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Regulação de TV por assinatura: uma vitória

Valorização e incentivo à produção nacional e maior competição na área de telecomunicações. Esses são dois efeitos fundamentais esperados para o mercado brasileiro nos próximos anos, por conta da aprovação no Congresso Nacional do PL 116/2010, que regula o setor de TV por assinatura. Trata-se de uma grande vitória, marcada pelo caráter democrático do debate na tramitação da lei.

A última etapa do projeto foi a aprovação pelo Senado do texto, que passou por ampla discussão nos últimos quatro anos. Nesse período, participaram do debate os diversos atores políticos envolvidos: operadoras de telecom, operadoras de TV por assinatura nacionais e estrangeiras, radiodifusores e produtores independentes de conteúdo.

Os principais êxitos do projeto são: 1. O estabelecimento de cotas de conteúdo nacional; 2. A separação clara entre as atividades de produção, programação, empacotamento e distribuição do conteúdo televisivo; 3. A abertura ao capital estrangeiro no ramo de distribuição do conteúdo; e, 4. A eliminação das restrições de convergência tecnológica, unificando a regulamentação de TV por assinatura.

As legislações anteriores (Código de 1962, a Lei do Cabo de 1995 e a LGT de 1997) não atendiam às evoluções que o setor experimentou nos últimos anos e criavam diferenciações para o meio de transmissão. Mas o novo marco legal é um só para as transmissões via satélite, cabo ou microondas.

A entrada das teles estrangeiras no mercado de distribuição dos serviços de TV a cabo é extremamente positiva para arejar o setor e permitir maior competição. A preocupação com a preservação do capital nacional foi respeitada, pois o PL 116/2010, além de impedir que uma mesma empresa produza e transmita o conteúdo, institui cotas de produção nacional na programação a ser veiculada. E essa cota deve ser atendida por todas as empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.

Pela nova lei, será obrigatória a transmissão de três horas e meia de conteúdo nacional nos canais de filmes, séries e documentários, em horário nobre. Além disso, metade deste conteúdo deve ser gerada por produtores independentes brasileiros. Essa reivindicação dos movimentos sociais que participaram da 1ª Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) terá como resultado incentivar a produção cultural brasileira.

Há expectativa também de que, com maior competitividade no setor, a extensão da cobertura das redes de TV a cabo para todo o país se dê com maior celeridade. Além disso, espera-se por uma ampliação dos pacotes das teles (banda larga, telefone e TV a cabo) e por maior eficiência das teles que usarão o mesmo cabo para vários serviços, barateando os custos de cada serviço. Esse efeito positivo ainda se estenderá ao aumento da oferta de banda larga, já que a remuneração da expansão da rede será mais atraente aos prestadores do serviço.

É claro que haverá críticas ao novo marco legal, porque ele não é perfeito e nem tem a pretensão de ser. É um primeiro passo no aperfeiçoamento desse setor importantíssimo. Mas não podemos concordar com algumas críticas, como a de que a Ancine (Agência Nacional de Cinema) tornou-se muito poderosa —na oposição, há quem ameace um questionamento no STF (Supremo Tribunal Federal). Ora, a Ancine terá a responsabilidade apenas de fiscalizar o cumprimento das exigências de cota, não interferindo, portanto, no conteúdo veiculado. Assim, cabe aos consumidores decidirem se o conteúdo é bom ou ruim, mas cabe à Ancine garantir que a programação tenha o espaço determinado pela lei.

O mesmo vale para o percentual de conteúdo nacional definido. Em muitos países da Europa, essa cota de produção nacional é de 50% da programação. As três horas e meia exigidas aqui parecem pouco diante da realidade europeia, mas com o incremento da produção nacional que a nova lei deve trazer, pode-se ampliar esse percentual. Nesse sentido, a determinação de disponibilizar para o assinante um canal brasileiro a cada três canais ofertados complementa o esforço de valorização da nossa produção.

A vitória da aprovação do PL 116 tem a marca do ex-deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), relator na Câmara, e do senador Walter Pinheiro (PT-BA), relator no plenário do Senado. O próximo passo é aprovar uma regulação de mídia no Brasil, avanço iniciado pelo ex-ministro Franklin Martins e que está sob análise do ministro Paulo Bernardo (Comunicações).

Sabemos que a regulação da mídia deve ser negociada com toda sociedade, a começar pelos meios de comunicação. Esse diálogo deve se estender, ainda, aos grupos organizados nas redes sociais, aos sindicatos e aos movimentos sociais, aos empresários, ao meio cultural e intelectual, à universidade e às ONGs. Como foi feito com o PL 116, a regulação de mídia só será bem sucedida se passar por um processo democrático de debate. Mas esse é um assunto para uma outra coluna.

 

* José Dirceu é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT