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Vitória da massa funkeira no Rio

Em mais um exemplo de capacidade de mobilização, a massa funkeira carioca reuniu cerca de mil pessoas nas escadarias da Assembléia Legislativa, na terça-feira, dia 1º de setembro. O resultado não poderia ser diferente: a lei que criminalizava o ritmo foi derrubada e, em seu lugar, foi aprovada uma outra que reconhece o funk como manifestação cultural. Tudo por aclamação.

A vitória dos funkeiros em muito decorre da insistência abnegada da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk), presidida por MC Leonardo, que além de autor, com seu irmão Júnior, de letras como Rap das Armas e Endereços dos Bailes, é colunista da revista Caros Amigos – o que é sistematicamente omitido pelas corporações de mídia.

Os MCs Leonardo, Júnior, Teko e Tiana, além do DJ Marcelo Negão, entre outros integrantes da APAFunk, lutaram incansavelmente para que este momento chegasse. [Em outra desinformação absurda, o portal G1, das Organizações Globo, afirma que DJ Marlboro e Romulo Costa, os mega-empresários do funk, são os que “comandam o movimento, enquanto MC Leonardo e MC Júnior animam mais de 200 pessoas que se aglomeraram em frente à Alerj” – leia aqui].

Representantes da APAFunk percorreram todos os gabinetes dos deputados estaduais, realizaram Rodas de Funk em diversas favelas (leia aqui e aqui matérias sobre as rodas na Cidade de Deus e no Dona Marta), uma na Praça XV e uma outra na Central do Brasil, procuraram ajuda dos intelectuais, brigaram quando tinham que brigar, exigiram que a PM respeitasse s direito de expressão e por aí foram. Romulo Costa e DJ Marlboro chegaram aos 45 do segundo tempo nessa disputa.

Uma pessoa muito especial e que merece ser lembrada sempre, sobretudo pela direção da APAFunk e pela massa funkeira, é a antropóloga Adriana Facina. Aliada de primeira hora, a professora da UFF teve uma participação fundamental em todo o processo. Além de ser uma voz em defesa de negros, pobres e favelados – a grande maioria de quem vive do funk – Adriana colocou todo o seu conhecimento a serviço de quem quisesse aprender. Os que quiseram foram os mesmos que fizeram história nesse 1o de setembro.

Marcelo Freixo, deputado do PSOL, foi mais que autor do projeto de lei que reconhece o funk como movimento cultural e estimula seu potencial pedagógico. O professor de História enfatizou a capacidade de luta da massa funkeira, que não se abateu diante da opressão: “A censura é burra, sempre. A censura nunca vence a criatividade do povo. Não funcionou com o rock, não funcionou com o samba, por que iria funcionar com o funk?”, disse, em sua intervenção.

Ao final da votação, os funkeiros, que assistiam a tudo das galerias, cantaram aquele que já se tornou um hino carioca: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci. E poder me orgulhar, e ter a consciência de que o pobre tem seu lugar”. Os deputados pararam para ouvir, já que a junção das muitas vozes superava o som do microfone. “Uma vitória da democracia participativa”, afirmou Freixo.

Também acompanharam a votação Ivo Meireles, presidente da Mangueira, o cantor Neguinho da Beija-Flor e o delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone, que sempre apoiou e promoveu rodas de funk nas delegacias que comandou. Depois da sessão, a massa funkeira foi curtir a vitória no Circo Voador.

Curiosidade: nunca se viu uma quantidade tão grande de deputados neofunkeiros como nesse dia 1o de setembro. Ficou parecendo que a lei derrubada fora aprovada por marcianos, e não pela atual legislatura.

 

Ocupar as redes de rádio e tevê

Revejo "Jango", brilhante documentário de Sílvio Tendler, que foi exibido na madrugada deste sábado (8) pela TV Brasil. Deveria ter ido ao ar mais cedo, em horário nobre, tamanha a sua importância.

O filme mostra os atores envolvidos no golpe de Estado cometido contra o povo brasileiro em 1964. No ato lembrei do título do livro de René Dreifuss: "1964: a conquista do Estado". O termo escolhido pelo escritor não poderia ser mais preciso. Tanto em sua obra quanto na de Tendler fica evidente que não houve apenas um golpe estanque no Brasil; ele não surgiu da noite para o dia. O movimento foi preparado durante anos e contou com apoio do governo dos EUA, de corporações privadas e de veículos de comunicação de massa.

No documentário há um depoimento muito importante de um militar, que chama a atenção para a "provocação" que representou o comício de 13 de março, na Central do Brasil. Ele fala que o povo trazia cartazes subversivos. Aí lembrei de toda a preparação psicológica, de todos os cursos financiados pelos EUA para os militares brasileiros de que fala Dreifuss. IPES e IBAD à frente. Ao longo de anos associaram comunismo à barbárie e à desordem, até chegar ao golpe. Depois dele, a tropa de choque foi retirada da linha de frente (Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, cassados) e os homens de confiança assumiram a liderança. Brizola diz em seu depoimento que este foi o golpe dentro do golpe. Castelo Branco assume e imediatamente revoga a lei de remessa de lucros e garante a manutenção dos latifúndios improdutivos.

O que vemos hoje? Em meio à tal crise, que as corporações de mídia já não mais explicam por que, como e onde, o Banco Central divulga que montadoras de automóveis enviaram nada menos que US$ 4,8 bilhões às matrizes no exterior. Somando os outros setores da economia, a sangria alcança absurdos US$ 20,143 bilhões/ano. “O Globo” deu matéria sem nenhum destaque na página 22 da edição do último dia 6, cuja capa lambia as botas do novo comandante pró-forma do imperialismo.

Eis aí a natureza do golpe de 1964 e da ditadura que seqüestrou, torturou e matou milhares de brasileiros. Seu maior objetivo é garantir que o país mais rico da América Latina seja mantido sob a dominação imperialista. Nenhum governo sério do mundo permite que sejam enviados para o exterior tantos recursos produzidos com o suor do seu povo. Existem leis que obrigam que esse dinheiro seja reinvestido no país, isso sem falar na tributação às grandes empresas, que deveria ser maior. Não dá pra aceitar calado o envio de tantos bilhões pra fora enquanto existe gente passando fome aqui dentro. Isso sim é uma ditadura, devo dizer àqueles que se prendem aos paradigmas da mídia grande.

Apesar da flagrante pilhagem, não se vê resistência à altura. Nem quanto às indecentes remessas de lucro, nem contra a entrega do nosso petróleo, nem contra a ausência de uma auditoria na dívida pública, nem contra a absurda concentração fundiária, nem contra a falta de regulamentação do artigo 153 da Constituição, que determina a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, nem contra o salário mínimo indigente de R$ 415,00 e, pior, nem contra o oligopólio dos meios de comunicação social.

Pior porque é este oligopólio o maior responsável pela manutenção desse estado de coisas, que de um lado explora o cidadão brasileiro e de outro entrega nossas riquezas para empresas estrangeiras e seus testas-de-ferro. A mídia, hoje, é a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, é ela quem vai determinar formas de sentir, agir, pensar e viver de cada pessoa e, por extensão, de toda a sociedade.

O dia em que os movimentos sociais organizados se derem conta disso, a primeira ocupação será nos centros de produção e reprodução de textos e imagens encarregados de sustentar o sistema. Uma vez ocupadas as redes de rádio e tevê (cujas principais representantes, a propósito, estão com as concessões vencidas e estão, portanto, na ilegalidade), o povo será informado sobre as razões da falta de médico para o filho que sente dor, da falta de escola para quem precisa estudar, da falta de trabalho para quem quer produzir, da falta de terra para quem quer cultivar e etc. Uma vez que isto aconteça, a justa indignação não mais poderá ser contida.

* Marcelo Salles é jornalista, editor do Fazendo Media e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

PMDB, DEM, milícias e a mídia

As relações entre os chefões da imprensa e os partidos PMDB e DEM devem ser muito profícuas. Essa é a única explicação para que essas siglas ainda não tenha ido parar nas manchetes. Há denúncias formalizadas pelo Ministério Público e investigações da Polícia Federal que comprovam a participação vereadores, deputados estaduais, um prefeito e um ex-governador (e presidente do PMDB no RJ) dessas duas siglas em esquemas de lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando, evasão de divisas, corrupção ativa e formação de quadrilha armada. Um deles responde até pelo assassinato do inspetor de polícia Félix dos Santos Tostes, acusado de chefiar milícia em Rio das Pedras.

  • Anthony Garotinho, ex-governador e presidente do PMDB no Rio de Janeiro;
  • Alvaro Lins, deputado estadual (PMDB);
  • Jerônimo Guimarães, o Jerominho (vereador, PMDB);
  • Núbia Cozzolino (prefeita de Magé, RJ, PMDB);
  • Nadinho de Rio das Pedras (vereador, DEM);
  • Natalino Guimarães (deputado estadual, DEM).

Quinta-feira, 29 de maio. O ex-governador do Rio, Antonhy Garotinho, é denunciado pelo Ministério Público e o ex-chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins, é preso pela Polícia Federal. São acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha armada. Garotinho é presidente do PMDB no estado e Lins é deputado estadual pelo mesmo partido. O Globo dedicou 6 páginas ao tema e destacou 25 repórteres para a cobertura. Entretanto… Em nenhum dos 11 títulos nas seis páginas aparece a sigla PMDB. E em apenas um dos 14 subtítulos, o da última página da série de matérias, vemos a legenda. No dia seguinte foram 9 títulos e 12 subtítulos, sem que a sigla PMDB aparecesse em nenhum deles.

Notas esparsas nos jornais desta terça-feira (3/6) sinalizam com o aumento desta lista. De acordo com a coluna do Ancelmo Góis, "autoridades do Rio identificaram dois políticos cariocas – um vereador e um deputado – que têm ligações com a milícia que domina a Favela do Batan, aquela onde dois repórteres de "O Dia" foram torturados". Na coluna de Merval Pereira é citado o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB), que estaria envolvido com o esquema de Álvaro Lins. Essas duas colunas são publicadas pelo jornal O Globo. No JB, a coluna da Anna Ramalho anota frase do deputado federal Marcelo Itagiba, também do PMDB fluminense: "As milícias são uma boa idéia… que não deram certo".

Houvesse jornalismo de verdade no Rio de Janeiro, o público já teria sido informado, com o devido destaque, que o partido do prefeito da cidade, César Maia (DEM), e o partido do governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), estão implicados em crimes da maior gravidade. César Maia, vale lembrar, sempre considerou que as "milícias" eram um mal menor. Chegou a chamá-las de "autodefesas comunitárias", num elogio ao modelo de segurança colombiano, que por sua vez é bastante enaltecido pela imprensa brasileira. Os telejornais têm evitado mencionar esses partidos e os jornais não os levam para as manchetes. Quem estudou comunicação sabe que a maioria dos leitores de jornal só lê os títulos e os subtítulos e, quando muito, o primeiro parágrafo. É importante registrar que, em 2005, por muito menos o PT foi esculhambado em manchetes de jornal e em fartas reportagens de rádio e televisão. As corporações de mídia destacaram seus melhores repórteres para investigar cada detalhe do partido, que foi rotulado de "mensaleiro" pra baixo. O mesmo PT que ainda não teve coragem de enfrentar o oligopólio que controla os meios de comunicação no país.

Com esse tipo de divulgação restrita, as corporações de mídia matam dois coelhos com uma canetada só: preservam seus interesses político-financeiros (incluindo a verba publicitária), e agridem a imagem do setor público como um todo, ao fazer parecer que todos os políticos são iguais. Assim, reforçam a falsa idéia de que "público é ruim, atrasado, corrupto" e "privado é bom, moderno, dinâmico".

Realinhamento da cobertura

O Jornal Nacional desta segunda-feira (2/6) divulgou com entusiasmo a operação cinematográfica da polícia na favela da Rocinha. Segundo a Secretaria de Segurança, foram apreendidas 2,5 toneladas de maconha, retiradas por um helicóptero, "que fez várias viagens" até remover toda a erva. Ao tratar do crime cometido contra a equipe do jornal O DIA, o telejornal evitou o termo "tortura", substituído por "agressão", e preferiu creditar os espancamentos, choques elétricos e sufocamentos com saco plástico a "milicianos", embora a própria SeSeg tenha admitido que policiais participaram da ação criminosa. Só no final da matéria um texto surgia explicando que as "milícias" são compostas por policiais e ex-policiais.

Desse modo, nota-se um realinhamento gradual da cobertura segundo os parâmetros do governo estadual. Embora nunca tenha abandonado completamente este eixo, a cobertura da TV Globo, assim como a dos demais veículos da mídia hegemônica, adotaram por 48h uma incomum postura crítica em relação à violência policial. Os jornais de hoje mostram que apenas O DIA mantém essa posição firme, enquanto os demais a atenuam bastante.

É fundamental registrar que geralmente as denúncias de violência policial são ignoradas pelas corporações de mídia, que parecem só ter despertado para sua existência após a sessão de tortura contra uma repórter, um fotógrafo e um motorista do diário carioca.

Quando o repórter alternativo Brad Will foi assassinado pela polícia mexicana, em Oaxaca, 2006, a imprensa não registrou, o que denota a existência de duas categorias de jornalista na avaliação das corporações. Quando brasileiros pobres, moradores de favelas, denunciam tapas na cara, espancamentos, e execuções sumárias cometidas por policiais, os diretores dos jornais não levam a sério e oferecem apenas notinhas de rodapé, quando muito, pois a regra é a omissão, o que revela a existência de duas categorias de seres humanos, novamente na avaliação das empresas capitalistas.

Lembro quando dezenas de entidades e duas centenas de pessoas assinaram, em novembro passado, o manifesto contra as políticas de extermínio do governador Sérgio Cabral. O Globo deu a notícia no final do primeiro caderno, escondida entre os obituários, sem nenhuma chamada na capa. Se a cobertura jornalística desse conta da verdadeira dimensão do envolvimento de policiais com a criminalidade no Rio, talvez os índices de violência em nosso estado não fossem tão assustadoramente elevados.

Marcelo Salles é Jornalista, editor do blog Fazendo Media e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Renan Calheiros: a disputa é pelo controle da mídia

No dia 16 de junho registrei em meu blog:

"A TV Globo bate, a revista Época bate, o jornal O Globo bate, a CBN bate. Ou seja, as Organizações Globo parecem ter sido contrariadas por alguma decisão de Renan Calheiros, o presidente do Senado Federal. Sempre tiveram uma relação profícua, mas agora a coisa desandou. Não, não estou dizendo que Renan seja um santo. Nem mesmo estou dizendo que suas relações com lobistas devem ser esquecidas. Minha questão é de outra ordem: por que só agora isso veio à tona? Ou alguém acha que só agora foram descobertas as relações de Renan com Mônica e desses com o lobista? Teria alguma coisa a ver com o período de renovações de concessões de radiodifusão? Pergunta-se aos caríssimos leitores: qual será o pomo da discórdia?"

No dia seguinte, a coluna Toda Mídia, da Folha de S. Paulo, registrou meu comentário. Neste final de semana chega às bancas a revista Veja com Renan Calheiros na capa, sentado sobre uma laranja de onde saem uma cédula de 100 dólares e outra de 100 reais. Sobre seu ombro, um microfone. Título: "Mais laranjas de Renan – Como o senador se tornou o dono oculto de duas rádios em Alagoas. Ele pagou 1,3 milhão em dinheiro vivo".

Lá dentro, na página 63: "A sociedade secreta de Renan Calheiros e João Lyra era ambiciosa. Usando a influência política que tinha no governo federal, Renan planejou montar uma rede de emissoras espalhadas por Alagoas a partir das outorgas de concessões públicas que suas relações conseguiriam garimpar em Brasília". Uma das empresas, segundo Veja, seria a Rádio Coreeio, cujo logotipo aparece, numa foto da reportagem, colado no logotipo da CBN, que pertence às Organizações Globo – fato solenemente omitido pela reportagem.

Não creio na revista Veja, assim como não acredito que a relação de Renan Calheiros com grupos de comunicação só agora tenha se tornado novidade para o reportariado de Brasília. Até porque, como vem denunciando sistematicamente o professor Venício Lima, há dezenas (ou centenas) de políticos em situação similar. Mas eis que depois de bater durante meses no senador Renan Calheiros a Veja – com imediato apoio do Jornal Nacional deste sábado – resolve esclarecer que o incômodo são as empresas de comunicação. Sim, sim… Empresas de comunicação costumam ser usadas para vencer eleições, pressionar governos e influenciar em quase tudo nessa vida, desde negociatas contra o patrimônio público até a sexualidade das virgens.

Uma consulta à página da CBN revela que o grupo possui 4 emissoras próprias (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília) e 22 afiliadas, sendo que em Maceió a CBN opera a concessão do Sistema Costa Dourada de Radiodifusão Ltda, na freqüência 104,5 FM. Entretanto, a página da Anatel aponta a existência de apenas cinco emissoras comerciais de rádio FM em Maceió (Alagoas Rádio e Televisão, Rádio Clube de Alagoas, Rádio Cultura de Arapiraca, Rádio Jornal de Hoje e TV Pajucara) – nenhuma delas, portanto, a afiliada indicada pela CBN em sua página. A exceção da Alagoas Rádio e Televisão, acusada pelo Ministério Público de pertencer a políticos e cuja licença expira no ano que vem, todas as outras encontram-se com suas outorgas vencidas, segundo a Anatel.

Tudo muito nebuloso, como já sabemos, nesse mundo das concessões públicas de radiodifusão. Mas, pelo menos, uma coisa ficou clara: o medo da dupla Veja-Globo é mesmo ter um presidente do Congresso em que eles não confiam envolvido numa disputa pelo controle de empresas de comunicação. Isso porque no próximo dia 5 de outubro serão avaliadas, no Congresso Nacional, as renovações das concessões públicas do oligopólio que controla a televisão e o rádio no Brasil. Estão com tanto medo, mas tanto medo, que até se arriscaram a mostrar como acontecem as negociatas entre políticos e empresas de comunicação, um assunto tabu para a dupla, mesmo porque seus interesses nesse tipo de esquema não são poucos.
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Por tudo isso, repito: precisamos nos organizar para pressionar nossos representantes em Brasília, desde telefonemas e correios eletrônicos até manifestações de rua. E não podemos perder a chance, porque essa renovação é mais demorada que o cometa Harley: acontece uma vez a cada 15 anos.

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Qual a melhor tática para enfrentar o monopólio “Global”?

Vamos voltar ao tema da concessão de funcionamento de emissoras de televisão pelo governo federal brasileiro. Para aqueles que, como eu, percebem que a Rede Globo de Televisão exerce no Brasil o papel de um meio de comunicação oficial, às avessas – isto é, detém um poder de arbítrio sobre a conduta do governo (e do povo que o elegeu), direcionando este governo no rumo da economia neoliberal, e, mais do que isto, legitimando ideologicamente as resoluções governamentais afinadas com o pensamento neoliberal – qual seria o melhor caminho para propor a quebra da concessão do canal televisivo pelo Estado? A cassação, pura e simples, ou a não-renovação da concessão?

Meu argumento central é de que não se pode contar com o aparelho de Estado para qualquer iniciativa neste sentido, pelo menos neste momento, no Brasil. Considero que o governo brasileiro, no nível do Poder Executivo, não tem o mínimo interesse no enfrentamento com a Rede Globo. Ao contrário, o governo Lula, a meu ver, jamais tomará qualquer medida que implique no questionamento da concessão para operação da Rede Globo de televisão. Lula deixa-se pautar pela Rede Globo, pois sabe muito bem que se seguir a cartilha neoliberal não tem com o que se preocupar. E Lula está disposto a avançar, neste segundo governo, no ideário da economia de mercado e do Estado privatizado. Só faltam as reformas da previdência, trabalhista e administrativa para selar o "pacto pelo alto" com o empresariado, enquanto estabelece um "pacto por baixo" com os trabalhadores, através de suas principais organizações.

Mas, e quanto aos trabalhadores independentes que percebem no monopólio, de fato, da Rede Globo uma interferência devastadora sobre a política no Brasil? Em primeiro lugar, não creio que se possa fugir de um certo legalismo no trato da questão. Quer dizer, o tema é constitucional e qualquer campanha que pretenda obter alguma repercussão deve levar em conta este fator.

Então, o que fazer? Ou melhor, como fazer? O mínimo de legalismo que se deve levar em conta é que não se pode caracterizar legalmente, de direito, a Rede Globo como um monopólio. Nós sabemos que ela exerce este papel de fato, mas isto não nos permite avançar juridicamente neste argumento. Afinal, há pelo menos mais meia dúzia de redes de televisão nacionais no país. O argumento do monopólio não serve como mote de campanha anti-concessão. Creio que o argumento capaz de mobilizar diversos setores da sociedade civil em prol do fim da concessão "Global" é aquele de base político-econômica, isto é, que a Rede globo comete irregularidades gravíssimas no âmbito econômico-financeiro e que não honra os seus compromissos frente ao Estado, a sociedade e, por paradoxal que seja, em relação ao próprio mercado capitalista.

Muito se especula que a Globo está envolvida, há bastante tempo, em escabrosas transações financeiras nacionais e internacionais. Para ficar apenas no que já foi publicado a respeito, basta dar uma olhada mais atenta em peças acusatórias do tipo do vídeo "Muito além do cidadão Kane" e do livro "Afundação Roberto Marinho" para se ter uma vaga noção do que ocorre nos bastidores da rede televisiva e, por extensão, das Organizações Globo.

Eu acho que a campanha pelo fim da concessão deveria iniciar-se com apurações e denúncias destas "irregularidades" (na verdade, se comprovadas as acusações, possíveis crimes do colarinho branco). Esta campanha precisa ser massiva, ganhando as ruas, como forma de pressionar o governo federal, o Poder Legislativo, no caso dos dois quintos de votos para a não-renovação e o Poder Judiciário, no caso da necessidade de decisão judicial em prol da cassação da concessão.

Trata-se de movimento tático que visa esclarecer à sociedade o que representa a Rede Globo em termos não só político-ideológicos, mas também econômico-financeiros e como o governo federal se omite diante desta situação e até mesmo compartilha dela, para beneficiar-se do monopólio de fato.

Neste sentido, o primeiro passo para a cassação ou não-renovação da concessão de funcionamento para a Rede Globo seria exigir que ela se enquadrasse nas supostas regras do próprio capitalismo e passasse a ter a conduta que deveria ser a de qualquer empresa privada. Paralelamente, caberia chamar a atenção para o fato de que uma concessão do Estado implica compromissos não só financeiros do concessionário, mas éticos e políticos. No caso da Globo, as "irregularidades" que poderiam levá-la à cassação da concessão também poderiam estar relacionadas a esses outros aspectos.

Enfim, a Rede Globo precisa ser enquadrada legalmente. As "irregularidades" devem ser constatadas por minuciosas investigações. A campanha pública pela cassação ou não-renovação da licença deveria então começar pela cobrança de que órgãos do Estado atuassem no levantamento das prováveis "irregularidades". Caberia à Polícia Federal (que tal uma operação Vênus Platinada?) e ao Ministério Público devassarem os negócios da Rede Globo. Mas para isto é imprescindível que instituições da sociedade civil façam denúncias que, uma vez divulgadas e investigadas, permitam acionar a legislação vigente fazendo com que a não-renovação (via Congresso Nacional) ou a cassação (via STF) possa se viabilizar.

Ainda no plano dos instrumentos legais, o que poderia abreviar a rescisão da concessão seria a revogação do atual dispositivo constitucional pelo qual o concessionário de canais de radiodifusão, diferentemente dos concessionários de outros serviços públicos, não pode ter seu contrato automaticamente rescindido pela simples verificação de irregularidade jurídica e fiscal. Mas, para que isto venha a ocorrer, é necessário que o Congresso Nacional modifique o texto constitucional vigente, o que também envolve uma mobilização dos parlamentares, que não pode ser obtida sem uma grande campanha, capaz de exercer pressão direta sobre o Congresso.

Creio que a pressão direta da opinião pública organizada poderia vir de uma campanha pela não-renovação da concessão, com ampla divulgação dos ilícitos a serem apurados e divulgados. Nessa possível campanha contra o papel monopolístico e para-estatal da Rede Globo, atestado pelos favorecimentos do Estado à concessionária, seria fundamental a participação dos veículos de comunicação alternativa, que defendem a democratização da informação no país. Rádios, jornais, sites, blogs comunitários e alternativos deveriam ocupar a vanguarda da campanha de moralização e democratização da mídia.

Considerando que a mídia grande, como um todo, tenderia a boicotar a referida campanha, a participação efetiva (e não apenas retórica, como ocorre hoje) da mídia alternativa no processo, ajudando a dar nome aos bois e exigindo do Estado um posicionamento à altura do poder concedente, desencadearia fatalmente um processo de mobilização social, por si só, amplamente democrático.

Enfim, não custa relembrar a Chicago dos anos 30, quando Al Capone posava infalível em suas ações. Nada parecia poder detê-lo. A solução veio através de uma medida legalista que a principio não seria capaz de atingi-lo. Como todos sabem, Al Capone foi pego por irregularidades junto ao fisco. Guardadas as devidas proporções, talvez estejamos mais próximos do que parece da obtenção de uma vitória sem precedentes no esforço pela real democratização dos veículos de mídia no país. É uma questão de se encontrar a melhor tática para o enfrentamento.

* Canrobert Costa Neto, Bacharel em Sociologia Política pela Universidade de Brasília, Mestrado em História do Brasil pela UnB, Doutorado em História da América Latina pela Universidade Federal Fluminense, Pós-doutorado em Sociologia Rural pela Universidad de Córdoba, Espanha. Membro do conselho editorial da revista Margem Esquerda. Co-autor do artigo "Das ocupações de terra à reforma agrária no Brasil", revista Margem Esquerda, número 2, Editora Boitempo, São Paulo. Professor, Pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Presidente da Associação de Docentes da UFRRJ (ADUR).


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