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Feliz ano velho – Entra ano, sai ano, a mesmice na TV

Ano novo, tudo velho. É um recorrente paradoxo da televisão brasileira que a entrada de um novo ano, época de esperanças e de promessas de renovação para o cidadão comum, seja o período de reafirmação da sua timidez e da sua mesmice. Diante dos 365 dias que enfrentará, no novo giro da Terra em torno do Sol, o brasileiro pode não ter certeza de nada, mas de uma coisa está absolutamente seguro: a programação da TV será a de sempre. Pouquíssimas coisas vão mudar, aqui e ali, apenas para espanar as teias de aranha e assegurar que tudo seguirá exatamente como sempre foi, ou vem sendo, há décadas.

Tomemos a TV Globo, que é a líder de mercado e, naturalmente, guia os passos da concorrência, fazendo com que todas as grades sejam montadas em função dela. O que nos oferecerá em 2008 a Pérola de Jacarepaguá? De janeiro ao final de março, época das férias do elenco e de boa parte das equipes de produção, manterá a grade habitual de novelas, jornalísticos, filmes e programas de celebridades entre a zero hora e as dez da noite, aumentando um pouco a taxa de filmes. Na faixa das 22h, vai estrear mais um Big Brother Brasil, que por aqui já virou uma variante de folhetim eletrônico, ao contrário dos seus similares mundo afora, e é por isso que chega à oitava edição. Depois, virá com outra minissérie (Caros Amigos, de Maria Adelaide Amaral) e, claro, mais uma edição do seriado 24 Horas.

A partir de abril, com o ano já avançado, estréia a "programação 2008". Com o quê? A próxima novela "das oito", que começará sempre em torno das nove (no horário de Brasília), e mais tudo aquilo que você é absolutamente capaz de recitar de cor, dia a dia da semana, ao menos no horário noturno: Tela Quente na segunda, Casseta & Planeta na terça, futebol na quarta, A Grande Família na quinta, etc., etc., etc. Mais previsível do que filme policial americano. Mais conservador que a marca da Coca-Cola.

Parece que teremos alguma novidade no horário atual de Toma Lá, Dá Cá (terças, 22h50), que não decidiu se queria copiar Sai de Baixo ou os seriados gringos, e não granjeou exatamente a estima dos telespectadores. Parece também que Caco Barcellos vai emplacar o excelente Profissão Repórter como programa semanal, desfalcando o Fantástico. No mais, nada mais. Ou melhor, o de sempre. A grade da tradição, que ficará no ar com a sua regularidade habitual dos últimos 40 anos e só abrirá algum espaço à invenção na última semana do ano, quando testará novos formatos sob o rótulo de "especiais", para não assustar muito (o pessoal interno, não o público). Isso, claro, depois do inevitável show de Roberto Carlos e antes do já rotineiro Reveillon do Faustão.

Tributo à velharia

Se examinarmos a grade das outras emissoras, também veremos que a taxa de inovação será baixa, embora consideravelmente maior do que a da Globo. Vicissitudes de quem não lidera e precisa ter flexibilidade tática para enfrentar as oscilações da audiência global, além de não ter dinheiro a perder com atrações que não funcionem. Daí aquelas novelas que acabam no meio, quando não suspensas, e aqueles tantos astros e estrelas que são incensados quando estréiam e depois perdem o emprego abruptamente, sem entender direito de onde veio a tsunami que os levou. A regularidade, aqui, é da irregularidade e nem dá para chamar de novidade os programas que surgem, porque, em geral, são fórmulas antigas recicladas ou clones descarados de algum sucesso.

OK, é quixotesco imaginar que a televisão possa ser o reino da criação. Enquanto o teatro é a arte do ator e o cinema, a do diretor, a televisão é a arte do patrocinador, como alguém brilhantemente definiu (não tenho à mão o Almanaque da TV, do Rixa, para precisar). Se é assim, a taxa de inovação será mesmo baixa, porque anunciantes não gostam de correr riscos e preferem jogar com times que já estão vencendo. Parece lógico, não? Mas é exatamente esse raciocínio que está levando o negócio televisivo, como um todo, para o buraco. Diante da inesgotável fábrica de novidades que é a internet, diante da fartura de opções que a pirataria de DVDs e videogames oferece, o público está girando o botão da TV – para desligá-lo. Busca novidades, não encontra, cai fora.

Se pensarmos essa situação em termos de diversidade cultural, aí é que o caldo engrossa de vez. Que diversidade pode haver numa mídia que é, em tudo, monotonia? Que diversidade se pode pretender se quem paga a conta – o anunciante – compra regularidade de audiência e não quer correr o mínimo risco de um novo programa derrubar 2 ou 3 pontos do Ibope do horário, até que o público se acostume com ele? Aliás, que raio de público é esse, que vive clamando por novidades, mas que "estranha" os novos programas que lhe oferecem, mesmo quando eles se parecem com milhões de outros já exibidos anteriormente?

É de se lamentar, mas não de estranhar, que apenas uma semana do ano – a última – concentre toda a inovação de que uma rede poderosa como a Globo é capaz de oferecer. Deixam-se as novidades no ano velho, porque o novo vai se contentar com velharias. Apenas um, ou quem sabe dois, dos interessantes seriados exibidos na semana passada emplacarão a "grade 2008". E eles trazem material adequado tanto para a audiência popular (Guerra e Paz e Faça Sua História) quanto para os telespectadores mais sofisticados (Os Amadores e Casos e Acasos). Veremos qual deles vencerá a corrida contra a mesmice, ou mesmo se algum terá êxito nisso.

Contra o tédio

A tendência natural da televisão comercial em preservar muito e inovar pouco, apenas ela, já deveria bastar para eliminar as dúvidas daqueles que não vêem necessidade na televisão pública. Que está consideravelmente viciada no mesmo conservadorismo, admitamos, até porque tem de recorrer ao financiamento privado para suprir o aporte financeiro que o Estado lhe sonega. Mas, ainda assim, é muito mais ousada e inventiva, e tem compromisso muito mais sério com a busca da diversidade. Se tivesse dinheiro para bancar o seu desejo de criar, dinheiro livre de injunções políticas ou comerciais, certamente promoveria uma revolução no bocejante quadro atual da TV.

A nova televisão pública federal, TV Brasil, anuncia o propósito de oferecer, a partir de março, uma grade de 16 horas diárias, das quais a metade será constituída de produções independentes e programas regionais. Isso promete ser uma injeção de diversidade na tela, ainda que a sua inoculação seja lenta, irregular e a meta demore para ser atingida. Uma grade de programação que seja mais surpreendente que previsível é o sonho de consumo do telespectador inteligente. Uma emissora pública está se dispondo a procurá-la, falta alguma comercial. Ou melhor: falta que todas, comerciais ou públicas, desejem a diversidade e a novidade, e as persigam como valor central.

Porque o público, em tempos de mídias interativas, não fica mais sentado no poltronão, amuando-se de tédio. Corre ao YouTube, ao Joost, e encontra a variedade que deseja. E tirá-lo da frente do computador, de volta ao televisor, não é tarefa das mais fáceis. A televisão, então, que reflita urgentemente sobre o que oferece em seu próprio tubo. Para não entrar, ainda mais, pelo cano.

Acordo Minicom-teles: um presente de grego para o governo

Quando começaram a pipocar as primeiras notícias sobre o interesse do governo em utilizar a rede de fibras da Eletronet como backbone (backhaul) para levar internet aos mais de 90% de municípios do país que nem sonham com banda larga, pensei aqui com os meus botões: será que a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, vai ter coragem de desmascarar a dupla Minicom/Anatel e abrir a caixa-preta da comunicação de dados para desencalhar a grana do Fundo de Universalizaçã o dos Serviços de Telecomunicaçõ es (FUST)?

Novas emoções surgiram quando o coronel Oliva Neto, ex-secretário nacional de Assuntos Estratégicos, começou a falar para todo mundo que o governo pretendia adotar por aqui o modelo open reach, igual ao da Inglaterra. Neste modelo, uma grande concessionária é responsável pelo fornecimento da infra-estrutura de transporte das informações de telecomunicaçõ es, em âmbito nacional e internacional, de forma isonômica e neutra em relação à concorrência para todas as prestadoras locais de quaisquer modalidades de serviços de telecom, não importando se for telefonia, comunicação de dados, sinais de rádio e TV, sinais de fumaça etc. Pensei: "Caramba! Parece que a Dilma e o coronel Oliva vão fazer reaparecer o Sistema Nacional de Telecomunicaçõ es (SNT)", o serviço de troncos criado em 1962 pela lei 4.117 com a finalidade de interligar as redes locais das quase 1.200 operadoras de telefonia existentes naquela época e que, apesar da sua importância estratégica para a soberania do país, fo i fraudulentamente "desaparecido" do mapa em 1997 pelos prepostos da Telefonica e da MCI nomeados por Fernando Henrique para as presidências da Telebrás e da Embratel, respectivamente.

Cartel de concessionárias

Apesar do nome oficial de serviço de troncos, por causa do diâmetro dos antigos cabos interurbanos de telefonia, o SNT constituiu a rede pública de longa distância, a espinha dorsal de todos os serviços públicos de telecomunicaçõ es do Brasil, que foi implementada com muuuiiiitos bilhões de cruzeiros, cruzados e reais provenientes do finado Fundo Nacional das Telecomunicaçõ es, de tarifas públicas, dos contratos de planos de expansão da telefonia e até do Tesouro Nacional. Um patrimônio público formado por milhares de quilômetros de fibras ópticas, centros de comutação, cabos submarinos, satélites e mais uma monte de outros penduricalhos high-tech.

Até julho de 1997, por determinação expressa da lei 4.117, o SNT era operado em regime de monopólio pela Embratel. A carrier, na época estatal, além de realizar as interconexões de longa distância da telefonia, também explorava os serviços públicos de telex, de repetição de sinais de rádio e TV, de estações costeiras, de transmissão e recepção através de satélites, assim como os serviços públicos de transmissão de dados nas modalidades de comutação por circuitos (ex. redes Transdata e Interdata) e comutação por pacotes (ex. redes Renpac e internet). Todos os serviços de dados da Embratel eram prestados através da Rede Nacional de Transmissão de Dados (RNTD), que é parte integrante do SNT.

Diante da necessidade imperiosa de o governo manter o SNT sob seu controle, até por questões de segurança nacional, o art. 207 da lei 9.472 (LGT) determinou expressamente que, até o dia 17/09/97, a Embratel deveria pleitear a celebração de contrato de concessão para explorar o serviço de troncos. Porém, ignorando a lei, os prepostos da Telefonica e da MCI, em parceria com os lobistas da revisão constitucional de 1993 que passaram a comandar a Anatel, tiveram a brilhante idéia de, ao invés da rede de troncos, outorgarem à Embratel uma concessão fajuta para exploração de "serviços de STFC de longa distância".

Isto resultou que, na ausência de uma concessionária específica para operá-lo, o SNT acabasse sendo capturado por um cartel de quatro grandes concessionárias do STFC, que passou a utilizar as redes públicas para exploração de serviços em regime privado, cobrando os preços que bem entendesse, como no caso das redes IP da RNTD, que respondem por cerca de 90% do tráfego internet no Brasil e cujos preços para os usuários finais chegam a ficar até quatro vezes acima daqueles praticados em outros países.

Cinco providências

Nas minhas divagações, os supostos planos da Casa Civil se tornaram claros após os comentários de que a Telebrás iria ser reativada, pois como a lei 5.792/72 e o decreto 74.379/74 estão em pleno vigor, a empresa ainda é a concessionária geral dos serviços públicos de telecomunicaçõ es. Desta forma, imaginei que a ministra Dilma iria arrumar um jeito de fazer com que o ministro Hélio Costa tomasse logo as seguintes providências, que vêm sendo empurradas com a barriga pelo Minicom desde a publicação da LGT, em julho de 1997:

1. Exigir que a Embratel finalmente celebre contrato de concessão para explorar industrialmente a rede de troncos e suas conexões internacionais (SNT), conforme determina expressamente o art. 207 da LGT, de forma a fazer com que a empresa volte a desempenhar as suas funções originais de fornecedora de infra-estrutura da rede pública de transporte para todas as prestadoras de serviços de telecomunicaçõ es. Vale destacar que a existência da concessionária do serviço de troncos é essencial para assegurar a operação integrada das redes públicas de telecomunicaçõ es em âmbito nacional e internacional, nos termos do art. 146 da LGT. Isso porque, nos casos de litígios insolúveis entre prestadoras, sempre haverá a possibilidade de o governo determinar, em nome do interesse público, que as redes locais sejam interconectadas "na marra" através das centrais de comutação da rede de troncos.

2. Extinguir a concessão para serviços de STFC de longa distância da Embratel, pois, além da LGT não prever a sua existência, essa concessão impede que sejam imputadas obrigações de universalizaçã o e continuidade das redes de longa distância para a concessionária do serviço de troncos e, conseqüentemente, que as verbas do FUST sejam utilizadas na expansão do backbone IP da RNTD para levar a rede internet a todos os municípios do país.

3. Determinar a criação de novas subsidiárias Telebrás, específicas para exploração de serviços públicos de comunicação de dados, que deverão assumir a operação das redes IP metropolitanas da RNTD, ora sob domínio ilegal das concessionárias do STFC, que as estão explorando clandestinamente.

4. Alterar o Plano Geral de Outorgas para fazer constar a existência da concessionária do serviço de troncos e definir as áreas de concessão dos serviços públicos de comunicação de dados.

5. Criar Planos de Metas de Universalizaçã o específicos para o serviço de troncos e para os serviços públicos de comunicação de dados que contenham metas detalhadas para o atendimento das instituições beneficiárias dos recursos do FUST (incisos V a VIII do art. 5º da lei 9.998/00) e priorizem o atendimento às comunidades remotas.

Taxas de fiscalização ilegais

Mas, para que as coisas realmente entrem nos eixos na área de telecom, será necessário que o Poder Executivo publique o decreto com o Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicaçõ es (Livro III da LGT), assim como os regulamentos específicos para o STFC, SMP e SCM, ora artificialmente regidos por meras minutas de propostas de regulamentos aprovadas por resoluções da Anatel que, nos termos da Constituição Federal, da LGT e da lei 9.649/98, não possuem qualquer valor legal. Obviamente, o regulamento geral deverá estabelecer regras claras para as interconexões entre as redes das prestadoras locais e a rede de troncos do SNT, tanto para a telefonia de longa distância quanto para os serviços de comunicação de dados.

Por força do art. 150 da Constituição Federal, o Executivo também terá de enviar ao Congresso um projeto de lei propondo o estabelecimento dos valores que serão cobrados pelas concessões, permissões ou autorizações para a exploração de serviços de telecomunicaçõ es, assim como terá de propor alterações na lei 9.691/98 para incluir os valores das taxas de instalação e fiscalização de estações do SMP e do SCM, que não constam na referida lei, de forma a acabar de vez com as arbitrariedades que estão sendo praticadas pela Anatel, como no caso dos fornecedores de conexões internet Wi-Fi que, para "legalizarem" as suas atividades, são obrigados a pagar 9 mil reais por autorizações do ainda inexistente Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), além de taxas de fiscalização (TFIs e TFEs), que jamais poderiam incidir sobre equipamentos de radiação restrita aderentes ao padrão IEEE 802.11.x, considerados como eletrodomésticos de livre uso pela população.

Corações e votos

O fato é que enquanto a Anatel não levar uma "enquadrada" parecida com aquela que o ministro Jobim aplicou na Anac, nada impede que a autarquia, em mais um daqueles muitos delírios em que se imagina como sendo um quarto poder da República, invente de cobrar taxas pela utilização de controles remotos de TV, telefones sem fio, controles de portões de garagens, fornos microondas e demais equipamentos vendidos em supermercados que operam em freqüências públicas.

Assim, apenas cumprindo e fazendo o Minicom cumprir a legislação existente, Dilma Rousseff acabaria com a farra do cartel que se apoderou do Sistema Nacional de Telecomunicaçõ es, o que incentivaria a entrada de novos investidores e a livre concorrência no mercado de telecom, especialmente nos serviços de redes IP. Afinal, como a LGT estabelece em seu art. 69 que a telefonia é uma modalidade de serviço diferente da comunicação de dados e determina expressamente, em seu art. 86, que concessionárias de serviços públicos de telecomunicaçõ es devem explorar exclusivamente a modalidade de serviço objeto de suas concessões, isto resultaria na transferência imediata das redes IP metropolitanas para as novas subsidiárias Telebrás e o fim dos monopólios dos serviços de conexões internet baseadas na tecnologia DSL. Permitiria também ao governo utilizar o backbone da Embratel e as redes IP metropolitanas para promover a inclusão digital com recursos do FUST, sem precisar negociar ou dar s atisfações a empresários.

Imagino que, pela postura irrepreensível demonstrada até aqui na chefia da Casa Civil, a ministra Dilma realmente vá fazer isso, até para conquistar os corações (e votos para a sua candidatura à Presidência em 2010) dos milhões de cidadãos que continuam barrados do baile da internet.

Um serviço bizarro

Porém, existe o problema da banda podre da área de telecom que – após ter conseguido abafar com sucesso o escândalo dos grampos do BNDES; a conta tucana de 150 milhões de dólares; a operação carnaval da PF; e duas CPIs – continua aí, firme e forte, pronta para cumprir as determinações do ministro das Comunicações vitalício que, desde o dia 30/7/199, comanda o setor diretamente de sua sala localizada na capital paulista, auxiliado por alguns ex-conselheiros da Anatel.

Só para variar, os caras estão armando um novo cambalacho para entregar os serviços de comunicação de dados (e a grana) do FUST às concessionárias de telefonia. Contando nos dedos, esta é a terceira vez que eles tentam a mesma coisa (brasileiro não desiste nunca…). Na primeira tentativa, em 2001, a Anatel pegou carona em dois estranhos decretos do governo Fernando Henrique Cardoso que estabeleciam metas de universalizaçã o genéricas para supostos "serviços de telecomunicaçõ es" (decretos 3.753/01 e 3.754/01) e promoveu uma licitação de cartas marcadas para transformar as concessionárias do STFC em fornecedoras tanto dos serviços de redes IP – de 290 mil computadores para 13 mil escolas públicas. A maracutaia acabou suspensa pela justiça graças à intervenção dos deputados Sérgio Miranda e Walter Pinheiro, por violação à lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Na segunda tentativa, que rolou em 2003, já no governo Lula, a autarquia inventou o bizarro "Serviço de Comunicações Digitais – SCD", que serviria para interligar "algo" a inexistentes "provedores de acesso a redes digitais de informação e à internet" que, na realidade, eram apenas uma fachada para ocultar o "desaparecido" serviço de troncos. Após ter causado muito bate-boca entre a Anatel e diversas entidades indignadas com a tentativa do governo em querer enganá-las, a proposta de criação do SCD foi descartada pelo Minicom em 2004.

Uma sangria de R$ 6 bilhões

Agora, parece que a banda podre perdeu o respeito de vez, ao passar por cima de dois acórdãos do TCU (1107/2003 e 2.148/2005), para tentar obter do presidente Lula a publicação de um decreto estabelecendo metas de universalizaçã o de backbones IP para as concessionárias de telefonia fixa, metas que, por lei, deveriam ser imputadas à concessionária do serviço de troncos.

Talvez a parte mais indigesta do novo cambalacho seja a alegação cretina de que "55 mil escolas localizadas em áreas urbanas receberão, gratuitamente, acesso à internet por 18 anos". Que "gratuidade" é essa, prezado cara-pálida? Aquela simpática vovó da foto do telefone que era exibida no site da agência mandou avisar que, ao imputar ilegalmente metas de universalizaçã o de redes IP para as concessionárias de telefonia através de decreto, o governo dará a elas o direito de utilizarem as verbas do FUST para cobertura das parcelas de custos que não puderem ser recuperadas com a exploração eficiente dos serviços.

Como gratuidades costumam representar 100% de custo e 0% de retorno financeiro e Milton Friedman nos ensinou que "não existe almoço grátis", certamente boa parte do custo dessa "caridade" será coberta pelo chapéu alheio das tarifas públicas do STFC, via subsídio cruzado e o restante, é óbvio, sairá das tetas do FUST. Segundo a vovó, em tese, a sangria dos cofres públicos poderá chegar até 6 bilhões de reais, grana mais que suficiente para espalhar fibras ópticas para tudo que é canto e, de quebra, comprar um monte de equipamentos WiMAX, para serem instalados em todas as cidades nas quais o DSL não for economicamente viável.

"Plano B" para o monopólio

Resumo da ópera: após ter oligopolizado ilegalmente os serviços de redes IP nos grandes centros, o cartel das concessionárias do STFC agora quer estender os oligopólios até as pequenas e médias cidades, "deletando" de vez a concorrência.

O lado irônico dessa encrenca é que tudo começou em 2004, quando a Anatel estava com o SCD pronto para enfiar pela goela da população e dependia apenas de a WorldCom vender o controle da Embratel para as três concessionárias locais do STFC. Com isso, a fraude do serviço de troncos estaria consumada e o cartel, a partir de então formado por apenas três empresas, assumiria o controle total sobre o SNT e todos nós estaríamos agora ferrados e mal-pagos, convivendo com os tradicionais oligopólios do STFC somados ao novo monopólio da comunicação de dados. Aí, veio o Carlos Slim (Telmex), comprou a Embratel e colocou água no chope das pobrezinhas, obrigando-as a partir para um "plano B", representado pela atual maracutaia, na qual as redes da Eletronet e da Petrobras serão utilizadas como backbone, no lugar das redes IP da Embratel, para realizarem o sonho do ministro das Comunicações vitalício, de finalmente consolidar o ansiado monopólio dos serviços de comunicação de dados.

Grandes emoções

Surge então a pergunta que não quer calar: se quase todo mundo já sabe que as concessionárias de telefonia, incluindo a Embratel, estão utilizando ilegalmente as redes públicas do SNT para explorar serviços em regime privado, para que a Anatel e o Minicom insistem em agir feito uma dupla de estelionatários- sorvetões, bolando esses trambiques idiotas que só servem para desmoralizá-los ainda mais perante a população? A vovó do telefone está louca para saber qual é a mágica que impede o Ministério Público, a Corregedoria Geral da União e o Congresso Nacional de enxergar esse elefante fedorento estacionado na sala de estar do Minicom.

Duvido que a ministra Dilma Rousseff embarque nessa canoa furada, que poderá até expor o presidente Lula a um escândalo ainda pior do que o dos mensalões, já que muitas entidades representativas, tanto de usuários quanto de empresas de telecom, profundamente irritados com esta nova tentativa do governo em fazê-los de trouxas, pretendem pegar pesado em suas retaliações. Tem gente falando em crime de concussão e estelionato, assim como existem os que pretendem denunciar o ministro Hélio Costa ao Congresso por crime de responsabilidade e por aí vai. Em suma, se ao menos uma dessas entidades resolver procurar o Ministério Público para bater de frente contra o Minicom, certamente vai voar pena para todo lado porque vai ser difícil alguém explicar, de forma convincente, o motivo da Embratel não ter pleiteado a concessão do serviço de troncos até hoje.

Sei não, mas… 2008 promete começar com grandes emoções na área de telecom.

Fonte: Observatório da Imprensa

A nobre função de matar o tédio

"Nós estamos no negócio de matar o tédio", já dizia o apresentador de TV Howard Beale em 1976, em apoplético discurso no filme Rede de Intrigas (Network). O "profeta louco das ondas eletromagnéticas" , criado pelo roteirista Paddy Chayefsky e o diretor Sidney Lumet para o que é, ainda hoje, a mais aguda crítica já feita à televisão, suas práticas e seus valores, resumia nessa frase objetiva e franca a missão principal do veículo que fizera dele uma celebridade.

É oportuno recordar a frase nesta época de festas em que as pessoas transbordam de afeto, reúnem amigos e familiares, buscam sofregamente o convívio com o próximo, mas não dispensam o televisor ligado junto à árvore de natal. Um breve olhar para a cena natalina – brasileira ou de outros países, não muito distintos nesse aspecto – é suficiente para demonstrar o quanto a televisão é importante como meio de entretenimento e como são equivocados os discursos que tentam desqualificar essa função em favor de um maior volume – indiscutivelmente necessário – de informação e de educação na tela.

Canal para bebês

A televisão é, sim, um negócio para matar o tédio, antes e acima de qualquer outra coisa que possa fazer pelos humanos. Ela preenche o tempo livre com maior eficiência e menor custo do que outras formas de diversão, o que é a razão da sua universalidade. Qualquer um, pequeno ou grande, pobre ou rico, inteligente ou burro, tem sempre à mão aquele botão redentor do aparelho de TV, para com um simples toque relaxar das tensões diárias, proteger-se da brutalidade circundante e deixar flutuar a imaginação. Ainda mais os solitários, que preenchem suas carências afetivas com os seres e os temas da tela, e que teriam natais sombrios, angustiantes, não fosse aquela luz amiga a cintilar diante de seus olhos.

Seja por interesse mercadológico, nas emissoras comerciais, seja por espírito público, nas educativo-culturais , a televisão se propõe a subsidiar os humanos de afeto e companhia em todos os momentos da vida. Literalmente do começo ao fim dela, como demonstram dois projetos que provocaram curiosidade e polêmica neste ano. Aqui, no Observatório, a colega Leneide Duarte-Plon comentou, no início deste mês, a celeuma causada na França pela introdução de uma emissora voltada aos bebês [ver "Cientistas franceses pedem moratória para canal"). Um pouco antes, em novembro, pipocou planeta afora a notícia de uma emissora lançada na Alemanha para se dedicar exclusivamente à morte e ao luto.

A TV para bebês intitula-se BabyFirst TV e é mais uma oferenda norte-americana aos deuses do consumo. Está no ar 24 horas por dia em 28 países, com um público estimado de 13 milhões de telespectadores, na faixa de 6 meses a 3 anos de idade. Surgiu da constatação de que muitos pais compram DVDs com programas voltados aos bebês, pagando até 20 euros por exemplar, o que configura um polpudo mercado. A emissora oferece 50 programas em sua grade, com conteúdos que pretendem estimular nos bebês o desenvolvimento da linguagem e o conhecimento da matemática, além das "destrezas sensoriais e do jogo criativo".

Fazer companhia e divertir

Os produtores norte-americanos garantem contar com a assessoria de pedagogos e psicólogos infantis, mas os colegas franceses desses profissionais, segundo Leneide, caíram de cacete na emissora, argumentando que na primeira infância a criança precisa mobilizar o corpo e a mente com brinquedos, e não prostrar-se diante da tela da TV. Seja como for, aí está reiterado o fato de que a televisão almeja acompanhar as pessoas desde o início de suas vidas, oferecendo a elas companhia agradável e incondicional a qualquer hora.

Agora e na hora de nossa morte, propõe a Etos TV alemã, "o canal do luto". Vitrine do mercado funerário de seu país, que reúne mais de 3.000 empresas, a emissora aborda sem assombro um tema difícil, convicta de que ele é mais um entre tantos que interessam às pessoas, sobretudo quando enfrentam a morte de parentes e conhecidos, ou a perspectiva da própria partida. É o que mostra sua insólita programação? "Cemitérios como lugares de memória cultural, porque o futuro necessita de origens." Obituários pessoais, "porque a memória conecta as gerações". Além de informações práticas sobre o que fazer diante de um óbito e dicas "de prevenção" porque, afinal, salvo os suicidas, ninguém quer despedir-se da vida antes da hora.

Entre os dois extremos da existência, a televisão procura entreter e confortar os humanos de todas as formas possíveis. Para a infância, já são muitos os canais, repletos de desenhos animados, seriados e shows. Para a adolescência, canais de música pop ou de videogames, como os dois que se defrontam na TV paga brasileira, a MTV e a Play TV. Para a vida adulta, quando os interesses se particularizam e a identidade se define de forma mais complexa, uma infinidade de canais segmentados por conteúdo, sexo, faixa etária, nível cultural. E todo esse amplo leque de opções identificado por um denominador comum: o desejo de fazer companhia e divertir. De matar o tédio.

Discurso confuso

A função de entretenimento da TV, por tudo isso, deveria merecer mais consideração. Mesmo, ou sobretudo, quando os programas têm forma e conteúdo que escapam ao padrão de gosto da elite. Uma boa atração televisiva não precisa ter, necessariamente, aspectos informativos e educacionais; pode perfeitamente oferecer apenas diversão ligeira, descompromissada. "Baixaria" não é o oposto de televisão inteligente; é a degeneração da televisão popular, dos produtos concebidos para as preferências culturais e o nível de cognição da grande massa telespectadora. É totalmente possível uma televisão popular de qualidade, sem baixarias e também sem maiores ambições intelectuais. É possível apenas entreter, sem querer mais do que isso, com ética, respeito e responsabilidade.

O discurso bem pensante a respeito disso, entretanto, é confuso. Quando aborda a TV de entretenimento, costuma jogar no mesmo saco programas razoáveis e grandes porcarias, rotulando tudo de baixaria. Shows de auditório, game shows, telenovelas, musicais sertanejos e programas humorísticos padecem desse preconceito, do qual estão isentos, por definição, os programas de debate, os telejornais, os documentários, os musicais de MPB e as minisséries de inspiração literária – todos avaliados, a priori, como programas sérios e úteis, mesmo que ocultem a mais sórdida baixaria, na forma de manipulação de dados, distorção, parcialidade, omissão, partidarismo etc.

Esforço e utilidade

Essa falsa oposição entre uma televisão de qualidade, identificada somente pelo caráter educativo-cultural, e uma televisão de baixo nível, assim considerada por privilegiar o entretenimento, transborda do pensamento crítico para o juízo comum dos telespectadores. E se expressa num discurso freqüentemente culpado, em que a pessoa clama por mais cultura e educação na TV, mas reconhece que não assiste às atrações que atendem ao clamor. É a culpa pelo entretenimento, culpa por assistir TV apenas para se divertir, passar o tempo, esfriar a cabeça ou pegar no sono.

Outra decorrência dessa percepção geral de que a boa televisão é apenas a que informa e educa – e à qual não se assiste porque, infelizmente, ela exige pensar e pensar dá trabalho, é chato… – está na conceituação da TV pública. Muita gente, incluindo especialistas, acredita que não cabe a ela oferecer entretenimento. Apenas "fazer a cabeça", estimular o raciocínio, prover informações. Essa visão só facilita que as emissoras comerciais descumpram seus deveres para com a educação e a informação e impede que as emissoras públicas definam melhor o seu enfoque do entretenimento. Não há, por exemplo, programas humorísticos na TV pública brasileira. Foram raríssimas as suas tentativas nesse sentido, ao longo da história. E por quê? Fazer rir não é coisa séria, talvez das mais sérias que existem, pela função profilática do humor?

A televisão de entretenimento é legítima. Não há nada errado em divertir o telespectador. Não é obrigatório instruí-lo e informá-lo quando se procura diverti-lo, embora seja conveniente que isso ocorra. Convém que nos lembremos disso nestes dias de festas em que as pessoas buscam estar juntas para celebrar a vida e se divertir. A TV procura fazer isso todos os dias do ano, todas as horas do dia, para todos os públicos, por toda a existência das pessoas. Errando ou acertando, merece reconhecimento pelo seu esforço e pela utilidade do serviço que presta.