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Mídia chora pela RCTV venezuelana

Os “donos da mídia” no Brasil estão desconsolados com a decisão do governo venezuelano de não renovar a concessão pública da emissora Rádio Caracas de Televisão (RCTV), que se encerra em 27 de maio. Na semana passada, durante a II Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que congregam os magnatas da mídia brasileira, lançaram um documento criticando “a interferência do Estado no livre fluxo de informações e opiniões”, citando explicitamente os governos da Venezuela e de Cuba – e também dando um recado velado ao presidente Lula, que acaba de bancar a proposta da criação da TV pública nacional. 

Nas emissoras de televisão, em especial na TV Globo, a medida do governo Hugo Chávez é sempre taxada de “autoritária”. Em vários editorais e artigos da imprensa, ela é adjetivada como “censura”, “ato ditatorial” e “um atentado à liberdade de expressão”. Segundo revelou o jornal direitista Zero Hora, a Abert inclusive contratou artistas brasileiros para aparecerem nas redes privadas venezuelanas criticando a ação soberana do governo daquele país. “Convidados pela Abert, os atores gravarão depoimentos em que protestam contra a ameaça de fechamento da RCTV pelo governo de Hugo Chávez… Ao fechar a rede, Chávez, que já flerta com o autoritarismo, desferirá um golpe contundente contra a imprensa”, choraminga o periódico gaúcho. 

Sonegação, prostituição e fraudes 

No seu luto de autopreservação, a mídia hegemônica brasileira difunde versões das mais falsas e cínicas. A RCTV, que é hoje o principal “partido golpista da direita” da Venezuela, é apresentada como uma televisão neutra. “É uma emissora que há 53 anos transmite informações e entretenimento ao povo”, despista Daniel Slaviero, presidente da Abert, tentando limpar a barra de sua irmã. De forma hipócrita, os mesmos patrões que demitem e perseguem jornalistas no Brasil – como ocorreu a poucos dias na TV Globo – lamentam que “o fechamento da emissora acarretará a demissão de três mil funcionários”, o que não é automático, já que estes postos de trabalho foram garantidos na nova emissora pública que irá ao ar logo em 28 de maio. 

Além de nada falar sobre sua postura golpista, a mídia nativa também esconde outras graves irregularidades da RCTV. Fundada em 15 de novembro de 1953, esta emissora, que foi a primeira a ter programas ao vivo, a transmitir em cores, a produzir telenovelas e a introduzir os deprimentes “reality shows” e que pertence ao poderoso Grupo 1BC, já enfrentou vários processos. Em 2004, ela foi condenada pelo Juizado Superior de Tributos por sonegar quase um milhão de dólares de impostos. O Instituto Venezuelano de Seguros Sociais também denuncia a emissora por reter 224 milhões de bolivares de seus funcionários. Em maio de 2006, o Tribunal Superior de Justiça proibiu a transmissão de serviços de prostituição e de pornografia na RCTV. 

“Não há censura de nenhuma espécie” 

Outra mentira muito divulgada é que há um processo de regressão autoritária na Venezuela. Fala-se até em censura e “prisão de jornalistas”. Esta manipulação grotesca é negada pela jornalista Elaine Tavares. “Quem já esteve na Venezuela sabe muito bem: a liberdade de opinião é tudo o que há. Nas rádios e emissoras de televisão comerciais, o presidente Hugo Chávez é xingado, humilhado, destratado e desmoralizado. As palavras usadas pelos jornalistas são de uma violência sem par… Não há censura de nenhuma espécie. É um negócio inimaginável em qualquer outro país do mundo. Se isso acontecesse nos EUA, por exemplo, duvido que os jornalistas não fossem presos ou banidos. Pois na Venezuela, eles estão livres a falar”. 

Ela revela que 78% das estações de TV do país estão nas mãos do setor privado. “Seis grupos tomam conta de quase tudo o que o venezuelano vê e ouve, e isso mesmo depois da promulgação da nova lei que regula os meios de comunicação, buscando mais participação comunitária. Os mais poderosos são os da RCTV e o da Venevisión. Juntos, controlam 85% das verbas publicitárias e têm 66% do poder de transmissão”. Desde sua fundação, a RCTV esteve ligada aos interesses dos EUA e ela hoje tem entre os seus acionistas a Coral Pictures, de Miami. Isto explica porque 67% da programação é estrangeira. “Os programas de auditório, as telenovelas e outras produções representam a Venezuela branca e rica. A massa de trabalhadores, indígenas e negros só aparece em programas policiais. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência”. 

Rabo preso dos golpistas 

Na verdade, o que a mídia hegemônica brasileira procura ocultar, talvez por ter o rabo preso, é que a RCTV é atualmente o principal “partido da direita” na Venezuela. Enquanto outras redes privadas até abrandaram a sua postura golpista, temendo a revolta popular ou por simples oportunismo, a RCTV nunca recuou um milímetro. Ela participou freneticamente da frustrada tentativa golpista em abril de 2002; usou a concessão pública para convocar o locaute petroleiro do final de 2002, que minou a economia do país; fez campanha ostensiva pela revogação do mandato do presidente Hugo Chávez no plebiscito de agosto de 2004; e ainda hoje utiliza seus telejornais, seus programas de humorismo e até suas novelas para desestabilizar o governo. 

Para refrescar a memória da mídia brasileira, vale reproduzir trechos da excelente reportagem de Maurice Lemoine no Le Monde Diplomatique. Intitulada “Laboratórios da mentira”, ela se inicia com a escandalosa declaração de um militar golpista, o vice-almirante Victor Ramires – “tivemos uma arma de importância capital: a mídia. Aproveito para felicitá-la por isso” – e revela todo o envolvimento da RCTV e de outras emissoras no golpe de 12 de abril de 2002. Vamos à longa e elucidativa reprise desta histórica reportagem: 

“Desde sua chegada ao poder em 98, os cinco principais canais de televisão privados – Venevisión, RCTV, Globovision, Televen e CMT – e nove dos dez grandes jornais nacionais substituíram os partidos políticos tradicionais, relegados ao vazio pelas vitórias do presidente. Com o monopólio absoluto da informação, eles apóiam todas as ações da oposição, divulgando apenas muito raramente declarações governamentais, não falando jamais da ampla maioria que, no entanto, fora confirmada nas urnas. Desde sempre, eles falam dos bairros populares como ‘zona vermelha’ povoada de ‘classes perigosas’, de ‘ignorantes’, de ‘delinqüentes’ e, achando-os talvez pouco fotogênicos, ignoram com desdém os líderes populares e suas organizações”. 

Multidões apedrejam a RCTV 

“Em 11 de abril, uma série vertiginosa de coletivas de imprensa de militares e de civis pedindo a renúncia do presidente pontua a batalha da mídia. A RCTV conclama a oposição a marchar sobre o Miraflores… Durante esse tempo, os conspiradores reuniam-se na sede da Venevisión. Permaneciam ali até as duas horas da manhã para preparar a ‘seqüência dos acontecimentos’, em companhia de Rafael Poleo, proprietário do jornal El Nuevo País, e de Gustavo Cisneiros, homem-chave do golpe de Estado [dono da Venevisión e de um império da mídia presente em 39 países]… Naquela noite, o secretário de Estado norte-americano para Assuntos Interamericanos, Otto Reich, admitiria ter ‘falado duas ou três vezes’ com Cisneiros”. 

Logo após o golpe, “na embriagues da revanche, abateu-se a repressão… A RCTV lança ‘caçadas humanas’, publicando uma lista de personalidades mais procuradas e retransmitindo ao vivo, no ritmo ofegante dos programas norte-americanos, as perseguições mais brutais… No dia 13 de abril, rebenta a onda avassaladora dos partidários de Chávez e os oficiais leais retomam o controle da situação… À liberdade de informação tão intensamente reivindicada, sucedeu a lei do silêncio. Filmes de ação, receitas de culinária, telenovelas, desenhos animados e jogos de beisebol passaram a ocupar a telinha da RCTV… No final da tarde, multidões se aglomeram diante da RCTV, atirando pedras e obrigando os jornalistas a divulgarem uma mensagem exigindo o retorno do ‘seu’ presidente”. O golpe midiático havia sido derrotado pelo povo nas ruas!  

“Conspiração internacional” 

Como se observa, não dá para vacilar diante da RCTV. Mas a não renovação de sua concessão está sendo usada pela direita venezuelana, com apoio ostensivo de ONGs financiadas pelos EUA, como a Repórteres Sem Fronteira, para criar novamente o clima de histeria golpista. “Está se montando toda uma conspiração internacional contra o governo para que em 28 de março ocorram ações desestabilizadoras. Agudizam-se de novo as contradições na Venezuela e o imperialismo está atuando”, alerta Gabriel Gil, dirigente da televisão comunitária Catia TV, que ganhou renome mundial por sua corajosa ação contra o golpe de abril de 2002. Só os ingênuos não percebem que os “donos da mídia” no Brasil fazem parte desta conspiração mundial! 

Preocupado, Gil pede a solidariedade internacionalista ao abaixo assinado elaborado pela mídia comunitária e pelos movimentos sociais: “O espectro radioelétrico é um bem de domínio e de interesse público… Mas ao largo da história da maioria de nossos países ele tem sido ocupado por empresas privadas, pertencentes a grupos oligárquicos e transnacionais – é o latifúndio do espectro radioelétrico. A democratização da mídia não é uma necessidade somente da Venezuela, é uma necessidade internacional… Respaldamos a medida de não renovar a concessão da RCTV e de democratizar o espaço que ela ocupava, que agora ficará nas mãos da sociedade, através das organizações sociais.. A liberdade de expressão não se confunde com a liberdade de empresa e, como a comunicação é um direito humano, ela não pode ficar sob dominio do mercado”.  

* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).

 

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Fórum de TVs Públicas: um bom começo, mas só o começo

O I Fórum de TVs Públicas foi encerrado oficialmente na última sexta-feira (11/05), após quatro dias de debates em Brasília. Iniciativa do Ministério da Cultura, Radiobrás e TVE, com o apoio da Presidência da República, das associações das emissoras do campo público (educativas, legislativas, universitárias e comunitárias) e de organizações da sociedade civil defensoras da democratização das comunicações, o Fórum concretizou-se como um importante espaço de diálogo político acerca dos desafios a serem enfrentados na constituição de um Sistema Público de Comunicação.  

A presença do presidente Lula no encerramento do evento e dos chefes do Legislativo (Câmara e Senado) na abertura dos trabalhos alguns dias antes é sinal de que há vontade política para romper com a hegemonia privada no principal meio de comunicação do país e oferecer à sociedade uma alternativa de programação baseada no interesse público. A Carta de Brasília, elaborada em conjunto pelos organizadores (governo) e apoiadores do evento (sociedade civil), aponta um conjunto de diretrizes e premissas importantes a serem seguidas no desenvolvimento do campo público de televisão. 

Princípios e diretrizes
Se serão considerados daqui para frente, ou não, é uma outra história, mas é inegável que os princípios expostos na Carta de Brasília são referência positiva para o futuro da comunicação pública no Brasil. Além de diretrizes gerais relativas à programação, foram reforçados conceitos fundamentais para que a rede seja, de fato, pública. Entre elas destaca-se a afirmação da gestão democrática, com um conselho deliberativo sem maioria de governos e membros do Estado, imprescindível para evitar o aparelhamento político e uso instrumental dos conteúdos.  

Em relação ao financiamento, o documento defende a independência na gestão das verbas, garantindo imunidade à tradicional pressão do “abrir e fechar a torneira dos recursos” aplicada por governantes em algumas emissoras como, por exemplo, a TV Cultura. Esta estrutura deverá viabilizar uma programação cuja prioridade será dada aos conteúdos independentes e regionais, com a promoção das tantas diversidades existentes no país e até hoje sufocadas pela televisão privada.  

Sobre o processo de migração para a tecnologia digital, a carta propõe a instituição de uma tecnologia compartilhada de transmissão digital (operador de rede) e a alocação das emissoras do campo público (dos legislativos, Judiciário e Executivo, assim como as universitárias e comunitárias) no espectro da televisão aberta durante o período de transição para a nova tecnologia e após a sua completa implementação no País.  

Afirmou-se, também, que as políticas públicas de comunicação devem, mais do que constituir a rede pública e reaparelhar as emissoras existentes, apontar para a criação de um sistema público de comunicação, tal como previsto no Art. 223 da Constituição Federal (em complementaridade com os sistemas estatal e privado na radiodifusão). A visão sistêmica se materializou também na inserção na carta de uma das principais demandas das entidades da sociedade civil: a promoção de políticas que ofereçam aos cidadãos capacidade de participar ativamente da produção e distribuição de conteúdos, reafirmando o eixo central do direito à comunicação.  

Outro ponto defendido pelas organizações civis e também incorporado à carta final do encontro foi a defesa de modelos de propriedade intelectual que potencializem a socialização dos conteúdos e do conhecimento.

Todas estas premissas e princípios, se comparadas às posições anteriores do governo federal e da forma subserviente com a qual o Estado sempre se relacionou com a mídia comercial e oligárquica, definitivamente, não são pouca coisa. 

Ficou de fora
Apesar de boa parte do Fórum estar reservada à exposição das associações das emissoras comunitárias, universitárias e legislativas, pouco se avançou na elaboração de propostas concretas para estes segmentos. O modelo de financiamento destas emissoras, ponto recorrente nas intervenções de seus representantes, não recebeu atenção. A exceção se deu em relação ao desenvolvimento de uma estrutura compartilhada de transmissão e à sua presença na TV aberta. Mas, se hoje os que exploram estas emissoras, a partir da Lei do Cabo, o fazem por acordo com a operadora, caso tais programadores sejam alocados na TV aberta, será necessário promover um processo de outorga pública, em que os atuais exploradores tenham que conviver tanto com outras universidades quanto com outras associações de cunho comunitário. O assunto é  delicado, mas precisa ser enfrentado se a proposta for (e deve ser) levada adiante. 

Entretanto, se do ponto de vista concreto pouco se avançou, o Fórum criou um ambiente favorável para estas emissoras, sempre secundarizadas  nos debates sobre a comunicação do campo público.No processo, as entidades representativas podem fazer crescer sua relevância política e se fazerem ouvir durante a implementação do sistema público de comunicação.  

Ausência marcante
Enquanto a presença das “autoridades” fortaleceu o Fórum e seus grandes articuladores (Ministério da Cultura e Radiobrás), a ausência do Ministro das Comunicações, Hélio Costa, tanto na abertura quanto no encerramento do evento, é sintoma de seu enfraquecimento político. Desautorizado por Lula a falar sobre a televisão pública após dar munição aos conservadores de plantão ao afirmar que o presidente almejava criar uma “TV do Executivo”, Costa foi perdendo o poder sobre questões ligadas ao campo das comunicações. 

Era de se esperar: quando convenceu Lula e a ministra Dilma Roussef de que a escolha do padrão japonês seria a melhor alternativa para manter, às vésperas das eleições, um ambiente amistoso com as emissoras de televisão, em especial a Globo, Costa parece ter dado um tiro no pé. Além das decisões acerca da TV digital terem ficado marcadas como estrategicamente equivocadas sob diversos aspectos, o ministro prometeu um acordo com a Globo e não o entregou (ou alguém esqueceu a cobertura da Globo durante as eleições). A conseqüência deste fracasso pode ser o progressivo afastamento do ministro das decisões estratégicas do setor. No caso da televisão pública, isso já é visível. Resta saber se o cenário se repetirá na discussão sobre a Lei Geral de Comunicações, chave para o futuro da mídia no País.  

Mas para quem pensa que o aparente enfraquecimento de Costa significa um esmorecimento da relação do governo federal com os radiodifusores, é importante lembrar que a pressão dos donos de emissoras de TV e Rádio está fazendo o ministro da Justiça, Tarso Genro, reabrir o debate sobre a portaria da Classificação Indicativa. Curiosamente, os barões da mídia brasileira têm preferido mirar nesta iniciativa do Ministério Justiça do que abrir fogo contra a rede pública, como fizeram contra a proposta de criação de uma Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav). Pelo menos por enquanto.  

Para onde vai?
Se as diretrizes da Carta de Brasília apontam princípios importantes e evidenciam o fortalecimento das forças que defendem a democratização da mídia dentro e fora do governo, isso significa que estamos na iminência da instituição de um verdadeiro sistema público de comunicações? A responsabilidade induz à prudência. Em primeiro lugar, é preciso transparecer qual o nível do comprometimento do ministro Franklin Martins com o acúmulo gerado pelo Fórum, em especial às premissas presentes no documento final. Martins recebeu de Lula a missão de fazer o trem da rede pública andar, e parece querer fazer isso rapidamente.  

Por um lado, a pressa é saudável: se patinar, corre-se o risco de parar, permitindo que as forças contrárias à democratização do país se organizem. Por outro, é simultaneamente um erro e um risco. Um erro, pois tende a alijar do processo os que até agora se mostraram favoráveis à proposta e que estão dispostos a defender publicamente a iniciativa. Um risco, pois projetos implementados sem diálogo correm sempre o risco de desvirtuar o acúmulo anterior, sendo resultado exclusivamente da mente de uns poucos que se julgam iluminados e detentores absolutos do mandato popular conferido pela sociedade. Vale lembrar que Franklin, no encerramento do evento, somente “agradeceu” as contribuições. Não se manifestou sobre a Carta de Brasília, deixando a impressão difusa da opção pelo não comprometimento com seu conteúdo.  

Durante o próprio Fórum, o ministro formou um pequeno grupo para auxiliá-lo na tarefa de implementação da rede pública composto, entre outros, pelo professor Laurindo Leal Filho, da USP, e Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, ambos personalidades com notória sintonia com os princípios defendidos na Carta de Brasília. Entretanto, a opção por devolver aos gabinetes algo que pertence ao domínio público, e que só terá chances reais de ser aprovado no Congresso Nacional se contar com o apoio da sociedade, em especial daqueles que, durante o processo, esforçaram-se para encontrar as convergências necessárias para que o projeto seguisse adiante, é temerária. Não à toa, sinalização inversa veio do próprio ministro da cultura, Gilberto Gil, que defendeu a constituição do Fórum como espaço permanente.

Em segundo lugar, a prudência faz-se necessária em função da ausência de propostas objetivas, especialmente em relação à gestão e ao financiamento da nova rede pública. Apesar da consagração de princípios como “autonomia” de gestão e financiamento, questões fundamentais precisam ainda ser respondidas. Haverá mesmo um conselho gestor? Quem o comporá? Como será o processo de escolha dos conselheiros? De onde virá o dinheiro? O governo poderá contingenciá-lo?
 

Sobre a formação da rede pública, mais questões permanecem. Qual será a o nível de interação entre as emissoras educativas hoje existentes e a nova rede? A rede será mais horizontal (descentralizada) ou vertical (mais centralizada em uma emissora nacional)?  As emissoras estaduais precisarão rever seu modelo institucional e se “publicizar” para compor a rede?  

Outro ponto ainda nebuloso é a transição para o sistema digital. A primeira questão refere-se aos quatro canais reservados no Decreto 5820 (do Poder Executivo, de educação, de cultura e de cidadania), pois estes foram definidos sem qualquer sintonia com as posições que agora se consolidam. Novas perguntas poderiam ser feitas sobre este tema: quais canais serão ocupados e de que forma? As emissoras públicas irão entrar no sinal analógico e digital como as comerciais ou ficarão apenas com a “sobra de espectro” possível? Como se dará o modelo de multiprogramação defendido na Carta de Brasília? As emissoras comerciais terão 6 MHz e as públicas um quarto disso? Haverá isonomia entre públicas e comerciais? O rádio, primo pobre cuja importância é inversamente proporcional ao tratamento que vem recebendo das discussões sobre políticas públicas, ficará de fora mais uma vez? 

Todas estas perguntas e questões em aberto mostram como o Fórum de TVs Públicas não foi a fase final de um processo, mas um começo. Um bom começo. No entanto, cabe agora aos seus organizadores manterem o espírito de cooperação e participação que marcou sua primeira fase, entre setembro de 2006 e o evento realizado na última semana. De outra forma, a pressa pode não ser inimiga da perfeição, mas certamente será da ampliação e do fortalecimento da democracia.


 

* Diogo Moyses e Jonas Valente são coordenadores do Intervozes.

 

 

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Telecentros: o lugar certo para a inclusão digital

Recentes afirmações a respeito da inclusão digital no país valorizaram o papel desempenhado pelos locais de acesso pago, conhecidos como lan houses. Para os que defendem a inclusão digital como um processo amplo e democrático de apropriação tecnológica, que garanta aos cidadãos o direito à comunicação e a sua intervenção crítica e autônoma na esfera pública infomidiática para um necessário processo de transformação do status quo, os espaços públicos de acesso, chamados telecentros, são a única opção. 

A universalização dos direitos do cidadão, como a saúde e a educação, exigem políticas públicas que invistam recursos em estruturas gratuitas de acesso. Não se supõe a universalização dos direitos como oriundos exclusivamente de estruturas privadas. Ao contrário, as entidades defensoras desses direitos afirmam que os planos de saúde e as escolas privadas não são capazes de garanti-la, já que reproduzem e trabalham dentro da excludente lógica do mercado-consumidor.  

A inclusão digital é um processo de apropriação das novas ferramentas tecnológicas de informação e comunicação, de forma a permitir a autonomia para pessoas historicamente excluídas dos seus direitos. O telecentro é local de acesso ao conhecimento, cultura, educação, formação, entretenimento, compressão crítica da realidade e produção de comunicação comunitária. A gestão valoriza a democracia participativa deste espaço, que é público, incentivando a participação direta dos cidadãos enquanto agentes políticos. Portanto, o telecentro é um local de busca, valorização e promoção da democracia e da cidadania. 

Por isso não é possível a comparação entre um telecentro e uma lan house. São espaços conceitualmente diferentes quanto aos seus objetivos e práticas. Muito menos é possível afirmar, como recentemente o fizeram, que “são as lan houses que estão, de fato, fazendo a inclusão digital neste país”. Pode-se afirmar que esses espaços estão oferecendo acesso ao computador e a Internet para uma parcela da população, mas com um viés muito restrito diante das possibilidades da tecnologia e com uma limitação também de público, nesse caso chamado de “consumidor”. Não há nenhuma perspectiva crítica, libertadora ou transformadora no interior de uma lan house. Pelo contrário, ali se reproduz, na sua essência, a relação excludente e individualista do “usa quem pode pagar”. 

Um telecentro precisa ter um projeto político-pedagógico. É através de um processo de construção coletiva que serão definidas atividades, como oficinas de jornalismo comunitário, software livre, direito à comunicação, governo eletrônico, radioweb, pedagogia de Paulo Freire, economia solidária, entre outras que ao longo do tempo são realizadas com o objetivo de apresentar o potencial transformador da tecnologia e sua relação com o nosso cotidiano, respeitando e dialogando com a realidade e com as características de cada comunidade.  

Diversos projetos dos poderes públicos já foram implementados em todo Brasil e outros estão em andamento. Há um longo e complexo debate acerca de todos os assuntos no que diz respeito a implementação, manutenção, infra-estrutura, conexão, gestão, recursos humanos, capacitação e financiamento de telecentros públicos. Deve-se, com base nessas experiências, realizar um amplo debate que reúna os atores estatais envolvidos, garantida a participação de entidades da sociedade, avaliando essas iniciativas para assim pactuarmos os parâmetros e práticas de uma política pública de inclusão digital para o país.  

Dados do IBGE e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (2006) indicam números importantes sobre os locais onde a população brasileira tem acesso a rede. Segundo a pesquisa, apenas 33,3% da população já acessaram, ao menos uma vez, a Internet. Desse total, 40,4% acessam da própria casa e outros 16,1% da casa de um amigo/familiar; 24,4% do local de trabalho; a escola é o local de acesso para 15,5%. Os locais de acesso pago (lan house) são a opção para 30,1% e centrais públicas de acesso (telecentro) para 3,5%.  

A maior parte da população brasileira não possui renda suficiente para a aquisição de computadores (apesar do relativo sucesso do importante programa federal de incentivo) e para o alto custo de uma conexão banda larga (média de R$ 70,00 mensais); temos, portanto, uma limitação estrutural que é relevante do ponto de vista quantitativo. O mesmo ocorre com a limitação do público que pode acessar através de uma lan house. Para um cidadão que pretende ficar em média 2 horas por dia conectado, o que não é muito para a média nacional dos já incluídos, ao final de um mês ele terá que desembolsar cerca de R$ 60,00. Isso equivale a 15% de um salário mínimo, atualmente em R$ 380,00.  

Aproximadamente 10% da população economicamente ativa brasileira está desempregada e 2 em cada 3 dos (das) trabalhadores (as) empregados recebem até 2 salários mínimos. Por isso, as lan houses apresentam uma enorme limitação para, de fato, universalizar o chamado acesso simples. E mais: só existirão lan houses onde é possível haver retorno financeiro e onde há conexão banda larga disponível. Um grande complexo habitacional miserável, habitado por milhares de pessoas de baixa renda, receberá o número de lan houses compatível com o mercado consumidor em potencial do local. Portanto, independentemente de existirem 50 mil pessoas, o número de lan houses possíveis será definida a partir de um cálculo matemático que ao final garanta a rentabilidade de um investimento e não a garantia de um direito. 

Não há campanhas contra as lan houses organizadas por aqueles que desejam manter a estrutura social excludente da sociedade brasileira. O que pode haver é a tradicional disputa de mercado entre empresas ou microempresas na disputa pelo lucro. Dentro desse contexto estão inseridas as lan houses. É preciso compreender que, como em qualquer outra área da economia capitalista, existem disputas de mercado, onde os maiores ou mais poderosos buscam a concentração do setor. Cabe a cada empresário optar pela forma de inserir-se nessa disputa, sabidamente desigual e concentradora. 

O que está na ordem do dia no país é a necessidade de uma política pública para a área da inclusão digital que dê conta de interligar as ações e iniciativas de governo em andamento, sejam elas federais, estaduais e municipais e, fundamentalmente, ampliar os investimentos para aumentar sensivelmente a escala dos projetos públicos de inclusão digital. Essa política pública precisa ter como objetivos um plano nacional de universalização de banda larga, a capacitação contínua, o incentivo à comunicação comunitária, a existência dos telecentros como centrais públicas de comunicação, tendo em vista o potencial da convergência tecnológica, a formação de redes para a colaboração das produções potencializando a sua circulação e um processo contínuo de avaliação. Os R$ 6 bilhões do Fundo Nacional de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) podem viabilizar essa política. 

A participação da sociedade nesse processo é central. A amplitude de possibilidades, as demandas e a realidade de cada comunidade precisam ter espaço de diálogo nos processos de elaboração, implementação, fiscalização e avaliação da política pública nacional de inclusão digital. Para tanto, em nível federal, estadual e municipal, é preciso que sejam instituídas estruturas que tenham essas atribuições e que permitam ampla participação da sociedade. Não há política pública sem a participação democrática da população.  

Não se pode aceitar o argumento de que “é caro o custo de manutenção dos telecentros”. Trata-se de retorno social e o termo correto nesse caso é investimento público para garantia de um direito. Ao longo das últimas décadas, os ideais neoliberais de “estado mínimo” foram implementados e como conseqüência temos uma população desassistida em relação ao conjunto de seus direitos sociais. O investimento em telecentros gera empregos, contribui com a distribuição de renda nas comunidades de baixa renda e por isso movimenta a economia local. Além disso, busca-se legitimar a idéia de que é exclusiva da iniciativa privada a capacidade de “investir certo, onde há retorno”. Trata-se de uma visão exclusivamente mercadológica.

Aqueles que defendem as lan houses como espaço da inclusão digital começam agora a solicitarem linhas de financiamento público para a abertura destes espaços, supostamente na periferia das cidades. Trata-se de, ao invés de investimentos em estruturas públicas, a antiga prática do financiamento privado através dos recursos públicos. Considera-se que a inclusão digital deve ser vista como uma atividade de empreendedorismo privado.


A adoção pelo software livre, utilizado em grande parte dos telecentros do país, é também uma opção política e, portanto, não é uma questão de não se realizar “pirataria”. As lan houses começam a se preocupar com o fato de utilizarem cópias não autorizadas de software proprietário temendo as multas cabíveis. Cogitam a utilização do software livre não como prática de construção livre e colaborativa do conhecimento, mas sim como uma forma de sobreviverem e não serem criminalizadas, conforme prevêem as injustas leis atuais de direito autoral.
 

O telecentro não é espaço de tutelação. É local para aprendizado coletivo, criatividade, valorização da diversidade e da cidadania. Apenas uma política pública é capaz de universalizar direitos. Cabe à sociedade organizar-se para exigir dos governantes a efetivação, de forma democrática, da inclusão digital. As lan houses serão apenas um apêndice limitado desse processo necessariamente universalizante e transformador.


* Flávio Gonçalves é jornalista, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e membro da coordenação regional do Projeto Casa Brasil – flasg@ig.com.br

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O fato, a notícia e o pedigree: mídia pernambucana vive dias de censura

Dia 3 de maio. Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Há tempos a data é festejada pela Associação Nacional dos Jornais, que abriga proprietários de veículos impressos. Faz parte da agenda do empresariado fazer com que a população brasileira acredite que neste país existe realmente um ambiente propício a tal liberdade.

 

Dia 4 de maio. Logo cedo, antes de os noticiários da tevê entrarem no ar, uma ação da Polícia Federal paraibana prendeu vários homens em Pernambuco, acusados de crime contra a ordem econômica e formação de quadrilha. Entre eles estava Marcelo Tavares de Melo, presidente do grupo Tavares de Melo. O empresário era (e é) suspeito de ser líder de um cartel que controlava os preços da maior parte dos postos de gasolina em João Pessoa. 

 

Só que Tavares de Melo também é genro de João Carlos Paes Mendonça, dono do sistema de comunicação que envolve o Jornal do Commercio, JCOnline, TV Jornal, Rádio Jornal e Rádio CBN/Recife. Tido como um grande empreendedor e orgulho para o estado, Paes Mendonça conquistou fama e fortuna à frente da rede de supermercados Bompreço – recentemente vendida ao grupo Wall Mart.

 

O telejornal matutino Bom Dia Pernambuco, transmitido pela TV Globo, não perdeu tempo. Deu a notícia da prisão, disse o nome dos envolvidos e mostrou o momento em que, escondendo o rosto, o empresário era levado de seu apartamento, na avenida Boa Viagem, beira-mar, o metro quadrado mais caro da Região Metropolitana do Recife. Já o TV Jornal Manhã, da TV que pertence a JCPM, foi mais comedido. Não se furtou de dar a notícia, mas omitiu os nomes dos envolvidos, como também fez, em princípio, a CBN.

 

As demais empresas de comunicação, de capital local, ficaram atordoadas. Como preservar o interesse público sem ferir o interesse comercial de um grande empresário, dono de empresas de comunicação, investidor do mercado imobiliário? Não faltaram reuniões em tudo o que é de redação. Mesmo os blogs que pertencem às empresas, normalmente menos regulados comercialmente, foram impedidos de publicar coisa alguma num primeiro momento. Pior: até comentários referentes ao fato, postados por leitores de alguns sites, acabaram sendo apagados por seus moderadores.


Jornalistas se coçavam para apurar o fato, mesmo sem saber se conseguiriam publicar alguma coisa. Enquanto os jornais discutiam o que fazer, alguns sites como o PE360graus (www.pe360graus.com), da Globo e o blog independente Acerto as Contas (www.acertodecontas.blog.br), continuaram em cima do fato. Dos sites ligados a jornais, apenas o Pernambuco.com, dos Diarios Associados, publicou alguma coisa.

Até o início da noite, não se sabia quem ia (ou se ia) publicar o quê. Tanta era a confusão nas redações que, ouvindo suas – muitas – fontes na imprensa pernambucana, o jornalista Ricardo Noblat publicou em seu blog:

“Está no site da TV Globo Nordeste o que ficará de fora das edições de amanhã dos jornais de Pernambuco – e o que foi proibido de ser divulgado pelos blogs abrigados nos portais desses mesmos jornais: "Agentes da Polícia Federal prenderam, nesta sexta-feira (4), sete empresários pernambucanos acusados de montar, na Paraíba, um esquema para vender combustível a preço único. A atividade, que caracterizaria formação de cartel, é ilegal pelas leis brasileiras”. link: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=57009

 

Sábado, dia 5. Cada jornal decidiu por um encaminhamento. O Diario de Pernambuco deu destaque ao caso, colocando-o na primeira página e dando, num quadro, o nome de todos os envolvidos. O Jornal do Commercio, de JCPM, foi mais comedido. Chamada pequena na primeira página, matéria escondida quase num rodapé – sendo que 40% do texto é a fala do advogado de Tavares de Melo, negando as acusações. A Folha de Pernambuco omitiu-se completamente. Para os editores do jornal, nada aconteceu.

 

O curioso é que, desde o domingo, dia 6, já não se fala mais no assunto. Com a exceção das empresas ligadas à Rede Globo e aos blogs independentes, nenhum grande veículo de comunicação parece acompanhar o caso. Como andam as investigações da polícia? Como foram os depoimentos? Quem permanece preso? Quem foi solto? Alguém deu alguma declaração? Alguém foi convidado a dar alguma declaração? O dinheiro encontrado no escritório da empresa era de origem legal?

 

É assunto demais para apuração de menos.

 

Na última segunda-feira, dia 7, a Folha de Pernambuco (www.folhape.com.br) publicou um artigo bem escrito e assinado pelo renomado jurista José Paulo Cavalcanti Filho. Intitulado “Algemas do autoritarismo”, o advogado, sem citar nomes, critica a ação da polícia – com bons argumentos. No final, um parágrafo interessante:


P.S. A Folha de Pernambuco segundo fui informado, como ato de resistência a esse arbítrio, decidiu nesse caso de agora preservar a vida privada dos acusados. E deixou de publicar fatos que, em seu entender, foram apenas manifestações de arbítrio.  Como um gesto de advertência. Mas estará atenta ao desenvolver do processo, até seu fim. Se os acusados forem julgados e condenados, a matéria será publicada com destaque. Expondo o nome dos criminosos e seus delitos. Na primeira página, claro. Mas, se nada vier a ser provado, e então não terá contribuído para arranhar (ainda mais) a vida de pessoas inocentes e de suas famílias. Tudo como deveria ocorrer, sempre, nas boas democracias”. 

Jornal notório por publicar textos e fotos quando pessoas de baixa renda são presas sob suspeita de qualquer crime, seria fantástico se a Folha de Pernambuco adotasse, de uma vez, esse novo critério em sua linha editorial. O mesmo artigo foi publicado na mesma semana pelo Jornal do Commercio.

Um caso raríssimo em que um texto de opinião aparece em dois veículos “concorrentes” em dias diferentes e próximos. Um detalhe: até o ano passado, José Paulo era colaborador freqüente do JC. Deixou de escrever para o jornal de JCPM depois que o periódico publicou uma reportagem especial sobre trabalho escravo em que a fazenda de um parente seu foi incluída como sendo um dos destinos de trabalhadores que sofriam maus tratos. 

À NOITINHA – Sem muito alarde, Marcelo Tavares de Melo foi solto no último final de semana. A investigação, porém, continua. O empresário continua respondendo em liberdade pelos crimes de que é suspeito. Mas se você quiser saber o que está acontecendo, esqueça os jornais.


* Jornalista, integrante do Centro de Cultura Luiz Freire, editor do site Ombuds PE (www.ombudspe.org.br) e articulador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

 

 

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TV pública: WebTV, o debate estratégico que não houve

O debate sobre a TV Pública no Brasil passou ao largo de uma questão estratégica. Tudo indica que as diferenças entre internet e televisão digital tendem a diminuir cada vez mais e que boa parte da discussão atual pode ficar sem sentido muito antes da mudança de padrão técnico no sistema brasileiro de TV. 

O novo padrão de televisão e a internet usam sinais digitais, portanto as imagens podem ser visualizadas tanto no aparelho da sala como no computador. A badalada interatividade, que dá ao usuário o poder de interferir na programação, é também idêntica tanto na TV como no PC, porque são sinais digitais enviados para o emissor usando o que os técnicos chamam de canal de retorno. 

A briga pela alocação de canais no espectro digital tem a ver com o uso de faixas de transmissão, mais ou menos como é agora, só que com uma qualidade de imagem e amplitude de freqüências, muito maiores. Mas esta briga pode tornar-se inócua se os usuários decidirem ver televisão através de uma webtv, que é um site da internet que transmite programas de televisão. Qualquer um pode montar uma webtv sem ter que disputar uma freqüência concedida pelo governo. 

Para ter acesso à televisão digital os usuários nas grandes cidades podem escolher o sinal aberto recebido via antena ou o sinal por cabo e telefone (banda larga) para visualização num monitor acoplado a um computador.  

O usuário é que terá a palavra final sobre quando e onde vai sintonizar a TV digital. Pode então surgir uma situação curiosa e que não está sendo levada em conta nos debates sobre a nova TV.  

O usuário poderá assistir à TV digital, na sua sala de estar, da mesma forma que utiliza o seu receptor analógico atual porque o que ele quer é entretenimento, quer ver novelas, um filme, uma partida de futebol, um show e por aí vai. Ele quer sentir-se num cinema, num teatro, num estádio ou num espaço musical. Este é o espaço onde a família e os amigos se reúnem para assistir juntos a um mesmo programa. 

Quando o usuário desejar interatividade, muito provavelmente vai para o seu computador, onde ele adota uma postura diferente do sofá da sala. É natural, porque manipular um mouse e um teclado é muito mais cômodo numa cadeira ou poltrona de escritório. Além do mais, a interatividade é quase sempre uma atitude individual. Vai ser muito difícil alguém tentar acessar a conta bancária na TV da sala de jantar enquanto o resto da família quer ver novela, filme ou um jogo de futebol. 

Quando se leva em conta todos estes fatores percebe-se que a discussão sobre canais digitais na verdade pode tornar-se inócua porque a ampliação da malha de banda larga para uso por computadores pode resultar tão ou mais importante do que toda a complicada divisão de freqüências entre emissoras de TV, grupos de comunicação, organizações da sociedade civil e governos. 

Se o mesmo sinal que serve para fluxo de dados também pode ser usado para transmitir imagens de vídeo, então é preferível ampliar a rede de banda larga porque ela é estrategicamente mais importante na medida em que é uma alavanca de crescimento econômico.  

Uma internet rápida, democrática e barata é essencial para a indústria, comércio, agricultura, ensino, pesquisa e setor de serviços. Mais ainda quando se sabe que a tendência no universo da comunicação é a convergência de meios, na qual a televisão acabará se combinando com a comunicação textual, com o rádio e com os sistemas interativos. 

Ao pensar na televisão pública, não se pode deixar de lado este contexto, porque são grandes as possibilidades de que muitos dos pontos que hoje dividem opiniões tornem-se obsoletos com o avanço das tecnologias e a redefinição dos comportamentos do público. 


Enquanto brigamos por freqüências, as empresas de telecomunicações e os conglomerados de comunicações monopolizam a rede de banda larga da internet e freiam a democratização deste espaço que é muito mais estratégico para o desenvolvimento do país e de todos nós.

 

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