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As decepções da TV digital

Marcado por pompa e circunstância, o início da transmissão da TV digital no Brasil, na noite de domingo, 2 de dezembro, representa, sem dúvida, um novo capítulo na história da comunicação de massa no país. Telespectador assíduo, o brasileiro, que consome 3 horas e 43 minutos do seu dia em frente à tevê (dados de 2006, do Ibope Mídia), vai poder receber um sinal de muito melhor qualidade e até em alta definição. Vai também poder assistir tevê no celular, no ônibus ou trem, na ida para o trabalho ou no retorno para casa. E fazer uma série de operações a partir do conversor de sinais, o setop box: interagir com o programa a que está assistindo, marcar consulta na rede pública de saúde, ver se a aposentadoria foi depositada, entre muitos outros serviços.

Mas tudo isso é futuro. A TV digital começa limitada a poucos telespectadores não só porque a transmissão digital, por enquanto, só cobre a Grande São Paulo. É limitada também porque poucos usuários têm televisores digitais preparados para a recepção digital, comercializados por volta de R$ 7 mil, ou investiram na compra do conversor que, acoplado à TV analógica, permite receber os sinais digitais. Ao contrário das promessas do governo, os conversores chegaram ao mercado com preço salgado: o modelo mais simples, da Positivo, foi lançado por R$ 499,00.

Além do preço, que deve cair, os conversores padecem de um outro mal. Não trazem recursos de interatividade, porque não incorporam o software, no caso o Ginga, o middleware desenvolvido no país, com recursos públicos, que faz a interface entre o sistema operacional e os programas aplicativos. Isso sgnifica que quem comprar agora o conversor vai ter de trocá-lo mais à frente, se quiser novos recursos. Para evitar a chamada base legada, os órgãos de defesa do consumidor estão sugerindo à população não comprar os conversores agora, mas esperar pela nova geração com recursos de interatividade. Segundo os desenvolvedores do Ginga, ele já está sendo embarcado em produtos de diferentes fabricantes, que devem chegar ao mercado a partir de maio/junho de 2008.

Que a televisão digital seria voltada a uma elite, no início das transmissões, todos sabiam. Afinal, o governo brasileiro escolheu o padrão japonês (e com alterações em relação ao middleware e ao sistema de compressão de sinais), que tem uma base muita limitada – só está operacional no Japão e, mesmo assim, em poucas cidades. Para contornar a falta de escala, o país precisava ter definido uma política industrial agressiva. Mas não o fez. Mais uma vez prevaleceram os interesses regionais, e o conversor foi enquadrado como bem de imagem e som. Ou seja, seus fabricantes só têm benefícios fiscais, se estiverem instalados na Zona Franca de Manaus.

Promessas não cumpridas

Da mesma forma que não construiu uma política para que os conversores chegassem ao mercado ao preço prometido pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, menos de R$ 200,00, o governo também falhou no que se refere à interatividade. Aliás, esse foi um dos principais argumentos, ao lado da mobilidade, que o governo brasileiro apresentou na defesa do padrão japonês, o preferido dos radiodifusores, pois, ao permitir a transmissão, na mesma faixa de espectro, para pontos fixos e móveis, mantém intacto o modelo de negócios desse setor. Ou seja, os radiodifusores não têm que dividir com outras redes a transmissão dos programas e, portanto, os recursos publicitários que os patrocinam.

A interatividade é importante do ponto de vista do desenvolvimento de uma política de inclusão digital. Diante da elevada taxa de penetração da televisão no país – ela está presente em 91% dos domicílios brasileiros –, usar o televisor, na versão da transmissão digital, como canal de difusão de programas de governo, de programas educacionais, de serviços da Previdência, para citar um exemplo, pode significar uma revolução social de proporções não imaginadas.

Mas, embora no dicurso o governo tenha destacado a importância da interatividade , na implementação do processo, ela não mereceu a prioridade devida. O governo, que financiou desenvolvimentos para a TV digital com recursos do Funttel, o fundo de desenvolvimento das telecomunicações, não traçou uma política para garantir a industrialização dos conversores com a incorporação do Ginga, desenvolvido pelas equipes da PUC do Rio e pela Federal da Paraíba, e do sistema de compressão MPEG. Só assim seria possível ter um conversor popular, de baixo custo e com os recursos da interatividade. O governo também não se preocupou em montar um programa coordenado de desenvolvimento de aplicativos sociais para rodarem no Ginga, e serem utilizados pela população. Pelo que se sabe, só a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil têm projeto nesse sentido.

Por fim, também não há um trabalho organizado de definição do canal de retorno, que hoje só pode ser feito via redes telefônicas (fixas, no domicílio que contar com uma linha), ou celular, ambas pagas. Para aplicações sociais, seria importante que o canal de retorno fosse gratuito (reservando-se espaço para uma rede pública nas freqüências de 3,5 GHz ou mesmo em 700 MHz), ou patrocinado pelo provedor do serviço.

Há muitos outros equívocos no modelo de televisão digital definido para o Brasil. Como o fato de ter privilegiado a alta definição no lugar da multiprogramação, o que limitou o número de emissoras praticamente às existentes – só houve espaço para a criação de quatro novos canais públicos. Também as anunciadas contrapartidas do governo e empresas japonesas à adesão ao seu padrão deixaram muito a desejar. Da hipotética fábrica de difusão de semicondutores ao centro de de desenvolvimento de design de chip, passando pela garantia de mercado a produtos fabricados aqui. Ao final das negociações, a montanha pariu um rato.

Se, em relação a esses pontos, não há nada o que fazer, o governo Lula pode ainda corrigir a rota da TV digital, para que ela não sirva apenas aos interesses dos radiodifusores brasileiros – e também dos telespectadores que puderem pagar por um sinal de muito melhor qualidade e facilidades que virão no futuro. É preciso que se monte um programa para fazer, da interatividade na TV para programas sociais, um objetivo estratégico do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre. Aí, sim, a TV digital vai fazer uma diferença que vai muito além da imagem sem chuviscos. Ela vai ser a porta de entrada para a Sociedade da Informação.

TV digital: olhar para a frente é pecado

A razão pela qual a TV por assinatura até hoje não decolou no Brasil é simples. Nos anos 1980, os novos mecanismos de distribuição de sinais foram tratados no mundo inteiro como uma oportunidade para os produtores de conteúdo. Aqui, eles foram vistos como um negócio exclusivo dos prestadores de serviço de distribuição de sinais.

Foi assim que, durante a década de 1980, criaram-se nos EUA mais de 350 redes internacionais de televisão. Redes, a princípio, bem pequenas, como a CNN, a Discovery ou a Cartoon, que poucos anos depois passaram a integrar ou comandar as maiores corporações de mídia do mundo. E foi assim que, no Brasil, nenhuma rede internacional foi construída em tempo algum. Para o usuário brasileiro, os serviços de TV por assinatura tornaram-se uma grande feira de importação de conteúdo e de modelos de conteúdo. E os canais então criados acabaram o sendo à semelhança dos padrões estéticos e narrativos primários, desenvolvidos há anos pela TV aberta.

O foco sobre o serviço, e não sobre o conteúdo, acabou transformando a TV por assinatura brasileira num negócio irrelevante do ponto de vista comercial (menos de 7% do país está cabeado, contra 96% da Europa e dos EUA) e grotesco do ponto de vista cultural. A TV por assinatura absorveu da TV aberta o gosto por zombar da inteligência do espectador. A única arma que encontrou para se qualificar foi tratar seu interlocutor como débil mental. O resultado, 15 anos depois, é conhecido por todos: no pouco que produziu, a TV por assinatura emburreceu o seu espectador – e fez isso, ainda por cima, com o olhar estúpido de uma superioridade inexistente. Conseguiu o impossível: dar alguma legitimação às bobagens praticadas, com muito maior autenticidade, pela TV aberta.

Conteúdo para diversas plataformas

A abertura das transmissões digitais terrestres está correndo o sério risco de reproduzir esse fenômeno. O debate instalado no início não foi à frente. Deixou-se politizar e criar polarizações que acabaram favorecendo a manutenção de um modelo que já vigorava há 60 anos. No caso da TV por assinatura, o espectador foi levado a acreditar que nada iria mudar – e nada acabou mudando mesmo, no Brasil, enquanto nos outros países criava-se uma poderosa rede de emissoras que hoje estão em praticamente todos os sistemas de TV por assinatura do planeta. No que diz respeito à TV digital, o usuário está sendo levado a crer que o que existe de novo é a imagem dos programas que ele já conhece. Essa imagem vai melhorar bastante graças às transmissões em HDTV. O resto é quase irrelevante.

Essa exacerbação dos mecanismos de defesa dos modelos de negócio existentes vai atrasar a televisão digital terrestre brasileira em muitos anos – tanto quanto atrasou a TV por assinatura. Corre o risco de, tal como aconteceu naquele caso, aumentar a nossa dependência por conteúdo estrangeiro e inibir a nossa capacidade de tirar proveito das novas plataformas.

A má notícia é que, se tal coisa acontecer, será irremediável. Perderemos a maior oportunidade que apareceu em décadas de fazer boa televisão, de criar e exportar modelos de construção de conteúdo para diversas plataformas. A mesquinharia na defesa de um estado de coisas que não tem condições reais de se sustentar está na rota de atrofiar a posição brasileira no desenvolvimento da televisão digital terrestre em escala global.

Horário nobre desaparece

O povo brasileiro tem uma relação muito estreita com a sua televisão. Deu a ela um poder e um status que encontram poucos paralelos no mundo. Isso aconteceu por razões circunstanciais. A televisão aberta brasileira pôde crescer (ainda que, de fato, isso não tenha sido culpa dela) graças ao desastre social do país. Desgraçadamente, a televisão não está respondendo na mesma moeda. Durante muito tempo, ela foi capaz de se autodefinir, sugerindo ao espectador que seus limites criativos estão dentro do que lhe é oferecido. Tal esforço agora transcende a programação. Trata-se de dizer a esse usuário tão fiel, e que paga tão bem a sua conta, que as plataformas digitais servem para reproduzir o que já existe, só que com imagem e som bem melhorados.

Isso não é verdade. E se, num primeiro momento, é o espectador que será logrado (e convidado a pagar caro para ver o que já está vendo, numa taxa de contraste maior), mais adiante serão os cultores desta farsa que terão que ajustar suas contas com as oportunidades que deixaram passar.

A mobilidade, por exemplo. Ela agrega mais espectadores novos do que os espectadores já existentes. São menos de 90 milhões de televisores fixos no país, contra 110 milhões de celulares, que são atualizados a cada 14 meses. Neles (e nos demais receptores portáteis), a TV pode ser vista a todo momento, de toda parte. O conceito de horário nobre simplesmente desaparece. Cresce quem estiver produzindo o que cada nicho quiser ver no lugar em que estiver. Se isso não muda o modelo de negócios, o que mudará?

Nada melhor que um fusquinha

As ferramentas interativas, também. Elas estão para ser definidas, e nem de longe se parecem com as opções de escolha que estão sendo demonstradas durante as "festividades" de inauguração. Não retiram do espectador a possibilidade de assistir passivamente a uma narrativa, mas impõem, sim, a criação de narrativas multifacetadas. Por que não estamos trabalhando nisso? Porque estamos sendo induzidos a crer que são os modelos narrativos vigentes que buscarão em algum lugar do futuro opções interativas – e não que um modelo de formatação de conteúdo inteiramente novo é que poderá buscar inspiração nas formas dramatúrgicas existentes.

Avançamos bastante na construção de um bom padrão tecnológico para as transmissões digitais terrestres que agora se inauguram. A base japonesa é a melhor possível e, por enquanto, é impossível imaginar ferramentas interativas melhores que o Ginga, que foi inteiramente desenvolvido no Brasil, e que integrarão alguns dos conversores e receptores digitais que chegarão ao mercado. Mas o fato de a televisão digital começar para quase ninguém não representa apenas um dado estatístico. A televisão digital começa, de fato, sem que o usuário esteja informado sobre o que ela é. É arriscado afirmar que isso obedece a um planejamento doloso, mas se tal coisa acontece é um grande crime que se está perpetrando contra a sociedade brasileira – e muito especialmente contra o potencial da televisão como um meio.

Não há mesmo muito o que festejar esta semana. A celebração do domingo (2/12) foi amarga e tão pouco natural quanto uma farsa montada para uma novela. Há, no entanto, uma pequena estrada sendo aberta, que em pouco tempo integrará um sistema bem maior. Por esse caminho podem trafegar Ferraris, caminhões de grande porte, ônibus confortáveis, trens de alta velocidade. Por quanto tempo os vendedores de fusquinhas conseguirão induzir a sociedade a acreditar que isso é o máximo que tais estradas são capazes de comportar? Certamente, até o momento em que os motoristas dos velhos carrinhos se vejam sendo ultrapassados por todos esses meios.

Mais uma vez, eles lamentarão terem sido enganados. Ouvirão por mais uma década que nada na vida pode ser melhor que um fusquinha velho, como ouvem há décadas que nenhuma televisão no mundo é tão boa quanto a que se faz no Brasil. Serão reféns de dogmas como esses e da idéia de que olhar para o futuro é pecado – e não terão podido aproveitar em vida a bela estrada digital que teria sido aberta para eles.

TV por Assinatura: projeto de Fagundes reprime o conteúdo nacional

O projeto de lei nº 29, aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados há duas semanas, e que permite o ingresso das concessionárias de telefonia fixa no mercado de TV paga, é completamente diferente de todas as versões divulgadas ao longo das discussões conduzidas pelo relator da matéria, deputado Wellington Fagundes (PR/MT). O projeto recuou no que se referia à formulação de uma proposta mais moderna para a regulação desse mercado, e reprimiu qualquer iniciativa de estímulo à produção e democratização da distribuição do conteúdo audiovisual nacional. 

Se para as concessionárias fixas, o projeto é bom, porque irá estimular a competição no mercado de TV paga, os condicionamentos previstos para a produção e o enpacotamento do conteúdo audiovisual brasileiro acabam protegendo os poucos conglomerados nacionais de produção audiovisual atualmente existentes. Até mesmo a intenção inicial do parlamentar, que pretendia que os programadores de conteúdo fossem controlados pelo poder de mercado, sendo obrigados, assim, a oferecer em condições isonômicas os seus pacotes de canais, sumiu da última versão do projeto, aprovado pela comissão. E, o que é pior, o substitutivo chega a permitir que sejam firmados contratos de exclusividade de canais entre programadores, empacotadores e distribuidores.

O projeto, se faz desaparecer também a equivocada  proposta inicial, de proibir que o capital estrangeiro financie a produção nacional, acaba deixando essa capitalização nas mãos dos poucos grupos de mídia comerciais brasileiros, que passarão a deter o controle absoluto até mesmo sobre o direito de exploração de imagens ou mesmo de contratação de  artistas nacionais.

O PL 29 proíbe que empresas de telecomunicações, fixas e móveis, comprem ou financiem a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos nacionais. Proíbe também que essas mesmas empresas  contratem talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais.

Essas restrições afetam diretamente as operadoras de telefonia móvel, que irão reagir, porque  ficariam proibidas de distribuir  conteúdo audiovisual em seus telefones. Isso porque, argumentam seus representantes, telefonia celular não quer entrar no mercado de TV paga – não quer ter pacotes de programas – porque a sua mídia é outra e, por isso, precisa de linguagens próprias. Mas, conforme o que foi aprovado,  as empresas não poderiam, sequer, comprar a imagem de um gol para transmitir para seus usuários. “O projeto institucionaliza o monopólio da produção e da programação”, vaticina executivo de uma operadora móvel.

Outra mudança à proposta original acaba mantendo o atual status do mercado de TV a cabo. Anteriormente, o deputado simplesmente proibia que as empresas produtoras de programas e emissoras de radiodifusão participassem de empresas de telecomunicações, um contra-senso. Agora, porém, elas poderão participar do mercado, desde que sócias minoritárias, o típico exemplo do grupo Globo nas operadoras de cabo Net.

Must carry

O projeto atende também a um pleito dos radiodifusores comerciais, sem que se tenha ampliado o debate sobre o tema. Ao mesmo tempo em que, corretamente, obriga o must carry gratuito para os canais públicas, autoriza que, no caso dos canais comerciais, caberá aos radiodifusores decidirem quanto vão cobrar para que seus sinais sejam transportados pelas operadoras de TV por assinatura.

Enfim, a emenda acabou ficando muito pior ao que já era ruim.  

A TV digital, o MC Lula e a Era do Estado Capataz

Quando o assunto é a subserviência do Estado brasileiro aos interesses dos empresários de televisão, pode-se pensar em estabelecer um limite. Mas os fatos irão sempre além dele. A prova vem da festa que marcou o início das transmissões de TV em tecnologia digital para um limitado público de algumas dezenas de afortunados paulistanos. Como mestre de cerimônias, com direito a texto e coreografia prontos, o presidente da República.

Pensou-se que o governo federal já teria feito todos os favores aos radiodifusores no que diz respeito à implantação da TV digital no Brasil. Escolheu o padrão japonês, tecnologia preferida e defendida pela Abert. Deixou de lado, com isso, investimentos e pesquisas que levariam à constituição de um padrão nacional. Definiu um plano de “transição” que garante aos atuais donos da TV seguirem donos, com seu latifúndio ampliado em um canal extra para transmitirem em alta definição por 10 anos a mesma programação para a qual já têm garantido o seu espaço. Optou por acelerar o lançamento da TVD, desconsiderando que o desenvolvimento pleno do potencial da tecnologia – a interatividade real, que poderia significar a universalização da internet no país – leva tempo. Garantiu, assim, a manutenção do modelo de negócios que enche o bolso de poucos e mostra quase nada do Brasil pela TV.

Faltava um favor. Menor, se considerarmos a gravidade das decisões anteriores. Porém, extremamente significativo. E, no domingo, oito e meia da noite, lá estava o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em pessoa, fazendo o favor de ler o texto que a ele coube na transmissão conjunta montada pelas principais redes de TV privadas do país.

Quando, ao terminar sua parte no jogral da cerimônia, Lula tomou o controle remoto cenográfico, fingiu apertar um botão e colocou “no ar” o filmete publicitário que se tornou o primeiro produto da TV digital a ser transmitido no país, não se estava entrando numa nova era da televisão no Brasil. O que se viu foi a prova de que ainda vivemos na era do latifúndio midiático, do qual o Estado brasileiro segue sendo o capataz.

* Cristina Charão é jornalista e coordenadora do Intervozes.

Porque a volta da Telebrás é uma boa notícia

O Governo anunciou, em diversos pronunciamentos de ministros, neste mês de novembro/2007, que vai reativar a Telebrás para que ela explore uma rede nacional interurbana de telecomunicações para unir todos os municípios brasileiros. 

Isto é uma boa notícia porque, paradoxalmente, a volta da estatal na prestação de serviços de telecomunicações não significa a volta do monopólio do Estado, mas a instauração efetiva da concorrência entre as empresas prestadoras de telefonia, de banda larga para acesso à Internet e outros serviços.

Esta é, dependendo da forma de sua implementação, a melhor notícia para as telecomunicações brasileiras desde aprovação da Lei Geral de Telecomunicações em 1997. 

No Brasil, após 10 anos da privatização do sistema Telebrás, a infra-estrutura interurbana de telecomunicações brasileira é deficiente, e está impactando a Inclusão Digital e o próprio desenvolvimento econômico e social do País. Além disso, embora a telefonia fixa chegue a mais de 34 mil localidades com mais de 100 habitantes, a telefonia móvel só chega a pouco mais da metade da sede dos 5.564 municípios brasileiros e uma banda larga para a Internet só pode ser assinada na cidade sede de menos de 1.000 municípios, os maiores.

A penetração de banda larga no País é muito baixa, mesmo quando comparada com países como México, Chile e Argentina. No Brasil ela só chega da 5,6 milhões dos 54,6 milhões de domicílios e tem, por exemplo, um preço médio duas vezes superior ao da Argentina. Na Europa, uma assinatura com capacidade de 2 Mbps custa cerca de 10 euros (R$ 26,00) mensais. No Brasil custa três vezes mais, sem contar que aqui conexões a velocidades inferiores a 1 Mbps, as mais usadas, custam proporcionalmente muito mais caro (por Kbps). É difícil encontrar uma conexão por menos de R$50,00 mensais. 

Além de deficiente, a infra-estrutura de telecomunicações é um monopólio das concessionárias da telefonia fixa, que detêm praticamente toda a infra-estrutura de telecomunicações do País. Isto é agravado pela falha da atuação da Anatel, que não conseguiu instituir a desagregação das redes, isto é, permitir que qualquer um usasse a rede das concessionárias pagando um preço justo, ou mesmo, simplesmente, definir preços de conexão (backhaul) para que qualquer um pudesse montar seu sistema local de provimento de banda larga e conectá-lo à rede das concessionárias. Só há regras razoáveis para a interconexão de telefonia. A Anatel, de forma equivocada em nosso entender, implementou a LGT como uma Lei da telefonia e não das telecomunicações, o que ajuda a explicar o atraso na banda larga. A Anatel não percebeu que o serviço do futuro, o mais desejado e o mais necessário para a população, não é mais a telefonia, mas a banda larga, mesmo porque ela pode conter a telefonia.

Como exemplo citamos o caso de Duas Barras – RJ. A Prefeitura local alugou da Telemar uma conexão dedicada de 2 Mbps por R$4.315,87,00 mensais, montou um sistema de Internet local sem fio (WiFi) e passou a fornecer o acesso gratuito a toda a população. Com o aumento de usuários, surgiu a necessidade de expansão da conexão. Após longa insistência, a Telemar propôs, em 17/10/2006, o preço de R$17.678,34 por 4 Mbps. A cidade ficou sem expansão, ante o preço extorsivo, pois não há outra opção.

O fato é que nas telecomunicações brasileiras não há concorrência, à exceção da telefonia móvel. Mesmo aí ela é relativa, pois os proprietários das empresas fixas e móveis são praticamente os mesmos. A telefonia fixa ainda é, basicamente, um monopólio das concessionárias, que detêm 92% das linhas. A mesma coisa ocorre com a banda larga: 75% são via linha telefônica (ADSL), dominadas pelas concessionárias da telefonia local e 21% via TV a Cabo, onde o domínio é da NET/Embratel, esta também uma concessionária de telefonia (Longa Distância).

A Telebrás irá usar os cabos de fibras óticas das empresas de transmissão de energia elétrica, da Petrobrás e outros. Como os cabos de fibras óticas transmitem informação por pulsos de luz e não por ondas eletromagnéticas, as comunicações não são afetadas por interferências causadas por condutores de alta tensão. Isto fez com que se desenvolvessem cabos para a transmissão de energia elétrica em alta tensão cujo centro é um cabo de feixes de fibras óticas. O custo final da rede elétrica é pouco afetado, pois toda a infra-estrutura teria que ser construída da mesma forma. Isto foi feito no Brasil, nos últimos anos, e há uma grande rede de cabos de fibras óticas cobrindo o País, bastando apenas instalar os equipamentos iluminadores das fibras nas pontas para se ter uma rede de alta capacidade de telecomunicações. No Paraná, por exemplo, a rede de fibras óticas da Companhia Paranaense de Eletricidade só não chega à sede de 7 municípios. Os cabos de fibras óticas da Petrobrás foram instalados nos oleodutos, quando da sua construção e têm, também, grande extensão.

Para entender porque a volta da Telebrás não é a volta do monopólio estatal, mas a efetiva instauração da concorrência, é preciso entender que as telecomunicações se compõem de dois sistemas: O Sistema de Longa Distância, que pode ser dividido em Interurbano e Internacional e o Sistema Local, em cada cidade, chamado também de Sistema de Última Milha, por ser o que faz a ligação com o usuário final.

Entendemos que a nova Telebrás deve se limitar ao backhaul (no Sistema de Longa Distância, especialmente a interurbana nacional), não entrando na última milha. Com isso ela passará a colocar a conexão (backhaul) à disposição de todos os interessados, a preços justos, baseados em custos, e não discriminatórios. Teremos, assim, uma efetiva neutralidade da rede interurbana – o que não ocorre hoje, seja por alguma deficiência da LGT, seja pela não atuação da Anatel – o que instalará a concorrência efetiva entre os operadores de última milha.

Com conexão abundante, neutra e a preço justo, qualquer um poderá montar um sistema local, seja de telefonia fixa, seja de telefonia via Internet (VoIP), seja de banda larga. Com isso se evitarão casos como os de Duas Barras – RJ. As cerca de 60 empresas de telefonia fixa concorrentes das concessionárias (as chamadas “espelho” e “espelhinho”) poderão concorrer efetivamente com as concessionárias, a telefonia VoIP ganhará grande impulso, a banda larga também, o mesmo ocorrendo com os novos serviços de telecomunicações que surgem a cada dia, tudo acompanhado de uma grande queda nos preços dos serviços de telecomunicações, absurdamente caros no Brasil, para o que os altos impostos também muito contribuem.

Com a “nova” Telebrás, a concorrência se instalará duplamente, tanto na última milha, como vimos, pois serão viabilizadas milhares de pequenas empresas, muitas restritas a uma só localidade, quanto na infra-estrutura interurbana, aqui entre as concessionárias e a Telebrás. Afinal, com a entrada da Telebrás no segmento interurbano, as teles, para não perder mercado, terão que investir, melhorar os serviços e baixar os preços. Este costuma ser o resultado da concorrência.

Um dos benéficos resultados será a Inclusão Digital da população brasileira, não só com Internet nas escolas e Telecentros, benéficos, sem dúvida, mas de resultados limitados na Inclusão Digital, que é a Internet na casa das pessoas. Será possível fornecer a Internet a preços justos para quem pode pagar por velocidades mais altas, e uma Internet básica para todos, gratuita, fazendo, para esta última, bom uso dos recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, para o que é preciso mudar a lei.

Preços de backhaul justos tornarão possível implantar, a nível nacional, a experiência do pequeno município paulista de Sud Mennucci, hoje seguido por uma dezena de pequenos outros municípios, de levar a Internet gratuita, a uma velocidade limitada, a todas as casas. Desde 2002 a prefeitura locou uma conexão junto à Telefonica e implantou um sistema sem fio de acesso à Internet, gratuito para todos. Hoje, metade das casas tem computador conectado à Internet, média igual a de muitos países desenvolvidos. No Brasil a média é 20% (a metade com Internet Discada). Hoje o preço do computador ajuda na Inclusão Digital. Há no mercado computador, com monitor de LCD, a R$899,00, em suaves prestações.

As reações serão fortes. O monopólio é um filé saboroso e quem o tem quer saboreá-lo diariamente. O irônico da situação é que o monopólio, agora privado, será quebrado com a volta de uma empresa estatal. Como a Anatel não cumpriu sua missão na desagregação de redes e em obrigar as concessionárias a disponibilizar o backhaul universal e a preços justos, a “nova” Telebrás poderá ser uma bela saída, desde que se faça uma mplementação correta.

* Vilson Vedana é consultor legislativo da Câmara dos Deputados e membro do Conselho Consultivo da Anatel