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A liberdade de imprensa entendida como um dever

Segundo de uma série de quatro artigos sob o título geral "A imprensa e o dever da liberdade – A responsabilidade social do jornalismo em nossos dias"

Não há razoabilidade, como já ficou demonstrado, em supor que a liberdade de imprensa deva se condicionar à inexistência de erros. Ela não é uma recompensa que se outorgue aos veículos que acertam ou um privilégio que se interdite aos que erram; é, sim, premissa inegociável para a prática do jornalismo, seja ele bom ou ruim. A ninguém no governo pode caber a tarefa (ou a veleidade) de melhorar (ou de pretender melhorar) o nível do jornalismo. Isso não faz sentido.

Desde que o governo, qualquer que seja ele, não atrapalhe, o jornalismo, qualquer que seja ele, pode se dedicar a se aprimorar – e ele só melhora quando cumpre o seu dever de ser livre. Dever: esta é a palavra. Fala-se muito no dever da verdade, e com razão. Fala-se na fidelidade com que se devem reportar os fatos e o debate das idéias, também com razão. Mas a busca da verdade factual começa pela busca da verdade essencial do jornalismo, cujo nome é liberdade. Esta é a verdade interior que o anima e, sem cultivar sua verdade interior, ele seria incapaz de divisar a verdade que lhe é exterior. O profissional do jornalismo não pode admitir – nem a sociedade pode admitir que ele admita – a hipótese de que o exercício do jornalismo não seja livre, afirmativamente livre.

Ser livre é um imenso desafio, o maior de todos. A liberdade não é apenas letra. Ela só existe se for exercida de fato, por meio da visão crítica, do rigor, da objetividade, na obstinação por tornar públicas as informações que o poder preferiria ocultar. A liberdade floresce mais no conflito que no congraçamento, tanto que alguns a confundem com a mera falta de educação – o que também é uma forma de rebaixá-la. De um modo ou de outro, por um caminho ou por outro, ela precisa ser explícita, ostensiva mesmo, pois disso depende a confiabilidade, a credibilidade e a autoridade da imprensa. Se não reluzir na liberdade quente, a imprensa morre.

Cânones da ética

Quanto à responsabilidade, esta não deve ser entendida como um contrapeso da liberdade. Ao contrário, a liberdade é a maior e a primeira das responsabilidades do jornalismo. O resto vem depois: justiça, equilíbrio, ponderação, elegância etc. As chamadas virtudes do ofício existem para sustentar seu bem maior, a liberdade. Ela é a virtude-mãe, diante da qual as demais são acessórias.


Nem mesmo o apartidarismo, um cânone da boa prática de imprensa, é para o jornalista um imperativo tão alto quanto o de ser livre. O apartidarismo é uma exigência? Sem dúvida, é uma exigência – mas apenas porque reforça o primado da independência editorial, que está na base da qualidade da informação. Isso significa que uma revista ou um jornal têm todo o direito de apoiar abertamente uma causa partidária, desde que não o faça com dinheiro fornecido pelos cofres públicos – nesse caso, teríamos o erário financiando uma legenda em detrimento de outras, o que configuraria uma forma de uso da máquina pública para fins partidários ou pessoais.

Essa distinção não é menor. Basta ver que uma emissora de TV ou de rádio, sendo concessão pública, sofre – e deve sofrer – restrições que a impedem de promover editorialmente uma candidatura a cargo público, por exemplo, pois os serviços públicos não devem se prestar à promoção partidária, o que também caracterizaria uma forma de apropriação privada de serviços públicos. Quanto a um veículo impresso ou eletrônico que não seja concessionário da administração pública, este pode, dentro da sua esfera de liberdade, lançar apelos para que seus leitores se filiem a uma campanha ou mesmo que votem num determinado candidato.

Claro que, no plano ético, não se deve burlar o pacto de comunicação com o público. Para o seu próprio bem, não é recomendável que uma publicação dissimule o seu conteúdo, fingindo que está veiculando uma coisa – informação objetiva – para entregar outra – proselitismo. Agindo assim, além de ameaçar a si mesma com o risco do descrédito, ela macularia as bases da instituição da imprensa. Fora isso, no plano da legalidade ou da normalidade institucional, um veículo impresso pode muito bem exercer a sua liberdade abraçando uma bandeira que o identifique com um determinado partido, num determinado momento.

Assumirá o risco: se o seu gesto deixar a impressão de que renunciou à sua própria liberdade para se converter num apêndice de uma agremiação ideológica, a perda de credibilidade virá. Esse veículo terá jogado no lixo a razão pela qual um dia mereceu o respeito do público, mesmo daquele público que, eventualmente, concorde com as causas que ele abraçou. De resto, o apoio a uma causa de um partido, num momento delimitado, não significa partidarismo, mas, é bom ter claro, até mesmo a prática ou a aparência de prática do partidarismo, que contraria um dos cânones da ética de imprensa, só é um problema para o jornalismo porque implica a renúncia da liberdade – esse sim, o valor maior.

Direito e dever

Em resumo, a liberdade não funciona como redoma, um manto protetor que acolhe maternalmente os profissionais, livrando-os de cobranças, de julgamentos e condenações. Liberdade não é impunidade, mas um fator que impele o jornalista a se expor a julgamentos e punições. É uma bandeira que a imprensa tem o dever de empunhar, por mais que isso lhe custe – e custa. Quando negocia algumas de suas franjas, ainda que mínimas, ela deixa de ser imprensa e se converte na sua pior negação, traindo suas origens passadas e turvando o seu futuro.

Para o jornalista, exercer a liberdade é um dever porque, para o cidadão, ela é um direito. Para que este possa contar com o respeito cotidiano ao seu direito à informação, o jornalista não pode abrir mão do dever da liberdade.

Concessões de radiodifusão: antes de democratizar, moralizar

"É um assunto importante demais para ser decidido entre quatro paredes", disse o ministro Franklin Martins (da Comunicação Social) na sexta-feira (28/9). Referia-se à necessidade de um amplo debate sobre o atual sistema de concessões de radiodifusão, reconhecidamente desatualizado, precário e injusto. 

O vencimento, na sexta-feira (5/10), das concessões recebidas por entidades que controlam as redes Globo, Record, Bandeirantes, Gazeta e Cultura é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. O ministro tem razão, é preciso desentocar a questão das concessões de canais de rádio e TV, mas quem amarra o debate e impede que se transforme em mudança tem nome e endereço: o Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Brasília, DF.

Pela Constituição cabe ao Congresso decidir sobre as concessões, depois dos pareceres técnicos do Executivo. O Congresso não é uma entidade abstrata, é integrado por partidos, e os partidos têm programas, compromissos, interesses e representantes. O vetor capaz de empurrar o Congresso na direção de mudanças são as maiorias – na Mesa Diretora das duas Casas, nas comissões técnicas e nos plenários.

O debate público desejado pelo ministro Franklin Martins ainda não aconteceu simplesmente porque o Congresso e as maiorias que o controlam são beneficiários de um sistema viciado de privilégios que ninguém tem a coragem de denunciar e combater.

Forças da resistência

A democratização das concessões de radiodifusão passa antes por uma aberração que não é propriamente política, é moral: o parlamentar que autoriza concessões públicas não pode ser ao mesmo tempo um concessionário. Legislar em causa própria é quebra de decoro.

Calcula-se que metade dos congressistas é concessionária direta ou indireta do sistema de radiodifusão. A dificuldade em quantificar a anomalia e coibi-la decorre justamente do abuso de laranjas, formais ou informais.

A mácula das concessões nunca foi escondida, não está confinada entre quatro paredes: o programa Observatório da Imprensa na TV já dedicou ao assunto quatro edições completas, o material publicado por este portal em seus 11 anos de existência daria para completar um tratado sobre desvios de conduta parlamentar [ver remissões abaixo]. A Folha de S.Paulo já produziu impressionantes levantamentos sobre as irregularidades no sistema de concessões. Nada aconteceu, nada mudou.

O Instituto Projor (mantenedor do projeto Observatório da Imprensa) entregou em 2005 à Procuradoria Geral da República (PGR) um minucioso cruzamento de dados comprovando que mesmo integrantes da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), encarregada de verificar as concessões, são concessionários de radiodifusão. A PGR recebeu a contribuição, agradeceu, examinou o estudo ao longo de dois anos e… arquivou. Promete usá-lo oportunamente. Esqueceu que ao Ministério Público também cabe iniciar ações em nome da sociedade.

Este nova omissão do Poder Público na questão das concessões dá a dimensão das forças que resistem às mudanças. Este é um lodaçal que ninguém tem a coragem de sanear.

Imperativo político

Não são as redes de TV que se agarram ao status quo, são os parlamentares-concessionários. "Franciscanos" ou assumidos coronéis eletrônicos, nenhum congressista vai abdicar de uma vantagem que lhe rende tanta "sustentabilidade" (leia-se votos, poder e dinheiro).

Quando o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso, então presidido pelo jurista José Paulo Cavalcanti Filho, ganhou alguma desenvoltura para colocar em pauta a questão da concentração da mídia [ver aqui a transcrição dos debates no CCS], que logo desaguaria nas concessões de radiodifusão, o manda-chuva do Senado, José Sarney, conseguiu desarticular o Conselho e colocou na presidência o seu parceiro especializado, Arnaldo Niskier.

Acreditar que o PT ou algumas de suas alas estão efetivamente interessados em mexer no sistema de concessões equivale a acreditar na possibilidade da Câmara Federal aprovar uma reforma política. Mais fácil será intensificar a cruzada pela "democratização dos meios de comunicação" que jamais sairá do papel, mas terá grande serventia para manter a mídia na defensiva.

A mudança no sistema das concessões é um imperativo político e moral. Para ser bem sucedida, deve ser encarada sob estes dois aspectos. Avanços democráticos não podem acontecer em ambientes marcados pela bandalheira.

Active Image Observatório da Imprensa

Conferência Preparatória: comunicações em debate

Nos dias 17, 18 e 19 de setembro de 2007, no Congresso Nacional, foi realizada a Conferência Nacional Preparatória de Comunicações, organizada pelas Comissões de Ciência e Tecnologia da Câmara e do Senado, pelo Ministério das Comunicações e pela Agência Nacional de Telecomunicações. Tais instituições se reconheceram como responsáveis pela promoção de um debate para o setor.

A cerimônia de abertura veio acompanhada de faixas clamando pela convocação da Conferência Nacional de Comunicação, com etapas municipais e estaduais, dotada de caráter deliberativo, nos moldes das conferências já realizadas pelo Estado em outros setores. Esse fato em si já marca as divergências que iriam permear as pretensas discussões sobre uma nova política para a convergência tecnológica e o futuro das comunicações no evento.

Ressalte-se ainda a promessa de que as propostas ali feitas seriam devidamente encaminhadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal a fim de se chegar ao aperfeiçoamento do quadro regulatório brasileiro, diagnosticado, à unanimidade, como ultrapassado.

Abaixo, alguns dos pontos mais significativos das palestras (ressaltando-se que houve abertura para perguntas e respostas por parte dos palestrantes, mas não um debate entre os pontos de vista deles).

Integrado na sociedade da informação, o Brasil é regido por uma Constituição Federal que prima pela pluralidade de mídias e pela valorização da cultura nacional. Assim, sendo a comunicação um direito constitucional e a tecnologia um meio para o seu exercício, não se pode abrir mão de uma política solidária, participativa e colaborativa entre Governo, operadores do setor e os cidadãos (reputados, no evento, como meros usuários, e não, como deveriam ser designados, agentes co-formuladores das políticas públicas).

Destaque-se a fala do Senador Wellington Salgado (PMDB-MG) no sentido de que a comunicação é um setor estratégico, que depende das tecnologias de informação, compostas pelas dimensões tecnológica, econômica e social-cultural; ou seja, do posicionamento de Salgado, podemos concluir que, se há uma grande insegurança em relação aos passos a serem dados, o debate entre todos os atores é indispensável, até mesmo porque todas as dimensões anteriormente citadas devem ser contempladas e concretizadas quando da tomada de decisões.

Franklin Martins, Ministro da Secretaria de Comunicação Social, corroborou tais afirmações. Segundo ele, é necessário formular um marco regulatório que dê conta das revoluções tecnológicas, possibilitando a democratização das comunicações, a inclusão digital e um maior acesso aos bens da informação. Segundo Martins, o Congresso Nacional seria o lugar ideal para o debate democrático entre todos os setores interessados por estar melhor aparelhado para tanto.

O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, ressaltou que o Congresso Nacional é o fórum competente para que uma nova política de comunicações seja estudada e implementada. Firmando a promessa de uma Conferência de Comunicação daqui a um ano, reunindo as sugestões votadas nas etapas regionais, Costa destacou: a licitação da telefonia móvel de terceira geração (com a qual 1.800 Municípios serão beneficiados, contribuindo para a concretização da inclusão digital); a TV Digital, como instrumento de democratização das comunicações em razão da multiprogramação, interatividade e portabilidade; a necessidade de expansão do acesso à Internet (menos de 20% dos brasileiros têm acesso hoje), admitindo-se a assimetria regulatória temporária para essa finalidade; a tecnologia Wi-Max (Internet sem fio); a premência de revisão da Lei Geral de Telecomunicações, já com 10 anos; a necessidade de se atribuir um código de identificação aos usuários de telecomunicações; e, finalmente, a primeira utilização do FUST (com um total de R$ 5 bilhões) para o atendimento de deficientes auditivos (verba de R$ 7 milhões).

Os deputados federais Walter Pinheiro (PT-BA) e Jorge Bittar (PT-RJ) foram incisivos quanto à necessidade da convocação imediata da Conferência Nacional com caráter deliberativo a fim de que sejam formulados marcos regulatórios democráticos que levem em conta o perfil da radiodifusão (hoje, serviço ponto-multiponto) e das telecomunicações (hoje, serviço ponto a ponto) em um mundo de convergência tecnológica (voz, dados e vídeo podem ser transportados livremente pelas redes). Para isso, seria necessário rever as barreiras regulatórias dado que as barreiras tecnológicas já não existem mais (conceito de neutralidade tecnológica).

Ademais, será preciso que o conteúdo dê conta desse novo cenário, buscando-se responder a algumas indagações: como ficará a produção de conteúdo? Qual seria a melhor maneira de se disciplinar a distribuição de conteúdo? Um ambiente de convergência tecnológica não regulado poderia provocar o fenômeno da verticalização, em que qualquer um que conte com a tecnologia possui capacidade para prestar o serviço. Dessa maneira, não se pode mais ter uma regulação baseada na tecnologia/plataforma de prestação do serviço. O parâmetro passa a ser o próprio serviço prestado.

O conselheiro da Anatel, Pedro Ziller, destacou, nessa esteira, a dificuldade de se fazer regulação e resolução administrativa diante dos novos desafios quando vivemos uma época de judicialização de muitas questões em razão dos variados conflitos de interesse. Exemplo disso foi a polêmica instaurada com a licitação da telefonia móvel de terceira geração.

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações, somente o Serviço Telefônico Fixo Comutado, por ser serviço público prestado em regime de direito público, está sujeito às obrigações de continuidade e universalização. O Serviço Móvel Pessoal, serviço público prestado em regime de direito privado, não teria tais características. A Anatel, contudo, almejando a universalização da telefonia móvel e a inclusão digital, de forma perspicaz, elaborou um Edital, que respeita os parâmetros legais e constitucionais, e alcança tal desiderato: cobra-se parte do preço em dinheiro e a outra parte deve ser paga na forma de universalização do serviço.

Consegue-se, assim, atingir a finalidade e o interesse públicos sem que seja necessário fazer alteração legislativa, o que atrasaria imensamente tal objetivo. Viu-se um uso absolutamente inteligente do marco legal atual. Podemos até dizer que a Anatel demonstrou dispor de um “jeitinho brasileiro” para resolver problemas; contudo, fê-lo de forma absolutamente conforme aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput, da CF/88).

Dentre pontos altos em relação ao cenário internacional, podemos pinçar a menção a uma possível Autoridade Européia de Regulação. O representante da União Européia (UE) no Brasil, Paulo Lopes, ressaltou que a convergência ocorreu na UE em 2.002 e que a regulação deve servir apenas para suprir falhas de mercado (evitando-se a super Regulação). Há critérios para se identificar mercados com falhas, tendo a Comissão da UE poder de veto sobre as autoridades locais. Ademais, até 2.012, estará completa a transição da TV Analógica para a TV Digital na UE.

Revisa-se o quadro regulatório europeu desde 2.005 (com mais de 200 contribuições). Na regulação do setor audiovisual, a Diretiva “TV sem fronteiras” está sendo revista, tendo sido elaborada a Diretiva “Mídias Audiovisuais”, prevendo um percentual para conteúdo eminentemente europeu.

De 50 canais de TV em 1.989, a UE passou a ter mais de 1.500. Os usuários passam a poder consumir conteúdos conforme seus interesses pessoais – serviços on-demand, havendo uma divisão entre serviços lineares (comando do usuário) e não-lineares (comando da empresa). Faz-se necessário, segundo Paulo Lopes, equilibrar objetivos de interesse econômico com o interesse público, sendo imprescindíveis quadros estáveis e pró-competitivos.

Interessante também foi o comentário de que a Internet constitui a materialização do art. 19 da Carta de Direitos da ONU, que consagra o direito ao recebimento e transmissão de informações sem fronteiras geográficas. Se a convergência é a solução para isso, deve ser transformada em oportunidade.

Luiz Carlos Delorme Prado, representando o CADE, chamou a atenção do público para o surgimento de novos mercados relevantes (produtos que concorrem no mesmo segmento) e dos riscos de concentração. Se competir estimula a inovação, é preciso preservar a concorrência entre os players e, nesse cenário convergente, quando o modelo anterior ainda sobrevive, a análise das autoridades da concorrência deve ser feita considerando o poder de mercado no segmento individualizado e também de forma integrada/convergente. As garantias de preço e de bem-estar devem coexistir.

Ponto alto do evento, a apresentação do professor Murilo Ramos (FAC-UnB) versou sobre a história da construção e a contemporaneidade das tensões políticas presentes no capítulo da Comunicação Social na Constituição Federal de 1.988. Relatando o embate das forças desse setor envolvidas na Constituinte, concluiu que as divergências foram mais expressivas nessa área do que em outras Comissões. A questão fundamental seria a regulação brasileira nos moldes de democracias consolidadas, que compreendem a radiodifusão como setor passível de regulação.

O representante da ABRAPPIT (Associação Brasileira dos Pequenos Provedores de Internet e Telecomunicações) ressaltou que telecomunicações (gênero) são insumo para qualquer atividade econômica. A tecnologia não seria boa, má ou neutra. O que importa é sua aplicação. A tecnologia Wi-Max, por exemplo, pode ter uma aplicação que resulte em resultados bons ou maus para o setor dos pequenos empresários. No Peru, resolveu-se a questão da transmissão do sinal mesmo em relevo acidentado por meio de um estudo realizado pela Anatel para a freqüência 450 MHz; sendo que, no Brasil mesmo, ainda não houve tal implementação. O agronegócio, por causa disso, vem perdendo a oportunidade de melhor se desenvolver em razão do sinal que não é acessível na zona rural.

Outros palestrantes trouxeram à tona as discussões sobre a TV Pública Brasileira (fruto das discussões do Fórum Nacional de TVs Públicas) e sobre a TV Digital (decisão política que envolve aspectos tecnológicos, segundo Marcelo Bechara). Por esta última, pretende-se fazer a Governança Eletrônica na Internet pois a TV tem maior penetração nos lares do que os computadores. Ressalte-se que Rádio e TV são os últimos meios de comunicação a se digitalizarem. A transição da TV Digital, com multiprogramação, portabilidade e interatividade, está programada para ser concluída em 10 anos.

Segundo Marcelo Bechara, Consultor Jurídico do Ministério das Comunicações, além da convergência tecnológica, funcional, econômica, geográfica e política, é preciso que a convergência também ocorra do ponto de vista social, sendo essa a importância da Conferência Preparatória de Comunicações.

Celso Schröreder, representante do FNDC, ressaltou que é necessário “abrir a caixa preta da TV brasileira”. Há uma demanda social por conteúdo, que não se esgota na visão de negócio. É preciso, segundo ele, subordinar a economia e a tecnologia à cultura, fazendo-se consultas em bases democráticas quando da tomada de decisões. Não se pode abrir mão da esfera pública (incluindo a oitiva dos Conselhos Municipais de Comunicação e do Conselho de Comunicação Social). A mídia, por vezes, constitui-se como um desserviço prestado à Nação, que dispõe de meios de comunicação partidarizados.

A ABPITV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão) fez uma ressalva importante no sentido de que, hoje, os próprios canais produzem o seu conteúdo; ou seja, a TV Aberta é “fechada”.

Foram relatados os modelos de Cidades Digitais (redes comunitárias geridas de acordo com os interesses locais, universalizando-se o acesso em banda larga por meio de investimento público, privado ou misto). Tiradentes-MG, por exemplo, teve grande impacto no desenvolvimento econômico a partir dessa experiência.

Uma Associação ligada à telefonia móvel destacou que esse setor vai concentrar a convergência tecnológica, sendo que a velocidade do processamento e a largura da banda irão aumentar até que se chegue à tecnologia em “real time”. Segundo esse painel, universalizar as comunicações somente por meio do STFC ficou ultrapassado pois, se o cidadão pode usar um celular, não iria se dispor a usar um TUP (Telefone de Uso Público, vulgo “orelhão”).

Depois de viajar por tantas constatações, modelos e idéias, podemos concluir que, em um ambiente de inexorável/inevitável convergência digital, a delimitação das competências institucionais (funções do Poder Legislativo, Ministério das Comunicações e Agência Nacional de Telecomunicações) também restará fluida. Sendo assim, o que importa, em termos de formulação de políticas públicas, marcos regulatórios e de tomada de decisões, é reunir a esfera pública, com sua pluralidade e diversidade de idéias e projetos, a fim de que todos sejam cúmplices (e igualmente responsáveis por) de um futuro – nebuloso, incerto, imprevisível – que temos de “enquadrar”/“moldar” conforme as opções explícitas da CF/88, materializada e reformulada diariamente no debate plural e democrático dos cidadãos, e que se espera seja feito brevemente na Conferência Democrática de Comunicação.

* Marana Costa Beber Stefanelo é procuradora federal e mestranda em Direito na UnB

Creative Commons: uma solução criativa

O Creative Commons é um projeto de licenciamento baseado integralmente na legislação vigente sobre os direitos autorais. As licenças do Creative Commons permitem que criadores intelectuais possam gerenciar diretamente os seus direitos, autorizando à coletividade alguns usos sobre sua criação e vedando outros. Ele é um projeto voluntário: cabe a cada autor decidir por seu uso e qual licença adotar. Existem várias modalidades de licenciamento, desde mais restritas até mais amplas. A licença mais utilizada do Creative Commons não permite o uso comercial da obra. A obra pode circular legalmente, mas quando utilizada com fins comerciais (por exemplo, quando toca no rádio ou na televisão comerciais), os direitos autorais devem ser normalmente recolhidos. Essa licença possibilita a ampla divulgação da obra, mas mantém o controle sobre sua exploração comercial.

O projeto tem sido criticado recentemente por representantes das sociedades que fazem a arrecadação e distribuição de direitos autorais, como a UBC (União Brasileira dos Compositores) ou o Ecad. Tais críticas são compreensíveis. Essas sociedades vivem há muito tempo uma crise de legitimidade de duas naturezas: interna e externa. Interna porque precisam conviver com a insatisfação permanente de seus próprios membros. Apesar do aumento significativo da arrecadação do Ecad (de 112 milhões em 2000 para 260 milhões de reais em 2006), esses recursos ainda não chegam adequadamente à maioria dos autores.Quando chegam, isso ocorre após a dedução de taxas de administração que não são estabelecidas pelo mercado, mas arbitradas, já que o Ecad detém o monopólio sobre sua função.

A segunda crise de legitimidade é externa. Com o surgimento da cultura digital, o número de pessoas que passaram a criar obras intelectuais multiplicouse enormemente. Enquanto isso, todas as sociedades arrecadadoras do mundo, quando reunidas, representam menos de 3 milhões de autores. É muito pouco. Esse baixo número de representados contrasta com o crescente número de novos criadores na era digital, ansiosos por modelos inovadores de gestão e exploração das suas obras.

O Creative Commons ajuda a atender parte desses anseios e por isso é criticado. Já as sociedades arrecadadoras, por sua vez, permanecem com um grave dilema institucional. Ao verificar o estatuto do Ecad, por exemplo, nota-se que o poder de voto dentro da instituição é dado de acordo com o volume de recursos arrecadados por suas sociedades-membro no ano imediatamente anterior. Ou seja, quem arrecada mais dinheiro tem mais voto. É uma representatividade não de pessoas, mas de poder econômico (em vez de democracia, plutocracia). Isso praticamente inviabiliza o surgimento de novas associações de autores. Especialmente associações que reúnam a nova geração de músicos, por natureza arredios à ineficiência, à burocracia e à ausência de transparência.

Quando um artista licencia sua obra através do Creative Commons, ele não abdica de maneira alguma dos direitos sobre ela. Ele permanece a todo momento como dono da totalidade dos direitos sobre a sua criação. Essa situação é diferente, por exemplo, do modelo em que criadores intelectuais transferem a totalidade dos seus direitos para um intermediário. Nessa situação, sim, o criador deixa de ser o dono de sua obra. A partir desse momento, nada mais pode fazer com ela. É inegável que autores e criadores têm o direito de optar sobre como explorar sua obra. Mas é claramente do seu interesse poder conjugar a manutenção dos seus direitos com a distribuição e exploração de suas obras. Quando um grupo musical como o Mombojó licencia suas músicas através do Creative Commons, isso não impede — se o grupo assim desejar — o lançamento de disco com essas músicas por uma gravadora. Ao contrário, maximiza o alcance da sua criação, legalmente, enquanto preserva o controle sobre sua exploração econômica.

Esse é apenas um dos caminhos que os criadores da nova geração estão interessados em trilhar. O desafio é inventar novos modelos, gerando formas de sustentabilidade econômica mais eficientes e democráticas para a criação intelectual, mais adequados à nova realidade digital. Trata-se de um desafio para toda a sociedade.O Ministério da Cultura tem sido elogiado no Brasil e no mundo por ter abraçado essa discussão, incentivando a busca de soluções criativas para seus impasses. Por causa desse pioneirismo, o ministro Gilberto Gil realizou o discurso de abertura da assembléia geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual em Genebra no ano passado, convite raro para autoridades brasileiras.

O Creative Commons responde apenas por permitir algumas possibilidades de experimentação, que já foram adotadas por muitos artistas zelosos de seus direitos. Apesar de voluntário, hoje existem cerca de 150 milhões do obras licenciadas através do projeto. Ao mesmo tempo, seu escopo vai muito além das obras musicais. Um dos seus aspectos mais importantes é o chamado Science Commons, que fortalece e amplia a disseminação do conhecimento científico. Assim, o Creative Commons demonstra que, nesta época de grande autonomia gerada pela tecnologia digital, é possível que o direito autoral seja exercido diretamente, e com grande facilidade e praticidade, pelos autores e criadores, e não apenas através de intermediários.

* Ronaldo Lemos é diretor do Creative Commons no Brasil

A mídia em debate: a necessidade de uma nova imprensa

O deputado federal Ciro Gomes (PSB) foi certeiro ao definir a importância do holofote no comportamento político da oposição, em entrevista concedida à revista Imprensa, em dezembro de 2005. Em meio a crises que pareciam anunciar novos retrocessos político-institucionais, o então ministro da Integração Nacional diagnosticou com precisão: “eu participo da vida pública brasileira há 30 anos e é a primeira crise pautada por garotos alucinados por aparecer na televisão. E eles estão tocando a República! Eu acompanho a CPI, vejo parlamentares que olham para a câmera e dizem: "senhor presidente, senhores deputados, senhores depoentes e senhores telespectadores"! O que é isso? Os excessos são mais prováveis, pois há uma sensação de que as informações são descartáveis. Só que não é bem assim, há valores imateriais fundamentais em jogo e eu gostaria de ressaltar aqui a importância da linguagem".

Dois anos se passaram, os atores fizeram novas oficinas, ensaiaram textos no plenário, armazenaram informações, mas, a julgar pelos resultados, a teatralização da política não logrou os resultados esperados. A construção de representações sociais dominantes não obteve o êxito habitual. A velha mídia não descobriu o novo público. E foi aí que começou a história de sua coleção de derrotas.

Alguma fratura travou o espetáculo. Ao contrário das últimas décadas, produções como o " Mensalão", " Aloprados" e " Apagão Aéreo" se tornaram, passado o impacto inicial, fracassos de crítica e de público. Organizaçôes Globo, Civitas, Mesquitas e outros barões da imprensa brasileira parecem não ter acertado a mão, e o resultado são melancólicos folhetins sem qualquer vestígio de arte. Farsas baratas para produções que exigiram vultuosas somas e transformismos colossais.

Péssima direção e elenco de baixíssimo nível? Certamente, mas isso não é tudo. Nem sempre basta a imagem como critério da história. Às vezes, a trama, por mais recurso visuais que disponha, requer retórica convincente. Sem ela, inexiste a legitimação que precede o êxtase, e o plano que oculta o golpismo latente das elites se torna se torna visível demais.

A crença em um desmesurado poder manipulatório da mídia revela indigência de análise. O espetáculo só é possível porque a produção simbólica não se esgota em seu campo. Como destaca Silverstone, a circulação de significados, sua rica intertextualidade, não faz do senso comum um alvo passivo de versões deliberadamente distorcidas. Ele também produz, significa a partir de mediações da sua própria vida concreta. Não auscultar seu cambiante sistema simbólico custa caro aos pretensos “formadores de opinião”.

Em suma, o êxito de qualquer projeto ideológico depende de profunda afinidade eletiva entre produtores-consumidores e consumidores-produtores de bens simbólicos. Sem troca não há fluxo eficaz. O que a grande imprensa ignorou – e parece continuar ignorando – é a crescente organização da sociedade civil. Sua capacidade de não só recusar a narrativa oferecida, como construir uma eficiente articulação contra-hegemônica. A mídia se perdeu de si mesma quando acreditou que seus estatutos de verdade eram imunes a qualquer alteração substantiva da formação social onde pretende interferir.

Cabe ao campo democrático-popular não alimentar ilusões. Se os meios de comunicação são fatores centrais e constitutivos de uma nova esfera pública em formação, não se deve esperar conversões éticas de uma imprensa cuja estruturação está umbilicalmente ligada ao destino de conhecidas oligarquias. Trabalhar com contradições internas do campo comunicativo existente é uma aposta fadada ao fracasso. Com a experiência acumulada em veículos como Carta Maior, Caros Amigos e Brasil de Fato, entre tantos outros, talvez tenha chegado a hora de investir em um grande jornal de esquerda. Como viabilizá-lo operacionalmente não cabe no espaço desse artigo, mas com a massa crítica acumulada já passou da hora. Essa é a questão central da democracia brasileira. Precisamos inventar a imprensa democrática.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.

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