Arquivo da categoria: Análises

A morte de Steve Jobs, o inimigo número um da colaboração

Steve Jobs morreu, após anos lutando contra um câncer que nem mesmo todos os bilhões que ele acumulou foram capazes de conter. Desde ontem, após o anúncio de seu falecimento, não se fala em outra coisa. Panegíricos de toda sorte circulam pelos meios massivos e pós-massivos. Adulado em vida por sua genialidade, é alçado ao status de ídolo maior da era digital. É inegável que Jobs foi um grande designer, cujas sacadas levaram sua empresa ao topo do mundo. Mas há outros aspectos a explorar e sobre os quais pensar neste momento de sua morte.

Jobs era o inimigo número um da colaboração, o aspecto político e econômico mais importante da revolução digital. Nesse sentido, não era um revolucionário, mas um contra-revolucionário. O melhor deles.

Com suas traquitanas maravilhosas, trabalhou pelo cercamento do conhecimento livre. Jamais acreditou na partilha. O que ficou particularmente evidente após seu retorno à Apple, em 1997. Acreditava que para fazer grandes inventos era necessário reunir os melhores, em uma sala, e dela sair com o produto perfeito, aquele que mobilizaria o desejo de adultos e crianças em todo o planeta, os quais formam filas para ter um novo Apple a cada lançamento anual.

A questão central, no entanto, é que o design delicioso de seus produtos é apenas a isca para a construção de um mundo controlado de aplicativos e micro-pagamentos que reduz a imensa conversação global de todos para todos em um sala fechada de vendas orientadas.

 

O que é a Apple Store senão um grande shopping center virtual, em que podemos adquirir a um clique de tela tudo o que precisamos para nos entreter? A distopia Jobiana é a do homem egoísta, circundado de aparelhos perfeitos, em uma troca limpa e “aparentemente residual”, mediada por apenas uma única empresa: a sua. Por isso, devemos nos perguntar: era isso que queríamos? É isso que queremos para o nosso mundo?

 

Essa pergunta torna-se ainda mais necessária quando sabemos que existem alternativas. Como escreve o economista da USP, Ricardo Abramovay, em resenha sobre o novo livro do professor de Harvard Yochai Benkler The Penguin and the Leviathan, a cooperação é a grande possibilidade deste nosso tempo.

 

“Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários, a cooperação está na origem das formas mais interessantes e promissoras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo. E na raiz dessa cooperação (presente com força crescente no mundo privado, nos negócios públicos e na própria relação entre Estado e cidadãos) estão vínculos humanos reais, abrangentes, significativos, dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas.”

 

Colaboração: essa, e não outra, é a palavra revolucionária. E Jobs não gostava dela.

 


Rodrigo Savazoni
é Webproducer e realizador multimídia. Diretor do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital e um dos criadores da Casa da Cultura Digital. Co-organizou os livros “Vozes da Democracia” (Imprensa Oficial, 2007) e “Cultura Digital.BR” (Azougue, 2009). Também foi professor do curso de pós-gradução de jornalismo on-line da PUC-SP. Em 2008, foi editor especial do estadao.com.br, responsável pelo desenvolvimento do projeto Vereador Digital, entre outros. Entre 2004 e 2007 conduziu a reformulação da Agência Brasil como chefe de redação.

Corte pode comprometer atuação da Telebras no PNBL

O orçamento de 2012 encaminhado ao Congresso Nacional contraria a promessa da presidente Dilma Rousseff, que disse ao ministro Paulo Bernardo que pretendia destinar à Telebras R$ 1 bilhão ao ano, nos próximos quatro anos. E é um golpe no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), em relação à oferta de infraestrutura de rede no atacado para aumentar a competição na ponta, com participação dos pequenos provedores.

Os R$ 1 bilhão imaginados foram reduzidos a R$ 353,3 milhões, distribuídos entre três projetos estratégicos: cabos submarinos, satélite geoestacionário e infraestrutura de banda larga (redes ópticas e acesso de rádio). O mais atingido pelo drástico corte de 65% foi justamente o PNBL. A justificativa técnica é que os cabos submarinos e o satélite precisam de garantia de recursos para serem iniciados, enquanto a infraestrutura de banda larga pode ser desenvolvida à medida em que os recursos contingenciados vão sendo liberados.

O certo é que a Telebras volta ao mesmo drama de quando o sistema de telecomunicações era estatal: contingenciamento e limite de investimentos. Os prejuízos ao desenvolvimento do setor certamente não têm, nem de longe, o impacto do passado, tendo em vista a importância e o peso dos investimentos privados no PNBL. Calcula-se que 30% a 40% dos investimentos programados pelas operadoras para este ano – ao redor de R$ 18 bilhões – serão aplicados em banda larga. E o mesmo ritmo deverá se manter nos próximos anos. As concessionárias locais têm compromisso de ofertar a banda larga de 1 Mbps a R$ 35 (com impostos) a todas as sedes de municípios, até 2014. E as celulares, não vinculadas a concessionárias locais, casos da TIM e da Claro, também aderiram ao plano.

O corte no orçamento da Telebras não prejudica o atendimento massivo à população na oferta da banda larga popular. Mas atrasa um elemento muito importante – a regulação do mercado no atacado –, que influi na redução dos preços dos links e na configuração do modelo do setor de telecomunicações. Esse modelo, apesar da intensa competição na telefonia móvel – e, em parte, na banda larga móvel –, é monopolista na telefonia fixa, na maioria dos municípios brasileiros, que são cidades pequenas e de baixa atratividade econômica ao investimento de novas operadoras.

Esse é exatamente o nicho de mercado onde os pequenos provedores podem fazer diferença, criando a competição que não existe na banda larga fixa e estimulando a melhoria da qualidade do serviço, com velocidades superiores, a preços mais acessíveis. Mas, para isso, precisam comprar links a preços que viabilizem seu negócio – e é aí que entra a Telebras.

Para a infraestrutura necessária ao PNBL – conectar todas as cidades com mais de 100 mil habitantes, na primeira fase, e com mais de 50 mil habitantes, na segunda –, a Telebras precisaria investir, de acordo com seu plano quadrienal (20112-2015), R$ 1,7 bilhão ao ano. Parte importante dos recursos viria do Orçamento da União, parte das empresas elétricas donas das fibras do backbone óptico (que, portanto, deverão vir a ser sócias do empreendimento), e parte viria da própria empresa, com a venda da capacidade de rede.

Bom projeto

O corte no orçamento, que pode atrasar o papel da Telebras no PNBL e na sua principal função, de regular o mercado de telecomunicações no atacado, remete a outro debate. A inviabilidade, por falta de recursos da União e não apenas de vontade política, de querer transformar a Telebras em operadora de última milha para oferecer banda larga de qualidade e a preços baixos, num contraponto aos serviços das operadoras privadas.

O governo federal acertou ao atribuir à Telebras, na sua reativação, o papel de se transformar em infraestrutura estratégica do país, com poder de regular o mercado de atacado, mas não de competir com as operadoras privadas na prestação do serviço ao usuário final. O papel estratégico da Telebras ficou mais claro na aprovação de seu plano quadrienal de investimentos, que envolve a construção de dois cabos submarinos internacionais – com participação da iniciativa privada – e do satélite geoestacionário (agora para atender prioritariamente a Amazônia, além das comunicações militares), um projeto que começou ainda no segundo governo FHC e até hoje literalmente não saiu do papel.

É pena que um projeto tão relevante já comece com limitações orçamentárias que podem comprometer o seu futuro. A expectativa é de que a Presidência da República entenda que não se constrói um plano de banda larga, como infraestrutura essencial para o desenvolvimento econômico do país e para a inclusão dos cidadãos brasileiros, apenas costurando ofertas populares com operadoras privadas. É preciso mais: garantia de aumento contínuo das velocidades oferecidas, o que demanda regulação do mercado, política diferenciada de conteúdos e serviços de governo e política de fomento à inovação. A Telebras é um ativo essencial para chegar a esses objetivos.

* Lia Ribeiro Dias é jornalista e diretora editorial da Momento Editorial.

Internet pode ganhar seu ‘Código de Defesa’

Chegou ao Congresso, na última semana, o Marco Civil da Internet. É uma lei que não quer criminalizar a rede (como a chamada "Lei Azeredo"), mas, sim, estabelecer direitos fundamentais dos usuários, tratando de temas como privacidade, liberdade de expressão e acesso.

É o primeiro projeto de lei colaborativo do Brasil. Em vez de ter sido redigido isoladamente, foi resultado de um debate aberto na rede, que discutiu dos princípios básicos ao texto final. O processo contou com ampla participação pública, e o texto equilibra diversos pontos de vista.

O Marco Civil chega em boa hora. Ainda não há lei sobre a rede no Brasil. Essa ausência, em vez de garantir liberdade e preservar direitos, traz, na verdade, o pior dos mundos.

Sem lei, as decisões dos juízes são contraditórias. Blogueiros e sites têm sido condenados por meros comentários. Um juiz chegou a mandar tirar o YouTube do ar por conta de um vídeo (Daniela Ciccarelli numa praia da Espanha).

Além disso, dados dos usuários são hoje guardados por provedores sem limite de prazo e entregues a autoridades ou terceiros sem controle judicial.

O Marco Civil entende que esses dados só podem ser repassados mediante ordem judicial prévia. Entende que são igualmente importantes a proteção à privacidade e a possibilidade de investigar crimes na rede.

Assim, o prazo para guardar dados é limitado a um ano -uma pesquisa da União Europeia mostrou que 98% dos pedidos de acesso são para dados de até um ano.

O Marco Civil pode ser tão importante quanto foi o Código de Defesa do Consumidor: uma legislação de vanguarda e conhecida por todos os brasileiros. Pode levar o país a tratar a internet de forma equilibrada. Quem quiser saber mais pode ver aqui.

 

Regulação de TV por assinatura: uma vitória

Valorização e incentivo à produção nacional e maior competição na área de telecomunicações. Esses são dois efeitos fundamentais esperados para o mercado brasileiro nos próximos anos, por conta da aprovação no Congresso Nacional do PL 116/2010, que regula o setor de TV por assinatura. Trata-se de uma grande vitória, marcada pelo caráter democrático do debate na tramitação da lei.

A última etapa do projeto foi a aprovação pelo Senado do texto, que passou por ampla discussão nos últimos quatro anos. Nesse período, participaram do debate os diversos atores políticos envolvidos: operadoras de telecom, operadoras de TV por assinatura nacionais e estrangeiras, radiodifusores e produtores independentes de conteúdo.

Os principais êxitos do projeto são: 1. O estabelecimento de cotas de conteúdo nacional; 2. A separação clara entre as atividades de produção, programação, empacotamento e distribuição do conteúdo televisivo; 3. A abertura ao capital estrangeiro no ramo de distribuição do conteúdo; e, 4. A eliminação das restrições de convergência tecnológica, unificando a regulamentação de TV por assinatura.

As legislações anteriores (Código de 1962, a Lei do Cabo de 1995 e a LGT de 1997) não atendiam às evoluções que o setor experimentou nos últimos anos e criavam diferenciações para o meio de transmissão. Mas o novo marco legal é um só para as transmissões via satélite, cabo ou microondas.

A entrada das teles estrangeiras no mercado de distribuição dos serviços de TV a cabo é extremamente positiva para arejar o setor e permitir maior competição. A preocupação com a preservação do capital nacional foi respeitada, pois o PL 116/2010, além de impedir que uma mesma empresa produza e transmita o conteúdo, institui cotas de produção nacional na programação a ser veiculada. E essa cota deve ser atendida por todas as empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.

Pela nova lei, será obrigatória a transmissão de três horas e meia de conteúdo nacional nos canais de filmes, séries e documentários, em horário nobre. Além disso, metade deste conteúdo deve ser gerada por produtores independentes brasileiros. Essa reivindicação dos movimentos sociais que participaram da 1ª Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) terá como resultado incentivar a produção cultural brasileira.

Há expectativa também de que, com maior competitividade no setor, a extensão da cobertura das redes de TV a cabo para todo o país se dê com maior celeridade. Além disso, espera-se por uma ampliação dos pacotes das teles (banda larga, telefone e TV a cabo) e por maior eficiência das teles que usarão o mesmo cabo para vários serviços, barateando os custos de cada serviço. Esse efeito positivo ainda se estenderá ao aumento da oferta de banda larga, já que a remuneração da expansão da rede será mais atraente aos prestadores do serviço.

É claro que haverá críticas ao novo marco legal, porque ele não é perfeito e nem tem a pretensão de ser. É um primeiro passo no aperfeiçoamento desse setor importantíssimo. Mas não podemos concordar com algumas críticas, como a de que a Ancine (Agência Nacional de Cinema) tornou-se muito poderosa —na oposição, há quem ameace um questionamento no STF (Supremo Tribunal Federal). Ora, a Ancine terá a responsabilidade apenas de fiscalizar o cumprimento das exigências de cota, não interferindo, portanto, no conteúdo veiculado. Assim, cabe aos consumidores decidirem se o conteúdo é bom ou ruim, mas cabe à Ancine garantir que a programação tenha o espaço determinado pela lei.

O mesmo vale para o percentual de conteúdo nacional definido. Em muitos países da Europa, essa cota de produção nacional é de 50% da programação. As três horas e meia exigidas aqui parecem pouco diante da realidade europeia, mas com o incremento da produção nacional que a nova lei deve trazer, pode-se ampliar esse percentual. Nesse sentido, a determinação de disponibilizar para o assinante um canal brasileiro a cada três canais ofertados complementa o esforço de valorização da nossa produção.

A vitória da aprovação do PL 116 tem a marca do ex-deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), relator na Câmara, e do senador Walter Pinheiro (PT-BA), relator no plenário do Senado. O próximo passo é aprovar uma regulação de mídia no Brasil, avanço iniciado pelo ex-ministro Franklin Martins e que está sob análise do ministro Paulo Bernardo (Comunicações).

Sabemos que a regulação da mídia deve ser negociada com toda sociedade, a começar pelos meios de comunicação. Esse diálogo deve se estender, ainda, aos grupos organizados nas redes sociais, aos sindicatos e aos movimentos sociais, aos empresários, ao meio cultural e intelectual, à universidade e às ONGs. Como foi feito com o PL 116, a regulação de mídia só será bem sucedida se passar por um processo democrático de debate. Mas esse é um assunto para uma outra coluna.

 

* José Dirceu é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

Regulação deve começar pelas concessões de parlamentares

A vinculação direta ou indireta de parlamentares a concessões de rádio e televisão é mais uma das mazelas que impedem o exercício do direito à comunicação no Brasil (e em outros países). Por isso, neste momento em que a sociedade brasileira tenta construir um marco regulatório atualizado para as comunicações, tal tema deve ser encarado, enfrentado e resolvido, instituindo-se uma proibição explícita nesse sentido. Afinal, atualizar a legislação de comunicações no país é mais do que levar em conta apenas a tecnologia. Deve constituir-se na oportunidade de sintonizar a mídia com os ditames gerais de uma sociedade democrática como a que o Brasil sustenta dispor, onde a tecnologia é parte do todo social.

Por isso, são condenáveis medidas como a recente aprovação, pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal, da renovação das concessões de rádio outorgadas às famílias do senador Edison Lobão Filho (PMDB-MA) e do deputado federal José Rocha (PR-BA). A renovação em si das concessões não apresenta novidade alguma – aliás, muito pelo contrário: é a regra absoluta no Congresso Nacional. O emblemático é o momento em que estas renovações ocorreram: no final de maio, o Ministério das Comunicações (Minicom) havia publicizado, em seu portal na internet, a relação de sócios e diretores das quase 10 mil concessões de rádio e TV comerciais distribuídas no país, além da lista de emissoras por cidade e de dados gerais sobre as outorgas de radiodifusão.

Senadores e deputados na lista

Um levantamento da Organização Não-Governamental Transparência Brasil revela que 21% dos senadores e 10% dos deputados federais são concessionários de radiodifusão. Em seu projeto Excelências, a ONG identifica 69 parlamentares proprietários de emissoras, excluídos os que usam familiares ou laranjas para esconder a propriedade. Ou seja, o número de senadores e deputados que controlam empresas de radiodifusão é ainda maior. Os dados foram obtidos principalmente do cruzamento das declarações de bens encaminhadas pelos parlamentares à Justiça Eleitoral com informações do próprio Congresso Nacional.

Na lista da Transparência Brasil, por exemplo, não aparece o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que ainda aguarda posição do Minicom sobre sua inclusão, junto à mãe e uma irmã, no quadro societário de uma rádio do município mineiro de Betim (mas com sede em Belo Horizonte). O senador Lobão Filho, por sua vez, aparece na lista divulgada pelo Ministério das Comunicações como um dos sócios de uma rádio de São Luís, no Maranhão, posição que divide com outros familiares. Lobão Filho é membro titular da CCT, que, ao lado da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, e é responsável pela análise e aprovação dos processos de outorga de concessões de rádio e televisão no Brasil. Ele é filho do ex-governador do Maranhão Edison Lobão, de quem herdou a cadeira no Senado Federal, em função do afastamento do pai para exercer o cargo de ministro de Minas e Energia. Já o deputado federal José Rocha é casado com a médica Noelma Rocha, sócia de rádio da cidade baiana de Bom Jesus da Lapa, que teve a concessão renovada pela CCT. Ela ainda aparece como sócia de outras duas emissoras de rádio da Bahia, enquanto Lobão Filho também consta na lista do Minicom como concessionário de TV.

Relatório de 2008 não foi apreciado

A propriedade de emissoras de televisão e rádio por pessoas que ocupam cargos políticos compromete o jogo democrático e desrespeita a Constituição Federal. Quando um parlamentar se torna concessionário de radiodifusão, ele acumula o exercício legislativo à atividade midiática, levando a distorções na forma como o veículo publiciza os fatos sociais, agravando uma prática presente nas indústrias culturais em geral. Quando o congressista é membro titular da comissão que analisa as outorgas de concessões, a concentração de poder nas suas mãos é ainda maior e fere de forma mais aguda a razão crítica e o equilíbrio das instituições sociais. Esta situação de subordinação dos interesses públicos aos privados de um grupo de parlamentares é absolutamente antagônica ao direito à comunicação e às demandas de pluralidade e diversidade que deveriam nortear a atividade midiática.

Não há justificativa para um parlamentar manter concessão de rádio ou TV, já que ele dispõe da estrutura estatal para se comunicar com eleitores e cidadãos. Isto favorece a barganha política e a transformação das autorizações e renovações em moeda de troca por votos, como historicamente tem ocorrido. O artigo 54 da Constituição Federal afirma que senadores e deputados federais não poderão, desde a expedição do diploma, “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” e não poderão exercer cargo, função ou emprego remunerado nestas entidades; desde a posse, não poderão “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”. O artigo 55 estabelece que perderá o mandato o senador ou deputado “que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”.

A Câmara dos Deputados anunciou para ainda este ano a divulgação pública dos processos de outorga de concessão de rádio e TV em tramitação na casa. Neste ano, em maio, com validade a partir de junho, a CCT alterou (ainda que de modo acanhado) algumas regras da aprovação de concessões, entre as quais o impedimento de que o relator do processo seja representante do mesmo estado da empresa de radiodifusão interessada, o que é importante pela forma como as outorgas servem de instrumento de negociação de apoios. Em abril de 2009, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado afirmou que não era lícito aos parlamentares figurarem como proprietários, controladores ou diretores de empresas que exploram serviços de radiodifusão, e que os respectivos atos de outorga ou renovação deveriam ser cancelados. Alguns meses antes, em dezembro de 2008, um relatório aprovado na Câmara também mencionava a má aplicação do artigo 54 quanto às concessões de rádio e TV. Infelizmente, a recomendação da CCJ não foi apreciada em plenário.

Bom momento para intensificar o debate

De qualquer forma, posições como essas, tomadas no interior do Congresso Nacional, reforçam a compreensão há anos levantada pelos movimentos sociais e ativistas da área da comunicação de que o artigo 54 da Constituição proíbe parlamentares de serem concessionários de emissoras de rádio e televisão. A Constituição não veta a propriedade ou o exercício de função de direção de concessionárias por familiares de parlamentares, mas, em um momento em que é articulada a construção de um marco regulatório das comunicações audiovisuais, é imprescindível que se consolide a proibição legal de que congressistas controlem empresas que funcionem sob concessão pública. Tal impedimento deve ser ampliado também para os familiares em linha reta, colaterais e por afinidade até o terceiro grau, do mesmo modo que o adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na súmula vinculante que define e proíbe o nepotismo na administração pública.

Demorou longas décadas, e houve até uma tentativa frustrada, no início de 2003, para que o cidadão tivesse a oportunidade de acompanhar e fiscalizar a relação de proprietários e diretores de concessões públicas de rádio e televisão, publicizadas agora pelo Minicom. Esta iniciativa tão singela, de divulgar os nomes dos proprietários de empresas que lucram a partir do uso do espectro radioelétrico, um bem público, já é prevista na regulação dos meios audiovisuais em países de tradição democrática da Europa e ganha agora ares na América Latina. É um bom momento para que os movimentos sociais intensifiquem o debate (e as exigências) em torno de medidas de democratização da comunicação, de forma a incentivar o Ministério da área a demonstrar maior vontade de ouvir a sociedade civil organizada na construção do marco regulatório. Impedir legalmente que parlamentares e familiares controlem emissoras de televisão e rádio parece constituir um bom início de caminhada.

 

 

Valério Cruz Brittos é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos
Luciano Gallas é mestrando no mesmo programa