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Censura e sucateamento: a comunicação pública agoniza

Corte de 63% dos recursos e censuras aos conteúdos determinam o fim do caráter público da EBC transformam a empresa em máquina de propaganda de Temer

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) sofreu duros retrocessos após o golpe parlamentar dado pelo grupo político de Michel Temer em 2016. No exato dia seguinte à posse, uma medida provisória destituiu o Conselho Curador, órgão representante da sociedade civil na empresa. Em outra “canetada”, Temer também acabou com um mecanismo que garantia mínima autonomia à empresa: a nomeação do diretor-presidente, antes com mandato de quatro anos, agora podendo ser feita na hora que bem entender o presidente da República. A EBC, assim, encontra-se hoje em mal estado, na UTI, respirando por aparelhos. Mas, como se isso não bastasse, agora convive com censuras diárias e um contínuo enxugamento do seu orçamento.

A fórmula é conhecida e foi usada pelos tucanos em São Paulo, com a TV Cultura. Junto com demissões em massa e cortes de verba, programas históricos saíram do ar como “Zoom”, “Grandes Momentos do Esporte”, “Vitrine” e “Cocoricó”. Na TV Brasil, as transmissões dos campeonatos das séries C e D (que traziam grande audiência e cumpriam a missão pública da emissora) acabaram. Também foram dispensados o “Observatório da Imprensa” (no ar há 16 anos), “Arte do Artista” e “Estúdio Móvel”.

As rádios públicas também vêm sendo desprestigiadas.  A histórica Rádio Nacional do Rio de Janeiro simplesmente juntou-se com a também histórica Rádio Nacional de Brasília. Outro caso, ainda mais grave: a Rádio Nacional da Amazônia, símbolo da integração do País, com enorme audiência de ribeirinhos, pescadores e indígenas (atinge potencialmente 60 milhões de pessoas) está simplesmente fora do ar devido a falta de investimento, o que, nesse caso, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade da atual diretoria da EBC.

Além do corte excessivo de verba, casos de censura são relatados cotidianamente pelos jornalistas concursados da casa. Os funcionários resumem assim o que vem acontecendo na EBC: a parte estatal está virando publicidade do governo e a parte pública está virando estatal. Hoje, a empresa presta serviços ao governo federal (via contrato e pagamento mensal) para a produção e a exibição da TV NBR e do programa de rádio “A Voz do Brasil”.

Antes, o foco era no cidadão, na prestação de serviços públicos. Mas, ao que tudo indica, os ventos mudaram. Relatos dão conta de textos alterados, transformados em mera publicidade. A cobertura do “Criança Feliz” é um exemplo. Repórteres concursados são destacados para pautas já direcionadas, com elogios exagerados ao programa e trechos de enaltecimentos à sua principal condutora: a primeira-dama, Marcela Temer.

Na parte pública, apesar da separação com a parte estatal ainda permanecer no texto legal (Lei n° 11.652 – que, como na Constituição Federal, prevê a complementariedade entre os serviços de televisão público, estatal e privado) os casos de censura são graves e atingem a TV Brasil, as rádios e a Agência Brasil.

No último carnaval, a ordem de cima veio expressa, textual: cinegrafistas não poderiam filmar cartazes com “temas políticos”. Basta recorrer à memória para lembrarmos que o único “pedido político” desse período no Brasil foi o “Fora, Temer”, uma vez que Dilma Rousseff já tinha sofrido impeachment e praticamente não houve manifestações contra o ex-presidente Lula no carnaval. Ou seja, para bom entendedor, meia ordem bastaria: cartazes que pediam a saída de Temer estavam oficialmente proibidos.

Pós-carnaval, no entanto, mal sabiam os funcionários que o pior ainda estava por vir. Recentemente, outras coberturas chamaram a atenção. Quando o governo Temer completou um ano, a baixa popularidade, o desemprego e a quantidade de ministros que diminuía a cada passo da Operação Lava Jato não entraram no “balanço” do período.

Já a cobertura das delações de Joesley Batista, da JBS, serviu para manchar a história da comunicação pública no Brasil. Bastava uma breve pesquisa nas manchetes da Agência Brasil para saber que os conteúdos mais graves envolvendo Michel Temer estariam nos últimos parágrafos, isso quando não foram suprimidos dos textos dos repórteres.

Também têm sido comuns as mudanças de títulos para “suavizar” as críticas ao governo. O mais grave é que, além de envergonhar qualquer profissional com formação jornalística, tais censuras tiram do cidadão o direito de ser informado, como prevê a Constituição. Se isso vale para o restante dos veículos de mídia no País, deveria valer ainda mais para uma empresa com missão pública, voltada à sociedade e não ao lucro nem tampouco ao governante de plantão.

São casos como esses que serviriam de exemplo para a atuação do Conselho Curador, extinto pelo governo. Hoje, até restam outras poucas opções, canais de denúncia. É o caso da Ouvidoria-Geral, comandada pela jornalista Joseti Marques.

Nos últimos boletins publicados, ela apontou casos de excessivo governismo nas pautas, em especial no programa comandado pela ex-jornalista do sistema Globo de Rádio, Roseann Kennnedy. Bastam poucos minutos do “Corredores do Poder” para que o telespectador verifique que a apresentadora consegue defender melhor as reformas da Previdência e trabalhista do que o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Outro canal de debate seria o Comitê Editorial, pedido antigo dos sindicatos e da comissão de empregados. Finalmente constituído em 2016, hoje foi colocado para escanteio. Os 12 membros e 12 suplentes, boa parte formada por jornalistas da casa, não são chamados para as reuniões desde o ano passado. As reuniões, que deveriam ser bimestrais – fato também questionado pelos membros do Comitê – devem ser convocadas pelo Diretor de Jornalismo, Lourival Macêdo.

Em um dos únicos quatro encontros, qualquer tentativa de debate editorial, como, por exemplo, sobre as delações premiadas, foram classificadas como “fora de pauta”. Em seguida, os chefes aproveitavam para dizer como seriam as coberturas de eventos, citavam agendas e cronogramas, claramente deslegitimando a instância de um Comitê cujo nome diz tudo: editorial.  Oficialmente o Comitê não deixou de existir, mas na prática, sua não convocação já dá o tom dos sérios problemas da EBC.

Além das censuras e do sucateamento, há outra grave insegurança com relação ao futuro da empresa pública de comunicação. Ela diz respeito ao atual diretor-presidente, Laerte Rímoli. A recente prisão da irmã de Aécio Neves, Andrea Neves, fez acender um alerta na EBC. Laerte atuou como coordenador chefe da comunicação da campanha do PSDB para a Presidência, em 2014. Foi o braço direito, portanto, da dupla de irmãos agora investigados pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República.

Isso poderia trazer consequências para o atual presidente da EBC? Enquanto a incógnita segue, Laerte, como responsável pela empresa, segue aceitando pacificamente o sucateamento proposto pelo governo federal. Neste ano, a verba destinada para custeio e investimento, na ordem de 172 milhões de reais, teve um corte de aproximadamente 108 milhões, o equivalente a 63% dos recursos. Qual empresa sobrevive com um corte de orçamento dessa natureza?

Também já foi anunciado um Programa de Demissão Voluntária (PDV), que pode retirar 600 profissionais da empresa. Hoje, isso seria o equivalente a saída de quase 25% do quadro efetivo. O temor de funcionários é que haja verdadeiro apagão tecnológico nas próximas semanas ou, ainda, que isso sirva de desculpa “perfeita” para, por exemplo, unificar formalmente a parte pública com a estatal, sempre em nome da economia de recursos.

Evitar o sucateamento e o fim do caráter público da EBC são deveres de todos os cidadãos. Para isso, é preciso fortalecer a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, formada por organizações sociais e militantes que lutam pela democratização da comunicação. Enquanto a informação for entendida pelos governos como propaganda e não como um direito fundamental das pessoas, será difícil a consolidação de uma comunicação pública independente e autônoma. Torna-se urgente, assim, barrar os planos do atual governo e da diretoria da empresa de acabarem com a pública, democrática e, acima de tudo, resistente EBC.

Globo ataca, mas mídia segue dividida sobre futuro de Temer

Enquanto a Globo segue na artilharia para desgastar o presidente, grupos como Estadão e Band parecem aliviados após denúncia da PGR ser barrada

Por Bia Barbosa e Camila Nóbrega*

O que quer a Rede Globo ao direcionar todo o seu jornalismo para desgastar Temer ao mesmo tempo em que outros grandes veículos preferem a suposta estabilidade que o governo traria à economia?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares.

Desde as denúncias contra Michel Temer feitas pelos donos da JBS, em maio passado, uma das grandes questões que tem intrigado os que acompanham o noticiário político é por que o principal grupo de comunicação do país entrou de cabeça na derrubada do presidente enquanto outros parecem ainda apostar na sobrevivência da atual gestão.

Ninguém parece conseguir cravar uma resposta.

Mas uma análise da cobertura feita pela chamada grande mídia da votação realizada nesta quarta-feira 2 na Câmara dos Deputados pode dar algumas pistas.

É possível, por exemplo, afirmar que a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) não foi suficiente para mexer de maneira significativa as peças do tabuleiro político.

Se, de um lado, a Globo e seus veículos usaram a votação no Congresso para fritar um pouco mais Temer, houve quem saísse quase que aliviado deste processo – mesmo que o resultado final, favorável ao Planalto, já estivesse previsto.

Como anunciado diversas vezes em sua programação, a TV Globo interrompeu sua programação normal para transmitir ao vivo, no canal aberto, a votação nominal dos deputados.

Foram quase quatro horas ininterruptas, que justificaram a não apresentação do Jornal Nacional e da novela Força do Querer, programas nobres da emissora, no período da noite.

A análise detalhada do resultado do plenário coube, então, ao “time de especialistas” – como gostam de se auto-denominar – do Jornal das Dez, na Globonews, canal pago da emissora.

Ao longo de uma hora de programa, eles fizeram questão de destacar como o Palácio jogou pesado para conseguir votos e como, apesar de ter barrado a continuidade das investigações, Temer não saiu vitorioso do processo.

“O governo trabalhou pesado, atendendo no atacado e no varejo, ao longo do dia, os pedidos de seus aliados. Até a última hora e durante a sessão, o Presidente trabalhou pessoalmente para barrar a investigação”, anunciou a âncora Renata LoPrete.

“Havia expectativa de poucos encontros hoje no Palácio. Mas ao longo do dia, pelo menos 21 deputados foram recebidos por Temer, além dos governadoras do Rio Grande do Norte e Tocantins e dos ministros Gilberto Kassab e Blairo Maggi”, completou o repórter Murilo Salviano, ao vivo do Planalto.

A reportagem que veio na sequência contou sobre os 10 ministros e dois secretários de governo que reassumiram seus mandatos na Câmara para votar com Temer.

Para a comentarista Cristiana Lobo, foi uma vitória “magra”.

“Temer se apresentou para ser um Presidente reformista e o número de votos que obteve não é suficiente pra isso. Vai ter que repactuar toda a sua base, o que não é tarefa fácil. Chamo atenção para o número de votos contra. O cálculo dos governistas chegava no máximo a 200. Mas a oposição teve 227 votos. Temer foi igualmente ruim de norte a sul do Brasil”, criticou.

Para Merval Pereira, o governo conseguiu escapar usando “os mesmos métodos de Dilma”: “Só conseguiu porque tem mais história, é mais simpático e conhece melhor os deputados. Mas foi mais uma vitória do clientelismo e da politicagem do baixo clero. O resultado mostra que, apesar da luta contra a corrupção, a política continua sendo feita da mesma maneira”.

Mais tensão nas costas do peemedebista foi colocada pela Globo com a entrevista, ao vivo, do presidente da Câmara Rodrigo Maia, que afirmou categoricamente : “Para o futuro, foi um resultado ruim, porque, com 263 votos, não emendaremos a Constituição para fazer a Reforma da Previdência”.

Maia ainda atacou o Planalto, que o acusou de estar atuando contra Temer nos bastidores: “Sempre fui fiel ao governo e nunca esperei que o entorno do presidente fosse jogar tão baixo comigo”.

Vale lembrar: há poucas semanas, foi na casa de um alto executivo da Globo que Rodrigo Maia se reuniu com deputados aliados.

Merval Pereira sentenciou: “O governo queria transformar essa votação em em vitória retumbante e Maia já saiu atacando. O deficit é imenso, a crise é gravíssima e o governo errou porque aumentou as despesas para obter essa vitória. Então vai ser uma parceria complicada”.

A mala e os áudios de Joesley 

A GloboNews exibiu ainda uma matéria específica sobre as acusações da PGR, colocando novamente no ar as imagens da mala de dinheiro carregada por Rocha Loures e trechos da transcrição da conversa do Presidente com Joesley Batista.

Lembrou que ainda há duas possíveis denúncias contra Temer na fila: por formação de organização criminosa, em casos de fraude na Petrobras junto com o PMDB, e por obstrução da Justiça, no caso de Cunha.

E questionou: será que o governo tem cacife e orçamento para enfrentar as outras que vierem agora?

No telejornal do canal aberto, mais tarde, William Waack lembrou que, em seu pronunciamento, feito logo após da votação, “Temer falou muito da economia e pouco das acusações. Fez questão de reiterar que agora teria condições de fazer as reformas que, todos sabemos, pararam diante da crise. Mas não falou nada sobre as denúncias ou sobre a JBS”, afirmou o âncora.

Outro destaque dos analistas da GloboNews, repetido depois no Jornal da Globo, foi o racha do PSDB na votação e os prejuízos que daí virão para Temer.

A fala do líder tucano na Câmara, Ricardo Tripoli, orientando a bancada a votar pela investigação, foi repetida inúmeras vezes: “os brasileiros estão cansados de tanta suspeita sobre seus representantes”.

Segundo a correspondente Andrea Sadi, o chamado centrão já quer os cargos ocupados pelo PSDB hoje no governo. Tanto no Jornal da Dez quanto no Jornal da Globo, os canais mostraram as manifestações e panelaços que aconteceram em 15 estados da federação contra Temer.

Portanto, a linha defendida no editoral de O Globo neste dia 2 de agosto, assim como nas manchetes online do jornal após a votação (“Com 263 votos, Câmara ignora provas e barra denuncia contra Temer”; “Com sorriso no rosto, Temer diz que resultado não é vitória pessoal”, “Deputado preso em regime semiaberto vota a favor de presidente”, “Internautas promovem vomitaço em rede social de Michel Temer”), seguirá a todo vapor.

Com menos sangue nos olhos, mas também no campo de ataque ao governo – certamente em busca da aproximação com os 81% da população que defendem que Temer seja investigado – a Folha de S.Paulo estampou nesta quinta 3: “Temer usa máquina, demonstra força e barra denúncia”.

Dentro, afirmou: “Balcão de negócios com o recurso público garante vitória governista”, e trouxe duas páginas centrais sob o título “Placar da Denúncia”, com fotos, nomes e partidos dos deputados e como cada um votou.

Na coluna de opinião, soltou o artigo de Bernardo Mello Franco com o título  “Vitória da mala”. “Ao blindá-lo, os deputados deixaram claro que provas não importam. O que mantém um presidente na cadeira é a sua capacidade de manter o Congresso no cabresto”, afirmou o colunista.

Em mais de uma reportagem, o jornal destacou o papel do ministro Antonio Imbassahy, flagrado negociando emendas no plenário da Câmara.

Na versão online, a Folha abriu espaço para o trabalho da Agência Lupa, que apurou quanto cada deputado recebeu de emendas nas duas últimas semanas. O Uol, do mesmo grupo, destacou: “Temer sobrevive” e “Em dia de votação de denúncia Governo libera R$ 658 mi para sete ministérios”.

Os aliados

Se saísse da Globo e mudasse de canal na TV, o telespectador teria encontrado uma cobertura bem mais favorável a Temer nas emissoras do Grupo Bandeirantes.

Uma das maiores beneficiadas pelo aumento de verbas publicitárias distribuídas pelo Planalto no último ano, a TV Bandeirantes tem dado pouco destaque à crise política em seu noticiário, e feito longas matérias em defesa da agenda das reformas.

Na noite desta quarta 2, não foi diferente. Encerrada a sessão na Câmara, a emissora logo mostrou a continuidade no alinhamento com presidente e a bancada governista. Colocações comedidas e até sorridentes deram o tom.

Ao vivo de Brasília, repórteres ressaltaram que a vitória de Temer foi muito comemorada nos bastidores. “Aqui no Planalto, o clima é de vida que segue, página virada”, dizia um dos repórteres, complementando que o pronunciamento do Presidente destacou a construção mais ampla da base aliada para a aprovação dasreformas.

Jornal da Noite, da Bandnews, destacou: “Mercado financeiro e empresários defendem continuidade de Michel Temer na Presidência”. Em seguida, uma longa reportagem ouviu empresários de diversos setores, especialmente da indústria (produção de aço, extração de petróleo, plástico, etc), dizendo o quão a permanência do Temer é bem vista porque as reformas vão continuar.

Em total alinhamento com as justificativas de voto dadas pouco tempo antes no plenário da Câmara, os entrevistados da Band declararam: “Essa instabilidade política atrapalha muito a economia”, a despeito da grave acusação ao Presidente.

Em toda a cobertura, quase nada se falou sobre a situação do país e o baixíssimo índice de aprovação do governo. Pós-discurso de Temer, a chamada foi: “Vitória é conquista do Estado Democrático de Direito”.

Aliado histórico da indústria paulista e do mercado financeiro, o jornal O Estado de S. Paulo também contribuiu para dar um ar de normalidade ao que se passou no Congresso.

Ao contrário da Globo – para quem “foi uma sessão inédita e histórica” –, o Estadão não deu qualquer destaque à denúncia em si da PGR.

Aliás, um leitor pouco informado teria dificuldades para entender as razões da consulta feita à Câmara.

Nenhuma menção direta ao fato de que Temer é acusado de destinatário de propina negociada entre o dono da JBS e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.

Também não fizeram parte dos destaques matérias sobre as negociações e ofertas de recursos aos parlamentares para proteção do Presidente.

Quando o mínimo de votos necessários para barrar a denúncia foi atingido na Câmara, a chamada no site do Estadão era: “Temer já tem votos suficientes para barrar denúncia, acompanhe ao vivo”. Encerrada a votação, o destaque também foi o pronunciamento do Presidente: “Após barrar denúncia, Temer diz que é urgente pôr o país nos trilhos”.

Outras chamadas na capa compunham um cenário de apoio ao governo: “Em nome da economia, aliados votam para arquivar denúncia” e “Bolsa sobe 1% e volta ao nível de pré-crise política”.

O tom alinhado com o Planalto seguiu na versão online do jornal desta quinta 3: “Após vitória na Câmara, próxima batalha é a Previdência, diz Padilha”, em referência à reforma também apoiada pelo jornal. Já sumiu da página principal a matéria publicada na véspera, que dizia “Janot pede Temer, Padilha e Moreira Franco no quadrilhão do PMDB”. O texto principal de Opinião do site é “A política radical de Lula”.

Entender o jogo que a grande mídia tem feito não é tarefa, portanto, para principiantes.

O que importa todo leitor e telespectador considerar é que, nem de longe – assim como ocorreu com a cobertura do impeachment de Dilma Rousseff –, o que conduz a linha editorial dos veículos em relação a Temer se resume ao mero exercício do jornalismo.

Há muito mais por trás das câmeras, telas e páginas de jornal do que se pode imaginar.

Sigamos de olhos abertos.

* Bia Barbosa e Camila Nóbrega são jornalistas. Colaborou Cinthya Paiva, advogada. Todas integram o Intervozes.

Como se expressa a sexualidade em tempos de Big Data?

Compreender como a internet pode servir para defesa ou violação de direitos sexuais é uma das tarefas para a emancipação de mulheres e LGBTQI

Por Marina Pita*

Quando soube que a Índia se incumbiu da tarefa de proibir sites pornôs, um amigo disse: mas afinal, a web serve para quê, se não para isso? A frase pode soar desrespeitosa para muita gente que realiza mil e uma atividades online, em um espaço digital aberto. Mas o fato é que um dos importantes usos da web é, sim, exercer a sexualidade – e reivindicar direitos relacionados a ela.

Considerando, entretanto, que há padrões normativos e que, em alguns países, qualquer diferença em relação a eles pode ser severamente punida, é preciso se debruçar sobre o impacto da vigilância massiva na internet também em relação à questão da sexualidade.

É isso que a Associação para o Progresso das Comunicações (Association for Progressive Communications, APC) quer entender agora, por meio da recém-lançada pesquisa sobre sexualidade online “EroTICS”.

Historicamente, as práticas de vigilância foram desenvolvidas de forma majoritária ao lado do patriarcado e da colonização. Mesmo antes do advento da computação, eram os corpos das mulheres, da população LGBTQI e das pessoas negras que estavam sob constante vigilância e controle. Afinal, quando o contexto social já é marcado por relações sexistas, então a tecnologia de vigilância (e outras) tenderá a amplificar tais tensões e desigualdades.

Big Data (grande conjunto de dados armazenados) e a prática de processá-los não podem, assim, ser pensados independentemente do contexto amplo em que foram criados e em que se desenvolveram.

É importante, neste sentido, ressaltar que a vigilância não se dá mais por alvos específicos, mas por meio da coleta massiva, pela generalização do conceito de suspeito e pela própria criação de suspeitos por meio de processos algorítmicos. Além disso, a nova coleta de dados se dá, em geral, de forma remota, praticamente invisível aos cidadãos objeto da vigilância. Ocorre, em geral, sem adequado consenso e com intensa transmissão de dados.

Tudo isso tem uma implicação diferente para mulheres, LGBTQI e negros. “A vigilância de hoje enquadra as pessoas em categorias, designando riscos e valores, de forma que têm implicações reais em suas opções de vida. Há profunda discriminação, o que torna a vigilância não apenas uma questão de privacidade, mas de justiça social”, afirmou David Lyon no livro “Surveillance as Social Sorting: Privacy, Risk and Digital Discrimination”, citado no artigo de Nicole Shephard, “Big Data and Sexual Surveillance”.

Shepard lembra que a coleta de dados comercial para enquadramento em tipos sociais, tradicionalmente não entendida como vigilância, também tem implicância no desenvolvimento das relações de gênero e sexualidade, entre outros. “O corpo e suas interações virtuais têm o potencial de ser reconstituído, controlado, ‘merketizado’ e quase literalmente vendido para maior oferta”, afirma.

Assim, mais do que nunca se faz necessário questionar como o cenário digital de coleta e processamento de dados afeta a sexualidade e a identidade de gênero, bem como aqueles que utilizam a internet como ferramenta para se expressar nestes âmbitos. É o que busca a terceira pesquisa global EroTICs.

Em suas edições anteriores, realizadas em 2013 e 2014, a pesquisa apurou, por exemplo, que 98% dos ativistas de direitos sexuais consideram que a internet é crucial para o seu trabalho. Por outro lado, 51% já receberam mensagens violentas ou ameaçadoras em decorrência de sua atuação nas redes.

Esses e outros dados levantados pela EroTICs levaram à inclusão de orientação sexual e identidade de gênero no relatório sobre criptografia, anonimato e direitos humanos nas comunicações digitais do Relator Especial da ONU para Liberdade de Opinião e de Expressão, em 2015.

O relatório faz uma séria de recomendações aos Estados que fazem parte da ONU, como treinamento sobre questões de gênero para policiais e funcionários responsáveis pela aplicação das leis e a exclusão de crimes de violência sexual de disposições de anistia no contexto dos processos de resolução de conflitos.

A ideia é prevenir violações e abusos contra defensores – e principalmente defensoras – de direitos humanos, a partir da compreensão de que há uma discriminação sistêmica e estrutural enfrentada por mulheres ativistas.

Para esta edição, a pesquisa dá preferência a militantes de direitos sexuais menos contemplados nos anos anteriores, como migrantes, refugiados, jovens, idosos, pessoas com deficiência e pessoas que enfrentam discriminações adicionais baseadas em raça, casta ou religião.

É possível responder ao questionário até 17 de agosto, em inglês ou em espanhol, e ajudar a colocar o gênero e a sexualidade no mapa das pesquisas sobre usos e riscos da internet. Essas dimensões da vida humana também precisam ser consideradas e problematizadas num momento de profundas transformações que o desenvolvimento traz.

*Marina Pita é jornalista e integra a Coordenação Executiva do Intervozes.

Teles avançam na verticalização e ameaçam provedores de conteúdo

Mudança no cenário de organização das empresas de tecnologia da informação e comunicações pode gerar perdas econômicas e culturais

Por Marina Pita*

Há um movimento de fusões e aquisições no mercado de telecomunicaçõesocorrendo que merece atenção. Tanto por parte daqueles que se preocupam com direito do consumidor e concorrência, quanto por parte daqueles que entendem a importância da diversidade cultural.

Em outubro de 2016, a AT&T, operadora norte-americana de telecomunicações, anunciou a compra da Time Warner, terceiro maior conglomerado do mundo do ramo de entretenimento, dono da HBO e da Turner, por exemplo. No mesmo ano, a Verizon, outra empresa de telecomunicações norte-americana, anunciou a aquisição do Yahoo, empresa de conteúdo na internet.

Em junho último, a operadora francesa Vivendi, que bem antes disso já havia declarado seu interesse em fortalecer a área de entretenimento (ela já controla a Universal Music e a EMI), anunciou o lançamento de uma plataforma de vídeo, a Studio+, em parceria com a operadora Vivo, para concorrer com o Netflix. Mais recentemente, e em uma escala muito menor, a Telefônica Brasil comprou as ações do Terra Networks Brasil, também uma empresa de conteúdo para a web.

Por ocasião do anúncio do negócio, Ricardo Sanfelipe, vice-presidente de estratégia digital e inovação da Vivo, afirmou ao jornal Valor Econômico: “É uma fronteira que está sendo derrubada”, citando a compra do Yahoo pela Verizon. Esta barreira, a qual Sanfelipe se refere, é a separação entre as empresas da camada de conteúdo e as empresas da camada de infraestrutura (a rede física que suporta a Internet).

Se as empresas de telecomunicações, em um primeiro momento, perderam a corrida para competir no ambiente chamado Over The Top (OTT) – a camada superior da Internet, a do conteúdo – e ficaram relegadas à venda da conexão e à construção de infraestrutura, atividades atualmente consideradas commodities e, portanto, de baixo valor agregado, está claro que está em curso uma nova estratégia para dar a volta por cima. E, a grande aposta está em usar a rede como vantagem competitiva para a entrega de conteúdo.

Uma das formas de garantir tal vantagem é oferecendo acesso às plataformas próprias sem descontar da franquia de dados dos usuários da rede. Em um mercado como o brasileiro, em que a grande maioria das pessoas conta com um plano de dados móvel, com limite de franquia baixo, esta parece ser uma cartada inteligente, se olhada a partir da perspectiva do negócio. O problema é que se olhada a partir da perspectiva do direito do consumidor e da concorrência, a estratégia se torna extremamente preocupante, visto que fere o princípio da neutralidade de rede. E, veja bem, isso já está acontecendo silenciosamente.

A Claro, do grupo mexicano de telecomunicações e entretenimento America Móvel, já vem atuando desta forma no Brasil. O pacote Claro Músicas, concorrente de plataformas de streaming como o Spotify, não é descontado do pacote de dados dos clientes Claro. A oferta foi divulgada em novembro de 2016 e é uma contra ofensiva ao TIMmusic by Deezer, aplicativo de músicas cujo tráfego é gratuito para clientes de vários planos da TIM.

A verticalização do setor de telecomunicações, por meio da ampliação dos negócios na área de produção e distribuição de conteúdo, pode significar uma mudança importante na economia das comunicações à medida que o acesso à conexão à Internet cresce, mesmo que precariamente. No caso de países que contam com grupos nacionais fortes na área de produção e distribuição de conteúdo, como é o caso do Brasil, com a Rede Globo, há uma grande possibilidade de queda de braço.

Não é de hoje que Globo e empresas de telecomunicações divergem nos modelos de negócio envolvendo conteúdo over the top e regras de funcionamento das redes de telecomunicações.

A própria aprovação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) – para regular o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e de diretrizes para a atuação do Estado – é resultado, mesmo que parcialmente, desta disputa. A Globo, em determinado momento, se convenceu da importância da neutralidade de rede, que impede o favorecimento ou a discriminação do tráfego em redes de telecomunicações e passou a explicar o conceito, bem como a fazer cobertura favorável à aprovação do MCI. Não seria espantoso descobrir que também tenha mexido algumas de suas “pecinhas” no Congresso Nacional.

Não apostemos demais na disputa

Mas o modelo também cresce, nem sempre com operadoras de telecomunicações oferecendo o chamado zero-rating (quando determinado tráfego não é descontado da franquia) para aplicativos próprios, mas também por meio de acordos com plataformas online populares.

A T-Mobile, operadora de telecomunicações norte-americana, por exemplo, mantém uma oferta chamada Binge On, em que o tráfego gerado por diversos serviços de vídeo não são descontados da franquia de dados. A Three, também operadora norte-americana, seguiu o mesmo caminho e passou a oferecer o Go Binge, um plano de dados com liberação de tráfego para o Netflix,  SoundCloud, Deezer e TVPlayer.

Ou seja, é possível que haja uma acomodação dos interesses de operadoras e plataformas de conteúdo e já há experiências exitosas nesse sentido, com anuência das agências reguladoras, o que é ainda mais preocupante. Por isto, não é prudente apostar mais do que algumas fichas na pressão das plataformas de conteúdo – ao lado dos consumidores e ativistas por uma web livre e aberta – pela defesa da neutralidade de rede.

Resta saber se a verticalização das empresas de telecomunicação, seja ela para fazer frente às empresas de conteúdo online ou simplesmente para gerar uma acomodação entre os interesses destes dois setores, será benéfica para os usuários, para a inovação, para a economia dos países tecnologicamente periféricos e para a diversidade cultural.

Este é um tipo de questionamento que só poderá ser respondido se os órgãos competentes estiverem atentos à movimentação que ocorre no setor, coletando dados sobre tais movimentações e analisando se elas respondem ao objetivo de garantir ao país sua soberania econômica e cultural.

*É jornalista e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Congresso elege empresários para vagas da sociedade civil em Conselho

Decisão de Eunício Oliveira colocou radiodifusores e diretor da Claro em assentos da sociedade civil no Conselho de Comunicação Social do Parlamento

Há dois anos, a escolha para os representantes do Conselho de Comunicação Social – órgão consultivo do Congresso Nacional – foi feita, inexplicavelmente, numa sessão sem quórum. Sem qualquer justificativa cabível, 13 membros titulares e 13 suplentes foram “eleitos” numa sessão conjunta da Câmara e do Senado que sequer poderia ter deliberado sobre qualquer tema.

À época, organizações da sociedade civil e a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação (FrenteCom) questionaram a manobra no Supremos Tribunal Federal (STF). Mas os ministros preferiram não agir e permitiram que os novos conselheiros tomassem posse.

Sabendo deste risco e do histórico de ocupação das vagas destinadas à sociedade civil no CCS por empresários ou membros do governo – em 2015, na eleição fajuta, além de empresários, dois ministros foram designados para essas vagas, Aldo Rebelo e Henrique Eduardo Alves, hoje preso –, o movimento pela democratização da comunicação trabalhou, desde o início do ano, para evitar outro golpe.

Via FrenteCom e também dentro do próprio CCS, por iniciativa da representação dos trabalhadores da comunicação dentro do órgão, propôs critérios para a definição da representação da sociedade civil no órgão.

Isso porque a lei que instituiu o Conselho (Lei 8389/1991) determina que ele deve ser composto por três representantes de empresas de rádio, televisão e imprensa escrita; um engenheiro especialista na área de comunicação social; quatro representantes de categorias profissionais da comunicação e cinco representantes da sociedade civil. Não traz, porém, nenhuma definição de quem podem ser os indicados para ocupar este último setor, deixando o caminho aberto para a ocupação indevida das vagas por aqueles que já têm sua representação garantida.

Num contexto em que não há qualquer transparência em como a lista a ser apresentada para os parlamentares é construída, cabendo a palavra final sobre os nomes exclusivamente ao presidente do Congresso, as manobras se multiplicam.

No último dia 3 de julho, porém, em comum acordo entre empresários, trabalhadores e quem atualmente representa a sociedade civil no órgão, o CCS aprovou uma recomendação à Mesa Diretora do Congresso.

O texto orientava o Congresso para que as vagas da sociedade civil, na próxima gestão do CCS, fossem ocupadas por nomes indicados por organizações/instituições de âmbito nacional que, comprovadamente, atuem na área de comunicação; por instituições de pesquisa sobre comunicação; organizações que representam fundações que atuem na comunicação social e não estão representadas nas vagas destinadas às empresas privadas; por organizações de âmbito nacional que, reconhecidamente, representem segmentos expressivos da sociedade, como mulheres, negros e jovens, rádio ouvintes, telespectadores, leitores, internautas, dentro outros; e por instituições de âmbito nacional que, comprovadamente, atuem no campo jurídico.

Mas, novamente, a lista submetida à votação dos parlamentares pela Mesa do Congresso ignorou o princípio de composição tripartite do CCS, assim como as recomendações do próprio Conselho, e incluiu quatro empresários nas vagas da sociedade civil: Fábio Andrade, diretor da America Móvel, da Claro, indicado pelo próprio presidente do Senado, Eunício Oliveira; Ranieri Bertolli, presidente da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão; Luiz Carlos Gryzinski, diretor da Associação Brasileira de TV por Assinatura UHF (ABTVU); e Patrícia Blanco, representante do instituto empresarial Palavra Aberta, indicada pelo Conar, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária, formado apenas por agências privadas.

A votação, realizada tarde da noite na sessão do Congresso da última quinta-feira 13, demorou menos de um minuto e o único partido em plenário que questionou a lista foi o PSOL.

Em nota divulgada na sexta-feira 14, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que reúne 470 entidades nacionais e estaduais que defendem esta agenda, e que nunca esteve representado no CCS, acusou o Congresso Nacional de usurpar o direito de participação da sociedade civil no Conselho.

“Com essa prática, o Congresso não apenas veta a legítima e representativa participação da sociedade civil no órgão como garante dupla representação para setores empresariais no CCS, já que estes já tem suas vagas previstas em Lei. A supremacia do setor privado na composição CCS impedirá, assim, uma vez mais, que o interesse público prevaleça nas recomendações e debates do Conselho”, afirma o FNDC.

Como se vê, a relação promíscua entre empresários da comunicação e parlamentares não se limita àqueles que controlam diretamente emissoras de rádio e televisão e que, no dia a dia do Parlamento, legislam em causa própria. Ela passa pela ocupação de todo e qualquer espaço possível de favorecimento do mercado. No caso específico do CCS, silenciando a sociedade civil em seu único espaço de representação institucional nacional para o tema.