Arquivo da tag: Por Ana Rita Marini – e-Fórum/FNDC

“Anatel distancia-se do caráter de política pública em benefício da sociedade”

[Título original: Anatel, focada no mercado, esquece os interesses da sociedade]

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) está se afastando da sua missão de implementar políticas públicas. Criada em 1997 para promover o desenvolvimento do setor com serviços eficientes e adequados, defendendo os interesses da sociedade, a Agência está focada no mercado, segundo José Zunga Alves de Lima*, representante da sociedade civil no seu Conselho Diretor. Trabalhador do setor de telecomunicações há 30 anos, Zunga considera que a agência atua hoje de forma equivocada.

Em entrevista para o e-Fórum, Zunga defende a descriminalização das rádios comunitárias e considera que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) pressiona a Anatel manobrando a opinião pública – quando justamente a Agência é que deveria traduzir a opinião pública e os interesses da sociedade, no que diz respeito à sua área.

Para o Conselheiro, o Governo Federal errou ao deixar a Anatel e o Ministério da Justiça fora do Grupo Interministerial que estudará um novo marco regulatório das comunicações brasileiras. Ele reclama a correção desse erro.

Leia a seguir.

O governo criou um Grupo Interministerial para estudar o marco regulatório da comunicação e não incluiu a Anatel. Isso significa que está fazendo uma avaliação negativa sobre o modelo de agente normativo e regulador das telecomunicações representado pela Agência?
Acho que não. Eu entendo que a linha atual do governo é de reconhecimento da eficácia do instrumento regulatório. Não só do setor de comunicações, mas de todas as agências regulatórias. O governo vem trabalhando no sentido de fortalecer o órgão regulador nas suas ações setoriais, tanto no caráter orçamentário, quanto na indicação de seus quadros.
Pontualmente, no que diz respeito às telecomunicações, no momento em que se trata da revisão do marco regulatório, podemos fazer um parêntese aí do que é a Anatel hoje. A Anatel tem se distanciado do caráter de política pública em benefício da sociedade nos últimos 10 anos. Na medida em que a Anatel se pauta pela sua lentidão no processo regulatório, por decisões que não são eficazes ao benefício do usuário direto, como metas de competitividade, condições para entrada de novos competidores, ela se distancia.
Observando politicamente a Anatel, como ela funciona hoje, o seu quadro fragmentado interno mostra também que a interlocução de dentro para fora da agência está totalmente prejudicada. Observe que recentemente, no mesmo mês em que o governo lançou o grupo de trabalho interministerial, a Anatel, através de sua Presidência (o presidente da Anatel é Ronaldo Mota Sardenberg), fez uma consulta para reestruturação da agência, num ato monocrático, sem sequer consultar os demais conselheiros, rompendo o caráter colegiado do órgão regulador. Entendo que isso é extremamente antidemocrático e fere a ética da gestão participativa.

E como resposta a essa ação da Anatel, o que o governo faz? Repreende?
Não, porque estamos tratando de um órgão que tem independência do Executivo na sua configuração. Os órgãos reguladores são instrumentos de Estado, mas não diretamente ligados ao Executivo, têm certa independência, embora seja o Executivo que nomeie através de sabatina no Senado, os membros do Conselho Diretor. Mas isso, por si só, não garante que a política pública pensada pelo governo seja implementada numa rapidez que gere benefício social.
Por isso é que vemos, ultimamente, uma série de manifestações de outros segmentos do governo, como, por exemplo, a Justiça Federal, que tem, repetidas vezes, interferido no processo regulatório com ações, em função da lentidão do órgão regulador.
A Anatel precisa passar por um choque de realidade. Acho que as características atuais do Conselho Diretor prejudicam esse processo. Diferentemente do Conselho Consultivo, que abre o seu processo de funcionamento e aproxima da sociedade, o Conselho Diretor faz exatamente o inverso, aumentando o fosso da interlocução com a sociedade.

Mas o relatório anual de atividades da Anatel, de 2009, foi recentemente aprovado pelo Conselho Consultivo.
Foi aprovado com ressalvas extremamente críticas, por unanimidade do Conselho Consultivo (CC). Mas a peça da Anatel sofreu uma grande mudança – é claro que nisso pesou muito a decisão do CC, no ano passado, de rejeitar o relatório de 2008. Hoje, a Anatel apresenta as suas ações, em seu documento, de uma forma mais transparente.
No entanto, quando nós [CC] listamos as ressalvas, elas são as mesmas que fazemos historicamente, realtivas ao distanciamento, mecanismos ineficazes, mecanismos de sanção com caráter protelatório em benefício ao irregular, que maltrata o usuário e que justamente deveria ser alvo de benefício. O CC listou uma série de elementos críticos e o relatório do conselheiro Israel Bayma constroi essa linha, observando uma série de erros (o relatório está em fase final de redação, será disponbilizado após sua entrega na Anatel).

Por que o relatório anterior foi rejeitado?
No ano passado, a rejeição do relatório tinha como pilar todas essas limitações que estamos enumerando agora e ainda o agravante da manifestação do TCU (Tribunal de Contas da União), que fez uma série de solicitações de comunicação de informação, porque também recebeu o documento pela metade.
Então, nós do Conselho Consultivo, que é uma peça de controle da sociedade dentro da Anatel, o rejeitamos pela forma incompetente como a Agência preparou o documento e o encaminhou ao CC e aos órgão externos, que são o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da União e a Advocacia Geral da União,.

Qual foi o resultado disso?
O efeito de sanção é mais político do que jurídico. O CC é um organismo político. O Relatório 2008 passa a ser uma peça de observação especial pelos órgãos de controle externos. Fica constando nos anais da Anatel que na análise desse documento houve rejeição por parte do CC.
Ao aprovar o relatório, este ano, aprovamos a letra fria, porque o relatório veio completo. No entanto, na análise política, que é subjetiva, nós enumeramos uma série de ressalvas.

Então vocês concluíram que a Anatel não cumpriu o seu papel?
Ela começou a avançar, inclusive pelas pressões externas, mas ainda precisa avançar muito mais. Esse exemplo do presidente da Anatel, que na semana passada pediu ao Ministério das Comunicações para iniciar a reestruturação da agência sem sequer consultar os conselheiros, mostra que, a seguir nesse ritmo, ela caminha para trás, porque cria um clima interno de desconforto. Ele foi autoritário e antiético. Isso só aumenta a crise interna de gestão.

São procedentes as críticas de que a Anatel defende as telecoms?
Acho que a Anatel precisa defender a sociedade. Enquanto ela tiver a agenda focada no mercado e não fizer o equilíbrio, estará equivocada. A Agência precisa preparar o processo de competição, o ingresso de novos competidores, com busca da melhoria da qualidade de serviços. Enquanto isso não acontece, ela passa a ser um órgão de regulação das empresas instaladas e não reguladora de mercado.
Quando se observa que a quantidade de reclamação dos usuários aumenta cada vez mais, a sociedade está descontente e o órgão regulador parece concordar com isso, é porque alguma coisa está errada.

E quanto as denúncias de que a Anatel fiscaliza as rádios comunitárias e não as comerciais?
Realizamos, até por iniciativa minha, dentro do Conselho Consultivo, duas audiências públicas, inclusive ouvindo a Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), e na linha do projeto de lei que tramita no Congresso Nacional, de descriminalização das rádios comunitárias (o PL está tramitando na Câmara Federal). E também acolhendo resoluções da Confecom, estamos tentando melhorar este caráter. Acho que a ação de polícia da Anatel em relação às rádios comunitárias é um tratamento diferenciado de outros segmentos que também cometem irregularidades.
Não devemos pedir ao órgão que feche os olhos às irregularidades, mas não pode dar tratamento diferenciado e agir com poder de polícia. Estamos falando de um serviço a favor da sociedade e a Anatel não deve comparecer com força policial, com a Polícia Federal para lacrar uma rádio comunitária, quando não o faz contra uma empresa de radiodifusão vinculada à Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), por exemplo.
Então, é uma ação descriminalizadora. Acho que a Abert, por estar dentro dos órgãos de comunicação, acaba exercendo um poder de opinião pública muito forte na Anatel. Isso é equivocado, porque a Anatel é a opinião pública propriamente dita, dos interesses da sociedade. E nós defendemos que o processo de descriminalização das rádios comunitárias seja aprovado urgentemente pelo Congresso Nacional e temos que trabalhar para isso.
No Conselho Consultivo, estamos criando um grupo de trabalho que vai preparar, dentro de uma análise que é o projeto de lei das resoluções da Confecom, uma série de sugestões ao Conselho Diretor sobre a discriminalização das rádios comunitárias.

Os números relativos à repressão às comunitárias estão nos relatórios da Anatel?
Na audiência pública, foi tratado uma série de denúncias feitas pela Abraço, relativas à postura da Anatel frente à fiscalização das rádios comunitárias. Todas as denúncias estão sendo observadas, inclusive aquelas em que o fiscal comparece a uma determinada rádio já acompanhado da polícia e determinada televisão já filmando tudo. Ou então, quando a fiscalização comparece, com suposto patrocínio de empresas de comunicação, a determinado local.
Estamos aguardando um parecer da Anatel se são procedentes ou não essas denúncias. Os números que a Abraço coloca são preocupantes. Há uma criminalização e isso deve ser abominado, transformado em coisa do passado. Temos que tratar a radiodifusão comunitária como um serviço de relevante interesse social e o tratamento, dentro do marco regulatório, deve ser tão respeitoso quanto o que é dado às demais empresas outorgadas e autorizadas que estão operando no setor.

Na sua opinião, a Anatel deveria fazer parte do grupo interministerial para o marco regulatório?
Eu sugeri ao CC que não só a Anatel, como também o Ministério da Justiça, em função desse projeto de descriminalização das rádios comunitárias, fossem convidados a compor o GT. Acho que construir uma revisão do marco regulatório sem incluir esses organismos pode fragilizar as suas resoluções.
Penso que o governo errou quando criou esse grupo excluindo esses elementos. O Ministério da Justiça, tem a tarefa de fiscalizar e até poder de polícia em determinadas situações, e também tem caráter social, e a Anatel, que tem o papel regulador e de fiscalização. Acho que isso precisa ser corrigido.

*José Zunga Alves de Lima já foi presidente da CUT DF e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel). É fundador do Instituto Observatório Social de Telecomunicações (IOST).

“O monopólio da mídia atrasou o movimento da sociedade”

[Título original: País não tem dirigentes comprometidos em mudar o quadro regulatório das comunicações]

No Brasil, a legislação não estabelece limites à concentração e à propriedade cruzada dos meios de comunicação. Ainda ocorre, no país, o chamado "coronelismo eletrônico", que compromete as relações entre os poderes público e privado, imbricados numa complexa rede de influências. Para enfrentar o problema, é preciso mexer no quadro regulatório do setor. Propostas não faltam, e elas vêm basicamente do movimento social. Mas não há governantes que se comprometam de forma definitiva com a formulação de políticas públicas de comunicação, nem mesmo a partir dos resultados e demandas da 1ª Confecom.

De acordo com Israel Bayma*, engenheiro eletrônico, conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), militante há mais de duas décadas pela democratização dos meios de comunicação no Brasil, não há sequer candidatos às próximas eleições presidenciais que estejam realmente interessados em transformar o quadro caracterizado pelos "donos da mídia" no país. Leia a entrevista concedida ao e-Fórum.

O que mais contribuiu para a prevalência da concentração de mídia no Brasil?
A legislação. O Código Brasileiro de Telecomunicações é de natureza concentradora. Ele não estabelece restrições à propriedade cruzada [quando uma empresa ou grupo possui diferentes tipos de mídia]. E os limites estabelecidos, ele os mascara, à medida que permite ao mesmo proprietário deter em algumas regiões o número máximo de emissoras, e em outras regiões também um número máximo de emissoras. Não estabeleceu limites à concentração e à propriedade cruzada.

Podemos dizer que o chamado “coronelismo eletrônico” ainda vigora no País?
Segundo a professora Suzy dos Santos quando o termo “coronelismo” foi usado por Victor Nunes Leal, referindo-se ao final no século XIX, início do século XX, definia as características das relações de produção que se estabeleciam no Brasil naquele momento, que saía do estado agrário para um estado industrial.
Esse termo ainda se aplica hoje. Só que as relações de produção se dão por aqueles que detêm o poder e a propriedade dos meios de comunicação. Seja de que natureza midiática for – rádio, televisão -, ainda continuam exercendo o mesmo papel de controle político. Haja vista as recentes alianças que são tomadas no âmbito de sustentação do atual governo, e provavelmente das mesmas bases de sustentação do próximo governo. [Suzy dos Santos, juntamente com Sérgio Capparelli, define coronelismo eletrônico como “um sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre poder nacional e poder local, configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação”. Leia mais aqui ]

Frente às novas tecnologias, como as grandes empresas de comunicação estão se organizando para manter o controle?
Elas buscam estender seus tentáculos às novas mídias. Há uma denúncia dos grandes oligopólios mundiais, que controlam não só a mídia tradicional [rádio, televisão, cinema], mas também as novas mídias, como a internet. Haja vista os grandes grupos – Google, por exemplo – de tecnologia da informação, que estão se estendendo aonde é possível. Acho que nada se alterou. Marx continua atual no que ele previa: que os oligopólios capitalistas tenderiam a crescer. O modo de produção é o mesmo.

A participação dos políticos como donos dos meios de comunicação continua a mesma?
Até 2008 [quando Bayma sistematiza no livro “Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa” – publicado pela FGV Editora – um estudo traçando um mapa do financiamento político do setor de comunicação nas eleições de 1998-2004], não identifiquei nenhuma mudança. De lá para cá, não verifiquei. Mas não vejo mudanças que possam ter levado a alterar aquele quadro. A não ser a composição acionária [das emissoras de propriedade de políticos], de um proprietário transferindo cotas para os filhos, os parentes, os “laranjas”, ou comprando de outros.
Mudanças que podem ser identificadas são as que envolvem autorizações para rádios comunitárias. Houve um aumento muito grande de concessões para essas rádios pelo governo federal – e isso, evidentemente, muitas vezes em troca de apoio político. Então o coronelismo eletrônico ocorre bastante nas radicoms.

É possível pensar em desenvolvimento nacional, mantido o oligopólio nas comunicações?
Eu não tenho elementos para afirmar se o oligopólio amarra ou não o desenvolvimento. Do ponto de vista da democracia, ela tem avançado independente dos meios de comunicação. Aqui ou alhures. Aonde os meios de comunicação tentaram impedir o avanço democrático nas últimas décadas, eles foram empurrados, a exemplo do que aconteceu na Venezuela.
Não vejo como um jornal que tenha perdido tiragem, uma televisão que tenha perdido audiência, ou um grande grupo televisivo que tenha perdido audiência para outro grande grupo televisivo possa impedir o desenvolvimento do país. Também a qualidade das produções tem caído independente da democracia. Há um movimento da sociedade que questiona vários programas de televisão. Mas isso tem ocorrido a bem da democracia.
E também não é pela concentração, porque tem veículos até de natureza pública em que a produção é de péssima qualidade. Não tenho elementos para uma análise mais precisa, mas claro que, em vários países do mundo, a história mostra que o monopólio da mídia atrasou o movimento da sociedade. Seja aqui, seja, por exemplo, no socialismo real da Europa.
Veja a eleição do Chávez [Hugo Chávez, presidente da Venezuela], apesar do monopólio midiático lá no país, ele foi eleito. Aqui no Brasil, com o Lula, idem. E não se pode dizer que não houve avanço democrático aqui.
O próprio debate eleitoral ocorre. Hoje, apesar do monopólio dos grandes grupos, com suas candidaturas próprias, não se pode dizer que não esteja havendo um debate público e democrático sobre as eleições. Estamos vivendo um ambiente democrático que é liberal. Mas estamos.

E para a comunicação em geral, qual o efeito desse monopólio?
Ele não pode se perpetuar sob hipótese alguma, porque há de ter um momento que eles [os donos dos grandes veículos de comunicação] vão intervir, quando sentirem seus interesses mais profundos ameaçados.
O monopólio, o oligopólio nunca é benéfico. Aqui no Brasil, ele está dentro dos limites. Houve alguns momentos que eles se insurgiram, como na questão do Conselho Federal de Jornalismo, na tentativa de se criar uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica. Na própria Conferência Nacional de Comunicação eles se insurgiram. São momentos em que a gente se sente ameaçado, mas existe uma atuação da democracia.

Então, a democracia avança, apesar disto. Por quê?
Porque a humanidade avança democraticamente. As conquistas dos trabalhadores ao longo da história da humanidade têm empurrado os atrasos dos grilhões do capitalismo. Até para a experimentação de modelos menos repressivos. As experiências socialistas do Leste europeu que amargaram derrotas e amordaçaram em vários momentos as liberdades, elas foram vencidas e vem algo novo aí pela frente. Eu não sou pessimista nesse sentido, agora, o caráter revolucionário das novas mídias é que eu não vejo.

As novas mídias não são revolucionárias? Por quê?
Porque os grandes grupos já as controlam. Independentemente dos tuiteiros, dos blogueiros. A internet só avança para a classe média, que tem acesso. No Brasil, só 13 milhões de pessoas têm acesso à internet. Dos mais de 190 milhões de habitantes [191,5 milhões em julho de 2009, segundo o IBGE], 40 milhões não têm nem telefone. Tanto faz estar no twitter ou fora dele. No interior do Maranhão, onde mais de 200 mil famílias não têm energia elétrica, isso não faz diferença. Lá, ouve-se e assiste-se a rádio e a TV Mirante, do grupo Sarney [O grupo é dono de 22 veículos no Maranhão. Veja aqui a participação do Sistema Mirante na região.

Os novos meios digitais de comunicação não poderão minimizar o poder dos donos da mídia?
Não. Como já falei, eles [os donos da mídia] estão participando direta ou indiretamente das novas mídias. Acho que apenas vai mudar o modo de produção. A ferramenta, ou vai ser banda larga/internet ou televisão, mas os meios vão ser os mesmos. Não vai haver alteração.
O número de pessoas no país que têm acesso é muito pequeno, comparativamente, ao número de leitores de jornais e livros, e nada foi alterado com a internet. A natureza revolucionária da internet é tão relativa quanto foi a imprensa escrita no início do ano de 1700, quando Gutenberg inventou a imprensa escrita e não houve grandes transformações de natureza revolucionária.
Para mim, a internet não tem essa base revolucionária, porque ela foi apropriada pelo Estado e os grandes meios de produção. Nem sou desses sonhadores que acredita que a internet vai ser a grande mídia nos próximos anos – haja vista a eleição do Obama [Barack Obama, presidente norte-americano] nos Estados Unidos, presidente que pouco se diferencia do seu antecessor [ex-presidente, George W. Bush].

No Brasil, quais políticas de comunicação poderiam eliminar a concentração dos meios?
Não acredito que nenhum dos candidatos tenha interesse em mexer no quadro regulatório dos meios de comunicação no país. Participei do debate nas últimas seis eleições, na formulação de políticas públicas para a democratização da comunicação e ninguém quis colocar em prática essas formulações. Não creio que isso seja possível. Senão, era só implementar tudo o que o movimento social propôs e repropôs, em 1989, 1994, 1998, em 2002, em 2006. Mas já não creio que haja um governo comprometido com o que se propunha lá, como, por exemplo, o fim do monopólio dos meios de comunicação.

Hoje, o que você acrescentaria nessas formulações?
Banda larga para todos os brasileiros. Como no caso da energia elétrica. Eu fui um dos formuladores do Luz para Todos, coordenador na Amazônia do programa, e sempre defendi também banda larga para todos.

Você diz que nenhum candidato tem interesse em acabar com o monopólio. Mesmo com a Conferência Nacional de Comunicação, nada mudou?
Eu quero que nos próximos debates seja cobrado de cada candidato [a presidente do País] uma posição clara, item por item, do que foi aprovado na Confecom [Conferência Nacional de Comunicação, realizada de 14 a 17 de dez/2009, em Brasília]. As decisões da Conferência são resultado do acúmulo dos debates da comunicação nos últimos 20 anos. A maioria do que está escrito ali, foi Daniel Herz quem escreveu, eu mesmo copiei, o PT assumiu e disse que ia implantar, mas não implantou nada. Tem que impor objetivos, senão é perda de tempo.
Para mim, a Confecom que tivemos foi apenas a conferência possível. Ainda não me sinto contemplado, não me satisfaço só com a boa vontade. Eu quero é transformar.
Mesmo assim, viva a Conferência! Não posso deixar de ressaltar o mérito da sociedade civil, porque é uma luta histórica nossa, e eu fui testemunha ocular dessa luta ao longo de vinte e poucos anos.
A Conferência prestou uma homenagem emocionante ao Daniel Herz, mais do que merecida. Tenho certeza de que se ele estivesse aqui, com todas as dificuldades que se teve, com os poucos avanços, ele estaria vibrando com a realização da Conferência. E acho que ele iria pegar o resultado dela, botar debaixo do braço e andar o Brasil inteiro cobrando a implementação das resoluções. E todos aqueles de boa índole, íntegros e com compromisso com as transformações têm que fazer disso uma bandeira. Mesmo que os candidatos não atendam.

*Israel Bayma – Engenheiro eletrônico, conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), pesquisador do Laboratório de Políticas em Comunicação (LapCom) da Universidade de Brasília e do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia política da Informação e da Comunicação (PEIC) da UFRJ. Ex-assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, ex-assessor da Liderança do PT na Câmara, já atuou como diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte e assessor da Companhia Energética de Brasília. Também foi diretor do Comitê de Incentivo ao Software Livre e Gratuito – CIPSGA.

Sindicatos contra a BrT-Oi

Desde que foi anunciada, em abril deste ano, a venda da operadora Brasil Telecom para a Oi, o negócio (R$ 5,8 bilhões) vem sendo questionado publicamente. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – pressionada pelo Ministério das Comunicações, pressionado pelas próprias operadoras envolvidas – tem trabalhado para modificar o texto do Plano Geral de Outorgas (PGO) – impeditivo legal para que se consume a transação bilionária. Precisa aprovar alteração da regra que proíbe uma concessionária de telefonia fixa adquirir exploradora do mesmo serviço em outra região. Esbarrando na ilegalidade, as duas grandes telefônicas somente poderão concretizar o negócio após as normas alteradas.

No Rio Grande do Sul, o Ministério Público, acolhendo representação do Sindicato dos Telefônicos – Sinttel/RS (veja o documento aqui), abriu inquérito civil público para investigar as condições do negócio – BrT-Oi. Um movimento encabeçado pela Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel) vem reunindo os sindicatos nos estados para que entrem com representações semelhantes às do RS.Em seis estados e o DF, os sindicatos de telefônicos já entraram com a representação: RS, PB, Acre, Pará, MG e RN. Nesta semana devem entrar GO, TO, MS e MA, que já confirmaram. Com pequenas adaptações, o texto básico é o apresentado pelo Sinttel/RS.

A partir de Porto Alegre, onde está o Sinttel/RS, o presidente da entidade, Flávio Silveira Rodrigues, conversou com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), especialmente para o e-Fórum, sobre o ponto de vista dos trabalhadores do setor. A categoria, de acordo com Flávio, é pouco ouvida nos processos que envolvem alterações na legislação e mesmo sobre o negócio, propriamente. Além disso, garante o dirigente sindical, as atividades dos telefônicos têm sido precarizadas desde a privatização do setor, há 10 anos, fato que resulta em reflexos negativos na prestação dos serviços. Leia a seguir a síntese da entrevista de Flávio.

Por que os telefônicos questionam a venda da Brasil Telecom para a Oi?
Porque está claro que esse negócio é a coroação do processo de privatização iniciado há 10 anos. Participamos (em julho passado) da audiência pública da Anatel para discutir a mudança do PGO (Plano Geral de Outorgas). Quando resolveram mudar o PGO no afogadilho, de forma rápida, bruta, percebemos o que estava envolvido por trás dessa operação. Inclusive com os resultados da operação Satiagraha, vimos que havia um grande processo de acomodação, com benefícios para grupos privados. Seria como uma fórmula mágica para acomodar os grandes capitais – Brasil Telecom, Citibank, Opportunity (o mágico dos lobbies políticos), Itália Telecom, que teve grandes conflitos e até apareceu na operação ligada diretamente ao banqueiro Daniel Dantas. Tudo isso deixou claro o desfecho de um processo de privatização que naquela audiência publica estava fazendo 10 anos. Então, isso estava se acomodando. Aqueles que ganharam (com a privatização) estariam ganhando de novo. Como estudiosos da privatização que somos, percebemos todas as manipulações do Fernando Henrique (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do País) e do Britto (Antônio Britto, ex-governador do Estado do RS), onde o Opportunity foi um dos agentes. Só isso já seria um motivo para o cidadão brasileiro ser contra essa operação (fusão da BrT e Oi). E já há vários cidadãos se colocando contra essa operação, porque ela cheira mal.

Com o negócio entre as duas operadoras, que conseqüências são previstas para os trabalhadores do setor?
Para os trabalhadores, o que se avizinha com essa operação da BrT-Oi é que muita gente vai ser demitida. E a partir do PGO mudado, pode haver outras fusões que vão gerar mais um monte de demissões. Haverá um processo de afunilamento que poderá gerar mais terceirização e precarização na qualidade de serviço. Mesmo se essa fosse apenas uma visão corporativa, já teríamos o dever de discutir isso. Certamente que essa incerteza nas relações de trabalho gera uma correspondente precarização da prestação do serviço, que ainda é público, é uma concessão. E isso já está provocando que o setor de telecomunicações seja campeão do Procon. Ao pagar cada vez menos, (o setor) vai perdendo em qualificação do profissional, que não é treinado para as novas tecnologias. Isso vai estourar no usuário. Nós (telefônicos do Sinttel/RS) achamos injusto que essa mudança na legislação – encomendada pelo setor privado, por interesses escusos – seja feita sem garantias maiores. Por exemplo, a garantia de que a nossa política tarifária não seja a mais selvagem do planeta; que esse modelo de privatização do Fernando Henrique e a forma como o Lula está levando, que gera esse serviço ruim, campeão de reclamações e muito caro não seja o modelo das telecomunicações no Brasil.

E a universalização dos serviços, após a privatização?
Há a ilusão de tu teres um telefone, pilotar o telefone. Sabemos hoje, pelas estatísticas do setor, que há mais telefones devolvidos por falta de pagamento do que novas instalações. Tudo isso se soma a um quadro de responsabilidade geral das operadoras, que não querem investir em uma rede telefônica que se torna rapidamente obsoleta com as mudanças tecnológicas. Isso está gerando, por falta de manutenção, a deteriorização total das redes. Um exemplo é aquele apagão da Telefônica em São Paulo, há meses atrás (leia aqui). Então, todas essas situações – a corrupção entranhada nessas transações, a relação trabalhista com risco de demissão em massa, o risco de precarização com conseqüências diretas na qualidade e no preço do serviço – tudo isso teria uma oportunidade, na mudança do PGO, de ser colocado com regras melhor discutidas. As estatísticas do Procon sobre satisfação do usuário são de que as telecomunicações sempre ocupam a pior posição. Os call centers ligados a essa estrutura, as lojas de atendimento fechadas para reduzir custos e reabertas de forma precária, a péssima qualidade de serviço – tudo isso torna a telefonia campeã em reclamações. Quanto às tarifas, um estudo realizado pelo ex-presidente do Sinttel/RS, Jurandir Teixeira Leite, mostra o absurdo que foi o aumento dos valores, da assinatura básica que não era para existir, mas por pressão das operadoras continua existindo. Na realidade, para boa parte da sociedade brasileira, a telefonia fixa ainda é inacessível, e a telefonia celular é aquele “pai de santo”, que só recebe (leia aqui o comparativo das tarifas). A banda larga ainda é uma dificuldade. A rede fixa atual vai chegar um ponto em que não vão ter condições para trafegar direito, vai começar a cair muito os padrões de qualidade.

O Sinttel tem uma proposta para o PGO?
Nós não temos uma proposta escrita. Penso que nós, telefônicos, não temos a pretensão de achar o que é melhor para a sociedade. Nossa intenção é bem clara nessa questão de criar um novo PGO: é que se aumentem as audiências públicas, que se faça uma discussão profunda sobre o assunto. Sabemos que isso é possível, de acordo com o plano original da Anatel de discutir uma proposta. Mas isso já está na iminência de ser desvirtuado, porque o Ministério das Comunicações, pela pressão das operadoras, já esta querendo ter outra solução para banda larga. Na realidade, foram feitas quatro audiências públicas (pela Anatel) com pouca participação da sociedade. As entidades de defesa do consumidor estão sendo pouco ouvidas nesse processo. O ministro das comunicações (Hélio Costa) vem pressionando para cumprir o prazo que a BrT-Oi estipulou para o governo. Isso é uma inversão total. É o governo trabalhando para o setor privado. Então, para mim, esse processo é todo viciado. Assim, se o que não podia ser mexido está sendo, então nós precisamos, assim como o Ministério Público coloca, discutir mais com a sociedade.

O secretário-geral da Fittel (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações), à qual o Sinttel é filiado, declarou esta semana que a federação é conceitualmente favorável a criação da BrT-Oi.
Nós participamos de uma discussão junto com o Moura (João de Moura Neto, secretário-geral da Fittel) sobre a necessidade das representações no Ministério Público. Sete sindicatos que já encaminharam representação, que julga que há coisas mal explicadas em relação ao processo (o negócio BrT-Oi), há focos de corrupção. Então, nós queremos um maior debate com a sociedade, como eu já falei, queremos uma maior participação para definir limites dessa nova operadora. O que o Moura falou é que, se esse debate acontecer, se as deficiências forem resolvidas, aí não há motivo para ser contra. Se a (nova) empresa vai ser melhor do que as estão operando por aí – falamos de um melhor tratamento para o usuário, para os empregados, refletido numa melhor qualidade de prestação de serviço – se tudo isso acontecer, então somos a favor. Mas, quando declaramos que, em tese, somos favoráveis, e sabemos que na prática isso não está acontecendo, vamos ser objetivos e claros: somos contra. Do jeito como está a BrT-Oi, nós somos contra. Senão, o Sinttel não estaria com essa representação. O problema é que o caminho do negócio é esse: as consultas públicas e as sugestões já terminaram. Nessa história as operadoras são mais ouvidas do que a sociedade. No final do processo, vai ser como a BrOi quer. A gente queria, por exemplo, a garantia (hoje não existe nenhuma), de que após o negócio ser feito, com o aval do governo federal, essa nova empresa não vai ser comprada pela Telefônica ou pela Telmec, por exemplo. Mas dizem que, da forma como está saindo o negócio, essa empresa já vai nascer endividada e será vendida. Agora, se recomeçarmos o processo de discutir com a sociedade, nós não somos contra nenhuma empresa por natureza – desde que ela traga alguma vantagem – e inclusive de mudar a legislação para adaptar sua a existência. Achamos inclusive que seria um fenômeno dentro do setor das telecomunicações, que viria para dar um salto de qualidade. Mas nós não estamos vendo nenhum sinal desse salto de qualidade. Na audiência em Porto Alegre estava o Procon, o Ministério Público, provedores de internet, empresários do setor. Vários se queixaram, com a Anatel presente, de que as operadoras, do tamanho que são hoje, dão a mínima importância até para os processos de reclamação junto à Anatel. E a agência reconhece sua fragilidade em conseguir fiscalizar, porque eles são muitos poderosos, têm recursos fazem pressão, inclusive com inserção na mídia. E aí, a reflexão pública feita em Porto Alegre foi de que, se eles crescerem mais, será pior ainda. Para mim, está claro que a posição da Fittel é contra a mudança do PGO da forma como está sendo feita. E contra a BrT-Oi da mesma forma.

O que esperar a partir do Ministério Público?
O fato de nós estarmos questionado essa situação, pelo menos faz com que os donos da empresas, Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, e os outros que estão em volta – fundos de pensão, esse negócio todo – saiam de seus tronos e venham discutir com a sociedade, com o Ministério Público. Venham negociar algumas garantias sociais, porque até agora não há nenhuma. Se o nosso país fosse um pouco mais sério, esse negócio não aconteceria e os governos FHC e Lula seriam investigados em função disso. Então, o resultado principal que nós esperamos pode não acontecer. Mas, certamente, alguma coisa a mais virá com um debate democrático em relação a esses limites. Os próprios conselheiros da Anatel verão com melhores olhos algumas sugestões feitas durante a consulta pública (que ao todo teve mais de mil sugestões) não vão ficar olhando só o lado das operadoras, porque, infelizmente, a Anatel tem a mania de olhar mais o lado da operadora. Esse processo vai trazer melhorias pelo exercício da cidadania. E o Lula, quando for assinar a nova lei, vai estar preocupado de não fazer nenhuma coisa que pareça beneficiar as operadoras.

* Flávio Silveira Rodrigues é Presidente do Sinttel/RS pela terceira gestão. Técnico em telecomunicações, é formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS).