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A importância da classificação indicativa

"Não se engane, tem coisas que o seu filho não está preparado para ver".

Eis o mote da campanha que a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça lança, em parceria com os meios de comunicação e as entidades de proteção das crianças e adolescentes. O objetivo é conscientizar sobre a importância da classificação indicativa.

Com a redemocratização, esta importante conquista da sociedade foi concebida na Constituinte para substituir e se opor ao entulho ditatorial da antiga Divisão de Censura. Ela foi regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e recebeu muitos aperfeiçoamentos nos últimos anos.

Ela atua na mediação entre dois valores fundamentais para uma sociedade democrática: o direito à liberdade e o dever-poder de proteção dos direitos humanos das crianças. A educação no Brasil, em sentido amplo, é dever do Estado e da família. Ela é promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.

Daí que os órgãos do Estado democrático são instados a atuar para que as liberdades de expressão (dos artistas e roteiristas) e de exibição (das empresas de rádio, cinema, teatro e televisão) estejam aliadas à preservação dos direitos dos pais em decidir sobre a educação de seus filhos -e aos direitos próprios das crianças e adolescentes de serem protegidos em uma fase vital de seu desenvolvimento biopsicosocial.

O que está em jogo é o pleno desenvolvimento das próximas gerações e seu preparo para o exercício da cidadania.

Em nosso modelo, são as emissoras que se autoclassificam, segundo três conteúdos temáticos: drogas, violência e sexo.

Os critérios se distanciam das subjetividades governamentais, pois são fixados previamente e construídos socialmente a partir de consultas públicas e estudos especializados sobre o comportamento das crianças e sua tendência de imitar aquilo que assistem.

Um elemento estruturante da política é que, respeitada a gradação da faixa horária protetiva das 6h às 23h, tudo pode ser exibido.

A supervisão coercitiva do Estado é limitada e não admite censuras, vetos ou cortes de conteúdos, sejam prévios ou posteriores.

Os números demonstram o seu sucesso: de um total de 5.600 obras, somente em 48 casos ocorreu reclassificação em 2011. A eficácia se explica pela concepção de se promover concomitantemente o máximo de exercício de liberdade e o máximo de direito à proteção. Os direitos são restringidos de modo mínimo, apenas naquilo que é adequado, necessário e proporcional à garantia de um equilíbrio que não lesione os seus conteúdos essenciais.

Entre um modelo ultraliberal, sem notícias no mundo ocidental, no qual tudo poderia ser exibido em qualquer horário e a responsabilidade pela formação dos jovens estaria terceirizada ao mercado, e um outro tipo radicalmente oposto, em que o Estado é onipresente e realiza controle prévio sobre conteúdos (como, a propósito, ocorre em muitas democracias ocidentais), o Brasil concebeu um modelo social, elogiado internacionalmente, cuja grande virtude reside na ideia de justo meio.

Esta campanha remete ao propósito social da classificação indicativa: o de ser um instrumento da liberdade, compreendido como uma condição de possibilidade para que os pais e mães consigam dar efetividade às suas escolhas, precaver danos e planejar cada vez mais seu tempo de convivência com a família.

Trata-se de um instituto a serviço da construção de um ambiente social saudável, condizente com os grandes desafios do desenvolvimento do Brasil, no presente e no futuro.

JOSÉ EDUARDO CARDOZO, 52, é ministro da Justiça
PAULO ABRÃO, 36, é secretário nacional de Justiça

“TV Folha” privatiza espaço público

[ Título original: Para Laurindo Lalo Leal, "TV Folha" privatiza espaço público]

A televisão brasileira, com raras exceções, é um deserto de criatividade. Aos domingos a situação piora. Para a maioria dos telespectadores resta o encontro com Faustão, Gugu, Silvio Santos e assemelhados.

Em São Paulo, a TV Cultura tentou por vezes se apresentar como alternativa oferecendo programas de melhor qualidade. A inconstância da grade de programação, reflexo de uma instabilidade administrativa crônica, impediu que as tentativas prosperassem.

O programa TV Folha é uma nova aposta na mesma linha, ainda que terceirizado. Críticas à ação policial na cracolândia e no Pinheirinho devem ter surpreendido o telespectador menos atento, acostumado a docilidade da Cultura quando o governo do Estado e prefeituras a ele alinhadas estão na berlinda.

A lamentar a falta de réplica dos entrevistadores às desculpas do prefeito.

Premido pelo tempo escasso e pela fórmula adotada, o TV Folha não avança na direção do aprofundamento dos temas. Reproduz na televisão o padrão adotado na internet, calcado numa sequência de clipes, sem dar oportunidade à reflexão.

A presença de Chico Buarque encaixou-se no padrão. Anunciado como "depoimento inédito" o que se viu foram frases entrecortadas do artista. O pior foi o colunista dizer que "ninguém quer escutar" as novas musicas do Chico. De onde ele tirou essa conclusão?

A lamentar o fato da TV Cultura deixar clara a sua incapacidade de produzir um programa jornalístico de qualidade, optando por privatizar mais um espaço público no Estado de São Paulo.

Laurindo Lalo Leal é sociólogo, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP

Internet pode ganhar seu ‘Código de Defesa’

Chegou ao Congresso, na última semana, o Marco Civil da Internet. É uma lei que não quer criminalizar a rede (como a chamada "Lei Azeredo"), mas, sim, estabelecer direitos fundamentais dos usuários, tratando de temas como privacidade, liberdade de expressão e acesso.

É o primeiro projeto de lei colaborativo do Brasil. Em vez de ter sido redigido isoladamente, foi resultado de um debate aberto na rede, que discutiu dos princípios básicos ao texto final. O processo contou com ampla participação pública, e o texto equilibra diversos pontos de vista.

O Marco Civil chega em boa hora. Ainda não há lei sobre a rede no Brasil. Essa ausência, em vez de garantir liberdade e preservar direitos, traz, na verdade, o pior dos mundos.

Sem lei, as decisões dos juízes são contraditórias. Blogueiros e sites têm sido condenados por meros comentários. Um juiz chegou a mandar tirar o YouTube do ar por conta de um vídeo (Daniela Ciccarelli numa praia da Espanha).

Além disso, dados dos usuários são hoje guardados por provedores sem limite de prazo e entregues a autoridades ou terceiros sem controle judicial.

O Marco Civil entende que esses dados só podem ser repassados mediante ordem judicial prévia. Entende que são igualmente importantes a proteção à privacidade e a possibilidade de investigar crimes na rede.

Assim, o prazo para guardar dados é limitado a um ano -uma pesquisa da União Europeia mostrou que 98% dos pedidos de acesso são para dados de até um ano.

O Marco Civil pode ser tão importante quanto foi o Código de Defesa do Consumidor: uma legislação de vanguarda e conhecida por todos os brasileiros. Pode levar o país a tratar a internet de forma equilibrada. Quem quiser saber mais pode ver aqui.