Conferência Preparatória: comunicações em debate

Nos dias 17, 18 e 19 de setembro de 2007, no Congresso Nacional, foi realizada a Conferência Nacional Preparatória de Comunicações, organizada pelas Comissões de Ciência e Tecnologia da Câmara e do Senado, pelo Ministério das Comunicações e pela Agência Nacional de Telecomunicações. Tais instituições se reconheceram como responsáveis pela promoção de um debate para o setor.

A cerimônia de abertura veio acompanhada de faixas clamando pela convocação da Conferência Nacional de Comunicação, com etapas municipais e estaduais, dotada de caráter deliberativo, nos moldes das conferências já realizadas pelo Estado em outros setores. Esse fato em si já marca as divergências que iriam permear as pretensas discussões sobre uma nova política para a convergência tecnológica e o futuro das comunicações no evento.

Ressalte-se ainda a promessa de que as propostas ali feitas seriam devidamente encaminhadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal a fim de se chegar ao aperfeiçoamento do quadro regulatório brasileiro, diagnosticado, à unanimidade, como ultrapassado.

Abaixo, alguns dos pontos mais significativos das palestras (ressaltando-se que houve abertura para perguntas e respostas por parte dos palestrantes, mas não um debate entre os pontos de vista deles).

Integrado na sociedade da informação, o Brasil é regido por uma Constituição Federal que prima pela pluralidade de mídias e pela valorização da cultura nacional. Assim, sendo a comunicação um direito constitucional e a tecnologia um meio para o seu exercício, não se pode abrir mão de uma política solidária, participativa e colaborativa entre Governo, operadores do setor e os cidadãos (reputados, no evento, como meros usuários, e não, como deveriam ser designados, agentes co-formuladores das políticas públicas).

Destaque-se a fala do Senador Wellington Salgado (PMDB-MG) no sentido de que a comunicação é um setor estratégico, que depende das tecnologias de informação, compostas pelas dimensões tecnológica, econômica e social-cultural; ou seja, do posicionamento de Salgado, podemos concluir que, se há uma grande insegurança em relação aos passos a serem dados, o debate entre todos os atores é indispensável, até mesmo porque todas as dimensões anteriormente citadas devem ser contempladas e concretizadas quando da tomada de decisões.

Franklin Martins, Ministro da Secretaria de Comunicação Social, corroborou tais afirmações. Segundo ele, é necessário formular um marco regulatório que dê conta das revoluções tecnológicas, possibilitando a democratização das comunicações, a inclusão digital e um maior acesso aos bens da informação. Segundo Martins, o Congresso Nacional seria o lugar ideal para o debate democrático entre todos os setores interessados por estar melhor aparelhado para tanto.

O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, ressaltou que o Congresso Nacional é o fórum competente para que uma nova política de comunicações seja estudada e implementada. Firmando a promessa de uma Conferência de Comunicação daqui a um ano, reunindo as sugestões votadas nas etapas regionais, Costa destacou: a licitação da telefonia móvel de terceira geração (com a qual 1.800 Municípios serão beneficiados, contribuindo para a concretização da inclusão digital); a TV Digital, como instrumento de democratização das comunicações em razão da multiprogramação, interatividade e portabilidade; a necessidade de expansão do acesso à Internet (menos de 20% dos brasileiros têm acesso hoje), admitindo-se a assimetria regulatória temporária para essa finalidade; a tecnologia Wi-Max (Internet sem fio); a premência de revisão da Lei Geral de Telecomunicações, já com 10 anos; a necessidade de se atribuir um código de identificação aos usuários de telecomunicações; e, finalmente, a primeira utilização do FUST (com um total de R$ 5 bilhões) para o atendimento de deficientes auditivos (verba de R$ 7 milhões).

Os deputados federais Walter Pinheiro (PT-BA) e Jorge Bittar (PT-RJ) foram incisivos quanto à necessidade da convocação imediata da Conferência Nacional com caráter deliberativo a fim de que sejam formulados marcos regulatórios democráticos que levem em conta o perfil da radiodifusão (hoje, serviço ponto-multiponto) e das telecomunicações (hoje, serviço ponto a ponto) em um mundo de convergência tecnológica (voz, dados e vídeo podem ser transportados livremente pelas redes). Para isso, seria necessário rever as barreiras regulatórias dado que as barreiras tecnológicas já não existem mais (conceito de neutralidade tecnológica).

Ademais, será preciso que o conteúdo dê conta desse novo cenário, buscando-se responder a algumas indagações: como ficará a produção de conteúdo? Qual seria a melhor maneira de se disciplinar a distribuição de conteúdo? Um ambiente de convergência tecnológica não regulado poderia provocar o fenômeno da verticalização, em que qualquer um que conte com a tecnologia possui capacidade para prestar o serviço. Dessa maneira, não se pode mais ter uma regulação baseada na tecnologia/plataforma de prestação do serviço. O parâmetro passa a ser o próprio serviço prestado.

O conselheiro da Anatel, Pedro Ziller, destacou, nessa esteira, a dificuldade de se fazer regulação e resolução administrativa diante dos novos desafios quando vivemos uma época de judicialização de muitas questões em razão dos variados conflitos de interesse. Exemplo disso foi a polêmica instaurada com a licitação da telefonia móvel de terceira geração.

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações, somente o Serviço Telefônico Fixo Comutado, por ser serviço público prestado em regime de direito público, está sujeito às obrigações de continuidade e universalização. O Serviço Móvel Pessoal, serviço público prestado em regime de direito privado, não teria tais características. A Anatel, contudo, almejando a universalização da telefonia móvel e a inclusão digital, de forma perspicaz, elaborou um Edital, que respeita os parâmetros legais e constitucionais, e alcança tal desiderato: cobra-se parte do preço em dinheiro e a outra parte deve ser paga na forma de universalização do serviço.

Consegue-se, assim, atingir a finalidade e o interesse públicos sem que seja necessário fazer alteração legislativa, o que atrasaria imensamente tal objetivo. Viu-se um uso absolutamente inteligente do marco legal atual. Podemos até dizer que a Anatel demonstrou dispor de um “jeitinho brasileiro” para resolver problemas; contudo, fê-lo de forma absolutamente conforme aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput, da CF/88).

Dentre pontos altos em relação ao cenário internacional, podemos pinçar a menção a uma possível Autoridade Européia de Regulação. O representante da União Européia (UE) no Brasil, Paulo Lopes, ressaltou que a convergência ocorreu na UE em 2.002 e que a regulação deve servir apenas para suprir falhas de mercado (evitando-se a super Regulação). Há critérios para se identificar mercados com falhas, tendo a Comissão da UE poder de veto sobre as autoridades locais. Ademais, até 2.012, estará completa a transição da TV Analógica para a TV Digital na UE.

Revisa-se o quadro regulatório europeu desde 2.005 (com mais de 200 contribuições). Na regulação do setor audiovisual, a Diretiva “TV sem fronteiras” está sendo revista, tendo sido elaborada a Diretiva “Mídias Audiovisuais”, prevendo um percentual para conteúdo eminentemente europeu.

De 50 canais de TV em 1.989, a UE passou a ter mais de 1.500. Os usuários passam a poder consumir conteúdos conforme seus interesses pessoais – serviços on-demand, havendo uma divisão entre serviços lineares (comando do usuário) e não-lineares (comando da empresa). Faz-se necessário, segundo Paulo Lopes, equilibrar objetivos de interesse econômico com o interesse público, sendo imprescindíveis quadros estáveis e pró-competitivos.

Interessante também foi o comentário de que a Internet constitui a materialização do art. 19 da Carta de Direitos da ONU, que consagra o direito ao recebimento e transmissão de informações sem fronteiras geográficas. Se a convergência é a solução para isso, deve ser transformada em oportunidade.

Luiz Carlos Delorme Prado, representando o CADE, chamou a atenção do público para o surgimento de novos mercados relevantes (produtos que concorrem no mesmo segmento) e dos riscos de concentração. Se competir estimula a inovação, é preciso preservar a concorrência entre os players e, nesse cenário convergente, quando o modelo anterior ainda sobrevive, a análise das autoridades da concorrência deve ser feita considerando o poder de mercado no segmento individualizado e também de forma integrada/convergente. As garantias de preço e de bem-estar devem coexistir.

Ponto alto do evento, a apresentação do professor Murilo Ramos (FAC-UnB) versou sobre a história da construção e a contemporaneidade das tensões políticas presentes no capítulo da Comunicação Social na Constituição Federal de 1.988. Relatando o embate das forças desse setor envolvidas na Constituinte, concluiu que as divergências foram mais expressivas nessa área do que em outras Comissões. A questão fundamental seria a regulação brasileira nos moldes de democracias consolidadas, que compreendem a radiodifusão como setor passível de regulação.

O representante da ABRAPPIT (Associação Brasileira dos Pequenos Provedores de Internet e Telecomunicações) ressaltou que telecomunicações (gênero) são insumo para qualquer atividade econômica. A tecnologia não seria boa, má ou neutra. O que importa é sua aplicação. A tecnologia Wi-Max, por exemplo, pode ter uma aplicação que resulte em resultados bons ou maus para o setor dos pequenos empresários. No Peru, resolveu-se a questão da transmissão do sinal mesmo em relevo acidentado por meio de um estudo realizado pela Anatel para a freqüência 450 MHz; sendo que, no Brasil mesmo, ainda não houve tal implementação. O agronegócio, por causa disso, vem perdendo a oportunidade de melhor se desenvolver em razão do sinal que não é acessível na zona rural.

Outros palestrantes trouxeram à tona as discussões sobre a TV Pública Brasileira (fruto das discussões do Fórum Nacional de TVs Públicas) e sobre a TV Digital (decisão política que envolve aspectos tecnológicos, segundo Marcelo Bechara). Por esta última, pretende-se fazer a Governança Eletrônica na Internet pois a TV tem maior penetração nos lares do que os computadores. Ressalte-se que Rádio e TV são os últimos meios de comunicação a se digitalizarem. A transição da TV Digital, com multiprogramação, portabilidade e interatividade, está programada para ser concluída em 10 anos.

Segundo Marcelo Bechara, Consultor Jurídico do Ministério das Comunicações, além da convergência tecnológica, funcional, econômica, geográfica e política, é preciso que a convergência também ocorra do ponto de vista social, sendo essa a importância da Conferência Preparatória de Comunicações.

Celso Schröreder, representante do FNDC, ressaltou que é necessário “abrir a caixa preta da TV brasileira”. Há uma demanda social por conteúdo, que não se esgota na visão de negócio. É preciso, segundo ele, subordinar a economia e a tecnologia à cultura, fazendo-se consultas em bases democráticas quando da tomada de decisões. Não se pode abrir mão da esfera pública (incluindo a oitiva dos Conselhos Municipais de Comunicação e do Conselho de Comunicação Social). A mídia, por vezes, constitui-se como um desserviço prestado à Nação, que dispõe de meios de comunicação partidarizados.

A ABPITV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão) fez uma ressalva importante no sentido de que, hoje, os próprios canais produzem o seu conteúdo; ou seja, a TV Aberta é “fechada”.

Foram relatados os modelos de Cidades Digitais (redes comunitárias geridas de acordo com os interesses locais, universalizando-se o acesso em banda larga por meio de investimento público, privado ou misto). Tiradentes-MG, por exemplo, teve grande impacto no desenvolvimento econômico a partir dessa experiência.

Uma Associação ligada à telefonia móvel destacou que esse setor vai concentrar a convergência tecnológica, sendo que a velocidade do processamento e a largura da banda irão aumentar até que se chegue à tecnologia em “real time”. Segundo esse painel, universalizar as comunicações somente por meio do STFC ficou ultrapassado pois, se o cidadão pode usar um celular, não iria se dispor a usar um TUP (Telefone de Uso Público, vulgo “orelhão”).

Depois de viajar por tantas constatações, modelos e idéias, podemos concluir que, em um ambiente de inexorável/inevitável convergência digital, a delimitação das competências institucionais (funções do Poder Legislativo, Ministério das Comunicações e Agência Nacional de Telecomunicações) também restará fluida. Sendo assim, o que importa, em termos de formulação de políticas públicas, marcos regulatórios e de tomada de decisões, é reunir a esfera pública, com sua pluralidade e diversidade de idéias e projetos, a fim de que todos sejam cúmplices (e igualmente responsáveis por) de um futuro – nebuloso, incerto, imprevisível – que temos de “enquadrar”/“moldar” conforme as opções explícitas da CF/88, materializada e reformulada diariamente no debate plural e democrático dos cidadãos, e que se espera seja feito brevemente na Conferência Democrática de Comunicação.

* Marana Costa Beber Stefanelo é procuradora federal e mestranda em Direito na UnB

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