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A nova rede se enreda: uma teia de equívocos compromete a TV pública

O processo de construção da nova rede pública de televisão – batizada TV Lula pelos adversários e auto-designada, provisoriamente ou não, de TV Brasil – vai se convertendo em mais um exemplo cristalino de que as boas intenções nem sempre conduzem a bons resultados. Apoiado por todos os segmentos da TV pública e por setores importantes da sociedade, em particular os que lutam pela democratização da mídia, o projeto saiu bastante fortalecido do Fórum Nacional de TVs Públicas, o grande evento de reorganização desse campo, que ocorreu em maio, em Brasília. Era tido como a ponta de lança de uma nova estrutura para toda a televisão de utilidade pública no país. Três meses depois, entretanto, os erros de condução no processo estão erodindo a base de apoio da nova rede e podem comprometer a sua viabilização.

Na “Carta de Brasília” resultante daquele Forum, documento que consolidou os princípios, finalidades e demandas da televisão pública brasileira, o que se propunha era uma ampla reformulação de todos os setores da TV não-comercial, tendo por eixos a introdução da TV digital, novo sistema de transmissão com estréia marcada para dezembro deste ano, em São Paulo, e a decisão do Presidente Lula de dotar o país de uma rede pública de TV forte e competitiva, capaz de rivalizar com as redes comerciais na sedução dos telespectadores. A tecnologia digital propiciaria as condições técnicas para acomodar novos canais e novos serviços, a nova rede carrearia múltiplos recursos de investimento, e o ambiente favorável permitiria, ao mesmo tempo, consertar o que está errado na televisão pública existente e projetar com precisão o que se quer para o futuro.

As entidades representativas do campo público da TV e da sociedade civil propunham, especialmente, que a TV digital concentrasse todos os canais públicos numa mesma faixa do espectro e que a sua transmissão fosse feita conjuntamente, sob controle de um ente público, o chamado “operador de rede”. Isso permitira a melhor utilização possível da capacidade do espectro destinada aos canais públicos, que teriam, a cada instante, mais ou menos “banda” disponível para os serviços que oferecessem, dependendo de suas necessidades (muita banda para transmissão de filmes em alta definição, menos banda para a transmissão de debates em definição padrão, por exemplo). Permitiria, sobretudo, maior racionalização no investimento público em transmissores, antenas, retransmissores e sistemas de gerenciamento. O governo federal poria o grosso do dinheiro, os canais públicos complementariam na medida de suas possibilidades, o operador de rede controlaria o tráfego das imagens e todas as demandas seriam compatibilizadas e atendidas.

Para isso funcionar, seriam necessárias também algumas medidas regulatórias, a começar pelas outorgas para que os canais públicos hoje existentes apenas na TV a cabo – os canais legislativos, comunitários e universitários – possam operar em TV digital aberta. A regulamentação da publicidade comercial em televisão pública, assim como a implementação do dispositivo constitucional que obriga a TV a privilegiar a educação e a cultura, a produção independente, o cinema brasileiro e a programação regional, seriam outros aspectos legais dessa ampla reforma de todo o campo público da televisão. Impulsionados pelo Governo Federal, teriam sustentação política no Congresso e poderiam vencer o obstinado lobby das emissoras comerciais, sempre no combate a toda e qualquer medida regulatória em seu mercado, ainda que as afete apenas indiretamente.

Nada disso, entretanto, foi acolhido pelo grupo interministerial que implementa o projeto da rede pública, coordenado pela Secretaria de Comunicação Social. Fechado em si mesmo desde o final do Fórum de maio, dialogando pouco com os setores que o apóiam, o grupo vem se concentrando exclusivamente na montagem da TV Brasil, em molde de rede anacrônico, autoritário e irrealista. Não considerou a sério a proposta do operador de rede público. Sequer defende o agrupamento dos canais no espectro. E ainda resiste à implementação imediata, simultânea à da TV Brasil, dos outros canais públicos criados pelo decreto presidencial 5820/06, que instituiu a TV digital: os canais da educação, da cultura e da cidadania. São justamente esses canais, com a funcionalidade da “multiprogramação” (várias programações diferentes transmitidas por um mesmo canal), que podem abrigar as emissoras públicas hoje confinadas na TV a cabo e atender as demandas reprimidas de conteúdo independente e regional.

Ou seja: o grupo interministerial está cuidando da “sua” TV e deixando todo o resto para depois, para um futuro absolutamente incerto. Quem tem um mínimo de vivência nas questões de política de comunicações sabe que as chances de mudança nessa área são raras, e que condições institucionais como as propiciadas pelo Fórum de maio são irrepetíveis. Portanto, as mudanças desejadas na televisão pública deveriam ser feitas já, agora, neste momento, antes que estréie a TV digital e se feche a janela de oportunidade. Mas o grupo interministerial parece acreditar no mitológico “dia que virá”, o amanhã radioso em que todas as utopias se materializarão por si mesmas, como se não fosse necessário construí-las desde o presente.  E como se não houvesse sucessão de governo no Brasil, não houvessem inimigos da TV pública esperando chegar ao poder para prejudicá-la.

A TV Brasil está se organizando como uma rede de TV em formato convencional, na qual uma emissora central, resultante da fusão da Radiobrás com a TVE do Rio de Janeiro, apresenta-se como “cabeça de rede”, isto é, como grande provedora de programação a outras emissoras, possíveis afiliadas. Oferece seu conteúdo em troca da distribuição de seu sinal, na área de alcance da afiliada. Mantém uma estrutura vertical de organização, produzindo a maioria dos programas que exibirá. De lambuja, oferece alguns espaços aos programas regionais e independentes em sua grade de programação. Recusa, entretanto, a idéia de uma rede horizontal, organizada sem hierarquias entre as emissoras aderentes, com múltiplas formas de compartilhamento de programação, estrutura e serviços.

A TV Brasil organiza-se, em resumo, como a Globo e as demais redes comerciais, cujo formato é a fonte de todos os problemas de centralismo, baixa diversidade e marginalização cultural que a televisão pública combate. Formato anacrônico e autoritário, repita-se. E também irrealista, porque: 1) presume que as emissoras públicas regionais, sob controle de interesses políticos paroquiais, correrão de braços abertos a reforçar uma estrutura federal de comunicação, o que só beneficiaria o governo central. 2) só seriam admitidas na rede emissoras regionais que adotassem o modelo público, livrando-se da ingerência dos governos que as mantêm, o que demandaria um “desprendimento” que esses governos certamente não têm.

Sem dúvida, o maior avanço no projeto da TV Brasil reside na disposição do grupo interministerial em promover uma relativa “desestatização” da nova rede, criando-a sob o modelo de fundação pública de direito privado que a manteria, teoricamente, independente do governo. Essa é uma velha demanda política de todo o campo público da televisão: a de que os canais sejam utilizados para os interesses amplos da sociedade, não as conveniências de governantes. Ao estruturar-se como rede sob efetivo controle público, não-governamental, a exemplo da sempre festejada BBC britânica, a TV Brasil estaria livre de ser TV Lula, ou TV de qualquer futuro governante.

Ocorre que, mesmo nisso, o projeto da TV Brasil vai se equivocando. Delineia-se um modelo em que a emissora seria controlada por um Conselho de Gestão, composto por personalidades nomeadas pelo governo, em vez de representantes de entidades da sociedade civil, por elas indicados. Mesmo as personalidades não poderiam escolher livremente os seus sucessores, sendo substituídas por novos indicados do governo, quando concluíssem seus mandatos. Os diretores da emissora, embora subordinados ao conselho, também seriam nomeados pelo governo. Ou seja: TV pública, “ma non troppo”. Na verdade, TV estatal em versão “light”, supostamente autônoma, mas de fato monitorada.

A medida provisória formalizando o projeto da TV Brasil será editada nas próximas semanas. Ainda há tempo para que a rota seja corrigida. O Ministro Franklin Martins, que comanda o processo, tem a opção diante de si. Pode atirar fora o capital político acumulado em anos de lutas da televisão pública brasileira, que apóia a reforma do segmento, ou pode liderar as profundas mudanças necessárias ao reordenamento dessa área, como se espera dele. Vamos torcer pelo bom senso.

* Gabriel Priolli é jornalista e diretor de televisão. Preside a ABTU-Associação Brasileira de Televisão Universitária

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Reforma tributária: um desafio a mais para o setor de Telecom

Se há uma grande movimentação em torno de uma possível ou não mudança na Lei Geral que conduz os rumos do mercado no País, os executivos da área precisam ficar atentos: A carga tributária, segundo eles próprios, a maior vilã do setor, pode não ter qualquer tipo de benefício, na proposta de Reforma Tributária que está sendo trabalhada de forma mais efetiva nos bastidores do governo. Ao contrário: Os impostos podem aumentar para compensar a queda em outros segmentos.

O alerta partiu do jornaista e colunista Ribamar Oliveira, do Estado de São Paulo, nesta segunda-feira, 13/08. Na sua coluna, Oliveira, com o respaldo do economista Amir Khair, observa que a unificação de impostos através do IVA – Imposto de Valor Adicionado, nas áreas federal – esse IVA substituíria o PIS, Cofins, IPI e Cide – e no Estadual – ICMS e ISS (este municipal, mas englobado na nova legislação), poderá representar um 'susto', nada animador para o contribuinte.

No setor de Telecom, por exemplo, a carga tributária, hoje, avaliada em torno de 45%, a mais elevada do mundo, poderá, inclusive ser ampliada, caso não venha a ocorrer uma mobilização real de todos os atores do setor, fato que, atualmente, não acontece. Os executivos reclamam dos tributos impostos à área, mas não usam o poder de pressão que possuem para tentar negociar alternativas com os governos.

Mobilização pra ontem

O grande problema da Reforma Tributária, como bem avalia o jornalista Ribamar Oliveira, é que, hoje, o contribuinte, responsabiliza os prestadores de serviços – como os de telefonia, de gás e eletricidade – como os grandes vilões dos custos. Eles não percebem que há uma grande carga tributária embutida no preço final dos serviços. Com o IVA, essa questão – as alíquotas que incidem sobre o serviço de telefonia ou de dados, por exemplo, – ficará mais evidenciada, contudo, o preço a ser pago todo mês pode até aumentar.

O governo sabe que não pode perder o montante apurado por esses setores, considerados os pilares da arrecadação financeira por uma forte razão: A sonegação é praticamente impossível. Tanto é assim que em todas as medidas em prol do fim da sonegação, como redução do ICMS proposta pelo Governo de São Paulo, Telecom, evidentemente, que tem uma alíquota de 25%, ficou de fora. E a Secretaria de Fazenda do estado não teve dúvida em afirmar o porquê: Não há sonegação, não há necessidade de mudar o atual processo.

O jornalista Ribamar Oliveira faz uma conta significativa ligada à Reforma Tributária. Os novos IVAs terão que arrecadar o equivalente a 14,7% do Produto Interno Bruto – PIB, ou em 2006, algo em torno de R$ 340,45 bilhões, conforme dados publicados da própria Receita Federal. O ICMS, dos Estados, é o imposto que mais arrecadou – R$ 171,71 bi, vindo logo a seguir a Cofins, com R$ 92,48 bi.

As desonerações fiscais concedidas para determinados segmentos no País terão o seu preço na Reforma Tributária, que passará por uma longa negociação no governo, mas que já é costurada nos bastidores entre políticos e economistas dos governos municipais, estaduais e do Poder Executivo.

As exportações e os produtos da cesta básica podem, e certamente, continuarão sendo beneficiados, mas serviços que sustentam a base de arrecadação, e a telefonia e seus derivados, como a banda larga, deverão continuar sendo bem tributados, até porque, vale relembrar, a sonegação nessas áreas é praticamente inexistente.

Vontade política

Todos os executivos do setor de Telecom gostariam, por exemplo, de ver replicada na área os mesmos benefícios concedidos à indústria de Informática, com a MP do Bem, e ampliado no PAC. Apenas com os benefícios da desoneração do PIS/Cofins – 9,25%, como aconteceu com a indústria produtora de hardware, já poderia trazer significar uma redução de preço final de serviço para o cliente.

O grande problema é que na indústria de TI, a desoneração foi adotada por uma grande motivivação: O combate ao chamado mercado cinza, que dominava integralmente a produção e venda de PCs no Brasil impactando às fábricas legalmente instaladas aqui, que reclamaram e, de certa forma, deram o recado: Era hora de mudar para assegurar a produção local. Ao mesmo tempo, o governo poderia combater a sonegação.

Certo ou não as medidas, até demoraram, mas por fim, vieram.  A indústria comemora e o governo não tem porque reclamar. Nunca se vendeu tanto PC legal neste Brasil como agora. E o mercado cinza, que respondia por mais de 70% do mercado caiu para menos de 35%, e ainda está caindo num ritmo considerável. A arrecadação de imposto formal cresceu, apesar de a Receita Federal não liberar números oficiais. No primeiro semestre deste ano, a Informática foi um dos carros-chefe da produção industrial nacional.

Aqui, mais uma vez, o setor de Telecom esbarra no fato de ser uma área onde a sonegação não existe. As contas precisam ser pagas mensalmente pelo consumidor. E se não há esse problema, qual a razão de mexer com um serviço que garante uma arrecadação sólida, quando há tantos outros com problemas? Sentar à mesa e mobilizar-se como o fizeram os representantes das multinacionais de Informática aqui instaladas. Eles juntaram forças e foram ao governo. Telecom, com tantas questões em vigor, entre elas, a própria consolidação da área, não parece tão unida para ir atrás dessas questões.

Medidas Práticas

Se de fato Telecom quer receber algum benefício de desoneração, não há outra alternativa que não o da mobilização. A área, é bom frisar, só  foi beneficiada no Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, do governo Lula, na questão da TV Digital. Ficou de fora de todos os grandes os projetos de infra-estrutura de longo prazo. Se há de fato o interesse de mudar a questão da tributação, a mobilização é para ontem. As alternativas começam a surgir.

Uma primeira saída, como foi noticiado na Coluna Circuito, da Jornalista Cristina de Luca, publicada aqui no Convergência Digital na semana passada, é o fechamento das PPPs – Parceria Público-Privadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, já há uma PPP destinada à Inclusão Digital.

A presidente da Proderj, Tereza Porto, por exemplo, tratou pessoalmente da regulamentação da PPP para viabilização do projeto "Estado Digital.RJ", que pretende tornar a Internet em banda larga (128 kpbs) acessível gratuitamente aos cidadãos dos 92 municípios fluminenses, utilizando tecnologia wireless. A ideía ganhou força no Rio e já é defendida para outros estados do País.

Os recursos para implementação do projeto serão viabilizados pelas empresas parceiras, que se beneficiarão com a venda de serviços de conexão mais rápida (acima dos 128Kbps gratuitos), além de colaborarem para a inserção da população no mundo da tecnologia.

A idéia como também defendeu o presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, na sua participação na Telebrasil 2007, evento realizado em junho, é que as operadoras entrem com que têm de melhor: Serviços e Tecnologia, e o Estado, com os recursos para viabilizar ofertas de novos serviços para a comunidade.

No caso da Oi, o acordo da operadora foi relativa à área de Segurança, em função dos Jogos Pan-Americanos 2007. A operadora criou uma infra-estrutura tecnológica, a partir de recursos cedidos pelo Estado. Criar um movimento no Congresso Nacional é uma ideía a ser levada adiante.

Existe uma Frente Parlamentar da Informática, coordenada pelo deputado Júlio Semeghini, do PSDB/SP. Cabe, aos representantes do setor seguirem o caminho e também adotar a estratégia criando a Frente Parlamentar das Telecomunicações, afinal, a Reforma Tributária será tema de longos debates no Congresso Nacional nos próximos meses.

Rádio digital: sonho distante

Bem diferente do sucesso de qualidade da TV digital é a situação do rádio digital no Brasil. Os testes realizados pelas emissoras ao longo dos últimos dois anos com o padrão americano In Band on Channel (Iboc) ainda deixam muito a desejar quanto à qualidade.

O maior desafio, no entanto, está na produção de receptores a preços acessíveis no Brasil. Basta lembrar que, nos Estados Unidos, esses aparelhos com tecnologia Iboc são vendidos ao consumidor a US$ 150, mais impostos, o que equivaleria a cerca de R$ 300, sem incluir impostos.

Mesmo supondo que o Brasil venha a conseguir o milagre de fabricar produtos eletrônicos pelo mesmo custo da indústria norte-americana, o preço de R$ 300 ainda seria inacessível para a esmagadora maioria da população. E, levando-se em conta que o Brasil deverá optar por dois padrões – o Iboc para as faixas de AM e FM e o DRM europeu para ondas curtas – o preço final do receptor deverá ser ainda mais alto.

Uma pesquisa feita entre fabricantes mostra que apenas a lista de materiais e componentes de um receptor popular já custa de US$ 60 a 70, ou seja, de R$ 120 a 140, sem incluir as despesas de importação. Se somados todos os custos de produção, como impostos, transformação, distribuição, assistência técnica, margem da indústria e do varejo, o preço final do receptor poderá superar os R$ 450 – o que é um absurdo.

E nesse valor não estão incluídos os royalties de, no mínimo, US$ 6 por receptor a serem pagos à Ibiquity, empresa dona da tecnologia e única licenciadora. Embora o ministro das Comunicações antecipe que não haverá pagamento de royalties, nada está garantido. Por todas essas razões, a previsão do ministro Hélio Costa de receptores digitais a R$ 60 a R$ 70, no varejo, não passa de um sonho.

Além dessa questão, a introdução do rádio digital no Brasil enfrenta dois desafios. O primeiro refere-se ao consumo de bateria tão elevado, com a tecnologia Iboc, o que inviabiliza a produção de receptores portáteis. Os protótipos de rádios portáteis desenvolvidos até aqui consomem a energia da bateria em três ou quatro horas de uso. Por isso, só existem rádios fixos para uso doméstico e receptores para automóveis, com alimentação permanente.

Segundo desafio: diferentemente do que afirma o ministro, ainda não foi inventado nenhum chip ou conversor digital-analógico capaz de permitir a sintonia de emissoras de rádio digitais em receptores analógicos, no padrão Iboc ou outro, à semelhança dos set-top boxes para TV digital.

Active Image O Estado de São Paulo

Democratização da cultura e da comunicação: uma simbiose necessária

Trazer para um encontro os debates sobre a democratização da comunicação e da cultura representa um reconhecimento de que essas duas lutas estão diretamente ligadas de forma que a democratização da cultura depende da democratização da comunicação, assim como a democratização da comunicação, para atingir seu potencial de emancipação, deve estar ligada à democratização da cultura. Com essa perspectiva, vários coletivos militantes pela comunicação e pela cultura estão organizando o 1º Encontro Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura, a ser realizado no mês de outubro em São Paulo.

A cultura é o conteúdo da comunicação. As representações culturais, entendidas como o conjunto de manifestações artísticas (ex: produção musical, audiovisual, literatura) e de manifestações não artísticas que também representam e reportam a sociedade (ex: conjunto da produção da imprensa), constituem a tradução pelo indivíduo de seu conhecimento da sociedade, além de contribuir para a formação de uma compreensão crítica da sociedade pelos interlocutores dessas representações culturais. Os conteúdos dessas representações culturais (artísticas e, nosso recorte, jornalísticas) são limitados pelo limite do conhecimento de seu autor, e pelas escolhas do autor (filtro das referências culturais) que serão feitas conforme a sua visão de mundo.

Como exemplo, não se pode exigir que um escritor do sul possa fazer um romance sobre as comunidades indígenas do norte do país, sem que ele tenha contato com tais comunidades. Da mesma forma, um morador de São Paulo sem acesso a outros meios de informação além da grande mídia dificilmente terá conhecimento sobre a realidade dos conflitos de terra no campo, de forma que não conseguirá formar uma opinião sobre tais conflitos diferente da opinião veiculada pelos meios de comunicação. Esse limite de conhecimento ou de acesso à informação não pode, contudo, ser alegado pelos grandes meios de comunicação. Estes têm potencial de ter acesso e de produzir conteúdo sobre toda a nossa diversidade cultural brasileira, seja tal cultura produzida no campo ou na cidade, entretanto, isso não ocorre porque o filtro de tais meios de comunicação tem sido o filtro do interesse pelo lucro, que prioriza a indústria cultural de massa, homogeneizada, e o filtro da defesa de interesses de uma elite conservadora, que prioriza uma comunicação não participativa, não interativa, e que enxerga o espectador como um indivíduo passivo, que deve apenas receber um conteúdo já formado.

Infelizmente, a produção cultural (manifestações artísticas e jornalísticas) veiculada pela grande mídia hoje é na verdade a reprodução de uma cultura hegemônica, das idéias da cultura dominante. E tais idéias “não são dominantes”, conforme Marilena Chauí, “porque abarcam toda a sociedade, nem porque a sociedade nela se reconheça, mas porque são idéias dos que exercem a dominação”. Nesse sentido, a conseqüência dessa dominação é a falta de conhecimento do povo sobre sua cultura e sua realidade. Se o limite da grande mídia é o filtro da comunicação, o limite da população é a falta de conhecimento, de acesso, assim como a dificuldade de produção e de veiculação de conteúdos produzidos por essa população.

É nesse espaço que se insere a luta pela democratização da comunicação e da cultura, com duas vertentes principais, a democratização do acesso à cultura e à comunicação e a democratização da produção da cultura e da comunicação. Democratizar o acesso significa instrumentalizar o acesso a todo o espectro cultural, que abarca não apenas a cultura hegemônica, mais facilmente acessível em virtude da chamada indústria cultural, mas também a cultura brasileira e latino-americana em toda a sua diversidade e riqueza, já que produzida por coletivos com histórias e características peculiares. A cultura dos movimentos sociais, a cultura dos quilombolas, a cultura indígena, a cultura tradicional, a cultura marginal, a cultura da periferia, a cultura do campo, a cultura urbana, e tantas outras. Democratizar a produção significa dar meios para que essas culturas possam produzir seus próprios conteúdos e divulgar tais conteúdos em outros espaços. Em suma, trata-se de dar acesso e reproduzir o imaginário e a realidade brasileira e latino americana para ajudar na formação de uma consciência crítica da sociedade.

Para que se obtenha a democratização do acesso e da produção da cultura e da comunicação, uma série de medidas deve ser tomada. No campo da comunicação, é necessária a consolidação dos meios de comunicação públicos e privados que sejam democráticos, interativos e que veiculem a produção cultural popular. Nesse sentido, faz-se necessário a implementação de um sistema de tv pública, ora em discussão, que seja controlado pela população e que veicule conteúdos produzidos pela população, assim como se faz necessário a defesa de um modelo de TV Digital que privilegie a participação, a interação e a universalidade do acesso. Com relação ao sistema de TV privado, é preciso que o Estado exerça de forma efetiva a regulação sobre as redes de televisão para que estas busquem efetivamente realizar os objetivos estabelecidos na Constituição de servir à promoção da cultura nacional e regional, de estimular a produção independente, de dar preferência à finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, e de veicular uma produção cultural, artística e jornalística regionalizada. Caso as redes de televisão privadas não sigam tais princípios e assim não atendam ao interesse público, é preciso que o Estado aplique as devidas sanções, inclusive a não renovação das concessões de tais veículos de comunicação. Ainda no campo da comunicação, ressaltamos a importância da liberalização da atuação das rádios comunitárias, que têm grande potencial de desenvolver uma comunicação participativa e regional, conforme os objetivos estabelecidos na Constituição citados acima. Por fim, é importante que o modelo de internet livre e participativa seja mantido, evitando-se a emergência de leis ou proibindo tecnologias que restrinjam a liberdade de utilização do ciberespaço.

No campo da cultura, a luta pela democratização passa pela disputa de um modelo de tutela das obras intelectuais que assegure o livre fluxo, utilização, e recriação das obras intelectuais, ao contrário do atual modelo proprietário que impede o compartilhamento dos conteúdos culturais e que, apesar do pequeno retorno financeiro concedido aos artistas, submetem os artistas e cientistas aos interesses pelos intermediários da produção cultural e científica. Além disso, é importante ressaltar o papel do Estado na promoção de políticas públicas que estimulem o acesso e a produção cultural regional e diversificada.

Dentre as várias medidas propostas para a democratização da cultura e da comunicação, destaca-se a necessidade de conferir a cada indivíduo ou grupo social produtor de cultura o poder de disseminar a sua produção cultural e assim fazer frente à produção massificada. São medidas que visam conferir a esses grupos ou indivíduos iguais possibilidades de produção da comunicação e da cultura, justamente para que eles possam preservar a sua diferença, a sua individualidade. Nas palavras de Boaventura de Souza Santos, “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.

É nesse sentido que o 1º Encontro Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura está sendo organizado e visa, para além da discussão, contar com a colaboração de indivíduos e coletivos que possam juntos levantar a bandeira e fortalecer a luta pela democratização da comunicação e da cultura

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Renan e suas rádios: concessões legais, mas imorais

Reza a sabedoria popular que bater em bêbado é covardia. Pois parece ser isto o que está ocorrendo no episódio envolvendo Renan Calheiros (PMDB-AL). Na noite de quarta-feira, no Jornal da Globo, a poderosa emissora apresentou mais uma denúncia contra o presidente do Senado: os laranjas denunciados em Veja e o filho de Calheiros e prefeito de Murici teriam sido beneficiados pela outorga de concessões de emissoras rádios em Alagoas já no período em que Renan estava sendo investigado no Conselho de Ética. Pior: ele mesmo teria assinado o decreto legislativo beneficiando seu filho.

É preciso entender que as concessões foram aprovadas de maneira absolutamente legal na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado e o nome de Renanzinho inclusive consta do contrato do Sistema Costa Dourada, um dos beneficiários das tais concessões aprovadas em julho. A assinatura de Renan no decreto é mera formalidade, ele não votou nem influenciou na aprovação da concessão, pois isto não é necessário dado o espírito de corpo presente no Senado, como se verá a seguir.

Bater é fácil

Tudo somado, não há ilegalidade alguma no processo, é assim que a coisa sempre foi feita, o que inclusive motivou uma representação do Projor, entidade mantenedora deste Observatório da Imprensa, no Ministério Público Federal contra a autoconcessão de emissoras de rádio e televisão pelo Congresso Nacional.

É também verdade que o caso de Renanzinho não se enquadraria estritamente no modelo contra o qual o OI representou, pois o filho de Renan não é parlamentar. Mas é óbvio que a concessão em questão é uma grande imoralidade, embora não tenha havido ilegalidade alguma. Se a representação do Projor surtir efeito, o Congresso deverá mudar a legislação e criar barreiras para o chamado "coronelismo eletrônico" – os políticos que se aproveitam da mídia para alavancar suas carreiras.

Tudo isto dito, a verdade é que Renan virou o bêbado da briga. Todo mundo agora tem coragem de dar um cascudo no presidente do Senado. Se a TV Globo for séria, tem a obrigação de revelar ao distinto público os nomes dos políticos que têm concessões das chamadas "afiliadas", que retransmitem a programação global Brasil afora… Bater em bebum é fácil, difícil mesmo é fazer bom jornalismo.

Active Image Observatório da Imprensa.