidades estão municiando esse aluno com todo conhecimento necessário para resolver esse problema. A participação está funcionando porque todos os lados estão trabalhando. O problema se apresenta quando só um lado está inserido nesse contexto. Essa evolução está muito relacionada ao jogo do estímulo e resposta.

A web 2.0 põe fim ao ciclo de lançamentos de softwares?
Não. Os softwares estão relacionados à capacidade de inovação. Se se é capaz de inovar, o posicionamento no mercado estará muito bem. Os softwares que estão fadados a desaparecer são aqueles que pararam de inovar, o que dá tempo para a comunidade criar um software livre. Com o Office aconteceu isto quando o Open Office foi criado.

Como a nova geração da internet afeta a mídia?
Estamos assistindo à convergência. Temos aí uma mudança de geração, ou seja, as pessoas precisam estar evoluindo no sentido de as novas mídias substituírem as mídias antigas, mas até agora nada muito efetivo aconteceu ainda. As grandes empresas estão sendo impactadas, mas ainda não de uma forma expressiva pela web. Mas haverá uma consolidação das novas mídias, certamente.

E o que viria ser a web 3.0?
A web 3.0 tem dois significados. O primeiro é a web semântica, ou seja, os mecanismos de busca vão se transformar em agentes mais inteligentes capazes de trazer melhores respostas às perguntas formuladas. A segunda tendência diz respeito a capacidade de remunerar quem está gerando conteúdo e conhecimento. Quando o Google descobrir como ganhar dinheiro com o YouTube, nada mais justo do que ele passe uma parte do dinheiro que ganhou para quem postou o conteúdo. Mas é preciso ainda fazer uma grande reflexão acerca da web semântica e dos modelos de negócio.

Esse é o momento de as novas redes sociais ditarem as regras do mercado, da sociedade, das políticas etc.?
Sem dúvida alguma. Tanto isso incomoda que a campanha política foi proibida para além dos sites oficiais dos candidatos. Isso porque as pessoas ainda não compreendem como a web 2.0 pode ser utilizada para a questão da política e, por isso, se proíbe. Tal movimento prova exatamente a capacidade dessa nova forma de comunicação entre novos mecanismos de percepção e avaliação dos usuários. No caso da política, essa questão assusta e daí ser mais fácil proibir do que tentar gerenciar o novo movimento.

E como o senhor vê a questão da discussão acerca do controle em relação à internet?
Eu acho que ela é incontrolável. Ela nasceu na sua essência livre justamente para garantir a multiplicidade de fontes de informação. Proibições e ações judiciais atestam o quanto elas podem incomodar e o quanto ela é incontrolável. As corporações têm de se adaptar a elas e passar a jogar a partir dessa sociedade gerada a partir do novo conceito de web.

Notas:

[1] Google Inc. é o nome da empresa que criou e mantém o maior site de busca da internet, o Google Search. O serviço foi criado a partir de um projeto de doutorado dos então estudantes Larry Page e Sergey Brin da Universidade de Stanford em 1996.

[2] O termo wiki é utilizado para identificar um tipo específico de coleção de documentos em hipertexto ou o software colaborativo usado para criá-lo. O termo significa, em havaiano, “super rápido”.

[3] Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment – Moodle é um software livre, de apoio à aprendizagem, executado num ambiente virtual. A expressão designa ainda o Learning Management System (Sistema de gestão da aprendizagem) em trabalho colaborativo baseado nesse programa. Em linguagem coloquial, o verbo to moodle descreve o processo de navegar despretensiosamente por algo, enquanto fazem-se outras coisas ao mesmo tempo. O conceito foi criado em 2001 pelo educador e cientista computacional Martin Dougiamas. Voltado para programadores e acadêmicos da educação, constitui-se em um sistema de administração de atividades educacionais destinado à criação de comunidades on-line, em ambientes virtuais voltados para a aprendizagem colaborativa. Permite, de maneira simplificada, a um estudante ou a um professor integrar-se, estudando ou lecionando, num curso on-line à sua escolha.

A televisão brasileira na era digital

A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes (São Paulo: Editora Paulus) é o título do mais recente livro de César Bolaño e Valério Brittos. Nele, os autores discutem os problemas atuais que mais envolvem a televisão digital no Brasil. Também traçam um diagnóstico sobre a produção televisiva, a indústria cultural, o estado da televisão digital no Brasil e no mundo e comentam sobre as falhas do governo em relação a essa nova tecnologia que chega ao país. A IHU On-Line conversou com o professor Valério Brittos sobre o tema.

Valério nos fala sobre as possibilidades de democratização que a TV digital pode ou não proporcionar à indústria cultural e jornalística brasileira e, ainda, sobre as exclusões que a tecnologia pode trazer a um país em que 97% da população possui televisão em casa. Ele comenta também a respeito do modelo de TV digital que se instala no país e os avanços que os experimentos feitos já trouxeram às programações. “Essa TV digital acaba estruturando o mercado como um todo. Ela nem iniciou e ela já exerceu uma série de influências/provocações em outras mídias. E, quanto mais estiver avançada a TV digital, mais ela vai repercutir sobre as demais mídias, sobre a internet, o próprio jornal”, acredita.

Valério Cruz Brittos é formado em Direito, pela Universidade Federal de Pelotas, e em Jornalismo, pela Universidade Católica de Pelotas, com especialização em Ciências Políticas. É mestre em Comunicação, pela PUCRS, e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é professor do PPG de Comunicação da Unisinos e presidente da ULEPICC – União Latino-americana de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura. Confira a entrevista.

*

O senhor acredita que a TV digital vai democratizar a produção cultural e jornalística da televisão brasileira?
Valério Brittos
– Não, a TV digital, por ela própria, não democratiza nem transforma nada. Só haverá democratização se as pessoas a aproveitarem com o objetivo de realizar algumas mudanças importantes que precisam acontecer. E, para isso, é necessário haver  regulamentação específica, participação da sociedade, enfim, mudança de comportamento. Até agora, por exemplo, no que diz respeito ao processo de concentração da televisão brasileira – na mão de alguns grupos muito fortes, que fazem o que querem -, nada vai mudar. Por outro lado, leis sobre o controle dos meios, como, por exemplo, a classificação indicativa, ainda não foram feitas.

Pequenos avanços foram dados, mas podemos aproveitar a tecnologia digital para fazer deste momento um momento de fazer mudanças. No entanto, não é a tecnologia sozinha que faz isso.

Que tipos de exclusões a TV digital pode fazer? Como essas exclusões se darão?
A primeira exclusão é a do consumo. Inicialmente, essa TV digital estará disponível para uma pequena parcela da população. A compra do conversor e do próprio aparelho televisor se tornará muito caro e a população não terá acesso. Depois, até irá se universalizar, mas a experiência mostra que, quando a tecnologia se universaliza, ela já deixa de ser tão importante. Ou seja, já passa a existir outra mais importante, que a elite passa, então, a consumir.

Além disso, existirão níveis de consumo: alguns podem pagar por serviços interativos, outros não; alguns poderão ter um codificador melhor que permita melhor interação, mas a maioria não poderá.

Outro tipo de exclusão é o acesso à possibilidade de produção de cultura. Quem é que vai produzir ou difundir cultura? Hoje em dia, já temos uma exclusão enorme de uma grande massa de pessoas, que não podem levar adiante suas reivindicações, seus posicionamentos, suas identidades. São essas as exclusões que existirão com a TV digital, embora nós possamos mudar o contexto. A regulamentação não está totalmente pronta. 

É possível fazer uma previsão do tipo de TV digital que o Brasil está adotando?
Pode. Até agora, nós temos pouca ou nada de regulamentação sobre isso e, por conseqüência, não existe uma exigência por parte do Governo Federal em relação aos operadores televisivos sobre qual o tipo de televisão que se terá. Com isso, eles podem fazer o que quiserem. Então, o problema é sério. Para atender aos seus próprios interesses, num primeiro momento, o que os operadores querem é fazer chegar à alta definição. É não transformar a possibilidade da TV digital, os seis megahertz que eles recebem, em multiprogramação. A multiprogramação seria mais democrática, isto é, mais vozes poderiam falar sobre diversos fenômenos, sendo mais “aberta para a sociedade”.

Eu diria que os principais operadores tentarão fazer a programação em alta definição. Essa é a TV digital que nós teremos com alguma coisa de interação, num segundo momento. A TV digital começa em dezembro, por São Paulo, sem interatividade. Como essa legislação está em aberta, pode ainda ser construída alguma regulamentação que imponha obrigações aos operadores de fazerem um dado tipo de TV digital, especialmente através da chamada Lei de Comunicação de Massa. O Brasil vem esperando isso há mais de 10 anos. Se essa lei vier, pode tanto apenas reproduzir as coisas como estão quanto introduzir mudanças.

A partir dos experimentos feitos até hoje, acontecerão muitas mudanças?
Sim, especialmente na imagem. Tecnicamente, o que mais se distingue é a possibilidade de uma imagem muito melhor. Mas aí não adianta só um conversor. Precisa-se também de um televisor diferente. Grande parte da população não o terá, num primeiro momento, como eu disse, pela questão econômica. Não são esses televisores que existem por aí, e sim outros, que serão talvez até mais caros, porque não há ainda uma escala de produção. Mas há também possibilidades interativas bastante interessantes.

Quais são, atualmente, os movimentos estruturantes que afetam a televisão e os demais meios de comunicação?
É que essa TV digital acaba estruturando o mercado como um todo. Ela nem está sendo usada e já exerceu uma série de influências/provocações em outras mídias. E, quanto mais estiver avançada a TV digital, mais ela irá repercutir sobre as demais mídias, sobre a internet, o próprio jornal. Tudo isso em movimentos de conexão, movimentos de convergência, mas que desestruturam.

Toda mídia provoca movimentos estruturantes, e a televisão mais do que qualquer outra. Isso porque ela é a principal mídia do Brasil e do mundo, tendo se tornado o meio de comunicação que as pessoas mais consomem. Internet é muito importante, é claro, mas o que as pessoas consomem mesmo é a televisão, que tem, portanto, um papel estruturante sobre os demais mercados e sobre a sociedade como um todo.

Quais são as variáveis tecnológicas, econômicas, políticas e sociais que definem os movimentos que estruturaram um mercado para a TV digital no Brasil?
São variáveis sobretudo econômicas. A questão do preço, da própria racionalidade de organização das empresas, enfim, o econômico, precisa ser tutelado porque, em princípio, ele funciona diretamente para aquele agente que está operando o negócio. Desse modo, ele precisa ser tutelado por lógicas, por variáveis extra-econômicas ligadas ao público, que passa pela regulamentação, pela pressão social, pela fiscalização. Isso passa muito pelo papel do Estado, em sintonia com a sociedade civil.

Ainda existem as variáveis sociais, como a sociabilidade. Afinal, há todo um conjunto de mudanças hoje no mundo, e essas mudanças repercutem sobre a forma de fazer – não só os conteúdos -, mas até de organizar essa televisão, em termos de o que ela terá de interativo, de como será disponibilizada determinada tecnologia.

Em termos jurídicos, já falamos que a questão da regulamentação, com as políticas públicas, cabe ao Estado construir em sintonia com o social. A questão do comunicacional será resultado de tudo isso. A gente terá essa TV digital expressando todo esse panorama.

O Ministério das Comunicações diz que o padrão japonês será adotado com inovações tecnológicas e com iniciativas de pesquisadores brasileiros, o que seria um padrão nipo-brasileiro?
Ele tem algumas inovações específicas com relação ao padrão japonês. Mas o problema é que esse grau de inovação me parece que não é tão diferenciado, não pelo menos para ser chamado de padrão nipo-brasileiro. Eu diria que, até se prove o contrário, chamá-lo de padrão nipo-brasileiro é marketing governamental. Trata-se de um padrão japonês adaptado às condições do Brasil. Foram feitas várias pesquisas no Brasil sobre a TV digital e se conseguiu avanços tecnológicos bastante interessantes. Mas o problema é o seguinte: qual é o grau de incorporação dessa tecnologia brasileira que vai haver no modelo brasileiro de TV digital? Num primeiro momento, parece que não haverá tanta incorporação desse modelo. Se houver, posteriormente, uma incorporação num grau mais elevado, aí sim pode-se pensar num padrão nipo-brasileiro.

Nos debates sobre a TV digital, não ouvimos as questões sobre um novo ambiente normativo – político, regulamentar e regulatório – para a comunicação social eletrônica brasileira. Que princípios devem nortear uma Lei Geral das Comunicações?
São dois princípios que se chocam: o princípio público e o privado. O princípio privatista é o princípio que se tem hoje e precisa ser compatibilizado com o princípio público. Hoje, o princípio que impera na TV digital é o privatista, levado do liberal ao extremo, no qual as empresas vão poder fazer o que quiserem (ou quase tudo que quiserem) com o espectro eletromagnético. Não existirão limites, determinações para fazerem tudo isso.

Outra possibilidade de princípio que se choca é o princípio público, onde dados agentes querem que, ao contrário disso, se imponha restrições e que a lógica de implantação da TV digital atenda, acima de tudo, aos interesses da sociedade. São esses dois princípios que se chocam, e eu insisto que ambos deveriam ser compatibilizados.

O que a população brasileira precisa saber sobre a TV Digital e ainda não foi ou foi pouco comunicada?
Precisa saber que essa é uma tecnologia que, por si só, não muda o mundo nem faz revolução. Mas ela pode trazer para o Brasil avanços que ele precisa fazer, resolvendo problemas estruturais do seu mercado de comunicação, que vem de sua origem, na década de 1950. Portanto, a sociedade deve saber que é necessário se mobilizar em torno de uma Lei de Comunicação de Massa, para que esse modelo de TV digital nos faça refletir sobre o ato de midiatizar. O ato de midiatizar deve ser marcado por lógicas públicas, de compromisso com a sociedade, de proteção da infância, enfim, por uma série de elementos para que se tenha a democratização do espaço eletromagnético. E que se possa, além disso, usar a televisão digital para levar conteúdos digitais a pessoas que não têm acesso a dados, a uma certa educação, digamos, eletrônica.

Eu acho que é isso que a sociedade precisa saber: que, se ela não se mobilizar, a TV digital reproduzirá as condições desiguais de acesso que nós temos não só na tecnologia, mas também na educação, na saúde, no transporte, ou seja, em muitas coisas.

O senhor pode falar um pouco sobre o processo de desenvolvimento do que está descrito no livro sobre TV digital no Brasil?
O livro é resultado de pesquisa acadêmica, desenvolvida durante três anos, uma produção feita por mim e pelo César Bolaño, e que teve a contribuição reflexiva de várias outras pessoas. Nesse resultado, nós discutimos um pouco quais são as balizas em que se deve pensar a televisão; qual é o problema da televisão brasileira, além de quais são os elementos que podem delimitar para se compreender o papel da televisão hoje (e o papel que ela pode vir a ter). Também se faz um histórico, depois, do processo de digitalização no mundo, chegando à televisão, investigando qual sua função hoje no Japão, no Reino Unido. Enfim, muitos aspectos podem ser encontrados nesse livro. Depois, se mergulha na discussão existente no Brasil e se estuda como é que começou a idéia de TV digital no país, o que já foi feito, quais foram as experiências, e o que o rádio vem fazendo para se digitalizar. Por fim, se passa ainda pelas operadoras, o que os canais também fizeram de experiências digitais, e se chega à discussão de qual é o estado hoje da TV digital no Brasil e o que pode ainda ser feito.

O link original da entrevista está disponível clicando aqui.

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