Informações sobre televisão digital são imprecisas e propaganda, às vezes, enganosa
Nesse assunto de televisão digital é preciso muito cuidado porque o fogo está cruzado. As informações são imprecisas e a propaganda, às vezes, enganosa. Mesmo no bê-á-bá dos jornais e revistas, nas tentativas de esclarecimento com quadros de perguntas mais comuns, as respostas são confusas, quando não erradas ou mal-ordenadas.
No Brasil, nós costumamos querer tudo para hoje e as coisas não acontecem assim. Vamos, portanto, devagar com o andor. Acho que uma visão simples e objetiva pode ajudar a entender a novidade. Primeiro, vamos deixar claro que a televisão digital é apenas um avanço tecnológico e não uma revolução. A grade das emissoras, ou seja, a programação, será exatamente a mesma na televisão analógica e na televisão digital. Continua tudo igual. Depois, é colocar na cabeça que a televisão atual ficará no ar por mais dez anos.
O nosso sistema é híbrido, mistura do japonês com aperfeiçoamentos brasileiros, o que complica um pouco a história. Mesmo assim, creio que a escolha foi um passo acertado do Ministério das Comunicações, porque o sistema é tecnicamente melhor e vai poder, aos poucos, acrescentar algumas inovações. O mais importante é que haverá um número de canais livres para permitir a entrada de novos parceiros na televisão comercial. Tomara que o ministério não sente em cima desse assunto e licite logo esses canais para tornar o digital mais atraente, além da simples melhora do sinal e da portabilidade.
Mas, vejam bem, essa história de que a tevê digital pega em qualquer lugar, no ônibus, nos carros, no celular, não é bem verdade. Em túneis e locais de pouco sinal, não pega nada. Dependerá da colocação progressiva de retransmissores nesses locais. Não pega em qualquer celular. Ele precisará ter características específicas para receber televisão. No começo também não haverá interatividade que se possa chamar de diálogo. Os conversores que estão no mercado não estão prontos para isso e o software brasileiro, o Ginga, ainda está em desenvolvimento. Vai demorar um pouco.
Mesmo assim, interatividade plena, de mão dupla, só para quem estiver conectado com as emissoras através de linha telefônica, cabo ou internet sem fio. E, como diz o ministro Hélio Costa, os conversores estão caros demais. É melhor ficar na sua e aguardar. No momento não se está perdendo nada. O impacto do digital é muito menor do que a mudança de preto e branco para cores, e, para quem já recebe uma boa imagem, vai ser difícil notar a diferença.
O que não se está dizendo é que o digital pode pegar ou não em alguns lugares. Diferentemente do analógico, que pode pegar bem, mal ou mais ou menos, o digital pega bem ou não pega nada. No Brasil temos 50 milhões de aparelhos analógicos, e a televisão só estará totalmente digitalizada quando todos esses aparelhos forem substituídos por novos. E é bom que se saiba que os chamados conversores, caixinhas ou, tecnicamente, set-top boxes recebem os sinais de televisão digital e os transformam em sinais analógicos. Portanto, quem tem aparelho comum vai pegar digital do ar, mas vai ver analógico em casa. Digital de verdade, só comprando um aparelho pronto para essa tecnologia. E, para quem comprou recentemente um LCD ou plasma, é preciso verificar se o aparelho está pronto para o nosso sistema. A maioria não está.
E quem tem cabo ou tevê por assinatura? Aí a encrenca é maior. Novas caixas deverão ser disponibilizadas com entrada e saída digital. Quem tem cabo digital, hoje, e pensa que está vendo televisão digital: não está. Digital é apenas o transporte do sinal pelo cabo. No televisor entra analógico mesmo. E a tão falada alta definição? Digital é uma coisa e alta definição é outra. Tem mesmo que ter um televisor HD prontinho para isso e, se não tiver conversor embutido, haverá a necessidade de adquirir um mais completo, que não seja apenas o básico.
Ainda é necessário ver se a oferta de programas pelas emissoras compensará o investimento. De qualquer forma, a televisão digital fará, do ponto de vista formal, que as produções sejam mais caprichadas. Cenários, figurinos, maquilagem e iluminação vão exigir mais cuidados. Sem falar no som que, utilizando um sistema dolby de vários canais, precisará de um processamento especial de captação e pós-produção.
Em compensação, corremos o risco de que os produtores se apaixonem pela forma e deixem de lado o conteúdo, onde deveria estar a verdadeira revolução. Eventos como o futebol, esportes em geral e o carnaval, por exemplo, vão se beneficiar do digital e muito mais com a alta definição, mas tudo vai custar caro para produzir. Os investimentos maiores, no entanto, ficarão por conta dos transmissores. Contando as geradoras e repetidoras em operação no Brasil, será necessário trocar mais de 8 mil transmissores. Cada um custará entre US$ 500 mil e US$ 2,5 milhões. É coisa para bilhões de dólares. Quem vai pagar essa conta? O mercado publicitário não será. As emissoras do interior não têm essa grana. Como se vê, ficará caro para os telespectadores e muito mais caro para as emissoras.
Mas não há outro caminho, pois a indústria de televisores irá tirar o pé do acelerador na produção de aparelhos analógicos. Eles, os fabricantes de televisores, serão os maiores beneficiados pela mudança. Pois terão chance de vender mais em um mercado atualmente saturado de televisores. Noventa e cinco por cento dos lares brasileiros têm televisão e a reposição é lenta. Enfim, o mercado, como sempre, é que vai determinar o ritmo das mudanças. Vamos de digital? Vamos, mas com calma. Não há pressa e tem muita bala perdida para todos os lados.