Concessões de radiodifusão: antes de democratizar, moralizar

"É um assunto importante demais para ser decidido entre quatro paredes", disse o ministro Franklin Martins (da Comunicação Social) na sexta-feira (28/9). Referia-se à necessidade de um amplo debate sobre o atual sistema de concessões de radiodifusão, reconhecidamente desatualizado, precário e injusto. 

O vencimento, na sexta-feira (5/10), das concessões recebidas por entidades que controlam as redes Globo, Record, Bandeirantes, Gazeta e Cultura é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. O ministro tem razão, é preciso desentocar a questão das concessões de canais de rádio e TV, mas quem amarra o debate e impede que se transforme em mudança tem nome e endereço: o Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Brasília, DF.

Pela Constituição cabe ao Congresso decidir sobre as concessões, depois dos pareceres técnicos do Executivo. O Congresso não é uma entidade abstrata, é integrado por partidos, e os partidos têm programas, compromissos, interesses e representantes. O vetor capaz de empurrar o Congresso na direção de mudanças são as maiorias – na Mesa Diretora das duas Casas, nas comissões técnicas e nos plenários.

O debate público desejado pelo ministro Franklin Martins ainda não aconteceu simplesmente porque o Congresso e as maiorias que o controlam são beneficiários de um sistema viciado de privilégios que ninguém tem a coragem de denunciar e combater.

Forças da resistência

A democratização das concessões de radiodifusão passa antes por uma aberração que não é propriamente política, é moral: o parlamentar que autoriza concessões públicas não pode ser ao mesmo tempo um concessionário. Legislar em causa própria é quebra de decoro.

Calcula-se que metade dos congressistas é concessionária direta ou indireta do sistema de radiodifusão. A dificuldade em quantificar a anomalia e coibi-la decorre justamente do abuso de laranjas, formais ou informais.

A mácula das concessões nunca foi escondida, não está confinada entre quatro paredes: o programa Observatório da Imprensa na TV já dedicou ao assunto quatro edições completas, o material publicado por este portal em seus 11 anos de existência daria para completar um tratado sobre desvios de conduta parlamentar [ver remissões abaixo]. A Folha de S.Paulo já produziu impressionantes levantamentos sobre as irregularidades no sistema de concessões. Nada aconteceu, nada mudou.

O Instituto Projor (mantenedor do projeto Observatório da Imprensa) entregou em 2005 à Procuradoria Geral da República (PGR) um minucioso cruzamento de dados comprovando que mesmo integrantes da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), encarregada de verificar as concessões, são concessionários de radiodifusão. A PGR recebeu a contribuição, agradeceu, examinou o estudo ao longo de dois anos e… arquivou. Promete usá-lo oportunamente. Esqueceu que ao Ministério Público também cabe iniciar ações em nome da sociedade.

Este nova omissão do Poder Público na questão das concessões dá a dimensão das forças que resistem às mudanças. Este é um lodaçal que ninguém tem a coragem de sanear.

Imperativo político

Não são as redes de TV que se agarram ao status quo, são os parlamentares-concessionários. "Franciscanos" ou assumidos coronéis eletrônicos, nenhum congressista vai abdicar de uma vantagem que lhe rende tanta "sustentabilidade" (leia-se votos, poder e dinheiro).

Quando o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso, então presidido pelo jurista José Paulo Cavalcanti Filho, ganhou alguma desenvoltura para colocar em pauta a questão da concentração da mídia [ver aqui a transcrição dos debates no CCS], que logo desaguaria nas concessões de radiodifusão, o manda-chuva do Senado, José Sarney, conseguiu desarticular o Conselho e colocou na presidência o seu parceiro especializado, Arnaldo Niskier.

Acreditar que o PT ou algumas de suas alas estão efetivamente interessados em mexer no sistema de concessões equivale a acreditar na possibilidade da Câmara Federal aprovar uma reforma política. Mais fácil será intensificar a cruzada pela "democratização dos meios de comunicação" que jamais sairá do papel, mas terá grande serventia para manter a mídia na defensiva.

A mudança no sistema das concessões é um imperativo político e moral. Para ser bem sucedida, deve ser encarada sob estes dois aspectos. Avanços democráticos não podem acontecer em ambientes marcados pela bandalheira.

Active Image Observatório da Imprensa

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