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A necessidade da regulamentação

Uma das diretrizes no que tange à regulação da mídia tem como eixo norteador assegurar e resguardar os interesses sociais. No entanto, para que isso se concretize e se torne base para futuros direcionamentos em busca de uma mídia mais democrática, é fundamental que a sociedade seja elemento chave e decisório nesse processo, participando de forma ativa nesta área. Acrescente-se que é a ausência disso o que impede movimentos mais justos e igualitários, pois a inserção da sociedade ainda continua escassa e pouco satisfatória: por um lado, pela falta de acesso às informações; por outro, pelo desinteresse, ocasionado muitas vezes pela mesma ausência de debate sobre o tema, além do cansaço da jornada de trabalho.

Os debates e as decisões estão pulverizadas em torno de grandes grupos midiáticos que, em prol de seus interesses, acabam esvaziando a importância desse assunto. Isso, de certa forma, gera uma confusão entre controle e censura. Até porque os donos dos oligopólios travam verdadeiras batalhas contra um marco regulatório. A mídia tal qual conhecida hoje, desregulamentada, acaba deixando o mercado conduzir o sistema, tendo o poder de censurar as notícias sem garantir a integridade do interesse público. Na verdade, o controle social nada tem a ver com censura, pois é a própria sociedade controlando sua mídia. Além do mais, os interesses que envolvem o controle social, ao contrário da censura, são amplos e gerais.

Ao mesmo tempo, como não poderia ser diferente, já que a mídia está inserida num quadro onde o rentabilização e o lucro, elementos-chaves do capitalismo, exercem verdadeira pressão, os anunciantes tornam-se fundamentais nesse processo. A regulação tem como objetivo defender diversos direitos relacionados à comunicação, tais como o interesse público dos meios de comunicação e a participação social. O papel da legislação na área de mídia é regular as atividades dos meios de comunicação e garantir o mais plenamente possível o direito à comunicação, de forma que o conjunto social possa receber as informações mais relevantes, assim como publicizar sua demandas, identidades e posicionamentos em geral.

Monopolizada e corporativa

Nos últimos anos, a América Latina, em especial, tem avançado no que diz respeito à regulação dos meios. Venezuela, Argentina e Equador, em particular, propuseram novas leis, que devem ser analisadas com atenção por trazerem inovação, embora não possam ser aplicadas diretamente pelo Brasil. Um bom exemplo é a Ley de Medios da vizinha Argentina que, fundamentalmente, proíbe os meios cruzados, o que acaba com monopólios. Também merece destaque a partição feita no país entre meios público-estatais, privados e público não-estatais. No Brasil, desde 2009, quando foi realizado a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) o assunto passou a ser discutido com frequência, mas pouco foi feito.

O governo precisa ter coragem para levar adiante o projeto de regulamentação da mídia e proibir a propriedade cruzada, mas para isso é necessário bater de frente com os empresários. A mídia não quer discutir a si própria e nem deixar debater; o discurso sempre tende a acentuar a liberdade de expressão, que, na verdade, é a liberdade dos donos da mídia de manterem suas empresas sem qualquer vigilância. Fica cada vez mais evidente a necessidade de um debate aberto, onde o governo deve, ouvindo a sociedade, propor clara mudança. Na atualidade, a mídia brasileira vive um período de total liberdade, comprando formatos que nada contribuem para a cidadania e vendendo horários na grade de programação, que se torna, em muitos casos, uma igreja eletrônica ou baú de vendas.

Basta olhar-se a programação de TV aberta para se entender por que a mídia reluta em ser regulamentada. Para chegar-se a meios sociais é importante a democratização da mídia atual, acreditando-se que assim podem-se aprofundar as políticas públicas para a juventude, ampliando a qualidade da educação informal. Tendo em vista o bem da democracia, está mais do que na hora deste tema ser discutido dentro da academia; ninguém ou setor algum pode se omitir, o debate precisa ser levado aprofundadamente. Não há por que deixar os novos profissionais da comunicação serem escravos de uma mídia monopolizada e corporativa. Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil não vive uma imprensa livre – quem tem total liberdade são as empresas de mídia, não os jornalistas, que normalmente são presos a linhas editoriais.

Valério Cruz Brittos e Dijair Brilhantes são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e graduando em Comunicação Social – Jornalismo na mesma instituição e bolsista CNPq

Dossiê Cultura/Fundação Padre Anchieta: Desmonte e privatização

A Fundação Padre Anchieta vive um processo longo de carência de investimentos e de sucateamento. As últimas gestões foram marcadas por escassos recursos orçamentários e, consequentemente, por pouco investimento estrutural. Houve perda cumulativa do potencial criativo das Rádios e TV Cultura. E vale lembrar que a fundação tinha um papel diferenciado na comunicação brasileira, uma referência na TV aberta e gratuita para novos talentos, formatos e modelos.

Hoje, as emissoras possuem pouca dinâmica e estão estranguladas por demissões. São quase nulas em termos de audiência. As Rádios e TV Cultura estão passando por um processo de desmonte e privatização, com a degradação de seu caráter público. A criatividade e a produção de conteúdo – marcas fundamentais dos 43 anos de história da Fundação Padre Anchieta – estão ameaçadas pela transformação do canal de TV em um mero exibidor de material comprado de terceiros.

Histórico

As gestões anteriores da Fundação, com Marcos Mendonça e Paulo Markun, já demonstravam a carência de investimentos e recursos. Um contrato de gestão que o governo paulista obrigou a Fundação Padre Anchieta a assinar em 2009 já indicava o futuro das Rádios e TV Cultura com minguantes recursos. Este contrato previa a redução gradual de verbas orçamentárias para a TV e o conseqüente aumento da captação publicitária.

O documento, na época aprovado por unanimidade pelo conselho curador da Fundação, mas nunca tornado público, previa que tanto a TV Cultura quanto o governo deveriam cumprir metas e oferecer contrapartidas entre 2009 e 2013. Segundo o documento, o governo diminuiria as verbas que envia para o custeio da fundação (da ordem de R$ 75 milhões para R$ 55 milhões) e o contrato estabelecia metas maiores de captação externa (em publicidade e prestação de serviços). Isso já era um sinal claro que o comando do governo paulista queria gradualmente retirar seu papel da comunicação pública.

Com a eleição de João Sayad, o mesmo contrato de gestão assinado e com plano de metas claras foi deixado de lado. O conteúdo deste contrato não foi publicado, tampouco o documento que o substituiu. A assessoria de imprensa da FPA divulgou várias vezes que houve economia nos últimos meses. Mas vale lembrar que tal redução de gastos foi feita ao custo social de centenas de demissões. O Conselho Curador apenas endossou laconicamente a brutal mudança na programação e nos quadros funcionais.

Sayad e a privatização

A gestão do presidente João Sayad, do vice-presidente de conteúdo Fernando Vieira de Melo e do vice-presidente administrativo Ronaldo Bianchi caminhou às escuras para dilapidar o patrimônio público. Sayad optou por transformar a TV Cultura em uma mera exibidora. Cancelou e/ou deixou de renovar contratos de prestação de serviço (TV Justiça, Assembléia de São Paulo, etc), acabou com diversos programas e implantou um programa de demissões em massa.

Em conversas com seu staff, João Sayad já comentou que a TV Cultura deveria caber apenas de um andar de um prédio comercial diante do planejamento que ele implantou. O que se vê é um processo de “privatização” das funções da FPA na comunicação pública. E não se pode descartar também a “estatização” e a “partidarização” destas mesmas funções públicas. A atual gestão retrocedeu a TV Cultura em pelo menos 15 anos com a demissão de profissionais qualificados e a sobrecarga do restante das equipes.

Mais de mil demitidos

Desde o início da gestão João Sayad, a TV Cultura encolheu drasticamente. Foram mais de mil demitidos, entre celetistas e PJs. Um processo de seleção “pública” foi desenvolvido para a regularização de poucos funcionários. A maioria foi desligada com o fim de programas e dos contratos de prestação de serviços. Os Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas não têm conseguido reagir às demissões. Seria importante que ao menos divulgassem o saldo consolidado de quantas demissões foram homologadas por eles durante a gestão João Sayad.

Extinção de programas

O trio Sayad-Bianchi-Vieira de Melo extinguiu programas no atacado desde o início da sua gestão. Tentou-se acabar com outros, como o Manos e Minas, mas houve resistência de um público organizado e disposto a cobrar a programação de uma emissora pública. A lista de programas hoje é recheada de produções externas ou de reprises. Pouquíssimo material é feito com produção própria e inédita. A seguir, um resumo dos programas próprios que sucumbiram:

Cultura Retrô – Lançado pela gestão João Sayad em abril de 2011, o programa conduzido pela ex-MTV Marina Person não teve fôlego nem para comemorar um ano de vida. Seu fim foi anunciado em março. A atração revisitava reportagens e entrevistas do arquivo da emissora.

Entrelinhas – Dedicado exclusivamente à literatura, era o único do gênero na TV aberta e foi extinto em março de 2012. Existia desde 2005. A equipe de produção foi desmontada e redirecionada para outros programas. A promessa é integrá-lo à nova reformulação do Metropolis.

Grandes Momentos do Esporte – Também extinto em março de 2012, o programa já estava na mira da gestão Sayad há tempos. A atração perdera tempo na grade e o antigo apresentador, o jornalista Helio Alcântara, foi demitido em 2011. Seu lugar foi ocupado pelos jornalistas Vladir Lemos e Michel Laurence, além do capitão do tri Carlos Alberto Torres.

Letra Livre – Conduzido pelo jornalista e crítico literário Manuel da Costa Pinto, o programa foi criado em 2008 e promovia a cada edição o debate entre dois escritores consagrados. Foi extinto em junho de 2010.

Login – Inicialmente chamado de Programa Novo, foi criado na gestão de Paulo Markun e era exibido no início da noite. Dedicado ao público jovem, apresentava reportagens, entrevistas, bandas de música e contava com a participação de internautas. Extinto em dezembro de 2010.

Nossa Língua – Criado no início dos anos 2000 sob o comando do Professor Pasquale, o programa virou uma referência sobre o ensino da língua portuguesa na televisão. Extinto na gestão de Marcos Mendonça, retornou em 2008. Depois, reformulado, passou a ser produzido por temporadas. A última, de 26 capítulos, foi exibida em 2011. Não há previsão de retorno.

Vitrine – Com mais de 20 anos de história, foi símbolo de inovação ao tratar de cultura e mídia. Ultimamente era apresentado por Cunha Jr e Carla Fiorito. Foi extinto em março de 2012. A promessa é incorporá-lo à reformulação do programa Metrópolis.

Zoom – Programa semanal dedicado ao cinema, sobretudo à produção brasileira de médias e curtas metragens. Extinto em fevereiro de 2011, teve Flávia Scherner como última apresentadora. À época de sua extinção, a assessoria da FPA anunciou que ele viraria um quadro do Metropolis. Foram palavras ao vento.

A’uwe – Único programa da TV no mundo dedicado exclusivamente à cultura indígena. Apresentado pelo ator Marcos Palmeira, o programa foi extinto em 2010 após críticas da cúpula da gestão Sayad que o via como uma espécie de TV institucional da Funai.

Autor por autor – Série coproduzida com o canal SescTV e que apresentava a biografia e a obra de autores consagrados da literatura brasileira. Também extinto em 2010 sob o argumento de que era desinteressante.

Teatro Rá-Tim-Bum – Série de programas dedicados às crianças, com histórias de diversos autores e épocas. Extinto em 2010.

Lá e Cá – Parceria da TV Cultura e da Rádio e Televisão de Portugal (RTP) com o objetivo de compartilham visões, semelhanças e diferenças de brasileiros e portugueses. Primeira temporada tinha 13 episódios de 30 minutos. Foi abandonado com a saída do ex-presidente Paulo Markun.

Erros na gestão na TV

Roda Viva – Na reformulação do programa de debates e entrevistas, Marília Gabriela assumiu o posto de condutora da atração. A transformação, no entanto, foi mais profunda, resultando na completa desfiguração do programa. Um ano após a mudança, a direção da emissora recuou e restabeleceu o formato original.

Jornal da Cultura – Com o excesso de demissões e o sucateamento da estrutura técnica, o jornalístico perdeu a força das reportagens, que praticamente deixaram de ser exibidas. No ar, a âncora Maria Cristina Poli, divide a bancada com um time de comentaristas que se reveza para colher os louros do traço no Ibope.

Metropolis – Além de ter sido jogado para o final de noite, o programa também sofreu uma completa desestruturação. E esta é a segunda reformulação do programa dentro da gestão Sayad. Cadão Volpato foi contratado e demitido na mesma gestão. Hoje, o programa exibe pouquíssimas reportagens, há anos não possui capacidade técnica para links ao vivo e acabou se limitando a um talk-show de temas culturais.

Música Clássica – Perdeu espaço na grade de programação. A gravação de concertos de orquestras brasileira passou a ser feito com menor regularidade. Em vez de exibir material novo, atualmente aposta em muitas reprises e na veiculação de produções estrangeiras.

TV Justiça e TV Assembleia – Terminar com os contratos de prestação de serviços não só cortou receitas para a FPA como acelerou o processo de transformação da emissora em mera exibidora. Demissões foram feitas as centenas com o fim deste contrato. Os valores e o conteúdo dos acordos nunca foram apresentados publicamente.

Teatro Franco Zampari – A gestão Sayad pretende doar o Teatro Franco Zampari, onde são gravados vários programas da TV Cultura. O objetivo é desfazer do patrimônio sob o argumento de que a estrutura é onerosa. As negociações estão em estado avançado com a Associação Paulista de Amigos da Arte (APAA).

Carnaval 2012 – A transmissão de 9 horas do Carnaval 2012 de São Paulo é um case importante desta fase da FPA. A negociação dos direitos de transmissão com o SBT e Globo foram suspeitas. A TV Cultura disponibilizou equipamentos e equipes para a transmissão do Grupo de Acesso e do Desfile das Campeãs, mas só transmitiu o primeiro. O Desfile das Campeãs ficou de presente para o SBT, incluindo a operação e o uso de equipamentos da FPA. Os valores da negociação não foram divulgados.

Portal Cmais – Lançado com alarde pela atual gestão, o portal tem uma produção ínfima e extremamente dependente das equipes já sobrecarregadas dos programas. A carente infra-estrutura de TI o deixa fora do ar frequentemente. E a equipe reduzida de funcionários propicia erros crassos, como a transmissão por horas do streamming de vídeo do SBT no lugar da programação ao vivo da própria TV Cultura (dia 29 de fevereiro).

Jornalismo fraco na TV

O acordo para a exibição de um programa da TV Folha e a possível exibição de um televisivo da Revista Veja estão inseridas no fraco papel que o jornalismo da emissora pública possui hoje. A fragilidade do jornalismo da TV é evidente diante da agenda política do PSDB. Não há crítica, não há profundidade, não há debates importantes no cotidiano. Por ter um dos principais títulos jornalísticos da história recente – o programa de entrevistas Roda Viva – e ser o local de trabalho do jornalista Vladimir Herzog quando foi preso e assassinado pela ditadura, a redação da TV Cultura deveria, sim, aparecer no foco do debates das comunicações.

O acordo com a Folha de S.Paulo expôs a “privatização” da TV e a simpatia política do governo com este veículo. Se, de acordo com Artigo 22º, Inciso 6º, do Estatuto da Fundação Padre Anchieta, o Conselho Curador “deve aprovar a celebração de convênios ou acordos com órgãos ou instituições públicas ou privadas, concernentes à programação”, a dúvida que fica é: esse acordo, redigido e formalizado, foi aprovado pelo Conselho? Por que não foi divulgado? Quais os valores envolvidos na negociação? Os conselheiros precisam publicizar essas informações.

A proposta de lotear a programação jornalística da TV Cultura é um desrespeito com a noção de como o Estado deve promover e incentivar o pensamento crítico e a liberdade de expressão. Abrir espaços para enlatados produzidos por terceiros de acordo com critérios editoriais de particulares é jogar uma pá de cal na agonizante história do jornalismo da emissora pública. O Brasil que tanto precisa de exemplos fortes e maduros no jornalismo público – porque ainda engatinha em todos – vai desprezar mais uma alternativa.

Rádio Cultura Brasil

É a rádio de música brasileira da FPA, transmitida em AM. É de conhecimento de todos a importância cultural e educativa do trabalho realizado na emissora. Da seriedade da produção com a pesquisa à informação jornalística transmitida aos ouvintes. A equipe de produção foi achatada na atual gestão com fechamento de vagas e com demissões. Em abril de 2012, a equipe foi reduzida a cinco apresentadores, um diretor de programas, um assistente, três jornalistas e cinco estagiários. A equipe técnica também sofreu cortes e acumula as operações da rádio AM e da Rádio Cultura FM (música erudita).

Todos os funcionários trabalham mais horas do que as contratadas. Alguns programas gravados da Rádio Cultura Brasil (AM) são produzidos por funcionários da Cultura FM e vice-versa.  Não existem mais programas gravados na Rádio Cultura Brasil, com exceção aos retransmitidos – o do produtor e pesquisador Solano Ribeiro (A Nova Música do Brasil) e o Reggae de Bamba (Jai Mahal). A programação musical é reprisada à exaustão e os programas ao vivo não têm mais entrevistas no estúdio com a presença do convidado. São usadas apenas entrevistas por telefone (com exceção ao programa Cultura Livre, que tem interesse da TV, mas cuja produção em vídeo também está paralisada).

A Rádio Cultura Brasil tem problemas técnicos de irradiação do sinal há pelo menos 20 anos. A única tentativa de solucionar esta questão foi na gestão de Marcos Mendonça. Contudo, a escolha de uma aparelhagem inadequada tirou o sinal das regiões nas quais a emissora era tradicionalmente ouvida e ampliou-se em duas regiões onde a rádio não chegava. Sem qualquer divulgação ou campanha, houve perda de audiência.

Nem a iniciativa do lançamento do Portal Cultura Brasil (muito pertinente em tempos de convergência digital) vingou. A proposta inicial de reunir todo o conteúdo musical da Rádio Cultura Brasil, da Cultura FM e dos programas musicais da TV Cultura não mais funciona regularmente. Hoje, o abastecimento de conteúdo do site é quase nulo.

*Dossiê Cultura/Fundação Padre Anchieta foi elaborado coletivamente por ex-funcionários, ex-colaboradores e observadores atentos à situação por lá.

A importância da classificação indicativa

"Não se engane, tem coisas que o seu filho não está preparado para ver".

Eis o mote da campanha que a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça lança, em parceria com os meios de comunicação e as entidades de proteção das crianças e adolescentes. O objetivo é conscientizar sobre a importância da classificação indicativa.

Com a redemocratização, esta importante conquista da sociedade foi concebida na Constituinte para substituir e se opor ao entulho ditatorial da antiga Divisão de Censura. Ela foi regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e recebeu muitos aperfeiçoamentos nos últimos anos.

Ela atua na mediação entre dois valores fundamentais para uma sociedade democrática: o direito à liberdade e o dever-poder de proteção dos direitos humanos das crianças. A educação no Brasil, em sentido amplo, é dever do Estado e da família. Ela é promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.

Daí que os órgãos do Estado democrático são instados a atuar para que as liberdades de expressão (dos artistas e roteiristas) e de exibição (das empresas de rádio, cinema, teatro e televisão) estejam aliadas à preservação dos direitos dos pais em decidir sobre a educação de seus filhos -e aos direitos próprios das crianças e adolescentes de serem protegidos em uma fase vital de seu desenvolvimento biopsicosocial.

O que está em jogo é o pleno desenvolvimento das próximas gerações e seu preparo para o exercício da cidadania.

Em nosso modelo, são as emissoras que se autoclassificam, segundo três conteúdos temáticos: drogas, violência e sexo.

Os critérios se distanciam das subjetividades governamentais, pois são fixados previamente e construídos socialmente a partir de consultas públicas e estudos especializados sobre o comportamento das crianças e sua tendência de imitar aquilo que assistem.

Um elemento estruturante da política é que, respeitada a gradação da faixa horária protetiva das 6h às 23h, tudo pode ser exibido.

A supervisão coercitiva do Estado é limitada e não admite censuras, vetos ou cortes de conteúdos, sejam prévios ou posteriores.

Os números demonstram o seu sucesso: de um total de 5.600 obras, somente em 48 casos ocorreu reclassificação em 2011. A eficácia se explica pela concepção de se promover concomitantemente o máximo de exercício de liberdade e o máximo de direito à proteção. Os direitos são restringidos de modo mínimo, apenas naquilo que é adequado, necessário e proporcional à garantia de um equilíbrio que não lesione os seus conteúdos essenciais.

Entre um modelo ultraliberal, sem notícias no mundo ocidental, no qual tudo poderia ser exibido em qualquer horário e a responsabilidade pela formação dos jovens estaria terceirizada ao mercado, e um outro tipo radicalmente oposto, em que o Estado é onipresente e realiza controle prévio sobre conteúdos (como, a propósito, ocorre em muitas democracias ocidentais), o Brasil concebeu um modelo social, elogiado internacionalmente, cuja grande virtude reside na ideia de justo meio.

Esta campanha remete ao propósito social da classificação indicativa: o de ser um instrumento da liberdade, compreendido como uma condição de possibilidade para que os pais e mães consigam dar efetividade às suas escolhas, precaver danos e planejar cada vez mais seu tempo de convivência com a família.

Trata-se de um instituto a serviço da construção de um ambiente social saudável, condizente com os grandes desafios do desenvolvimento do Brasil, no presente e no futuro.

JOSÉ EDUARDO CARDOZO, 52, é ministro da Justiça
PAULO ABRÃO, 36, é secretário nacional de Justiça

O Brasil entre dois mundos

Em 2016 haverá o switch off da TV analógica brasileira, isto é, o desligamento total do sistema analógico em prol do funcionamento único do atual padrão tecnológico digital. A partir daí só teremos transmissões digitais. A decisão está sendo tomada em vários países e muitos deles hoje possuem apenas o sistema de TV digital.

No campo das telecomunicações, não é diferente. A evolução tecnológica levará a um "switch off " do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado)que, fatalmente, desaparecerá.A pergunta é: até quando este serviço, que vem declinando no mundo todo, inclusive no Brasil, deve ser mantido?

Na última semana duas situações distintas vieram contribuir para aprofundar esse debate.

A primeira foi a exposição do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, no Senado, sobre a necessidade de se discutir e planejar de que forma os bens reversíveis da telefonia fixa retornarão ao Estado após o término das concessões em vigor. Há menos de um ano, contudo, tanto para a Anatel, quanto para o Minicom, esse tema só deveria ser discutido em 2025, ao término dos contratos. O que mais chama a atenção é que a grande preocupação do ministro é com a perda de importância da telefonia fixa comparada aos novos meios de comunicação, como a telefonia móvel, e a consequente valorização do ativo que retornará ao governo. Assim como a intensa procura da população pelo telefone fixo, demanda que só não é maior, segundo Bernardo, por causa dos altos valores das tarifas básicas das linhas fixas.

A segunda foi a apresentação, na mesma semana, do trabalho do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre o Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil, em particular o artigo "Fixo e móvel: Substituição ou Complementaridade? Evidências para o Brasil", da pesquisadora Nathalia

O fato é que ambos os posicionamentos não enfocam a principal questão. O grande debate não é a justificativa e nem a telefonia mais utilizada pela população do país – fixa ou móvel – e, sim, qual será o sucedâneo do STFC ante a convergência tecnológica. Para o Instituto Telecom, isso já está mais do que claro: é o serviço de banda larga.

Nós, do Instituto, temos ressaltado que cabe ao Estado brasileiro assumir o seu papel de elaborador de políticas públicas e colocar esse ponto no centro do debate.

O ministro diz que o Estado poderá chegar ao fim dos contratos de concessões com uma rede fixa totalmente sucateada. É verdade. Mas há quanto tempo temos alertado para isso? Não há outra saída para esse dilema senão o governo ser proativo, capaz de não permitir que esse importante debate seja evitado com desculpas frágeis, como a de que transformar a banda larga em serviço público demandaria mais tempo e atrasaria o acesso da população ao serviço.

Não podemos esquecer que o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga), lançado em maio de 2010, continua engatinhando e está muito aquém de um verdadeiro Plano. Tornou-se, no máximo, um conjunto de medidas que em nada tem respeitado o plano original.

O Instituto Telecom cobra do governo Dilma a convocação do Fórum Brasil Conectado para que se estabeleça o debate com os diversos atores desse processo. Já são 15 meses de mandato e não dá mais para o governo continuar como refém das concessionárias e declarar que o Termo de Compromisso assinado com elas redundará na universalização da banda larga.

Está claro que, se quisermos discutir seriamente a questão do declínio do STFC e a universalização da banda larga, é fundamental entender que estamos entre dois mundos: o do STFC, que ainda não acabou mas é apenas uma questão de tempo, e o da banda larga, que é e será a base de todos os serviços sejam de TVs, de telefonia, fixos ou móveis. Vamos esperar até 2025 a palavra final do governo federal para constatar o que já é verdade hoje? O switch off do STFC segue em ritmo acelerado e a qualquer momento pode nos atropelar.

Autorregulamentação não exclui controle público e social

O conceito de autorregulamentação voltou à cena nos últimos meses, a partir da pressão social em torno da necessidade de implementação de um marco regulatório para as comunicações. Agora, no momento em que o Ministério das Comunicações anuncia que colocará em consulta pública a proposta regulatória que estava engavetada, fica claro que o empresariado quer é evitar a todo custo qualquer iniciativa de fiscalização às suas atividades.

Desde 1978, existe o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), com a prerrogativa de barrar campanhas consideradas agressivas aos direitos do consumidor ou ao próprio mercado. Também a Associação Nacional de Jornais (ANJ) aprovou, em 2011, a criação de um conselho de autorregulamentação para a área do jornalismo gráfico. Iniciativas deste tipo são bem-vindas, mas demonstram antes uma reação do mercado à incipiente mobilização da sociedade civil (e ao ensaio do poder público em criar estruturas de fiscalização dos meios) do que um efetivo interesse em qualificar a comunicação oferecida à população.

A tese de que entidades de classe são capazes de fazer com que as empresas representadas sigam normas e condutas éticas comuns é discutível. Fundado pelas associações brasileiras de Anunciantes (ABA), de Agências de Publicidade (Abap) e de Emissoras de Rádio e TV (Abert), além da própria ANJ, o Conar é um exemplo disso: uma olhada nas campanhas publicitárias exibidas na mídia resultará em vários apontamentos sobre comerciais que poderiam ser questionados por desrespeito às diversidades de gênero, etnia, credo, gerações e orientação sexual. Portanto, há uma certa distância entre a orientação do Conar e os valores éticos empregados na produção destas campanhas.

A supremacia do privado sobre o público

Nem sempre a opinião do mercado coincide com a posição do consumidor e com a avaliação do cidadão. Além do mais, a implementação de medidas de autorregulamentação não exclui iniciativas de controle público e social sobre os meios de comunicação. Também não inibe a necessidade de mecanismos legais capazes de colocar obstáculos à concentração de propriedade de emissoras de rádio e de televisão, jornais e revistas, portais e sítios eletrônicos por uma mesma companhia de comunicação. Assim como não elimina a necessidade de que as emissoras contempladas com concessões deem conta da pluralidade cultural da sociedade brasileira na programação e promovam a descentralização da produção.

Desta forma, a autorregulamentação é apenas uma das medidas passíveis de serem adotadas na defesa do direito à comunicação. Se o pleito é alcançar uma comunicação mais democrática e inclusiva, a autorregulamentação não resolve. As emissoras de rádio e de TV operam mediante concessão pública, faturando com campanhas publicitárias e merchandising que ocupam o espaço público do espectro radioelétrico. Uma atividade com estas características deve estar disponível a prestar contas ao público, o que é diferente de negociar regras entre os pares, mesmo que essas normas tenham algum nível de resultado social positivo.

Uma regulamentação construída a partir do mercado será necessariamente submissa aos interesses do capital. Uma empresa é planejada para gerar dividendos, ao que deve estar adequado todo ordenamento que tenha origem nela. Os valores destas regras obedecerão à lógica de supremacia do privado sobre o público. Em consequência, a regulamentação pelo mercado não basta por si, devendo a sociedade civil assumir sua prerrogativa de fiscalização sobre os meios de comunicação, por mais bem intencionados que sejam seus dirigentes.

Valério Cruz Brittos e Luciano Gallas são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e mestrando no mesmo programa e associado ao coletivo de comunicação Intervozes