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Fusão Oi/BrT: o que está de fato em discussão

Estou a vontade para escrever favoravelmente à fusão Oi-BrT, pois sempre critiquei o fatiamento da Telebrás, quando de sua privatização, e sempre sustentei que, mais cedo ou mais tarde, uma refusão iria se impor. Na primeira edição de meu livro A lógica do capital-informação, publicada em 1997, quando já se sabia que a Telebrás seria esquartejada, mas não se sabia como, escrevi que, não importava por onde passasse o cutelo, dele resultaria uma empresa inviável: aquela que viesse a arcar com a manutenção dos serviços no Norte, Nordeste e outras áreas pobres do Brasil. Em longo artigo publicado na revista Comunicação&política, no primeiro trimestre de 1998, vésperas da privatização, já se sabendo, portanto, como fora feita a divisão, reiterei a tese. Na segunda edição daquele livro, em 2002, vésperas de eleições, já então confirmadas aquelas análises conforme demonstrei em longo prefácio, adiantei: qualquer que viesse a ser o futuro governo, ele teria que rever o modelo herdado do governo anterior. Demorou seis anos mas o Governo Lula está, finalmente, revendo o modelo.

Era um modelo inviável desde o seu nascedouro: ou já nos esquecemos que não existiam compradores para a então chamada “tele norte-leste”, razão pela qual o grupo Jeiressati pôde arrematá-la sem dinheiro, para isto contando com o  socorro financeiro do BNDES! Inviável por dois motivos. Um, de economia doméstica, outro, de economia internacional. Economia doméstica: o Brasil é um país muito desigual. Todo mundo sabe disso mas finge ignorar seus efeitos nas telecomunicações. Por isto, o negócio telecomunicações, no Brasil, somente é lucrativo em cerca de 300 a 400 municípios, onde se concentram 50 a 60 por cento da nossa população e quase 80% do PIB. Se empresas como Oi e BrT não estivessem obrigadas, por contrato, a oferecerem serviços de telecomunicações, sobretudo telefonia fixa, a todo o Brasil, simplesmente fariam como fazem as operadoras de telefonia celular: em 1.900 municípios brasileiros, com cerca de 20% da população do país, não existe serviço de telefonia celular. Ou poderiam fazer melhor: fazer como a GVT, a NET e tantas outras empresas similares que somente atuam num nicho muito concentrado de 50 a 200 municípios, e nos seus bairros mais ricos, nos quais oferecer serviços de telecomunicações é realmente muito lucrativo.

Somente uma operadora de porte nacional, oferecendo serviços nas cidades e bairros ricos do país, pode assegurar receitas e lucros suficientes para sustentar serviços básicos no imenso Brasil pobre. Por isto, a Oi, embora lucrativa no balanço contábil, não é propriamente uma empresa rentável, sobretudo do ponto de vista de investidores capitalistas. Se pudessem, seus controladores privados já teriam saído do negócio. Não saem porque estão amarrados por contrato. Detalhe: contrato de 20 anos, dos quais somente se passaram quatro…

Economia internacional: as telecomunicações são controladas, globalmente, por um punhado de gigantescas corporações que operam desde telefonia fixa até portal de internet, passando por celular, banda larga, produção audiovisual etc. Boa parte delas, construiu e opera infra-estruturas mundiais de comunicações, reunindo cabos e satélites, por onde flui o sangue financeiro da economia capitalista. Tiram daí muito dinheiro. Uma dessas operadoras é a espanhola Telefônica que, apesar de espanhola, é a maior operadora da América Latina, de onde remeteu, em 2005, cerca de 1,5 bilhão de euros para a Espanha. A outra operadora, pasmem!, é mexicana – a Telmex, cujas redes também se estendem do Japão à Europa, via Estados Unidos, e dos Estados Unidos à Patagônia, via, exatamente, Brasil, vale dizer, Embratel. Não dá para entender porque o Brasil não ocupa, e nem querem que ocupe, posição similar à do México na economia global das telecomunicações. É muito, muito, muito mais rentável operar redes globais de comunicações do que exportar soja, frango e minério de ferro. Com as receitas que extrai de suas operações globais, a Telefônica sustenta os serviços públicos que está obrigada a sustentar na Espanha. Se o Brasil construir a sua operadora global, poderá buscar recursos para melhorar os serviços prestados à população norte-nordestina e, inclusive, aos consumidores de nossas cidades mais ricas. Ao menos, poderia compensar parte do dinheiro que está enviando (mas ninguém conta) para a Espanha e, pasmem!, para o México.

Os que têm se manifestado nessa questão (a maioria porque ignora, alguns poucos porque sabem da ignorância de todos os outros) não atentam para o fato de que, no Brasil, os serviços de telecomunicações dividem-se entre os prestados em regime público e os prestados em regime privado. Esses conceitos nada têm a ver com a natureza da empresa prestadora (estatal ou privada), mas com os compromissos que essa empresa assume, ou não, com o Estado e a sociedade. Somente quatro empresas operam em regime público, justo Oi/Telemar, Brasil Telecom, Telefónica e Embratel (Telmex). Implica dizer que elas são delegadas do Estado para executar políticas públicas. São, por isto, as únicas obrigadas a atender a objetivos de universalização (daí estarem presentes em todos os municípios brasileiros, dê ou não retorno) e a aceitar tarifas controladas. Universalizar a telefonia, em São Paulo, é razoavelmente fácil: nesse estado, servido pela Telefônica e outras empresas menores, há, em média, 29 linhas telefônicas fixas em serviço para cada grupo de 100 habitantes. Já na imensa área atendida pela Oi/Telemar, a densidade telefônica é de apenas 14 linhas/100 hab. Existem, inclusive, muitos povoados pelo Brasil a fora nos quais a Oi, por obrigação contratual, implantou a rede, embora, até hoje, não conte com um único assinante. Prejuízo puro.

A fusão permitirá reunir os ricos mercados da BrT (Brasília, Paraná, sul de Mato Grosso etc) aos ricos mercados da Oi (Rio de Janeiro, parte de Minas, algumas regiões metropolitanas). Em princípio, isso pode ajudar a fazer avançar a universalização, no imenso Brasil pobre, tanto da telefonia fixa quanto, sobretudo, da banda-larga, assunto, aliás, que agora, parece, entrou definitivamente na agenda do governo. No entanto, não podemos imaginar que os investidores irão aproveitar essas condições por iniciativa própria. Por conta deles, farão sempre o mínimo necessário. É mister que o Estado os lembre, a todo instante, que são concessionários de um serviço público. O papel do governo é o de estabelecer políticas, definir projetos e, até mesmo, se necessário, viabilizar recursos ou financiamentos, para que essa nova empresa possa cumprir, nas telecomunicações, um papel semelhante ao da Petrobrás, tanto no desenvolvimento industrial-tecnológico nacional, quanto na expansão do espaço geopolítico brasileiro, sem esquecer, claro, de bem atender a toda a população do País. O BNDES, portanto, não pode se limitar a ser um mero sócio que complementa o capital que falta aos investidores privados, mas deverá exercer o poder que sua participação acionária lhe confere, vocalizando os interesses do Estado e da sociedade. Para não falar da Anatel… Se não, se o governo se limitar a mudar as regras de modo a viabilizar politicamente a refusão, mas não aproveitar a oportunidade para redefinir a política nacional de telecomunicações e o papel das concessionárias dentro dela, estará tão somente atendendo aos interesses dos investidores, sem nenhuma contrapartida para o país.

Fala-se muito no risco dessa refusão para a competição. Balela! Onde existe mercado, já existe uma boa concorrência. Aliás, na minha casa, eu tenho uma linha telefônica da Oi e outra, da Embratel/NET. Operadoras de celular oferecem o celular-fixo, e a Oi responde com o “conta total” – fixo e celular. Muitas operadoras de menor porte operam em cerca de 300 cidades brasileiras, mas jamais vão operar em Pombos, Pernambuco, onde a densidade telefônica não chega a 3 por 100. Em Pombos, ou tem Oi, ou não tem nada. Mas em Recife, onde a densidade telefônica encosta em 30 por 100, além da Oi, o mercado é disputado pela Aerotech, Embratel (NET), Telefónica, TellFree e ainda outras.  Disputam a cidade inteira? Claro que não! A concorrência se instala onde há mercado: nas principais áreas comerciais, na zona industrial, nos bairros de classe média alta. E a refusão não vai abalá-la nem um pouco.

Aliás, a competição é problema do mercado, não de políticas públicas. Aí, o melhor que faz o governo é não se meter. Quem tem competência, que se estabeleça. O problema das políticas públicas é o de levar a infra-estrutura de comunicações às famílias pobres, às comunidades carentes, às escolas e unidades de saúde, às regiões mais frágeis economicamente. O governo Lula, no seu primeiro ano, começou errando, ao editar um decreto que priorizava as condições de competição. O decreto, por inviável, é, hoje, letra-morta. O governo pode, agora, acertar, se finalmente assumir, corajosa e abertamente, a necessidade de rever o modelo de privatização que as consultoras estrangeiras (com seus testa-de-ferro nacionais) McKinsey/Sundfeld Advogados, Dresner Kleiworth Benson, Lehman Brothers, Arthur Andersen e outras, entregaram prontinho para o governo FHC tomar as decisões que colocariam o Brasil fora do mapa mundial das telecomunicações.

Na época, nenhum jornalista, mas nenhum mesmo, perguntou ao então ministro das Comunicações por que razão ele iria esquartejar a 15ª maior operadora de telecomunicações do mundo, e maior da América Latina. Também não perguntou porque o corte foi feito como foi feito e, não, de algum outro modo. Haviam vozes discordantes, poucas, mas haviam. Excluída a revista Caros Amigos, nenhum outro veículo abriu um mínimo espaço para a discussão.  Agora, diante dos fatos que tornam a refusão cada vez mais inadiável, tudo o que se lê na imprensa são aleivosias sobre interesses escusos, caixas de campanha, financiamentos mal-explicados. Como em 1998, dez anos depois a sociedade segue sem entender direito o que se está, de fato, debatendo nas telecomunicações.  

* Marcos Dantas é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, foi secretário de Planejamento do Ministério das Comunicações, secretário de Educação a Distância do MEC  e membro do Conselho Consultivo da Anatel. É filiado ao PT-RJ.

A televisão que não ousa dizer o nome

Televisão pública ou televisão estatal? Qual a diferença entre elas? Existe alguma distinção significativa? A emissora que o governo federal está implantando é mesmo pública ou é uma estatal dissimulada? E as emissoras já instaladas em todo o Brasil, são emissoras de interesse e uso público ou são ferramentas de marketing governamental? Enfim, do que estamos exatamente falando, quando falamos em TV pública e em TV estatal?

Faz tempo que o país precisa de uma resposta mais clara para essa diferença. A rigor, desde 1988, quando a promulgação da "Constituição Cidadã" instituiu um modelo tríplice para a televisão brasileira – ao aludir, no artigo 223, ao "princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal". Como o artigo nunca foi regulamentado nesse aspecto, segue o país sem saber quais seriam precisamente, definidos em termos legais, os três sistemas apontados; e sem saber, muito menos, o que se entende pela complementaridade entre eles. E é assim que inúmeros equívocos e problemas acontecem, como esses que envolvem no momento o governador do Paraná e a TV Educativa local.

É de conhecimento geral que o governador Roberto Requião mantém uma relação tempestuosa com a mídia privada do Paraná. Seja pelo estilo agressivo e personalista do mandatário, seja porque ele cortou totalmente os polpudos gastos de publicidade do estado (que teriam sido de 1,5 bilhão de reais no governo Jaime Lerner), o fato é que os dois bicudos não se beijam. Como não encontra nos jornais, rádios e TVs comerciais o espaço que desejaria para divulgar suas ações de governo e debater suas idéias políticas, Requião decidiu utilizar a TV Educativa. Criou o programa Escola de Governo, onde é a atração máxima, e interfere sem hesitar na linha editorial da emissora.

Por meio da TV Educativa, o governador paranaense revida ou faz críticas a seus adversários políticos. Quando pôs em sua linha de mira o Ministério Público e o Judiciário estaduais, denunciando neles o que considera privilégios, o caldo entornou. Foi proibido de usar a emissora educativa e sujeito a multa pesada, em caso de desobediência. Revidou mandando pôr no ar a sua imagem com o áudio cortado e o letreiro "censurado". Proibido novamente, agora de repetir o estratagema, e com a TVE obrigada a inserir mensagem de desagravo a promotores e juízes, Requião foi adiante: tirou a programação do ar, inserindo apenas a mensagem obrigatória, para enfatizar a suposta censura a que o estavam submetendo.

Sociedade representada

Não é o caso de analisar aqui o problema específico de Roberto Requião com a mídia e os poderes judiciais do Paraná, tema que já foi tratado com competência por outros colegas neste Observatório. Mas há que se ressaltar, no episódio, a absoluta transparência do governador no uso político da televisão educativa paranaense. Ele não tem a menor dúvida de que a TVE é uma ferramenta de governo e não vê qualquer problema em afirmar o seu direito de utilizá-la, quando julgar conveniente. "É essa a finalidade da TV Educativa do Paraná?", pergunta-lhe o repórter Fausto Macedo, do jornal O Estado de S.Paulo. "É uma televisão pública, é a televisão do estado do Paraná", responde Requião. "Ela funciona na formação da opinião."

Aí está, límpida e clara, expressa objetivamente num problema político grave de um estado brasileiro importante, a confusão conceitual entre televisão estatal e televisão pública. O que o governador Requião entende por televisão pública seria, mal e mal, uma televisão estatal – supondo que, numa estação dessas, é aceitável a comunicação política do governante, e não apenas a comunicação institucional de sua gestão. Mas, com toda a certeza, a forma como o governo Requião relaciona-se com a TVE-PR não faz dela uma TV pública, nem favorece que ela se organize como tal.

Em linhas grossas, a distinção entre os dois tipos de TV é clara. A TV estatal seria aquela diretamente financiada e gerida por organismos de Estado, da administração direta, enquanto a TV pública seria bem mais complexa. Teria financiamento tanto do Estado (recursos orçamentários) quanto do mercado (na forma de patrocínio e apoio institucional), ou ainda da própria sociedade (por intermédio de doações, mecanismos de captação direta de recursos junto aos telespectadores e fundos públicos não-geridos pelo governo – algo que inexiste ainda no Brasil). A diferença se estenderia também à gestão. A TV pública estaria submetida, necessariamente, a um conselho de representantes da sociedade, que teria autonomia total para orientar a linha editorial e destituir dirigentes, caso não a cumprissem.

Discussão interditada

O problema é que, na prática, essa diferenciação não funciona. A televisão pública, entre nós, ainda é apenas um rótulo, ou no máximo um projeto. É um rótulo para todos aqueles que julgam insuficiente o conceito de televisão educativa, o único que está tipificado em lei para distinguir a televisão não-comercial. Como acreditam que a simples idéia de educação pela TV aborrece o público, não poucos operadores desse campo passaram a utilizar o termo "televisão pública", mais palatável e "vendável". Outros, por sua vez, encaram o conceito como uma meta, um projeto político-cultural de transformar a TV educativa existente, quase toda estatal, em efetivo organismo sob controle da sociedade, livre das ingerências políticas dos governantes.

É assim que o termo TV pública serve a todos – especialistas, políticos, mídia, universidade e, cada vez mais, ao próprio cidadão comum – sem significar nada preciso para ninguém. O governo federal propõe a unificação de sua estrutura de televisão e transformação dela em TV pública, mas sob a égide de uma nova empresa estatal, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). A oposição e a mídia, juntas e fechadas nessa questão, atacam o projeto por ver nele a formação de um braço governamental de propaganda e preferem nomear a recém-criada TV Brasil de "TV Lula".

Especialistas e a universidade gastam tinta e saliva para tentar aclarar os termos do debate, mas não logram o mínimo sucesso. E o cidadão segue absolutamente perdido em meio ao tiroteio, sem saber o que, de fato, está acontecendo e que bendita televisão estão lhe propondo.

Grave nessa história é que a medida provisória que institui a EBC e a TV Brasil será examinada pelo Congresso nas próximas semanas, sem que a balbúrdia conceitual esteja aclarada. As contingências da luta política impedem que o debate se faça, até porque, preciso ou impreciso, o discurso das duas partes em torno do assunto já está montado, a opinião pública já vem sendo submetida a ele, as posições (pró ou contra) vão se consolidando e não interessa mudar nada agora. Da mesma forma, a elevada temperatura política do Paraná neste momento impede que os contendores se dediquem a discutir qual o verdadeiro caráter, atual e futuro, da TVE – se é emissora pública de interesse coletivo ou se é estatal de interesse governamental.

Nada, nada, nada

A superação desse dilema – estatal ou pública – para o estabelecimento do que a Constituição propugna – estatal e pública, e também privada – é imperiosa para o desenvolvimento harmônico da televisão brasileira – e para a complementaridade de suas partes constitutivas.

Enquanto o país não enfrentar esse debate, apenas a televisão comercial seguirá crescendo, porque não carece de definição e não depende do Estado (até porque tem poder político suficiente para mandar mais nele do que obedecê-lo). A televisão estatal e, sobretudo, a pública não terão meios de encontrar seus espaços de atuação, suas formas de viabilização e a segurança jurídico-institucional que necessitam.

Sim, mas dirão alguns do que lêem este artigo: precisamos mesmo de televisão pública e de televisão estatal? A televisão comercial que temos, explorada em regime de concessão pela iniciativa privada, já não dá conta das necessidades do país? Não seria melhor gastar os recursos da TV pública e TV estatal em outras necessidades? Aqui se opõem as visões de quem julga que o mercado é a força-motriz de todo o progresso e de quem acredita num estado forte, regulando e fiscalizando o mercado.

Se a TV comercial desse conta de tudo que se espera dela – educação, informação e cidadania, além de diversão e comércio – não haveria o que discutir. Mas não é exatamente o que ocorre. Por outro lado, o campo público da televisão é hoje composto por cerca de 180 estações geradoras de conteúdo (educativas, comunitárias, universitárias, legislativas, institucionais), com quase 3.000 repetidoras em todo o Brasil. Não é a melhor televisão do mundo, mas faz o que pode para oferecer ao público o que a TV comercial sonega.

Alguém propõe que a TV pública seja privatizada? Os insatisfeitos com a TV comercial defendem que seja estatizada, ou convertida em TV pública? Não se ouve nada a respeito, de nenhum lado. Se é assim, tratemos de respeitar a Constituição do país, regulamentando o artigo 223 e começando a discutir as questões da televisão não-comercial com mais seriedade, precisão e objetividade do que vem ocorrendo até agora.

***

Sobre o ministro das Comunicações, Hélio Costa

Agradeço a atenção que o sr. ministro Hélio Costa dedicou a comentários meus publicados neste Observatório [ver "Concessões de TV. Receita para superar a pizza"], contestando-os democraticamente no artigo "Ministério das Comunicações responde. A renovação das concessões das emissoras de TV". Mas lamento que tenha visto neles leviandade, maldade e desrespeito, quando procurei apenas exercer o direito de crítica, analisando assunto de interesse social com civilidade e estrito espírito público.

Nada tenho a acrescentar ao já colocado. As complexas relações entre a radiodifusão e o Estado, no Brasil, são de conhecimento geral, em particular dos informados leitores do OI. Todos sabem que este é um campo em que presidem as circunstâncias políticas, com a normatização jurídica sempre subordinada a estas. Se o sr. ministro assegura que "vem adotando medidas duras e severas" no enquadramento das emissoras de rádio e televisão aos imperativos legais, cabe conhecê-las, acompanhá-las e desejar que tenham a máxima efetividade.

Apenas esclareço que, embora pertencente – há menos de um mês – ao quadro diretivo da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura de São Paulo, escrevi o artigo em caráter estritamente pessoal, sem externar nele qualquer conceito que possa ser entendido como o pensamento oficial da emissora pública paulista. Estou certo de que, no momento de renovação de sua outorga, a TV Cultura demonstrará sem a menor dificuldade a sua estrita obediência às determinações constitucionais e legais da radiodifusão.

Precipitado foi o lançamento da TV Brasil

Segundo a milenar sabedoria chinesa, “toda a jornada começa com um primeiro passo”. Nada como um bom clichê. E me permito acrescentar: “a não ser quando os primeiros passos são dados na direção contrária”. Ou seja, nem todos os primeiros passos de uma jornada nos levam necessariamente onde desejamos chegar. E nem todas as críticas deveriam ser consideradas precipitadas ou irrelevantes, simplesmente, por serem…as primeiras.

Esta semana, mais uma vez, fui acusado de muitas coisas. Não é novidade. Já estou acostumado. Vida de crítico é assim mesmo. Tinha resolvido não responder a mais essas questões. Ninguém suporta mais esse velho debate entre as promessas das TVs públicas e a realidade das TVs comerciais no Brasil. No fundo, é tudo a mesma velha TV. E o meio, conforme conhecemos, tende a desaparecer nos próximos anos.

Por outro lado, após mais de meio século assistindo, fazendo (ênfase no fazendo), pesquisando, ensinando e sempre “adorando” televisão, acredito que conquistei o direito de criticar o meio. Feliz ou infelizmente, passei a maior parte, algumas da melhoras horas da minha vida na frente e dentro da telinha. Quando digo que uma programação de TV é muito, muito ruim, devo ter alguma razão. 

Deveria merecer pelo menos alguma consideração. Ainda mais quando critico uma rede de TV que é lançada com o grandioso, talvez pretensioso nome de… TV Brasil. Mas, como bem dizia o meu velho pai, pretensão e água benta nunca são demais.

Mas apesar das críticas, aproveito para recomendar um bom exemplo de respeito pela opinião alheia. Em matéria para o Observatório do Direito à Comunicação com o significativo título de “Críticas à programação da TV Brasil são precipitadas, diz presidente do Conselho” e divulgada nos sites do Fórum Nacional em Defesa da Comunicação e Observatório da Imprensa, fui citado e acusado de fazer criticas consideradas “precipitadas” à TV Brasil. Afinal, a nova rede está no ar há menos de dois meses. Incrível. Tudo isso? 

Mas, tudo bem. Afinal, quando as críticas à TV Brasil estarão liberadas pelo presidente do Conselho consultivo da TV Brasil? Quanto tempo será necessário para podermos fazer uma avaliação “precisa” da nova rede? Temos televisão, comercial e pública, no Brasil há mais de 50 anos. Por que devemos acreditar que essa TV será diferente das “outras” TVs brasileiras? Qual é a diferença? Perguntar, também pode ser considerado precipitado, mas não custa nada.

Afinal, quando as críticas à TV Brasil não serão mais consideradas “precipitadas”?  

Depois das eleições?

Esse debate é muito significativo. Principalmente, quando a principal crítica ao lançamento da TV Brasil é essencialmente o fato de ter sido lançada pelo governo com medida provisória e sem qualquer consulta ao principal interessado: o público. Por que uma rede de TV pública logo agora? Assim como a escolha do sistema de TV digital brasileiro, essa também não teria sido mais uma idéia precipitada do governo? Perguntar não custa. 

Então, vamos tentar entender. Colocar uma rede de TV pública no ar, sem maiores pesquisas, consultas à população, importação de equipamentos para praças e outros detalhes não é precipitação. Medida provisória para lançar rede de TV do governo não é precipitação. É necessidade de estratégica “política”. Planejamento de altíssimo nível. É clamor do público.

Outra explicação “técnica” seria, “TV é assim mesmo”. Ou seja, para aqueles que sempre trabalharam nas TVs comerciais é assim mesmo que deve ser. Não há diferença. Afinal, “é desse jeito que nós fazemos as coisas nas TVs onde trabalhamos, é assim que também fazemos aqui em Brasília”. Ou, “depois damos um jeitinho de melhorar com a TV no ar e os salários em dia”. Depois organizamos de forma igualmente precipitada “aqueles” concursos públicos que todos nós conhecemos.

Ah, isso em Brasília não é precipitação. Somente as críticas a uma rede de TV com programação velha e despesas pagas pelo contribuinte é que são precipitadas. Essa também deve ser a lógica do pensamento único.

Fim da TV

Colocar no ar uma nova rede de televisão com promessas tão ambiciosas de maneira tão precária e amadora é antes de tudo queimar uma idéia importante. É um passo errado em uma longa jornada a lugar nenhum. Não adianta depois convocar os simpatizantes, os funcionários da TV e os membros do partido para passeatas em Brasília. O público continua ignorando a existência da TV Voz do Brasil. O futuro pertence à Internet.

Televisão é um meio de comunicação de massa centralizador, produto de uma época de guerra fria, muito útil para a proliferação de pensamentos totalitários. Não é à toa que está em decadência. Fica aqui a sugestão: Por que não gastar essa fortuna da TV Brasil em pequenas televisões digitais regionais e comunitárias transmitidas pela Internet?

Hoje, montar uma nova rede de televisão é como tentar reinventar o telégrafo ou a máquina de escrever. Pode ser que dê certo. Mas também pode ser um tremendo desperdício de tempo e recursos. Ainda mais quando esses recursos são públicos, ou seja, são nossos.

Reafirmo que a verdadeira nova televisão, a TV digital na Internet está sendo criada nas pequenas WebTVs e nos sites de participação popular na produção de conteúdos como o YouTube nos EUA ou a AllTV e Fiz TV, aqui mesmo no Brasil.

BBC brasileira?

Ainda no artigo do Observatório, o presidente do conselho acrescenta:

“Concordo que ainda falta muito para chegar no nível de qualidade desejado, mas é preciso ter calma, não dá pra ser a BBC ainda. O importante agora é compreender que seu caráter é público, não estatal e nem privado”, diz Belluzzo.

Impressionante. Nesta altura da história da TV, montar uma nova rede, ainda mais nos moldes, valha-me Deus, da BBC em um país como o Brasil? Somos países completamente diferentes com povos e histórias diversas. A BBC é exemplo de qualidade para o mundo em um país de tradição colonialista. Os objetivos “reais” da BBC, assim como os objetivos do governo britânico é nos fazer acreditar que o que é bom para a Grã- Bretanha, também é bom para o Brasil e o mundo. A BBC é boa para os britânicos. É insuportável para os americanos. Seria impossível no Brasil.

Muito bem. E já que estamos tentando imitar a BBC, que tal fazer uma pesquisa ou uma votação para saber se os telespectadores brasileiros, assim como os telespectadores britânicos, estariam dispostos a pagar uma taxa anual ou mais impostos para sustentar essa nova TV pública? Perguntar não custa. Afinal, nada seria mais fácil, relevante e democrático. Porém, os simpatizantes do pensamento único sabem tudo que o brasileiro quer e precisa.

Mais promessas
Os responsáveis pelo TV Brasil deveriam primeiro apresentar uma programação pelo menos “razoável”. Não esse festival de programas requentados que está no ar. Menos! Da produção da Voz do Brasil para as promessas de uma BBC brasileira é preciso muito mais do que tempo ou boa vontade dos críticos ou do público.

“A TV Brasil está começando devagar e esperamos que sua qualificação técnica ocorra progressivamente. Nesse sentido, acho que está indo razoavelmente bem. Qual TV comercial tem uma fiscalização tão cuidadosa?”

É preciso muitos anos de investimentos no combate à miséria, na melhoria da saúde e,  principalmente, maiores investimentos em educação, esta sim, pública e de qualidade.

Ainda no artigo citado, os responsáveis pela TV Brasil refutam a idéia de que o telejornal tenha um tom demasiadamente institucionalista e que se assemelhe a Voz do Brasil, e garantem que, apesar das questões técnicas e do pouco tempo no ar, o telejornal está indo muito bem:

“O Repórter Brasil já está sendo transmitido em 18 estados brasileiros, e a recepção das TVs estaduais tem sido muito boa. Queremos fazer um jornal verdadeiramente nacional, as praças locais estão contribuindo bastante, apesar das dificuldades técnicas”.

Truques da mídia
E para não invalidar a polêmica entre o público versus privado e para efeitos comparativos, podemos fazer a mesma pesquisa em relação à necessidade ou prioridade para a segurança, a saúde e a educação e comparar os resultados.

“Em relação ao formato do telejornal, o modelo adotado é defendido pois acredita-se que ele se aproxima cada vez mais do cidadão. “Acho que estamos conseguindo fazer um telejornal para o cidadão, incorporando entrevistas e debates de forma plural e fazendo uma coisa equilibrada. Governo e oposição estiveram presentes”, afirma.”

Onde estão as pesquisas que comprovam a qualidade do telejornal da TV Brasil? Como foram avaliados e medidos os tempos, os formatos e a linguagem das matérias apresentadas no telejornal único, o Repórter Brasil, que comprovam esse equilíbrio na cobertura do governo e da oposição?

TV é coisa séria. Não há mais lugar para achismos duvidosos de sábios das redações. Ainda mais sábios formados em redações de TVs… comerciais. Eles ou elas, sem dúvida, sabem tudo sobre os “truques” do jornalismo de TV.

Mas, para quem não sabe, aproveito para recomendar a leitura de A Mídia e seus Truques, do Prof. Nilton Hernandes, Ed. Contexto. Escrevi um longo artigo sobre essa pesquisa tão importante e relevante para a compreensão dos truques dos nosso telejornais (ver matéria no C-se de 16/01/2007 – Os truques dos telejornais). Como bem sabemos, há muitas maneiras ou truques para que um telejornal pareça equilibrado. Pelo menos, para o grande público. Mas isso ninguém precisa saber, não é?

Quem vai pagar?
E, por último, em mais um trecho do artigo, as palavras que comprovam a pressa – ou seria a precipitação – no lançamento da TV do Brasil pelos seus responsáveis: 

“Em São Paulo, por exemplo, nosso alcance é mínimo, mas já encomendamos um novo transmissor analógico mais potente, além do digital. Em outros lugares chegamos por cabo. Não sabemos ainda qual o nosso real alcance, mas existem investimentos”.

Compra de transmissor analógico em plena época de TV digital para cobrir São Paulo? Isso não denota um certo interesse político partidário nas próximas eleições paulistas? Perdão. Perguntar não custa. Só queria entender. Tantos investimentos na escolha apressada e implantação “precipitada” de um sistema brasileiro de TV digital, o nosso sistema nipo-brasileiro, a versão digital do famigerado padrão Pal-M para TV a cores, e a TV digital despende seus recursos tão “limitados” na compra de máquinas de escrever. Perdão. Quero dizer, transmissores analógicos de televisão.

Por último, uma dica para os eleitos que dirigem os rumos da TV Brasil: É preciso humildade, sabedoria e tolerância para reconhecer os erros, voltar, recomeçar uma longa jornada. Uma televisão pública independente e de qualidade de verdade demanda mais do muitos recursos, boa vontade e aversão a críticas, sejam elas precipitadas ou não. Uma televisão pública de verdade exige a participação do… público. Aguardo ansioso pelo processo e pela votação. Afinal, quem está disposto a pagar uma taxa anual para termos uma TV pública brasileira independente e de qualidade?

O que nossos jornais têm a aprender com o ‘New York Times’

Onze dias antes do que os americanos chamam Super-Terça, ou Terça-Tsunami – as eleições primárias numa vintena de estados para a escolha dos delegados democratas e republicanos às convenções nacionais que indicarão os respectivos candidatos à Casa Branca, em novembro deste ano -, o New York Times põe hoje (25) as cartas na mesa.

Anuncia que endossa as candidaturas da senadora Hillary Clinton (democrata) e do senador John McCain (republicano). Explica por que em dois textos – o primeiro com 1.147 palavras, o outro com 737.

Não, aparentemente, que McCain mereça menos espaço que Hillary – as razões do apoio, em cada caso, ocuparam o que tinham de ocupar. Dois textos de igual tamanho, o jornal parece dizer, configurariam uma igualdade abstrata.

O interessante, para o observador de mídia, é que em nenhum momento se lê que "o jornal" é que apóia a mulher do ex-presidente Clinton e o ex-prisioneiro de guerra no Vietnã.

Numa prova de escrúpulo, o endosso vem do editorial board do NYT – o seu comitê editorial ou editoria de editoriais. Presumivelmente, os responsáveis pelas opiniões do jornal têm afinidades políticas e outras tantas com os controladores da empresa que o edita, em especial com o publisher Arthur Ochs Sulzberger Jr, filho do publisher anterior, Arthur Ochs Sulzberger, por sua vez filho do publisher anterior, Arthur Hays Sulzberger – tudo em família desde 1896.

Mas os editorial boards dos grandes jornais dos Estados Unidos e de outros países com a mesma tradição têm uma autonomia de dar inveja ao pessoal das páginas editoriais brasileiras – pago em primeiro lugar para pôr em letra de forma o que o dono do jornal acha da vida e de suas implicações, como se diz. Da rédea curta não escapam nem os seus editores, que operam mais como principais redatores e fechadores do espaço.

Perde com isso o leitor porque o resultado peca pela falta de matiz, mão leve e diversidade. Com as proverbiais raras exceções, na mídia brasileira editorial é monolito.

Por exemplo. Se estivéssemos em 2010 e os dois principais partidos brasileiros estivessem escolhendo à americana os seus candidatos à sucessão de Lula, e um dos grandes jornais achasse que era o caso de endossar um de cada lado, não seria um "comitê editorial" que escolheria os seus preferidos e assumiria o apoio. Seria o dono da publicação, sob o eufemismo "nós", ou o nome do jornal.

Sem falar que o apoio manifesto dos jornais americanos (ou britânicos) a candidatos a cargos eletivos – prática tradicional por ali – pouco tende a influir no noticiário eleitoral: as redações continuariam a ir atrás dos podres dos candidatos e suas campanhas.

O caso clássico é o do Wall Street Journal (pelo menos até ser comprado pelo megaempresário de mídia Rupert Murdoch). Invariavelmente, o seu "comitê editorial" apóia candidatos republicanos ou o mais conservador dos candidatos democratas.

Mas ninguém que se interesse de perto por política nos Estados Unidos pode acompanhar uma disputa presidencial sem ler, com alguma freqüência, o Journal – pela isenção, qualidade e desassombro do seu noticiário político.

Aqui, a norma não escrita dos jornalões manda tratar diferentemente os políticos – colher de chá para os "nossos", pimenta malagueta para os outros. É uma versão simplificada de como as coisas funcionam na imprensa brasileira. Mas não é uma invenção.

‘Big Brother Brasil’: nada como uma dose extra de baixaria

Além de principal fonte de receita publicitária da TV Globo nesse período meio morto que antecede o Carnaval, o Big Brother deve estar se constituindo como um importante balão de ensaio para a emissora testar a recepção do público ao que se chama de baixaria.

"Baixaria" é daqueles vocábulos muito flexíveis da linguagem coloquial brasileira que são, ao mesmo tempo, genéricos e específicos. A generalidade se dá pela variedade de situações em que se aplica. Fala-se de baixaria em relação a costumes sexuais, a comportamentos sociais, a conflitos entre pessoas.

Basicamente, qualquer situação de interação humana está sujeita à baixaria. Ao mesmo tempo, quando se fala em baixaria, há uma sinalização clara de que algum limite do socialmente aceitável foi ultrapassado.

Assistir à degradação alheia excita a curiosidade – e boa parte da lógica do espetáculo é regida por essa curiosidade humana sobre as formas da decadência. Quando tudo o mais se mostra ineficiente, nada como uma dose extra de baixaria e miséria para reconectar o público (e não só o da TV, diga-se). Só que o tamanho, a regularidade e a composição exata da dose não são fáceis de definir -se de menos, não fazem efeito, se em excesso, assustam e afastam.

O Big Brother versão brasileira, a partir das últimas edições, é um campo privilegiado para se testar quantidades, freqüências e elementos. Desde que a escolha dos participantes excluiu gente mais velha, mais pobre e mais mestiça, de maneira que os 14 eleitos pertençam ao plantel genético e social aceito como "bonito e atraente", o programa induz à formação quase automática de ficantes, paqueras e até mesmo casais "apaixonados" até a página dois.

Com isso, testa-se a tolerância ao sexo total ou parcialmente não-romântico. Mais: na mesma tacada, investiga-se o quanto da armação romântica parece verossímil o suficiente para justificar os agarros e a exibição de erotismo. Nem se pode mais falar em "personagens" ou em alguma espécie de narrativa, uma vez que todas as fichas foram jogadas na ambientação para que aflorem as "escorregadelas" etílicas, sexuais e éticas.

Nesta oitava edição, parece haver um alerta. Em apenas pouco mais de uma semana, já houve meio de tudo: porre, mão na bunda, pegação no chuveiro, saída (e volta, e saída de novo) do armário, "cachorra" preterida, paixão automática e muita, mas muita, conversa mole e burra. Nem com uma dancinha protagonizada por moças com seios cobertos por espuma a audiência reagiu.

Talvez queira dizer que só baixaria é muito pouco.