Sindicatos contra a BrT-Oi

Desde que foi anunciada, em abril deste ano, a venda da operadora Brasil Telecom para a Oi, o negócio (R$ 5,8 bilhões) vem sendo questionado publicamente. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – pressionada pelo Ministério das Comunicações, pressionado pelas próprias operadoras envolvidas – tem trabalhado para modificar o texto do Plano Geral de Outorgas (PGO) – impeditivo legal para que se consume a transação bilionária. Precisa aprovar alteração da regra que proíbe uma concessionária de telefonia fixa adquirir exploradora do mesmo serviço em outra região. Esbarrando na ilegalidade, as duas grandes telefônicas somente poderão concretizar o negócio após as normas alteradas.

No Rio Grande do Sul, o Ministério Público, acolhendo representação do Sindicato dos Telefônicos – Sinttel/RS (veja o documento aqui), abriu inquérito civil público para investigar as condições do negócio – BrT-Oi. Um movimento encabeçado pela Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel) vem reunindo os sindicatos nos estados para que entrem com representações semelhantes às do RS.Em seis estados e o DF, os sindicatos de telefônicos já entraram com a representação: RS, PB, Acre, Pará, MG e RN. Nesta semana devem entrar GO, TO, MS e MA, que já confirmaram. Com pequenas adaptações, o texto básico é o apresentado pelo Sinttel/RS.

A partir de Porto Alegre, onde está o Sinttel/RS, o presidente da entidade, Flávio Silveira Rodrigues, conversou com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), especialmente para o e-Fórum, sobre o ponto de vista dos trabalhadores do setor. A categoria, de acordo com Flávio, é pouco ouvida nos processos que envolvem alterações na legislação e mesmo sobre o negócio, propriamente. Além disso, garante o dirigente sindical, as atividades dos telefônicos têm sido precarizadas desde a privatização do setor, há 10 anos, fato que resulta em reflexos negativos na prestação dos serviços. Leia a seguir a síntese da entrevista de Flávio.

Por que os telefônicos questionam a venda da Brasil Telecom para a Oi?
Porque está claro que esse negócio é a coroação do processo de privatização iniciado há 10 anos. Participamos (em julho passado) da audiência pública da Anatel para discutir a mudança do PGO (Plano Geral de Outorgas). Quando resolveram mudar o PGO no afogadilho, de forma rápida, bruta, percebemos o que estava envolvido por trás dessa operação. Inclusive com os resultados da operação Satiagraha, vimos que havia um grande processo de acomodação, com benefícios para grupos privados. Seria como uma fórmula mágica para acomodar os grandes capitais – Brasil Telecom, Citibank, Opportunity (o mágico dos lobbies políticos), Itália Telecom, que teve grandes conflitos e até apareceu na operação ligada diretamente ao banqueiro Daniel Dantas. Tudo isso deixou claro o desfecho de um processo de privatização que naquela audiência publica estava fazendo 10 anos. Então, isso estava se acomodando. Aqueles que ganharam (com a privatização) estariam ganhando de novo. Como estudiosos da privatização que somos, percebemos todas as manipulações do Fernando Henrique (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do País) e do Britto (Antônio Britto, ex-governador do Estado do RS), onde o Opportunity foi um dos agentes. Só isso já seria um motivo para o cidadão brasileiro ser contra essa operação (fusão da BrT e Oi). E já há vários cidadãos se colocando contra essa operação, porque ela cheira mal.

Com o negócio entre as duas operadoras, que conseqüências são previstas para os trabalhadores do setor?
Para os trabalhadores, o que se avizinha com essa operação da BrT-Oi é que muita gente vai ser demitida. E a partir do PGO mudado, pode haver outras fusões que vão gerar mais um monte de demissões. Haverá um processo de afunilamento que poderá gerar mais terceirização e precarização na qualidade de serviço. Mesmo se essa fosse apenas uma visão corporativa, já teríamos o dever de discutir isso. Certamente que essa incerteza nas relações de trabalho gera uma correspondente precarização da prestação do serviço, que ainda é público, é uma concessão. E isso já está provocando que o setor de telecomunicações seja campeão do Procon. Ao pagar cada vez menos, (o setor) vai perdendo em qualificação do profissional, que não é treinado para as novas tecnologias. Isso vai estourar no usuário. Nós (telefônicos do Sinttel/RS) achamos injusto que essa mudança na legislação – encomendada pelo setor privado, por interesses escusos – seja feita sem garantias maiores. Por exemplo, a garantia de que a nossa política tarifária não seja a mais selvagem do planeta; que esse modelo de privatização do Fernando Henrique e a forma como o Lula está levando, que gera esse serviço ruim, campeão de reclamações e muito caro não seja o modelo das telecomunicações no Brasil.

E a universalização dos serviços, após a privatização?
Há a ilusão de tu teres um telefone, pilotar o telefone. Sabemos hoje, pelas estatísticas do setor, que há mais telefones devolvidos por falta de pagamento do que novas instalações. Tudo isso se soma a um quadro de responsabilidade geral das operadoras, que não querem investir em uma rede telefônica que se torna rapidamente obsoleta com as mudanças tecnológicas. Isso está gerando, por falta de manutenção, a deteriorização total das redes. Um exemplo é aquele apagão da Telefônica em São Paulo, há meses atrás (leia aqui). Então, todas essas situações – a corrupção entranhada nessas transações, a relação trabalhista com risco de demissão em massa, o risco de precarização com conseqüências diretas na qualidade e no preço do serviço – tudo isso teria uma oportunidade, na mudança do PGO, de ser colocado com regras melhor discutidas. As estatísticas do Procon sobre satisfação do usuário são de que as telecomunicações sempre ocupam a pior posição. Os call centers ligados a essa estrutura, as lojas de atendimento fechadas para reduzir custos e reabertas de forma precária, a péssima qualidade de serviço – tudo isso torna a telefonia campeã em reclamações. Quanto às tarifas, um estudo realizado pelo ex-presidente do Sinttel/RS, Jurandir Teixeira Leite, mostra o absurdo que foi o aumento dos valores, da assinatura básica que não era para existir, mas por pressão das operadoras continua existindo. Na realidade, para boa parte da sociedade brasileira, a telefonia fixa ainda é inacessível, e a telefonia celular é aquele “pai de santo”, que só recebe (leia aqui o comparativo das tarifas). A banda larga ainda é uma dificuldade. A rede fixa atual vai chegar um ponto em que não vão ter condições para trafegar direito, vai começar a cair muito os padrões de qualidade.

O Sinttel tem uma proposta para o PGO?
Nós não temos uma proposta escrita. Penso que nós, telefônicos, não temos a pretensão de achar o que é melhor para a sociedade. Nossa intenção é bem clara nessa questão de criar um novo PGO: é que se aumentem as audiências públicas, que se faça uma discussão profunda sobre o assunto. Sabemos que isso é possível, de acordo com o plano original da Anatel de discutir uma proposta. Mas isso já está na iminência de ser desvirtuado, porque o Ministério das Comunicações, pela pressão das operadoras, já esta querendo ter outra solução para banda larga. Na realidade, foram feitas quatro audiências públicas (pela Anatel) com pouca participação da sociedade. As entidades de defesa do consumidor estão sendo pouco ouvidas nesse processo. O ministro das comunicações (Hélio Costa) vem pressionando para cumprir o prazo que a BrT-Oi estipulou para o governo. Isso é uma inversão total. É o governo trabalhando para o setor privado. Então, para mim, esse processo é todo viciado. Assim, se o que não podia ser mexido está sendo, então nós precisamos, assim como o Ministério Público coloca, discutir mais com a sociedade.

O secretário-geral da Fittel (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações), à qual o Sinttel é filiado, declarou esta semana que a federação é conceitualmente favorável a criação da BrT-Oi.
Nós participamos de uma discussão junto com o Moura (João de Moura Neto, secretário-geral da Fittel) sobre a necessidade das representações no Ministério Público. Sete sindicatos que já encaminharam representação, que julga que há coisas mal explicadas em relação ao processo (o negócio BrT-Oi), há focos de corrupção. Então, nós queremos um maior debate com a sociedade, como eu já falei, queremos uma maior participação para definir limites dessa nova operadora. O que o Moura falou é que, se esse debate acontecer, se as deficiências forem resolvidas, aí não há motivo para ser contra. Se a (nova) empresa vai ser melhor do que as estão operando por aí – falamos de um melhor tratamento para o usuário, para os empregados, refletido numa melhor qualidade de prestação de serviço – se tudo isso acontecer, então somos a favor. Mas, quando declaramos que, em tese, somos favoráveis, e sabemos que na prática isso não está acontecendo, vamos ser objetivos e claros: somos contra. Do jeito como está a BrT-Oi, nós somos contra. Senão, o Sinttel não estaria com essa representação. O problema é que o caminho do negócio é esse: as consultas públicas e as sugestões já terminaram. Nessa história as operadoras são mais ouvidas do que a sociedade. No final do processo, vai ser como a BrOi quer. A gente queria, por exemplo, a garantia (hoje não existe nenhuma), de que após o negócio ser feito, com o aval do governo federal, essa nova empresa não vai ser comprada pela Telefônica ou pela Telmec, por exemplo. Mas dizem que, da forma como está saindo o negócio, essa empresa já vai nascer endividada e será vendida. Agora, se recomeçarmos o processo de discutir com a sociedade, nós não somos contra nenhuma empresa por natureza – desde que ela traga alguma vantagem – e inclusive de mudar a legislação para adaptar sua a existência. Achamos inclusive que seria um fenômeno dentro do setor das telecomunicações, que viria para dar um salto de qualidade. Mas nós não estamos vendo nenhum sinal desse salto de qualidade. Na audiência em Porto Alegre estava o Procon, o Ministério Público, provedores de internet, empresários do setor. Vários se queixaram, com a Anatel presente, de que as operadoras, do tamanho que são hoje, dão a mínima importância até para os processos de reclamação junto à Anatel. E a agência reconhece sua fragilidade em conseguir fiscalizar, porque eles são muitos poderosos, têm recursos fazem pressão, inclusive com inserção na mídia. E aí, a reflexão pública feita em Porto Alegre foi de que, se eles crescerem mais, será pior ainda. Para mim, está claro que a posição da Fittel é contra a mudança do PGO da forma como está sendo feita. E contra a BrT-Oi da mesma forma.

O que esperar a partir do Ministério Público?
O fato de nós estarmos questionado essa situação, pelo menos faz com que os donos da empresas, Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, e os outros que estão em volta – fundos de pensão, esse negócio todo – saiam de seus tronos e venham discutir com a sociedade, com o Ministério Público. Venham negociar algumas garantias sociais, porque até agora não há nenhuma. Se o nosso país fosse um pouco mais sério, esse negócio não aconteceria e os governos FHC e Lula seriam investigados em função disso. Então, o resultado principal que nós esperamos pode não acontecer. Mas, certamente, alguma coisa a mais virá com um debate democrático em relação a esses limites. Os próprios conselheiros da Anatel verão com melhores olhos algumas sugestões feitas durante a consulta pública (que ao todo teve mais de mil sugestões) não vão ficar olhando só o lado das operadoras, porque, infelizmente, a Anatel tem a mania de olhar mais o lado da operadora. Esse processo vai trazer melhorias pelo exercício da cidadania. E o Lula, quando for assinar a nova lei, vai estar preocupado de não fazer nenhuma coisa que pareça beneficiar as operadoras.

* Flávio Silveira Rodrigues é Presidente do Sinttel/RS pela terceira gestão. Técnico em telecomunicações, é formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS).

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