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Renovação e cancelamento de concessões de radiodifusão

A não-renovação da concessão do serviço público de radiodifusão do canal RCTV pelo governo da Venezuela, em 28 de maio passado, provocou uma onda de manifestações em defesa da democracia na América do Sul. O governo dos Estados Unidos, a União Européia e os megagrupos privados globais de mídia têm sido unânimes em condenar a decisão. Entidades representativas dos radiodifusores acusam a ameaça à liberdade de imprensa. Até mesmo nossos senadores deixaram de lado preocupações mais prementes para aprovar apelo dirigido ao presidente Hugo Chávez no sentido de rever a sua decisão que, por sua vez, respondeu ofensivamente ao Congresso Nacional. 

Independente do mérito e das implicações políticas da não-renovação há um importante aspecto que tem sido pouco lembrado no debate conduzido pela grande mídia. Trata-se de que, na Venezuela e no Brasil, as concessões de serviço público são precárias, outorgadas sob determinadas condições e por prazo previamente acertado. Seu eventual cancelamento ou não-renovação são possibilidades inscritas nos respectivos contratos. O concessionário é exatamente o que o nome diz, isto é, detentor de uma concessão. Não é proprietário. 

No Brasil, as condições sob as quais os contratos de concessão dos serviços de radiodifusão são outorgados têm sido objeto de controvérsia há algum tempo. 

Dispositivo constitucional 

Recentemente, em audiência pública na Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados destinada a analisar mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão do serviço de radiodifusão, o procurador da República no Distrito Federal, Rômulo M. Conrado, chamou a atenção para a necessidade da regulamentação e revisão de diversos dispositivos do capítulo da Constituição que trata da Comunicação Social. 

Dentre outros, o procurador destacou especificamente o § 4º do Artigo 223, que confere aos contratos firmados entre as emissoras de radiodifusão e o Poder Concedente uma natureza diferenciada única em relação a todos os demais contratos de concessão de serviços públicos. Ele lembrou que, na hipótese de identificação de alguma irregularidade grave na prestação do serviço, o Poder Concedente só recuperará o direito à plena tutela sobre o serviço em caso de decisão judicial. O § 4º do artigo 223 diz o seguinte: 

"O cancelamento da concessão ou permissão antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial". 

O procurador sugeriu, então, a necessidade de revogação deste dispositivo constitucional, de modo a equiparar os contratos de outorga de radiodifusão aos outros firmados pelo Poder Público. Neles, o concessionário se obriga a manter a regularidade jurídica e fiscal da entidade por toda a duração do contrato, sob pena de imediata rescisão. 

Ações de fiscalização 

O procurador poderia ter mencionado também o privilégio desses contratos em relação às condições de sua não-renovação. De fato, o § 2º do mesmo Artigo 223 diz que: 

"A não-renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal."  

Na prática, a norma significa que a não-renovação de uma concessão de radiodifusão precisa ser aprovada em sessão conjunta do Congresso Nacional pelo voto nominal (aberto) de 238 parlamentares. Qualquer observador que acompanha as atividades nas duas Casas do Legislativo sabe que essa é uma votação praticamente impossível de se obter. 

Por outro lado, a CCTCI aprovou na quarta-feira (30/5), relatório com novas regras para a apreciação dos processos de renovação e outorga de concessões de emissoras de rádio e televisão. A proposta veio exatamente da Subcomissão Especial que tratou do tema nos últimos dois meses.  

Nas modificações do Ato Normativo nº 1 de 1999, que vigoram a partir de julho, fica eliminada a possibilidade de devolução de processos ao Ministério das Comunicações para solução de eventuais pendências. Se no prazo de 90 dias as pendências detectadas na CCTCI não forem solucionadas pelas concessionárias, o processo será distribuído para relatoria com recomendação pela rejeição.  

Fica também prevista a realização de ações de fiscalização com o auxílio do Tribunal de Contas da União sobre os procedimentos adotados pelo Poder Executivo no exame dos processos, e o estabelecimento de dispositivos que vinculem as outorgas para emissoras com fins exclusivamente educativos a instituições de ensino, com reconhecimento formal do Ministério da Educação. Os processos também não poderão mais ficar parados indefinidamente na CCTCI. O presidente da comissão requisitará os que não forem relatados no prazo de cinco sessões para redistribuição. 

Critérios e condições 

A aprovação do novo Ato Normativo constitui um primeiro passo para atuação mais ativa e conseqüente do Congresso Nacional em relação às concessões e renovações dos serviços de radiodifusão que, desde a Constituição de 1988, vinha sendo meramente formal. 

Como se vê, no caso brasileiro, as concessões, as renovações e o cancelamento dos serviços públicos de rádio e televisão à iniciativa privada são historicamente regidas por normas que, ao longo do tempo, transformam os concessionários praticamente em "proprietários". Só agora, por exemplo, um dos poderes concedentes, o Congresso Nacional, define normas mais efetivas para a apreciação das autorizações que vêm do Poder Executivo.  

A não-renovação da concessão de um canal de TV na Venezuela poderia, portanto, se transformar em excelente ocasião para que se discutissem quais deveriam ser os critérios e as condições para concessão, renovação e cancelamento do serviço público de radiodifusão no Brasil.

 Active Image autorizada a publização, desde que citada a fonte original. 

Chávez, o Senado e a mídia escrota

A mídia hegemônica nativa está fazendo um enorme escarcéu com o desabafo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que acusou o Senado Federal de ser “papagaio” dos interesses dos EUA por este ter aprovado resolução contra o fim da concessão pública à RCTV – os dois únicos votos contrários à moção foram dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e José Nery (PSOL-PA). De todas as formas, tenta jogar o governo e a sociedade brasileira contra o processo revolucionário bolivariano. Defensora descarada do tratado neocolonial da Alca, derrotada nas ruas e nas urnas, ela usa todos os ardis para implodir o rico processo em curso de integração latino-americana. A mídia privada, partidária de golpes fascistas no passado, como em 64, e no presente, como na abjeta manipulação nas eleições presidenciais de 2006, agora tenta pousar de “democrata” e “nacionalista”. Dá nojo e asco! 

O presidente Lula, que inicialmente até resistiu à pressão midiática para que se opusesse ao fim da concessão da RCTV, acabou caindo na armadilha. Antes, insistiu acertadamente em declarar que “o Brasil não tem nada a ver com a concessão, que é um problema da legislação venezuelana”. Já quando o Senado emitiu sua nota, o governo preferiu não criticar a interferência desta casa legislativa na decisão soberana do país-irmão. Mas, diante da reação do presidente venezuelano e da feroz campanha da mídia, o presidente Lula acabou cedendo e “expressou o seu repúdio a manifestações que coloquem em questão a independência, a dignidade e os princípios democráticos que norteiam nossas instituições”. Era o que a mídia desejava para fazer alarde sobre o “racha” entre Chávez e Lula. 

Interferência indevida e inoportuna 

A ofensiva da mídia é ardilosa, baixa e escrota! Em dezenas de manchetes, editoriais e notícias, acusa o governo venezuelano de ter se metido nos assuntos internos do Brasil ao criticar uma resolução do Senado. Mas ela nada fala sobre a própria resolução desta casa legislativa, que parece ter adotado uma tática diversionista para abafar recentes escândalos. O Senado brasileiro pode se imiscuir nos assuntos internos de um país irmão; já o presidente Chávez, que vive nova fase de tensão e golpismo, não pode se irritar contra uma resolução indevida e inoportuna. Na prática, o que o presidente venezuelano afirmou não está tão distante da pura verdade. “O congresso brasileiro deveria se preocupar com os problemas do Brasil. Mas ele é dominando por partidos da direita, que não querem a entrada da Venezuela no Mercosul. O Congresso está agora subordinado aos interesses de Washington”, cutucou. 

A áspera resposta decorreu do requerimento aprovado no Senado que solicita a devolução da concessão à RCTV. A proposta foi apresentada pelo senador Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, um político mais sujo do que pau de galinheiro desde a descoberta do esquema ilegal de financiamento das campanhas eleitorais – o famoso Valerioduto. Na seqüência, ela foi defendida pelo senador José Sarney que, apesar do seu papel no processo de redemocratização do país, não é o político mais indicado para chiar contra “atentados à liberdade de imprensa” – já que teve papel de destaque durante a ditadura militar que perseguiu, censurou e matou jornalistas (é só lembrar de Vladimir Herzog) e ainda hoje mantém um “latifúndio da mídia” no Maranhão.  

Acuados pela mídia e preocupados com sua “imagem” nas telinhas, até parlamentares do PT, como o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e o senador outsider Eduardo Suplicy, defenderam a resolução do Senado. Neste caso, o ex-presidente do PT, José Dirceu, que já sentiu na pele que não adianta ceder às seduções dos “donos da mídia”, adotou uma posição bem mais equilibrada. Em seu blog, ele criticou “excessos retóricos” de Chávez, mas argumentou que também “estiveram errados nossos senadores ao aprovar moção que representa interferência nos negócios internos da Venezuela. Cada senador, individualmente, pode expressar sua opinião a respeito do tema, mas a instituição Senado não deveria se manifestar a respeito da atitude legal tomada pelo governo venezuelano”.  

Mercosul e autopreservação corporativa 

A direita nativa e sua mídia escrota tentam amplificar o incidente, que deveria ser tratado pelas vias diplomáticas, com dois objetivos nítidos. O primeiro, como autênticos “papagaios” das ambições imperialistas dos EUA, é o de implodir o rico processo de integração latino-americana. “Foi uma agressão o que Chávez disse. Agora fica mais difícil a inclusão da Venezuela no Mercosul”, esbravejou o tucano, mais parecido com urubu, Eduardo Azeredo. Já o direitista Heráclito Fortes, senador do DEM (ex-PFL, também batizado de Demo), sugeriu “que as empresas brasileiras deixem a Venezuela em apoio à RCTV”. Os colunistas bem pagos da mídia hegemônica já concentram as suas atenções na próxima reunião do Parlamento do Mercosul, marcada para 25 de junho, e farão forte alarde para isolar e excluir o país-irmão do bloco regional e para dar “irrestrito apoio” à emissora golpista. 

O segundo objetivo é o da autopreservação corporativa. A direita está preocupada com a irradiação da experiência venezuelana e com o futuro da mídia. Teme que os novos governos da região, oriundos das lutas sociais, apliquem sua Constituição nos capítulos que afirmam que a concessão de emissoras de rádio e televisão é pública, uma prerrogativa do Estado, e que deve ser reavaliada periodicamente – o prazo da concessão da TV Globo, por exemplo, encerra-se em outubro próximo. O deputado Rodrigo Maia, presidente do DEM, não esconde o temor. “Este é o último e triste capítulo da novela do autoritarismo na Venezuela. Só nos resta torcer para que o enredo não se repita no Brasil, por meio da TV pública que o Lula se empenha em criar”. Mais explícito impossível! 

Manipulação grosseira da Folha 

Para fazer vingar estes dois objetivos, a manipulação da mídia brasileira é descarada. Basta ver as duas edições do jornal Folha de S.Paulo deste final de semana. No sábado, uma manchete espalhafatosa e mentirosa: “Venezuela impede protesto da oposição”. Abaixo, a foto de três jovens loiras, tipicamente de classe média (o que representa menos de 10% da população venezuelana), com mordaças na boca e caras de choro. Um verdadeiro contra-senso: se o governo proíbe protestos, de onde saiu a foto das jovens a frente de uma reduzida passeata. Já no domingo, a marcha favorável ao fim da concessão da RCTV, com centenas de milhares de participantes e bem mais popular e mestiça, não mereceu a manchete da golpista Folha, mas somente uma foto jocosa de duas meninas seminuas na passeata pró-Chávez, com o visível intento de desqualificar a manifestação. Uma aberração jornalística! 

No seu editorial de sábado, o jornal da famiglia Frias – a mesma que conclamou os generais a darem o golpe em 1964, que cedeu suas peruas de transportes de jornais para levar presos políticos à tortura e que, no ano passado, foi um dos principais palanques da direita na campanha presidencial – ainda exige do governo Lula uma posição mais dura. “Lula fez o que lhe cabia ao defender a ‘independência’ e os ‘princípios democráticos’ das instituições brasileiras, além de cobrar explicações do embaixador venezuelano. Mas perdeu a chance de posicionar-se contra o fechamento da RCTV”. O cinismo da Folha e de outros meios privados é chocante. Como ironiza o sociólogo Emir Sader, “que moral eles têm para falar de democracia e de pluralismo nos meios de comunicação?”.  

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).

Caso RCTV: Golpe de Estado II, o Retorno

* Freddy Fernandez é jornalista, escritor e diretor da Agência Bolivariana de Notícias (www.abn.info.ve)

 A estratégia é muito clara: a oposição venezuelana e os aparatos de inteligência do governo dos Estados Unidos estão montando um programa de televisão para comover a OEA. Os ensaios já foram realizados e se parecem com uma mobilização estudantil. A Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos ocorre a partir do próximo domingo (3) e termina na quarta, dia 5 de junho. A oposição venezuelana, vestida de estudante, convocou mobilizações durante os dias 3, 4 e 5 de junho de 2007.  

Durante a semana passada assistimos apenas aos ensaios. Os atores estão cada vez mais identificados com seus personagens. Neste momento, o título da obra é “Repressão violenta na Venezuela”.  

A trama funciona graças a mecanismos muito sensíveis. Os personagens são jovens que o público deve identificar como “estudantes”. É melhor não mencionar as instituições onde eles estudam, ainda que em algumas ocasiões não haja outra opção senão identificá-los como provenientes da Universidade Católica, da Santa Maria, “San Ignacio de Loyola”, ou seja, de instituições educativas privadas e privilegiadas.  

Eles são os bons. Os maus são os policiais. Para os bons, as palavras chaves são “espontânea” e “pacífica”. Essas palavras são repetidas insistentemente pelo canal venezuelano Globovisión, as emissoras privadas de rádio e pelo canal estadunidense CNN. Para os maus, as palavras chaves, com as quais devem ser identificados, são “brutal”, “repressão”, “armas” e “violenta”. 

O cenário é uma rua venezuelana por onde avança uma manifestação “estudantil” “espontânea e pacífica” que só é interrompida por uma barricada policial. O fato é transmitido ao vivo com várias unidades móveis de televisão. Quando o encontro ocorre, os “dirigentes estudantis” explicam a uma câmera de televisão que eles estão exercendo o seu direito a protestar mas “estão sendo impedidos de realizar esse direito em função da presença policial”.  

Enquanto o dirigente faz sua “declaração”, reiterando o caráter “pacífico” da mobilização, ali perto, a polícia começa a “reprimir brutalmente e sem justificação”. Durante os dias do encontro da OEA, as câmeras vão mostrar a polícia atuando. O “sonho” estaria plenamente realizado se essas mesmas câmeras puderem “captar” a utilização de armas de fogo. Tudo será transmitido ao vivo. As câmeras serão tão cuidadosas que nunca mostrarão nenhuma ação violenta por parte dos manifestantes.  

Será uma repetição do comportamento da televisão privada na Venezuela desde a última semana de maio. Somente a Venezuelana de Televisão, canal do Estado venezuelano, mostrou os “estudantes” lançando pedras e outros objetos, e identificou sujeitos violentos amplamente conhecidos em nosso país. As câmeras da Globovisión não. Elas só obtinham imagens de manifestantes ajoelhados, com as mãos ao alto, nos quais a polícia atirava água desde carros-pipa.  

Com toda probabilidade, mas omitindo as ações mais violentas dos manifestantes, as cenas vão se repetir na CNN e na Globovisión, de segunda a quarta. Os estudantes “desarmados, em uma manifestação “espontânea e pacífica” sofrerão “a arremetida brutal da repressão policial” sem que sejamos informados das causas. No Panamá, durante a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, algum representante do Perú, Costa Rica ou El Salvador, pedirá a palavra para solicitar que seja discutida, em caráter de  urgência, a situação da Venezuela.O noticiário terá sido visto por todos. As consultas serão difíceis e se tomará uma decisão contra a Venezuela. Tudo está montado numa jogada magistral dos Estados Unidos.  

É por isso que os venezuelanos não compreendem com facilidade a simbologia da mobilização “estudantil”. A bandeira invertida, de acordo com um enlatado de Hollywood, é usada pela marinha dos Estados como sinal de emergência, como um S.O.S. Se trata, pois, de uma solicitação de intervenção. As mãos para cima, de joelhos, como se estivéssemos diante de um grupo rendido e desarmado que  está sendo maltratado, funciona como elemento de ênfase do suplício por uma intervenção.  

Na TV, os manifestantes estarão vestido com roupas brancas, em que se poderá ler a frase de Simón Bolivar: “Maldito seja o soldado que dispara contra o seu povo”. As mensagens não são para os venezuelanos, são para a comunidade internacional.  

O filme já conta com quase tudo: locações, adereços, iluminação, câmeras, atores e atrizes. O roteiro parece sólido e repete a história de 11 de abril de 2002. Os espectadores podem eleger o título entre “A rebelião de Maio” ou “O Golpe de Estado II”.  

O pior é que os mortos, se houver, não morrerão apenas na televisão.

 

RCTV fora do ar: um dia histórico para a humanidade

Com a RCTV, cai também boa parte da credibilidade das corporações de mídia em todo o mundo. Seja a CNN, que falsificou imagens de protestos; sejam as agências de notícias ligadas a Washington ou as emissoras privadas da América Latina, que apoiaram o golpe na Venezuela em 2002. No Brasil, o ímpeto contra Hugo Chávez já coleciona distorções, meias verdades e mentiras inteiras.  

Por exemplo, a primeira página da Folha de S. Paulo desta quarta-feira (30) registra que a concessão da RCTV foi "cassada" por Hugo Chávez. Não é verdade. A concessão terminou e não foi renovada; ela não foi cassada. A TV Globo, por sua vez, em praticamente todos os seus telejornais dá a entender que o governo venezuelano fechou a emissora arbitrariamente, comprometendo a liberdade de imprensa e a democracia. 

Os demais veículos corporativos seguem pelo mesmo caminho. Com alguma dificuldade, assumem que houve um golpe de Estado contra Chávez, em abril de 2002. Mas, do jeito que noticiam, fica parecendo que o golpe surgiu por geração espontânea. Não apontam responsáveis, embora os conheçam. Não revelam a participação da CIA, embora existam provas fartas. Não oferecem, sequer, a versão do outro lado, conforme ensinam seus próprios manuais de redação. Jamais divulgam que a não renovação de uma concessão de radiodifusão está amplamente respaldada pela Constituição da Venezuela que, assim como a brasileira, afirma que o espectro radioelétrico é um bem público, concedido a entes privados durante um tempo pré-determinado. Quem não cumpre a lei, como foi o caso da RCTV lá e é o caso de todas as emissoras privadas aqui, perde o direito sobre este bem público. 

Naquela sexta-feira, 11 de abril de 2002, Arnaldo Jabor comemorou o golpe contra Chávez atirando bananas para o alto, em seu comentário para o Jornal Nacional. A revista Veja também ficou satisfeita: "cai o presidente falastrão", disse sua edição daquele final de semana.  

Mas o que está por trás da atual campanha contra Hugo Chávez não é nem o presidente venezuelano em si. É também, mas vai além dele. Atravessa-o. O que está em jogo é o controle de um bem público que confere um poder nunca antes sonhado pelas elites. Hoje, na Era da Informação, o poder de produzir e transmitir imagens e palavras é a premissa básica para se alcançar todas as riquezas imagináveis.  

Aquilo que os exploradores de hoje perceberam há pelo menos cinqüenta anos, só recentemente os movimentos sociais começaram a entender. O ponto chave é: quem controla a subjetividade, controla a hegemonia. Os meios de comunicação de massa constituem a instituição com maior poder de produzir subjetividades. Através de suas mensagens, determinam formas de pensar, agir, sentir e viver de toda uma comunidade, região ou país.  

É por isso que as corporações de mídia, a serviço da exploração dos povos, articulam uma campanha sem precedentes contra Hugo Chávez. Porque ao não renovar a concessão de uma dessas corporações e, além disso, conceder seu controle a grupos populares, Chávez atinge substancialmente a fonte de poder daquelas corporações. Por isso o dia da não renovação da concessão da RCTV, 27 de maio de 2007, será lembrado como um grande avanço na história da humanidade. 

A TV Globo, que apoiou a ditadura que seqüestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros – repito, milhares de brasileiros – agora acusa Hugo Chávez de violar a liberdade de imprensa. A Folha de S. Paulo, que emprestou automóveis para órgão da repressão, agora acusa Chávez de agredir a democracia. Estão desesperados. Porque o governo venezuelano abriu um precedente perigosíssimo para as classes exploradoras, mas belíssimo para todos que acreditam numa humanidade mais humana.  

Neste mês de maio, vencem dezenas de outorgas de rádio e televisão no Brasil. São cinco da Globo, duas da Bandeirantes e uma da Record, sem contar as emissoras afiliadas. O levantamento foi feito pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e pode ser lido aqui. 

Em junho do ano passado, em plena Copa do Mundo, o presidente Lula assinou um decreto ilegal entregando novas concessões públicas de televisão digital para as mesmas empresas que já transmitem em sinal analógico. Se os movimentos sociais não quiserem continuar sendo massacrados pelas corporações de mídia, a hora de agir é agora. É preciso compreender a importância histórica desse momento e ir para as ruas. Movimento Negro, MST, MTST, Marcha das Mulheres, Estudantes acampados na USP e em outras universidades, professores, sindicatos, todos, sem exceção, precisam ir para as ruas e, mais que pressionar, precisam obrigar nossos representantes a não renovarem essas concessões e a anularem o decreto da televisão digital. 

O que está acontecendo na Venezuela não é um ato isolado. São as conseqüências da falência das políticas neoliberais, que concentram as riquezas em poucas mãos e distribuem a miséria para a maioria. É possível reverter esse quadro, como o governo venezuelano está mostrando. Até porque o fracasso desse modelo derruba também a credibilidade de seus interlocutores, ou seja, das corporações de mídia. E um dos momentos mais lindos da história humana é quando os oprimidos deixam de acreditar nas palavras dos exploradores e se levantam, sem medo, dispostos a enfrentá-los.

 

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Acesso à informação: um direito também dos surdos

A Organização das Nações Unidas (ONU) enfatiza, como fundamentais, o direito à informação e à comunicação, que são essenciais para o exercício da cidadania. A informação é um direito tão importante quanto os demais e deve ser oferecida igualmente a todos, de modo claro, impessoal, preciso, sem direcionamentos e sem interesses ocultos. Mas será que ela é oferecida igualmente a todos? 

Analisando os meios de comunicação de massa, pode-se perceber que todos exigem bom funcionamento dos canais sensoriais. A televisão é um veículo constituído por imagens visuais e sinais auditivos; os jornais e revistas exigem atenção visual; o rádio pede pelo nosso canal auditivo e a internet acopla situações de leitura, audição e até fala. Mas e aquelas pessoas que apresentam alguma deficiência nos sentidos e não conseguem acessar o conteúdo oferecido pelos veículos de comunicação? Como se informam a respeito das notícias de sua cidade, estado, país e do mundo? Será que elas têm sempre que depender de uma terceira pessoa que possa explicar – de maneira adequada – os fatos que são divulgados nos telejornais, revistas, jornais impressos e internet? 

Segundo o último censo, realizado em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje há no Brasil cerca de 6 milhões de pessoas com problemas relacionados à surdez. Dessas, cerca de 170 mil se declararam surdas e apenas 15% entendedores da língua portuguesa. Essa porcentagem representa a minoria que consegue captar as notícias jornalísticas divulgadas pela mídia. A maioria, por não ser oralizada, fica excluída do mundo da informação. 

Formato inadequado 

Ler um jornal ou uma revista, por exemplo, é extremamente difícil para surdos que se comunicam apenas pela Língua Brasileira de Sinais (Libras). A Libras é um idioma próprio, que apresenta uma gramática completamente diferente do português. Para os surdos que usam sinais, a frase "vou para a casa dele" se transforma em "casa dele vou". Esse é apenas um pequeno exemplo da barreira que eles têm de transpor ao tentar ler e entender o português.  

Para acompanhar os noticiários da televisão há possibilidade, em alguns televisores, de ativação de uma tecla que permite o acesso ao closed caption, sistema de transmissão de legendas via sinal de televisão. Ele descreve as falas dos apresentadores e também qualquer outro som presente na cena, como palmas, passos, trovões. Porém, muitas vezes, a captura do áudio não é a correta para o som da língua e ocorre uma distorção da mensagem falada, resultando na escrita de uma palavra errada na tela da TV. Além disso, a velocidade acelerada das legendas é mais um obstáculo para a compreensão da notícia. 

Outra alternativa utilizada pelas emissoras de TV para a comunicação com o surdo, principalmente os que não entendem o português, é a janela de Libras. Seu formato corresponde a um espaço delimitado no vídeo onde as informações são interpretadas na língua brasileira de sinais. Entretanto, nem todos os programas televisivos contam com este recurso e, quando o disponibilizam, não o fazem em um formato adequado. Para compreender a Libras é necessária a visualização dos gestos das mãos e da expressão facial, mas, normalmente, a veiculação da imagem é feita em pequenas janelas no canto da tela, fugindo do modelo ideal. 

O Telelibras 

Algumas leis até já foram criadas com o objetivo de garantir à pessoa com deficiência o acesso à informação. Um exemplo é a NBR 15.29/2006, que dispõe que os programas políticos, eleitorais, noticiosos, jornalísticos, educativos, campanhas institucionais e informativos de utilidade pública devem conter janela com intérprete de Libras. Ainda assim, as ações para disponibilizar interpretação em Libras em conteúdos audiovisuais, como cinema, jornais ou novelas, são praticamente inexistentes. Nenhum telejornal veiculado na TV aberta brasileira, por exemplo, utiliza a representação na linguagem de sinais, reconhecida desde 2002 como meio legal de comunicação e expressão (Lei nº. 10.436). 

Portanto, fica claro que o problema referente ao acesso às informações jornalísticas pelas pessoas com deficiência auditiva existe. Algumas providências já foram tomadas, mas muitas ainda precisam ser desenvolvidas. 

Um exemplo de que é possível oferecer às pessoas com deficiência auditiva um produto jornalístico que as informe sobre as principais notícias do Brasil e do mundo é o Telelibras, primeiro telejornal inclusivo da internet brasileira voltado para a comunidade surda e para os interessados em aprender a Libras. 

* Roberta Lage é radialista, jornalista e especialista em comunicação pública e responsabilidade social