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A falsa disputa entre liberdade versus censura

[Título original: A grande mídia e a falsa disputa entre liberdade vs. censura}

Diante da feroz reação da grande mídia às propostas apresentadas (e àquelas que sequer foram apresentadas) no IV Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, relativas a um Marco Regulatório para as Comunicações, escrevi no Observatório da Imprensa nº 658: A saída parece ser colocar imediatamente para o debate público um projeto de marco regulatório. (…) Diante de uma proposta concreta de regulação democrática – a exemplo do que acontece nos países civilizados – seus eternos opositores terão que mostrar objetivamente onde de fato está a defesa da censura e onde se postula o controle autoritário da mídia. Não há alternativa.

Menos de três meses depois, o fato de o Governo Dilma não haver ainda apresentado um projeto de Marco Regulatório, aliado à incapacidade dos “não-atores” [organizações da sociedade civil; entidades representativas da mídia pública (comunitária) e o próprio Ministério Público] de interferir efetivamente na definição da agenda pública e, mais do que isso, no enquadramento dos temas dessa agenda, vai aos poucos consolidando um falso cenário (“communication environment”) em relação ao que de fato está em jogo.

A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).

Quem é contra a liberdade?

Na verdade esta é uma velha e conhecida tática utilizada por certos setores da sociedade brasileira. Escolhe-se um princípio sobre o qual existe amplo consenso e desloca-se a questão em disputa para seu campo de significação. Como em política, apoiar uma posição significa estar contra outras, é preciso identificar um adversário, no caso, os inimigos da liberdade. A quem se convenceria se ninguém defendesse a posição contrária? É necessário, portanto, que a grande mídia convença a maioria da população de que “alguém” é contra a liberdade – mesmo que nossa história política, em várias ocasiões, revele exatamente o inverso. Como a grande mídia (ainda) tem o poder de construir a agenda pública e enquadrá-la, repete exaustivamente a “inversão” até criar um ambiente falso no qual ela – a grande mídia – se apresenta como a grande defensora da liberdade. Resultado: se interdita a possibilidade de um debate racional do que de fato está em jogo.

Manuel Castells – um dos maiores estudiosos da comunicação nas “sociedades em rede” globalizadas – explica que o poder é exercido através da construção de significados na base dos discursos que orientam a ação dos atores sociais. E, claro, o significado é construído pelo processo de “ação comunicativa” na esfera pública, isto é, na rede (network) de comunicação, informação e pontos de vista [cf. “Communication Power”, Oxford, pbk. 2011].

Liberdade tem sido um dos termos mais problemáticos e difundidos do pensamento moderno, tanto na consciência popular quanto na conceituação de “experts”. Junto com outros termos como desenvolvimento e democracia, é parte da história da modernidade que tem dominado o pensamento ocidental pelos últimos três séculos. Durante a Guerra Fria, liberdade serviu como argumento central na disputa ideológica entre o ocidente e o oriente e, em parte, também contra o “Terceiro Mundo”. Com o fim da União Soviética, o uso ideológico da liberdade ganha novas dimensões e contornos [cf. K. Nordenstreng, “Myths about press freedom”, Brazilian Journalism Research, vol. 3, nº 1, 2007; p. 15 e segs.].

Censura vs. liberdade de expressão

Nesse contexto, não basta comprovar que a mídia é regulada nas democracias mais avançadas do mundo; não basta propor que as normas e princípios já constantes da Constituição de 88 sejam o “terreno comum” para as negociações (como fez o ex-ministro Franklin Martins recentemente em Porto Alegre); não basta mostrar que as mudanças tecnológicas exigem uma atualização da legislação; não basta reiterar compromissos com a Constituição Federal e com a liberdade de expressão. Nada é suficiente.

O vazio provocado pela ausência de propostas concretas do governo e a incapacidade dos “não-atores”, faz com que o campo de significações sobre o que constitui um Marco Regulatório das Comunicações esteja sob o controle daqueles que são contrários a ele.

Essa é a situação em que nos encontramos hoje.

O que fazer?

É possível alterar “o ambiente de comunicação” vigente e recolocar o debate em termos compatíveis com a convivência democrática entre opiniões e idéias divergentes?

Para os “não-atores” e os partidos políticos que agora se comprometem diretamente com essa bandeira, não existe outra forma senão pressionar o Governo para que torne público “um” Projeto de Lei e insistir, através de todos os recursos alternativos existentes – e aqui as novas TICs desempenham um papel fundamental – que um Marco Regulatório para as Comunicações significa, de fato, a garantia de que mais vozes se expressem no debate público, que haja mais participação, mais pluralidade, mais diversidade, isto é, mais – e não menos – liberdade.

É exatamente a possibilidade de ampliação da democracia que contraria os (ainda) poderosos interesses dos poucos grupos que, ao longo de nossa história, tem entendido, praticado e defendido a liberdade de expressão como se ela fosse somente sua e impedido que a voz da imensa maioria da população seja ouvida.

A ver.

Venício Lima é professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

Dois pesos e apenas uma medida

O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, estabelece que “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. Atualmente, este direito, reconhecido por meio do exercício à livre manifestação de pensamento, não pode ser exercido sem o acesso à mídia, já que as ideias, reivindicações, identidades e posicionamentos de qualquer grupamento social só podem efetivamente produzir efeito público sendo midiatizadas.

No entanto, este direito, que é do cidadão e da sociedade, foi ressignificado pelos grandes grupos de comunicação – os mesmos que apoiaram abertamente a implantação do regime militar no Brasil e agora se revelam defensores da liberdade de expressão, logicamente desde que isso implique a proteção às suas próprias empresas. Tal posição fica explícita em toda manifestação das indústrias culturais, especialmente quando da elaboração da primeira versão do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) e da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009, boicotada por grande parte dos radiodifusores por defenderem que o livre mercado é a única regulamentação possível.

O próprio governo também tem procurado evocar o direito à liberdade de opinião e expressão. Infelizmente, este pseudo-reconhecimento não tem implicado a mudança da estrutura hierárquica e vertical que configura o cenário de oligopólio midiático nacional, em vigor desde a década de 1960. O que há é um temor do governo Dilma Rousseff em dar providências às propostas aprovadas na Confecom – tal qual encaminhadas ao então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), Franklin Martins –, materializadas em políticas de comunicação tímidas, em compasso com as alianças políticas realizadas pelo PT ainda durante o governo Luz Inácio Lula da Silva.

Cinco motivos com nome e sobrenome

A escolha de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações – representando, finalmente, a ocupação desta importante pasta pelo próprio PT –, na prática, não significou uma postura mais incisiva em priorizar as demandas da pluralidade de segmentos sociais que compõem a sociedade civil. Basta analisar a forma como tem sido encaminhado o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com a mudança do foco de universalização para massificação do serviço. Assim, está se beneficiando gigantes das telecomunicações e inviabilizando que novos atores sociais tornem-se mais do que eventuais consumidores, visto que a velocidade proposta, de 1 megabyte, muito prejudica a possibilidade de prover conteúdo à rede e, desta forma, diversificar a produção de conteúdos, em direção ao alternativo.

Ao que tudo indica, Bernardo teve pelo menos cinco motivos para não levar adiante as mais de 600 propostas aprovadas pela Confecom. Tal ensejo tem nome e sobrenome: Rede Globo – família Marinho; Grupo Abril – família Civita; Grupo Folha – família Frias; Grupo Estado – família Mesquita; e Rede Brasil Sul (RBS) – família Sirotsky. Certamente a reação possível desses grupos, caso se sintam ameaçados por algum tipo de controle social de seus conteúdos, impactou decisivamente na forma como está sendo encaminhada a proposta para a criação de um novo marco regulatório da mídia eletrônica. Como resultado, o governo está focado precipuamente no desenvolvimento da iniciativa privada e no alargamento do mercado de consumo, como atestam a recente Lei Federal 12.485/2011 e o PNBL.

Questão midiática desperta interesse

Incansáveis em sua peregrinação pela democratização da mídia, representantes de movimentos sociais estiveram reunidos com Bernardo no dia 18 de outubro. Na oportunidade, foram apresentados 20 pontos de reivindicação, não obstante a pauta levantada pela Confecom seja superior e deva ser a baliza maior. Entre eles constam a criação de um Conselho Nacional de Comunicação; a participação social na mídia, com direito a responsabilizar as empresas pela veiculação de conteúdos contrários aos direitos humanos; e, ainda, a regulamentação dos sistemas privado, estatal e público. No entanto, levando em consideração a forma como o governo tem encaminhado este processo, pode-se afirmar que a jornada árdua enfrentada pelos midialivristas ainda terá muitos embates pela frente.

Será preciso muito mais do que promover consultas públicas via internet para modificar o cenário descrito. Diga-se de passagem, nem mesmo a metade da população prevista para ser contemplada pelo PNBL até o final deste ano poderá participar do debate, já que os 1.163 municípios previstos para receber o programa diminuíram para 800 ainda em maio de 2011. Como disse o sociólogo e ativista político Herbert de Souza, o Betinho, “o termômetro que mede a democracia numa sociedade é o mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação”. O dado positivo é que a questão midiática hoje começa a despertar o interesse dos mais distintos grupos sociais, tradicionalmente afastados desse debate.

Valério Cruz Brittos e Eduardo Silveira de Menezes são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e jornalista, mestrando no mesmo programa

Audiência Pública, instrumento fundamental para democracia

O Conselho Consultivo da Anatel aprovou e encaminhou para o Conselho Diretor, na reunião realizada na última sexta-feira, dia 18 de novembro, uma proposta relevante na busca por transparência e democracia nas comunicações do país: todas as Audiências Públicas realizadas pela agência deverão ser transmitidas online e por todos os veículos de comunicação da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). Agora a Agência deverá analisar o documento e se posicionar a respeito.

A proposta prevê ainda que as audiências públicas promovidas pela Anatel poderão ser transmitidas ao vivo ou gravadas, e deverão ter uma ampla divulgação nas redes sociais. Havendo transmissão ao vivo deverão ser disponibilizadas aos cidadãos ferramentas de participação em tempo real por meio de perguntas realizadas por telefone, e-mail ou redes sociais. A ampliação do uso de recursos interativos para a comunicação com o cidadão, por meio do site e da internet em geral, também foi prevista.

O intuito é potencializar o acesso da população civil às atividades da Agência, enfraquecido pela carência de consultas e de audiências sobre as principais decisões e regulamentos criados para as telecomunicações nacionais. Debates e determinações que, infelizmente, acabam concentrados apenas nas mãos das operadoras e do governo.
Além disso, foi sugerido que as próprias reuniões do Conselho Consultivo – responsável por representar os diferentes setores sociais na Anatel – também fossem transmitidas online, da mesma forma como autorizada para o Conselho Diretor da Anatel, na portaria 982, divulgada no dia 9 de novembro de 2011.

Mas, a medida que vem ao encontro da última decisão do novo presidente da Anatel, João Rezende, de dar mais transparência às ações do órgão, vai muito além das telecomunicações e coloca em voga uma questão pontual no exercício da cidadania brasileira. Como ser ativo nas decisões políticas, econômicas e sociais do país se espaços e instrumentos de participação social importantes, como as audiências públicas, têm sido cada vez mais esvaziados e limitados pelo poder público?

Para se ter ideia, a Anatel realizou apenas uma audiência pública antes de decidir e divulgar as novas metas de qualidade para o serviço de banda larga fixa e móvel brasileiro, no mês passado. E já preocupa a previsão de uma única audiência aberta à sociedade para a Anatel apresentar e discutir a nova regulação para a TV paga, que está sendo reformulada após a aprovação da Lei 12.485/2011 e deverá ser colocada em prática até março de 2012.

E por que isto acontece? A resposta dada pela Anatel para justificar o número insuficiente de audiências públicas é sempre a mesma, a histórica falta de recursos para promover encontros que visem a esclarecer e ouvir a população.

No entanto há um fundo, o Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), criado para ser aplicado exclusivamente no custeio do aperfeiçoamento do serviço de fiscalização das telecomunicações existentes no país, assim como na aquisição de material especializado e nas atividades que fiscalizam a elaboração e execução de planos e projetos referentes às telecomunicações.

O fundo arrecada cerca de R$ 3 bilhões por ano e a Agência recebe apenas R$ 300 milhões, ou seja 10% ou até menos do que é arrecadado. Em 2008, a arrecadação chegou a mais de R$ 6 bilhões de reais.  Em 2011, até junho, já foi arrecadado mais de R$ 3 bilhões e apenas R$ 147 milhões foram repassados à Anatel. Todo o restante fica nas mãos do governo federal para compor as metas de superávit primário. Ou seja, há um desvio de recursos que boicota a participação efetiva da sociedade civil nas decisões políticas do país .

Ao contrário das concessionárias, que também criticam o desvio da verba, mas desejam única e simplesmente a redução do Fistel, o Instituto Telecom defende que o Fundo deve ser utilizado para cumprir a natureza a que se destina em lei e permitir que a Anatel fiscalize efetivamente os serviços de telecomunicações com autoridade legitimada pelas consultas e audiências feitas junto à sociedade civil.

Audiência Pública é um instrumento fundamental para o exercício da democracia no país e deve ser uma das reivindicações da luta pelo acesso e representação da população nos grandes veículos de mídia através do Marco Regulatório das Comunicações.

O Conselho Consultivo da Anatel acerta ao reivindicar instrumentos que possibilitem uma maior participação da sociedade, através das audiências públicas. Cabe ao Conselho Diretor aprovar a proposta e ao governo garantir os recursos necessários para que esse processo democrático possa se efetivar.

Grande imprensa castiga TV Brasil

A grande imprensa ou, se preferirem, a indústria jornalística, não disfarçou a sua irritação quando o governo Lula indicou a jornalista Tereza Cruvinel para a dupla missão de presidir a EBC, Empresa Brasil de Comunicação e criar a TV Brasil, rede pública de TV.

O mercado sentiu-se traído, não podia admitir que uma profissional que galgara uma posição tão destacada – colunista diária de política no jornal O Globo – pudesse passar-se para o “outro lado”. O rito meritocrático vigente na grande imprensa brasileira funciona geralmente na base do toma lá, dá cá: você sobe espetacularmente, em troca deverá ser absolutamente fiel ao sistema. A convivência acaba desfazendo eventuais arestas e, assim, chegamos à mesmice das páginas e colunas de opinião. Esplêndido nível técnico e nenhum pluralismo.

Tereza Cruvinel, além disso, precisava ser preventivamente castigada porque a EBC só faria sentido se produzisse uma televisão alternativa real, descomprometida com os Ibopes e os outros equalizadores de conteúdo.

A punição imposta à jornalista não levou em conta que a TV Cultura sempre dependeu do governo do estado de São Paulo e que a precursora da TV Brasil, a TVE (TV Educativa), também era financiada pelo governo (federal). O fato de se diferenciarem no formato legal, em última análise, não as distingue: são igualmente financiadas pelo Erário.

Duas polêmicas

Coube à TV Brasil uma dose extra de chutes e chibatadas porque sua criação coincidiu com o paroxismo antiestatal que contagia a mídia mundial e tornou-a escrava dos mercados e seus insondáveis interesses.

Tereza Cruvinel foi implacavelmente perseguida durante os quatro anos do seu mandato, da posse à despedida (em 31/10). As colunas de TV da grande imprensa estão atulhadas de material promocional da TV comercial, telenovelas estão no cabeçalho dos jornalões todos os domingos, enquanto as atrações da TV Brasil são ostensivamente garfadas. A desculpa generalizada é que dão traço de audiência. Ora, dão traço de audiência porque os colunistas especializados esquecem seus compromissos com os leitores e escondem o que mereceria ser destacado.

As besteiras cometidas pela direção da TV Cultura são amavelmente ignoradas, seu conselho curador é desobedecido frontalmente e a mídia não se abala: criticar publicamente a TV Cultura a colocaria em pé de igualdade com a TV do Lula. Impensável.

A EBC e a TV Brasil cometeram e cometem inúmeros erros tanto no plano estratégico como funcional e operacional, mas a pauleira é flagrantemente assimétrica. O cinegrafista Gelson Domingos foi assassinado pelo narcotráfico no domingo (6/11), no Rio, mas nenhum dos especialistas da mídia comercial que se debruçou na tragédia reparou que ele arriscava a vida porque estava a serviço de um dos programas mais sensacionalistas da TV privada (também trabalhava para a TV Brasil em outro tipo de cobertura).

Na matéria com que a Folha de S.Paulo comemorou a saída de Tereza Cruvinel (capa da “Ilustrada”, 6/11) foram registradas seis polêmicas ao longo de quatro anos. Uma delas foi visivelmente forçada: a não renovação do mandato da presidente da EBC. Não existe uma dança de cadeiras, mais vertiginosa ainda, nas empresas comerciais de mídia? A Folha” renova automaticamente todos os contratos de seus executivos?

Duas outras polêmicas são na realidade uma e nem por isso desculpável: a saída dos conselheiros Mario Borgneth, Orlando Senna e Leopoldo Senna, profissionais altamente qualificados, respeitados, que uma empresa pública não pode dar-se ao luxo de desperdiçar.

São liminarmente legítimas – e, para este observador, inquestionáveis – duas polêmicas da lista: a reclamação do então candidato José Serra sobre a parcialidade da cobertura da TV Brasil nas últimas presidenciais e a do jornalista Luis Lobo sobre o controle da produção jornalística.

Assim, também, a investigação do TCU ora em curso sobre um pagamento irregular de 2 milhões de reais a uma empresa que seria ligada a um familiar do ex-ministro Franklin Martins. Enquanto não sai a sentença, fica no âmbito da suspeita.

Experiência única

Faltou, porém, incluir nessa portentosa lista de crises uma polêmica efetiva, real, com enorme repercussão pública: a inédita decisão de tirar da grade dois tradicionais programas religiosos porque comprometem a isonomia e o laicismo de uma TV pública. Estranho esquecimento num jornal cujo relacionamento com confissões religiosas é notório.

Este observador está consciente de que pelo exposto será prontamente acusado de favorecer uma emissora para a qual presta serviços. Ossos do ofício. A edição televisiva do Observatório da Imprensa começou em 1998, na antiga TVE, ainda no primeiro mandato de FHC. Atravessou o segundo, os dois mandatos de Lula e o primeiro ano de Dilma Rousseff.

Nada mal, considerando que um dos colunistas da Folha proclamou há mais de uma década que era o pior programa da TV brasileira. Mas continua no ar ininterruptamente há 14 anos. Com traços ou pontos, uma experiência única na TV brasileira. E em sua última edição abrilhantada pela presença da ombudsman do jornal, Suzana Singer.

Marco Regulatório das Comunicações, uma guerra silenciosa

A demora do governo em apresentar à sociedade a proposta para um Marco Regulatório das Comunicações tem dado cada vez mais espaço, aos que já dominam todos os espaços, para demonizar o debate sobre a regulação da mídia com a pecha de "censura".  Aos poucos, vai ficando claro o que está se configurando no país: uma guerra, supostamente em defesa da liberdade de expressão.

Coincidência ou não os ataques recentes às novas atribuições da Ancine dispostas na MP 545 são feitos exatamente pelos mesmos grupos formados pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e  ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura),  liderados  pela Rede Globo, que pressionaram e conseguiram, primeiro, impedir durante anos que o Conselho de Comunicação Social fosse instituído e, depois, que ele não funcionasse – há cinco anos o Conselho não se reúne.

São os mesmos que durante muito tempo dificultaram a aprovação de medidas importantes defendidas por entidades civis como o ex-PL 29, posteriormente PLC 116 e finalmente Lei 12.485/10, responsável pela criação de cotas para a produção e distribuição de conteúdo nacional e veiculação de publicidade na TV paga, entre outras determinações.

Todas essas críticas, feitas pelos que praticam diariamente a censura escondendo da população notícias de interesse público e vendendo espaços para interesses escusos, têm apenas um intuito: impedir que se faça o debate sobre a regulação da comunicação.

As Organizações Globo, por exemplo, chamam de "contrabando" na MP 545 justamente o principal item, de mudanças na Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) cujo objetivo é incentivar a produção audiovisual brasileira. Uma das mudanças previstas é a que determina o fim da obra audiovisual estrangeira adaptada, que passa a ser enquadrada como obra publicitária estrangeira para o cálculo da Condecine, e ainda estabelece que todas as obras estrangeiras deverão ser adaptadas ao idioma português por empresa produtora brasileira registrada na Ancine. Para se ter uma ideia, entre janeiro de 2010 e junho de 2011, 746 obras foram enquadradas como estrangeiras adaptadas e passarão a ser consideradas somente estrangeiras a partir do ano que vem, quando a MP entra em vigor.

Nas mãos dos coronéis da imprensa e da política, o Marco Regulatório das Comunicações, ou qualquer outra tentativa de se regular a mídia, como a MP 545, têm sido claramente desenhados como monstro regulatório.  O deputado ACM Neto (BA), líder do DEM na Câmara, já avisou que o partido deve obstruir a votação das mudanças.

Não é preciso ir muito além para entender o que querem políticos como ACM Neto, que repercutem com quase total verossimilhança bandeiras históricas de determinadas classes econômicas e famílias. É a defesa de seus interesses próprios, abalados por um processo de mudança nas comunicações e telecomunicações do país liderado pela sociedade civil e fortalecido na realização da I Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), em dezembro de 2009.

Regras que defendem uma democratização na comunicação e o direito de expressão já são realidade há muito tempo em países considerados modelos de democracia. Na França, por exemplo, uma das funções do Conselho Superior para o Audiovisual (CSA) é acompanhar a programação e zelar para que haja sempre uma pluralidade dos discursos presentes no audiovisual francês. Já em Portugal, uma das funções da Entidade Reguladora para Comunicação Social (ERC), é fazer regulamentos por meio de consultas públicas à sociedade e ao setor. Medidas como obrigar que 25% das canções nas rádios sejam portuguesas, só podem ser alteradas por lei. Além disso, o órgão também presta o serviço de ouvidoria da imprensa, a partir de denúncias apresentadas por meio de um formulário no site da entidade. Reclamações que podem ser feitas por pessoas ou por meio de representações coletivas.

A própria União Europeia aprovou recentemente o estabelecimento de um limite de 12 minutos ou 20% de publicidade para cada hora de transmissão. Foi banida totalmente a veiculação de publicidade da indústria do tabaco e farmacêutica, e a da indústria do álcool ficou extremamente restrita. Há ainda medidas relevantes como direito de resposta e regras de acessibilidade.

A guerra pela liberdade de expressão está estabelecida. Mas, ao contrário do que dizem os coronéis da mídia, passa pela adoção de práticas de regulação e o Brasil não pode e não deve mais permitir que se fuja,  ou evite este debate.

FNDC realiza plenária para debater Marco Regulatório

Nos dias 9 e 10 de dezembro de 2011, em São Paulo, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), realizará seminário com o tema “20 Anos, 20 Pontos – Propostas para um Marco Legal da Comunicação no Brasil”. O evento fará um balanço das duas décadas do FNDC e debaterá a plataforma com as propostas lançadas para o Marco entregues ao ministro Paulo Bernardo, em outubro.