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A batalha do relógio

Se não acontecer algum recuo de última hora*, algo sempre possível no governo federal em questões atinentes à radiodifusão, entra em vigor nesta semana uma regra importante da Portaria 1220, que regulamentou a classificação indicativa da programação de TV. Doravante, todas as emissoras do país deverão obedecer as faixas de adequação horária estabelecidas na portaria – livre, 10 anos, 12, 14, 16 e 18 anos –, independente de estarem em fusos distintos e de eventualmente receberem programação de redes nacionais sediadas no sudeste, horário de Brasília.

Esta medida corrige uma flagrante aberração existente no regulamento anterior, que desconsiderava o fato do país ter quatro fusos horários e de que uma boa parte da massa telespectadora assiste a programação gerada do Rio de Janeiro e de São Paulo com uma ou duas horas de antecedência, que chegam a duas ou três no horário de verão. Se a idéia é regular a oferta de conteúdos com base na adequação dos horários de sua exibição, para poupar as crianças e os adolescentes de nocividades, isso só faz sentido se os fusos forem respeitados. Afinal, salvo engano, a lei deve ser igual para todos e o Estatuto da Criança e do Adolescente tem aplicação em todo o território nacional.

Evidentemente, a implantação dessa medida traz uma série de problemas operacionais e implica custos. Não por outra razão, as emissoras de TV empenharam-se em derrubá-la da Portaria 1220, sem sucesso, e depois trabalharam para adiar ao máximo a sua vigência. Agora mesmo, nesse exato instante, haverá algum diretor da Abert ou da Abra fazendo gestões em Brasília para ver se consegue uma suspensão de última hora. É da regra do jogo, quando os interesses empresariais são confrontados pelo interesse público. Se terão sucesso, é o que saberemos nos próximos dias.

Diferença objetiva

De qualquer forma, goste-se da medida ou não, o fato é que ela tem tem valor legal e entra em vigência. Portanto, obriga todas as emissoras e estende seus efeitos sobre todos os cidadãos. E se assim é, talvez mereça uma análise mais objetiva, que deve avaliar pelo menos três ângulos: a justeza, a sua possível efetividade e os efeitos que ela provocará na cena televisiva.

Quanto à justeza, não parece haver dúvidas. A Portaria 1220 regulamenta a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), que no artigo 74 determina ao poder público "regular as diversões e espetáculos públicos, informando sobre sua natureza, a faixa etária a que não se recomendem, bem como os horários em que sua apresentação se mostre inadequada". Isso está disposto também na Constituição Federal, onde o artigo 21 reza que "compete à União exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão". Além disso, a mesma Constituição estabelece, no artigo 227, "a co-responsabilidade da família, da sociedade e do Estado na garantia à criança e ao adolescente do direito à educação, ao lazer, à cultura, ao respeito e à dignidade".

Estamos falando, portanto, de uma medida perfeitamente constitucional e legal, que não agride – aliás, observa – outras importantes garantias dispostas no artigo 5 da carta magna, em particular a de que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença" (está no preâmbulo do texto). Falar em obscurantismo, em regressão aos tempos da censura do regime militar, como as emissoras vêm fazendo para desqualificar a Portaria 1220, não é apenas impróprio. É um despropósito e uma agressão ao direito social à comunicação.

Já sobre a possível eficácia, admitido que as emissoras de fato cumpram a portaria e ajustem a programação aos fusos horários, estamos em terreno pouco seguro. Há uma inescapável subjetividade em vincular a adequação de conteúdos a faixas etárias tão próximas, com diferença de apenas dois anos entre elas. Qual a diferença objetiva que existe hoje entre um pré-adolescente de 10 anos e um de 12? Ou de um adolescente de 16 e outro de 18? Por que um garoto de 18 anos pode ver TV a qualquer hora e o de 16 tem de parar às 23 horas? O que há na TV às 20 horas que seja tão distinto das 21 horas? Muitas questões como essas podem ser levantadas.

Instrumento de julgamento

O que se sabe é que, nos centros urbanos – onde já vive a maioria da população brasileira –, as crianças assistem TV à noite, até horas impensáveis nas gerações anteriores. Razão pela qual os institutos de pesquisa indicam que os programas preferidos pelos garotos são os adultos (Cassetta & Planeta, por exemplo), em vez daqueles concebidos para a sua idade. Obviamente, isso varia de acordo com o perfil das famílias, se são mais ou menos conservadoras, se são mais ou menos estruturadas etc. Existem em grande quantidade as que restringem drasticamente o acesso dos filhos à TV e também as que permitem que eles assistam o que quiserem, até altas horas.

Mas é certo que crianças de até 10 anos, no Oiapoque ou no Chuí, em Rio Branco ou em João Pessoa, não desligam o televisor às 20 horas. Se o fazem, é para navegar na internet (as que podem), onde encontram facilmente a mais pesada pornografia, bem mais explícita que a pole dance da moda nas novelas.

Isso apenas ressalta a importância dos pais em exercer a função fiscalizadora sobre o consumo de informação dos filhos, e sublinha a ambição meramente indicativa da Portaria 1220. Quem autoriza ou não os menores a ver TV são os pais, com a orientação da classificação imposta pelo Estado às emissoras. Bem ou mal, subjetiva ou objetiva, eficaz ou não, ela oferece um instrumento de julgamento. Na falta de outro melhor, é adotada em todos os países civilizados. E se não produz nenhuma revolução no comportamento dos telespectadores infanto-juvenis, mal não faz a ninguém e talvez ajude muita gente – portanto é tolo colocar-se contra ela.

Entradas ao vivo

Resta a questão do impacto da medida sobre o mercado de televisão. Para as emissoras, ela representa um ônus financeiro considerável. Ou as "cabeças de rede" enviam sinais específicos (feeds) para cada região horária ou as suas afiliadas gravam a programação recebida via satélite no horário de Brasília, para retransmiti-la na hora local adequada. Em ambos os casos, isso implica a aquisição de equipamentos e ocorre justamente no momento de transição da TV analógica para a digital, o que amplia ainda mais o esforço de investimento no parque técnico.

A complicação operacional também não é pequena. Gravar a programação "enlatada" – novelas, filmes, shows etc – para retransmiti-la mais tarde é simples. Mas, como fazer no caso da programação ao vivo? Como fazer com os telejornais, as transmissões esportivas, os programas interativos tipo Big Brother Brasil? Para que sejam vistos ao mesmo tempo em todo o Brasil, será necessário que as emissoras tenham flexibilidade em suas grades regionais, intercalando seus programas numa ordem distinta daquela seguida na "cabeça de rede". O que implica conceber a "programação nacional" não mais como uma grade fixa, transmitida para todo o Brasil e assistida por todos os telespectadores ao mesmo tempo, em fusos horário distintos, mas como uma grade móvel, a ser composta de acordo com as necessidades de cada praça.

É isso que as emissoras mais temem, porque liquida o atual conceito de transmissão em rede e, por extensão, o formato de comercialização de publicidade "net". Os anunciantes podem não querer que suas mensagens acompanhem a oscilação de horários de uma grade móvel. Podem julgar indispensável que seus consumidores de todo o Brasil estejam "todos juntos, ligados na mesma emoção", assistindo ao mesmo comercial, ao mesmo tempo. E se tiverem esse juízo, talvez repensem seus investimentos na mídia televisiva.

Por outro lado, o que fazer com as freqüentes "entradas ao vivo" de repórteres nos telejornais? Se eles estiverem em Cuiabá, em Manaus ou em Porto Velho, entrarão no tempo real da emissão, horário de Brasília, mais cedo do que seus conterrâneos verão o noticiário. Portanto, seu "ao vivo" só será simultâneo ao de parte dos brasileiros, os da banda oriental. Os demais os verão com atraso. Os papagaios de pirata, que gostam de ficar atrás dos repórteres dando adeusinho para a câmera, terão tempo de sobra para assistir à própria performance.

Esse transtorno à operacionalidade do telejornalismo está sendo apresentado pelas emissoras como um grande prejuízo, quase uma agressão à informação. Mas, convenhamos: qual é, de fato, o problema de assistir a telejornais com delay? Faz alguma diferença se o acreano é informado sobre as essencialidades do Jornal Nacional duas horas depois que os paranaenses? Muda a vida dos amazonenses assistir ao Jornal da Record depois dos capixabas? E quanto às entradas ao vivo nos telejornais, o que há de tão essencial nelas para que justifiquem a audiência simultânea de todo o país? No mais das vezes, não são burocráticas e prenhes de irrelevância, informando sobre "festas que não têm hora para terminar" ou que "é intenso o movimento nas estradas, nessa saída de feriado"?

Controle social

Nos Estados Unidos, país que, como o Brasil, também tem quatro zonas horárias, a televisão em rede nacional se resolve com uma combinação de feeds de transmissão distintos, a partir das "cabeças de rede" situadas em Nova York, e da gravação dessas transmissões pelas estações locais, afiliadas. A Costa Oeste assiste TV com atraso em relação à Costa Leste, inclusive telejornais e eventos ao vivo. As votações dos programas interativos foi organizada para funcionar nesse esquema. Só em casos especiais a grade nacional é alterada, para permitir a simultaneidade de uma transmissão.

Seja como for, o transtorno da obediência à Portaria 1220, na questão dos fusos horários, não é desprezível. Nenhuma das objeções levantadas pelas emissoras é descabida. Por isso mesmo, teria sido muito útil que elas se dedicassem ao debate franco e aberto dessas questões com a sociedade, em vez de tentar derrubar o regulamento "no tapetão", articulando nas sombras em Brasília.

Por que os problemas e os riscos trazidos pela obediência aos fusos não foram apresentados claramente, explicitamente, à opinião pública? Por que as emissoras escudaram-se no argumento desonesto da "censura", quando tinham algo muito mais sólido – a conveniência do telespectador, a efetividade do investimento publicitário, a estabilidade do mercado televisivo – para defender as suas posições?

A resposta é simples: tradição. A radiodifusão acostumou-se a ter poder, não a compartilhá-lo com a sociedade. Acostumou-se a fazer valer seus pleitos em qualquer governo, qualquer circunstância, lixando-se para os eventuais conflitos com o interesse público. Nessa questão dos fusos, tentaram até mesmo unificar tudo ao horário de Brasília, sem considerar o que isso pode representar em termos orgânicos, sociais e econômicos para uma grande parte da população brasileira. Agora, mais racionalmente, concentram-se no projeto do senador Tião Viana (PT-AC), que reduz os quatro fusos a apenas dois.

O Brasil está mudando, a democracia avança. A cidadania quer a mídia livre de censura, mas não de controle social. A radiodifusão já encontra dificuldades para permanecer acima e além de qualquer regulamentação efetiva. Esse é o recado mais claro do processo de implantação da Portaria 1220. Ela pode ser aperfeiçoada, sem dúvida alguma, e é bom que seja, se demonstrar-se ineficiente. Mas ela não será derrotada apenas com alarido e leviandade. No grito, não vai dar.

***

*Nota do Autor – O texto acima foi escrito na manhã de terça, dia 8. Hoje, manhã de quarta, dia 9, os jornais já trazem a informação de que o Ministério da Justiça adiou a vigência da medida dos fusos horários por mais 90 dias, "para possibilitar efetivamente a adequação técnica das emissoras", segundo o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr [ver abaixo]. Presume-se, portanto, que nos últimos 180 dias, prazo anterior, as emissoras não fizeram nada de efetivo para se adequar. Efetivo mesmo foi o lobby sobre o governo, modalidade em que o setor de radiodifusão é imbatível. Agora, serão 210 dias para os fusos horários terem vigência, desde a edição da Portaria 1220. Ou para a radiodifusão obter a extinção deles no Congresso Nacional. Isso, claro, se não houver novo adiamento em 9 de março, ou mesmo a revogação desse ítem da portaria. Faça sua aposta.

TV digital: ela veio sem nunca ter vindo

Nem tudo dá certo logo de cara. A novela Roque Santeiro, por exemplo, só vingou na segunda tentativa. A primeira aconteceu em 1975 e foi abortada: a produção já tinha começado quando a Censura Federal implicou e forçou o cancelamento da estréia. Dez anos mais tarde, em 1985, ela finalmente entrou no horário nobre e, aí sim, foi um dos maiores sucessos da história da Rede Globo, com a grife personalíssima de seu autor, Dias Gomes. Seu realismo satírico-fantástico à brasileira, que caçoava dos vendedores de falsas imagens e falsas promessas, foi a marca de um tempo.

A novela começava quando Roque Santeiro, o personagem-título, já não vivia em Asa Branca, a cidadezinha fictícia que servia de metáfora do Brasil. Logo nos primeiros capítulos, o telespectador ficava sabendo que Roque desaparecera 17 anos antes. Segundo a crença local, morrera ao enfrentar valentemente um malfeitor que ameaçava o povo. Todos falavam dele, idolatravam-no, mas o herói, em pessoa, ninguém podia mais ver. Defunto, tinha virado mito.

Agora, no ano em que a TV digital entrou em funcionamento no Brasil – ou melhor, entrou em funcionamento, por enquanto, apenas na cidade de São Paulo, ao menos oficialmente –, o espírito de Roque Santeiro volta a rondar a platéia. A TV digital está aí, mas quase não se consegue sintonizá-la. Ninguém contesta sua existência, embora quase ninguém a veja. É como se ela fosse um mito de ponta-cabeça, não por ter deixado a vida para entrar na história, mas por não ter nascido, se é que nasceu, do modo triunfal que era anunciado nas profecias.

Roque Santeiro, sejamos justos, era mais que um mito qualquer: era o mito fundador de Asa Branca. Os crédulos o viam como santo milagreiro. Havia até o Zé das Medalhas, que vendia moedinhas com o seu retrato. Entre tantos, a mais inesquecível habitante da cidade era Porcina, falastrona, vaidosa, histriônica, que se proclamava viúva de Roque, ainda que jamais tivesse se deitado com ele. Agora, amante do "coroné" da localidade, Sinhozinho Malta, refestelava-se no luxo. Definida pelo autor como "a que era sem nunca ter sido", Porcina encarnava a ética política de Asa Branca.

Eram tempos gloriosos da telenovela. A TV colorida alcançava seu ponto mais alto na função de integrar a nacionalidade e, com Dias Gomes, encontrou sua mais exuberante expressão estética. Os cenários e figurinos se baseavam na profusão de cores, muitas cores, todas e mais algumas. Aparentemente excessivos, os tons berrantes dos vestidos da falsa viúva eram exatos na sintaxe da crítica política. Em preto e branco, aquela narrativa não teria colado. O ridículo dos tipos inventados pelo novelista, impostores e usurpadores, não poderia ser retratado em tons de cinza, nem mesmo em tons pastel. Um arco-íris só não bastaria. O deslumbramento do telespectador diante das colorações da tela espelhava o deslumbramento da viúva com as próprias extravagâncias cromáticas – extravagâncias práticas, políticas, verbais e amorosas. Roque Santeiro se beneficiava ao máximo das possibilidades tecnológicas da TV dos anos 80. Dias Gomes e a TV em cores nasceram um para o outro.

E agora, na era digital? Qual será a estética da TV brasileira?

Por enquanto, a resposta não existe. O que se pode dizer é que ela ainda se debate nos embustes anacrônicos de Asa Branca, onde os figurões são festejados por serem o que jamais foram e as novidades raramente passam de fogos de artifício que se dissolvem no céu.

Segundo acreditavam os mais otimistas, a TV digital traria tanta interatividade quanto a internet. Até agora, nada feito. Traria a multiprogramação, quer dizer, cada canal poderia transmitir ao mesmo tempo quatro programas simultaneamente. Negativo: algumas emissoras públicas têm planos nessa área, mas a operação ainda vai demorar. Prometeram que ela seria sintonizada em automóveis e no metrô, em minitelevisores móveis. Bem, os transeuntes ainda aguardam. Quanto aos que querem captar o sinal em casa, precisam desembolsar algo em torno de R$ 1 mil na compra do tal set-top box, o conversor que viria a preços camaradas.

Uma única promessa foi cumprida, ainda que para poucos: a alta definição. As imagens de estúdio de alguns programas já são transmitidas no novo padrão. Mas eis que – suprema ironia involuntária – as novas câmeras acabam mostrando o que as câmeras anteriores primavam por esconder: desmascaram o que a encenação televisiva sempre dependeu de ocultar. A maquiagem do âncora, mal fixada sobre imperfeições rugosas, explode na tela. A gente tem a sensação de que poderá ver cada grão do pó-de-arroz. Os retoques na parede, antes imperceptíveis, convertem-se em cicatrizes intoleráveis. O que até então parecia um fino trabalho de bronze não passa de madeira pintada com spray dourado. Com a alta definição, os artifícios que criavam a ilusão de realidade estão nus, constrangedoramente nus.

Claro, todos sabem, esse desconforto é só uma questão de tempo. Logo mais as engrenagens da ilusão mudarão de lugar, as técnicas de maquiagem e cenografia vão se adaptar e a alta definição triunfará. Aí, a TV digital deixará de ser mito e se dará a ver. Não cumprirá todas as promessas, mas será um eletrodoméstico mais acessível. Se serve de consolo, é bom lembrar que o próprio Roque Santeiro também decidiu se dar a ver: voltou para Asa Branca e anunciou que não tinha morrido coisa nenhuma. Foi um forrobodó. Uma novela memorável. Mereceu ter sobrevivido à censura. Mereceu emplacar na segunda tentativa, dez anos depois da primeira. Que os fãs da TV digital não tenham que esperar tanto.

TV Brasil: o que será que será

A TV Brasil fará propaganda do governo? Em um país socialmente carente, vale a pena transferir recursos públicos para uma televisão?

NO ÍNTIMO de todos e cada um de nós, há duas dúvidas principais sobre a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), mais conhecida como TV Brasil. 1) Ela vai fazer propaganda do governo? 2) Em país socialmente carente, como o nosso, vale a pena transferir recursos públicos para uma televisão?

A primeira dúvida é fácil de responder. E essa resposta é: não se sabe. Em mais vasto horizonte de tempo, ninguém poderá mesmo garantir que não possa estar a serviço de interesses políticos. Mas é também fácil dizer que não está sendo montada para esse fim. As biografias do ministro Franklin Martins; da presidente da TV, Tereza Cruvinel, e sua equipe; do presidente Luiz Belluzzo e dos demais membros do Conselho Curador não autorizam admitir que essa TV seja usada, hoje, como chapa-branca -assim se referem a ela alguns jornais.

Ocorre que, no fundo, a verdadeira independência da TV Brasil só será garantida com o rigoroso cumprimento do seu orçamento. Já se sabendo que restrições nos recursos corresponderã o à morte da iniciativa. Ao menos, à sua morte como um projeto independente. E, nesse ponto, a sociedade será parceira para que funcione, não como TV estatal, mas verdadeiramente como pública.

A segunda questão é mais complexa. Que, em país de saúde e educação precárias, transferir recursos a uma televisão certamente produz (alguma) perplexidade. E a essa dúvida, mais ética que política, não se responde apenas fazendo uma boa televisão. Ou uma boa televisão independente.

É pouco. A TV Brasil tem que ser isso, claro. Só que deve ser mais. E, aqui, o futuro aponta em duas linhas de ação.
Primeiro, deve ser a cara do país. O Brasil deve se reconhecer nela, com todos os seus sotaques e cores. Compreendendo que tantas diferenças nos enriquecem. Funcionando à margem da "lógica de rede", que preside a programação das grandes corporações privadas.

Na prática, já se vendo, não deve ser uma emissora do Rio ou de São Paulo que transmita programas das diversas regiões do país. Mas estimulando que programas sejam produzidos em cada um desses lugares. Integrando TVs educativas, culturas ou universitárias já presentes em (quase) todo o país. Aqui, a tentação de concentração deve ser fortemente evitada.

A segunda linha exige pensar grande. Começando por reconhecer que a lógica da informação mudou. Até a década de 90, era basicamente compreendida em sua dimensão nacional; sendo a principal preocupação as relações entre as corporações de comunicação e a democracia. Mas, agora, vale também como soberania. Importante sobretudo porque vivemos a internacionalizaçã o dessa informação.

Nesse campo, a resposta da TV Brasil deve ser buscar parceiros na América Latina, em ação mais ampla. A Federal Communication Commission americana, por exemplo, passou, nos anos 2000, a apoiar a formação de fortes conglomerados de mídia. Por compreender que o jogo se jogará, agora, fora dos Estados Unidos. O mundo é o mercado. Tudo sugerindo que o ambiente dos meios de comunicação vive mudança extrema, para a qual talvez nós não estejamos preparados.

Por tudo, cabe agora produzir conteúdo que expresse nosso verdadeiro rosto. E, para além, decidir também se vamos jogar esse jogo de uma mídia internacional ou continuaremos no papel passivo e subalterno que até agora exercemos. Decidir se estamos dispostos a fazer parte desse conjunto de extraordinárias transformações prometidas pelos meios de comunicação eletrônica. Um desafio que, bem visto, une interesses de TVs públicas e privadas brasileiras.

A TV Brasil está em seus primórdios, é certo; que só poderá se afirmar em um ambiente digital, ainda em formação no país. Belo projeto, concebido como espaço de afirmação dos compromissos previstos na Constituição Federal (artigo 221), com educação e diversidade cultural. Amanhã, poderemos até concluir não ter valido a pena. Mas é cedo para previsões pessimistas, senhores.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO , 59, advogado, pós-graduado pela Universidade Harvard (EUA), é membro do Conselho Curador da TV Brasil. Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e da Empresa Brasileira de Notícias, além de secretário-geral do Ministério da Justiça (governo Sarney).

Acordo Minicom-teles: um presente de grego para o governo

Quando começaram a pipocar as primeiras notícias sobre o interesse do governo em utilizar a rede de fibras da Eletronet como backbone (backhaul) para levar internet aos mais de 90% de municípios do país que nem sonham com banda larga, pensei aqui com os meus botões: será que a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, vai ter coragem de desmascarar a dupla Minicom/Anatel e abrir a caixa-preta da comunicação de dados para desencalhar a grana do Fundo de Universalizaçã o dos Serviços de Telecomunicaçõ es (FUST)?

Novas emoções surgiram quando o coronel Oliva Neto, ex-secretário nacional de Assuntos Estratégicos, começou a falar para todo mundo que o governo pretendia adotar por aqui o modelo open reach, igual ao da Inglaterra. Neste modelo, uma grande concessionária é responsável pelo fornecimento da infra-estrutura de transporte das informações de telecomunicaçõ es, em âmbito nacional e internacional, de forma isonômica e neutra em relação à concorrência para todas as prestadoras locais de quaisquer modalidades de serviços de telecom, não importando se for telefonia, comunicação de dados, sinais de rádio e TV, sinais de fumaça etc. Pensei: "Caramba! Parece que a Dilma e o coronel Oliva vão fazer reaparecer o Sistema Nacional de Telecomunicaçõ es (SNT)", o serviço de troncos criado em 1962 pela lei 4.117 com a finalidade de interligar as redes locais das quase 1.200 operadoras de telefonia existentes naquela época e que, apesar da sua importância estratégica para a soberania do país, fo i fraudulentamente "desaparecido" do mapa em 1997 pelos prepostos da Telefonica e da MCI nomeados por Fernando Henrique para as presidências da Telebrás e da Embratel, respectivamente.

Cartel de concessionárias

Apesar do nome oficial de serviço de troncos, por causa do diâmetro dos antigos cabos interurbanos de telefonia, o SNT constituiu a rede pública de longa distância, a espinha dorsal de todos os serviços públicos de telecomunicaçõ es do Brasil, que foi implementada com muuuiiiitos bilhões de cruzeiros, cruzados e reais provenientes do finado Fundo Nacional das Telecomunicaçõ es, de tarifas públicas, dos contratos de planos de expansão da telefonia e até do Tesouro Nacional. Um patrimônio público formado por milhares de quilômetros de fibras ópticas, centros de comutação, cabos submarinos, satélites e mais uma monte de outros penduricalhos high-tech.

Até julho de 1997, por determinação expressa da lei 4.117, o SNT era operado em regime de monopólio pela Embratel. A carrier, na época estatal, além de realizar as interconexões de longa distância da telefonia, também explorava os serviços públicos de telex, de repetição de sinais de rádio e TV, de estações costeiras, de transmissão e recepção através de satélites, assim como os serviços públicos de transmissão de dados nas modalidades de comutação por circuitos (ex. redes Transdata e Interdata) e comutação por pacotes (ex. redes Renpac e internet). Todos os serviços de dados da Embratel eram prestados através da Rede Nacional de Transmissão de Dados (RNTD), que é parte integrante do SNT.

Diante da necessidade imperiosa de o governo manter o SNT sob seu controle, até por questões de segurança nacional, o art. 207 da lei 9.472 (LGT) determinou expressamente que, até o dia 17/09/97, a Embratel deveria pleitear a celebração de contrato de concessão para explorar o serviço de troncos. Porém, ignorando a lei, os prepostos da Telefonica e da MCI, em parceria com os lobistas da revisão constitucional de 1993 que passaram a comandar a Anatel, tiveram a brilhante idéia de, ao invés da rede de troncos, outorgarem à Embratel uma concessão fajuta para exploração de "serviços de STFC de longa distância".

Isto resultou que, na ausência de uma concessionária específica para operá-lo, o SNT acabasse sendo capturado por um cartel de quatro grandes concessionárias do STFC, que passou a utilizar as redes públicas para exploração de serviços em regime privado, cobrando os preços que bem entendesse, como no caso das redes IP da RNTD, que respondem por cerca de 90% do tráfego internet no Brasil e cujos preços para os usuários finais chegam a ficar até quatro vezes acima daqueles praticados em outros países.

Cinco providências

Nas minhas divagações, os supostos planos da Casa Civil se tornaram claros após os comentários de que a Telebrás iria ser reativada, pois como a lei 5.792/72 e o decreto 74.379/74 estão em pleno vigor, a empresa ainda é a concessionária geral dos serviços públicos de telecomunicaçõ es. Desta forma, imaginei que a ministra Dilma iria arrumar um jeito de fazer com que o ministro Hélio Costa tomasse logo as seguintes providências, que vêm sendo empurradas com a barriga pelo Minicom desde a publicação da LGT, em julho de 1997:

1. Exigir que a Embratel finalmente celebre contrato de concessão para explorar industrialmente a rede de troncos e suas conexões internacionais (SNT), conforme determina expressamente o art. 207 da LGT, de forma a fazer com que a empresa volte a desempenhar as suas funções originais de fornecedora de infra-estrutura da rede pública de transporte para todas as prestadoras de serviços de telecomunicaçõ es. Vale destacar que a existência da concessionária do serviço de troncos é essencial para assegurar a operação integrada das redes públicas de telecomunicaçõ es em âmbito nacional e internacional, nos termos do art. 146 da LGT. Isso porque, nos casos de litígios insolúveis entre prestadoras, sempre haverá a possibilidade de o governo determinar, em nome do interesse público, que as redes locais sejam interconectadas "na marra" através das centrais de comutação da rede de troncos.

2. Extinguir a concessão para serviços de STFC de longa distância da Embratel, pois, além da LGT não prever a sua existência, essa concessão impede que sejam imputadas obrigações de universalizaçã o e continuidade das redes de longa distância para a concessionária do serviço de troncos e, conseqüentemente, que as verbas do FUST sejam utilizadas na expansão do backbone IP da RNTD para levar a rede internet a todos os municípios do país.

3. Determinar a criação de novas subsidiárias Telebrás, específicas para exploração de serviços públicos de comunicação de dados, que deverão assumir a operação das redes IP metropolitanas da RNTD, ora sob domínio ilegal das concessionárias do STFC, que as estão explorando clandestinamente.

4. Alterar o Plano Geral de Outorgas para fazer constar a existência da concessionária do serviço de troncos e definir as áreas de concessão dos serviços públicos de comunicação de dados.

5. Criar Planos de Metas de Universalizaçã o específicos para o serviço de troncos e para os serviços públicos de comunicação de dados que contenham metas detalhadas para o atendimento das instituições beneficiárias dos recursos do FUST (incisos V a VIII do art. 5º da lei 9.998/00) e priorizem o atendimento às comunidades remotas.

Taxas de fiscalização ilegais

Mas, para que as coisas realmente entrem nos eixos na área de telecom, será necessário que o Poder Executivo publique o decreto com o Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicaçõ es (Livro III da LGT), assim como os regulamentos específicos para o STFC, SMP e SCM, ora artificialmente regidos por meras minutas de propostas de regulamentos aprovadas por resoluções da Anatel que, nos termos da Constituição Federal, da LGT e da lei 9.649/98, não possuem qualquer valor legal. Obviamente, o regulamento geral deverá estabelecer regras claras para as interconexões entre as redes das prestadoras locais e a rede de troncos do SNT, tanto para a telefonia de longa distância quanto para os serviços de comunicação de dados.

Por força do art. 150 da Constituição Federal, o Executivo também terá de enviar ao Congresso um projeto de lei propondo o estabelecimento dos valores que serão cobrados pelas concessões, permissões ou autorizações para a exploração de serviços de telecomunicaçõ es, assim como terá de propor alterações na lei 9.691/98 para incluir os valores das taxas de instalação e fiscalização de estações do SMP e do SCM, que não constam na referida lei, de forma a acabar de vez com as arbitrariedades que estão sendo praticadas pela Anatel, como no caso dos fornecedores de conexões internet Wi-Fi que, para "legalizarem" as suas atividades, são obrigados a pagar 9 mil reais por autorizações do ainda inexistente Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), além de taxas de fiscalização (TFIs e TFEs), que jamais poderiam incidir sobre equipamentos de radiação restrita aderentes ao padrão IEEE 802.11.x, considerados como eletrodomésticos de livre uso pela população.

Corações e votos

O fato é que enquanto a Anatel não levar uma "enquadrada" parecida com aquela que o ministro Jobim aplicou na Anac, nada impede que a autarquia, em mais um daqueles muitos delírios em que se imagina como sendo um quarto poder da República, invente de cobrar taxas pela utilização de controles remotos de TV, telefones sem fio, controles de portões de garagens, fornos microondas e demais equipamentos vendidos em supermercados que operam em freqüências públicas.

Assim, apenas cumprindo e fazendo o Minicom cumprir a legislação existente, Dilma Rousseff acabaria com a farra do cartel que se apoderou do Sistema Nacional de Telecomunicaçõ es, o que incentivaria a entrada de novos investidores e a livre concorrência no mercado de telecom, especialmente nos serviços de redes IP. Afinal, como a LGT estabelece em seu art. 69 que a telefonia é uma modalidade de serviço diferente da comunicação de dados e determina expressamente, em seu art. 86, que concessionárias de serviços públicos de telecomunicaçõ es devem explorar exclusivamente a modalidade de serviço objeto de suas concessões, isto resultaria na transferência imediata das redes IP metropolitanas para as novas subsidiárias Telebrás e o fim dos monopólios dos serviços de conexões internet baseadas na tecnologia DSL. Permitiria também ao governo utilizar o backbone da Embratel e as redes IP metropolitanas para promover a inclusão digital com recursos do FUST, sem precisar negociar ou dar s atisfações a empresários.

Imagino que, pela postura irrepreensível demonstrada até aqui na chefia da Casa Civil, a ministra Dilma realmente vá fazer isso, até para conquistar os corações (e votos para a sua candidatura à Presidência em 2010) dos milhões de cidadãos que continuam barrados do baile da internet.

Um serviço bizarro

Porém, existe o problema da banda podre da área de telecom que – após ter conseguido abafar com sucesso o escândalo dos grampos do BNDES; a conta tucana de 150 milhões de dólares; a operação carnaval da PF; e duas CPIs – continua aí, firme e forte, pronta para cumprir as determinações do ministro das Comunicações vitalício que, desde o dia 30/7/199, comanda o setor diretamente de sua sala localizada na capital paulista, auxiliado por alguns ex-conselheiros da Anatel.

Só para variar, os caras estão armando um novo cambalacho para entregar os serviços de comunicação de dados (e a grana) do FUST às concessionárias de telefonia. Contando nos dedos, esta é a terceira vez que eles tentam a mesma coisa (brasileiro não desiste nunca…). Na primeira tentativa, em 2001, a Anatel pegou carona em dois estranhos decretos do governo Fernando Henrique Cardoso que estabeleciam metas de universalizaçã o genéricas para supostos "serviços de telecomunicaçõ es" (decretos 3.753/01 e 3.754/01) e promoveu uma licitação de cartas marcadas para transformar as concessionárias do STFC em fornecedoras tanto dos serviços de redes IP – de 290 mil computadores para 13 mil escolas públicas. A maracutaia acabou suspensa pela justiça graças à intervenção dos deputados Sérgio Miranda e Walter Pinheiro, por violação à lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Na segunda tentativa, que rolou em 2003, já no governo Lula, a autarquia inventou o bizarro "Serviço de Comunicações Digitais – SCD", que serviria para interligar "algo" a inexistentes "provedores de acesso a redes digitais de informação e à internet" que, na realidade, eram apenas uma fachada para ocultar o "desaparecido" serviço de troncos. Após ter causado muito bate-boca entre a Anatel e diversas entidades indignadas com a tentativa do governo em querer enganá-las, a proposta de criação do SCD foi descartada pelo Minicom em 2004.

Uma sangria de R$ 6 bilhões

Agora, parece que a banda podre perdeu o respeito de vez, ao passar por cima de dois acórdãos do TCU (1107/2003 e 2.148/2005), para tentar obter do presidente Lula a publicação de um decreto estabelecendo metas de universalizaçã o de backbones IP para as concessionárias de telefonia fixa, metas que, por lei, deveriam ser imputadas à concessionária do serviço de troncos.

Talvez a parte mais indigesta do novo cambalacho seja a alegação cretina de que "55 mil escolas localizadas em áreas urbanas receberão, gratuitamente, acesso à internet por 18 anos". Que "gratuidade" é essa, prezado cara-pálida? Aquela simpática vovó da foto do telefone que era exibida no site da agência mandou avisar que, ao imputar ilegalmente metas de universalizaçã o de redes IP para as concessionárias de telefonia através de decreto, o governo dará a elas o direito de utilizarem as verbas do FUST para cobertura das parcelas de custos que não puderem ser recuperadas com a exploração eficiente dos serviços.

Como gratuidades costumam representar 100% de custo e 0% de retorno financeiro e Milton Friedman nos ensinou que "não existe almoço grátis", certamente boa parte do custo dessa "caridade" será coberta pelo chapéu alheio das tarifas públicas do STFC, via subsídio cruzado e o restante, é óbvio, sairá das tetas do FUST. Segundo a vovó, em tese, a sangria dos cofres públicos poderá chegar até 6 bilhões de reais, grana mais que suficiente para espalhar fibras ópticas para tudo que é canto e, de quebra, comprar um monte de equipamentos WiMAX, para serem instalados em todas as cidades nas quais o DSL não for economicamente viável.

"Plano B" para o monopólio

Resumo da ópera: após ter oligopolizado ilegalmente os serviços de redes IP nos grandes centros, o cartel das concessionárias do STFC agora quer estender os oligopólios até as pequenas e médias cidades, "deletando" de vez a concorrência.

O lado irônico dessa encrenca é que tudo começou em 2004, quando a Anatel estava com o SCD pronto para enfiar pela goela da população e dependia apenas de a WorldCom vender o controle da Embratel para as três concessionárias locais do STFC. Com isso, a fraude do serviço de troncos estaria consumada e o cartel, a partir de então formado por apenas três empresas, assumiria o controle total sobre o SNT e todos nós estaríamos agora ferrados e mal-pagos, convivendo com os tradicionais oligopólios do STFC somados ao novo monopólio da comunicação de dados. Aí, veio o Carlos Slim (Telmex), comprou a Embratel e colocou água no chope das pobrezinhas, obrigando-as a partir para um "plano B", representado pela atual maracutaia, na qual as redes da Eletronet e da Petrobras serão utilizadas como backbone, no lugar das redes IP da Embratel, para realizarem o sonho do ministro das Comunicações vitalício, de finalmente consolidar o ansiado monopólio dos serviços de comunicação de dados.

Grandes emoções

Surge então a pergunta que não quer calar: se quase todo mundo já sabe que as concessionárias de telefonia, incluindo a Embratel, estão utilizando ilegalmente as redes públicas do SNT para explorar serviços em regime privado, para que a Anatel e o Minicom insistem em agir feito uma dupla de estelionatários- sorvetões, bolando esses trambiques idiotas que só servem para desmoralizá-los ainda mais perante a população? A vovó do telefone está louca para saber qual é a mágica que impede o Ministério Público, a Corregedoria Geral da União e o Congresso Nacional de enxergar esse elefante fedorento estacionado na sala de estar do Minicom.

Duvido que a ministra Dilma Rousseff embarque nessa canoa furada, que poderá até expor o presidente Lula a um escândalo ainda pior do que o dos mensalões, já que muitas entidades representativas, tanto de usuários quanto de empresas de telecom, profundamente irritados com esta nova tentativa do governo em fazê-los de trouxas, pretendem pegar pesado em suas retaliações. Tem gente falando em crime de concussão e estelionato, assim como existem os que pretendem denunciar o ministro Hélio Costa ao Congresso por crime de responsabilidade e por aí vai. Em suma, se ao menos uma dessas entidades resolver procurar o Ministério Público para bater de frente contra o Minicom, certamente vai voar pena para todo lado porque vai ser difícil alguém explicar, de forma convincente, o motivo da Embratel não ter pleiteado a concessão do serviço de troncos até hoje.

Sei não, mas… 2008 promete começar com grandes emoções na área de telecom.

Fonte: Observatório da Imprensa

Tiroteio digital

Informações sobre televisão digital são imprecisas e propaganda, às vezes, enganosa

Nesse assunto de televisão digital é preciso muito cuidado porque o fogo está cruzado. As informações são imprecisas e a propaganda, às vezes, enganosa. Mesmo no bê-á-bá dos jornais e revistas, nas tentativas de esclarecimento com quadros de perguntas mais comuns, as respostas são confusas, quando não erradas ou mal-ordenadas.

No Brasil, nós costumamos querer tudo para hoje e as coisas não acontecem assim. Vamos, portanto, devagar com o andor. Acho que uma visão simples e objetiva pode ajudar a entender a novidade. Primeiro, vamos deixar claro que a televisão digital é apenas um avanço tecnológico e não uma revolução. A grade das emissoras, ou seja, a programação, será exatamente a mesma na televisão analógica e na televisão digital. Continua tudo igual. Depois, é colocar na cabeça que a televisão atual ficará no ar por mais dez anos.

O nosso sistema é híbrido, mistura do japonês com aperfeiçoamentos brasileiros, o que complica um pouco a história. Mesmo assim, creio que a escolha foi um passo acertado do Ministério das Comunicações, porque o sistema é tecnicamente melhor e vai poder, aos poucos, acrescentar algumas inovações. O mais importante é que haverá um número de canais livres para permitir a entrada de novos parceiros na televisão comercial. Tomara que o ministério não sente em cima desse assunto e licite logo esses canais para tornar o digital mais atraente, além da simples melhora do sinal e da portabilidade.

Mas, vejam bem, essa história de que a tevê digital pega em qualquer lugar, no ônibus, nos carros, no celular, não é bem verdade. Em túneis e locais de pouco sinal, não pega nada. Dependerá da colocação progressiva de retransmissores nesses locais. Não pega em qualquer celular. Ele precisará ter características específicas para receber televisão. No começo também não haverá interatividade que se possa chamar de diálogo. Os conversores que estão no mercado não estão prontos para isso e o software brasileiro, o Ginga, ainda está em desenvolvimento. Vai demorar um pouco.

Mesmo assim, interatividade plena, de mão dupla, só para quem estiver conectado com as emissoras através de linha telefônica, cabo ou internet sem fio. E, como diz o ministro Hélio Costa, os conversores estão caros demais. É melhor ficar na sua e aguardar. No momento não se está perdendo nada. O impacto do digital é muito menor do que a mudança de preto e branco para cores, e, para quem já recebe uma boa imagem, vai ser difícil notar a diferença.

O que não se está dizendo é que o digital pode pegar ou não em alguns lugares. Diferentemente do analógico, que pode pegar bem, mal ou mais ou menos, o digital pega bem ou não pega nada. No Brasil temos 50 milhões de aparelhos analógicos, e a televisão só estará totalmente digitalizada quando todos esses aparelhos forem substituídos por novos. E é bom que se saiba que os chamados conversores, caixinhas ou, tecnicamente, set-top boxes recebem os sinais de televisão digital e os transformam em sinais analógicos. Portanto, quem tem aparelho comum vai pegar digital do ar, mas vai ver analógico em casa. Digital de verdade, só comprando um aparelho pronto para essa tecnologia. E, para quem comprou recentemente um LCD ou plasma, é preciso verificar se o aparelho está pronto para o nosso sistema. A maioria não está.

E quem tem cabo ou tevê por assinatura? Aí a encrenca é maior. Novas caixas deverão ser disponibilizadas com entrada e saída digital. Quem tem cabo digital, hoje, e pensa que está vendo televisão digital: não está. Digital é apenas o transporte do sinal pelo cabo. No televisor entra analógico mesmo. E a tão falada alta definição? Digital é uma coisa e alta definição é outra. Tem mesmo que ter um televisor HD prontinho para isso e, se não tiver conversor embutido, haverá a necessidade de adquirir um mais completo, que não seja apenas o básico.

Ainda é necessário ver se a oferta de programas pelas emissoras compensará o investimento. De qualquer forma, a televisão digital fará, do ponto de vista formal, que as produções sejam mais caprichadas. Cenários, figurinos, maquilagem e iluminação vão exigir mais cuidados. Sem falar no som que, utilizando um sistema dolby de vários canais, precisará de um processamento especial de captação e pós-produção.

Em compensação, corremos o risco de que os produtores se apaixonem pela forma e deixem de lado o conteúdo, onde deveria estar a verdadeira revolução. Eventos como o futebol, esportes em geral e o carnaval, por exemplo, vão se beneficiar do digital e muito mais com a alta definição, mas tudo vai custar caro para produzir. Os investimentos maiores, no entanto, ficarão por conta dos transmissores. Contando as geradoras e repetidoras em operação no Brasil, será necessário trocar mais de 8 mil transmissores. Cada um custará entre US$ 500 mil e US$ 2,5 milhões. É coisa para bilhões de dólares. Quem vai pagar essa conta? O mercado publicitário não será. As emissoras do interior não têm essa grana. Como se vê, ficará caro para os telespectadores e muito mais caro para as emissoras.

Mas não há outro caminho, pois a indústria de televisores irá tirar o pé do acelerador na produção de aparelhos analógicos. Eles, os fabricantes de televisores, serão os maiores beneficiados pela mudança. Pois terão chance de vender mais em um mercado atualmente saturado de televisores. Noventa e cinco por cento dos lares brasileiros têm televisão e a reposição é lenta. Enfim, o mercado, como sempre, é que vai determinar o ritmo das mudanças. Vamos de digital? Vamos, mas com calma. Não há pressa e tem muita bala perdida para todos os lados.