O que nossos jornais têm a aprender com o ‘New York Times’

Onze dias antes do que os americanos chamam Super-Terça, ou Terça-Tsunami – as eleições primárias numa vintena de estados para a escolha dos delegados democratas e republicanos às convenções nacionais que indicarão os respectivos candidatos à Casa Branca, em novembro deste ano -, o New York Times põe hoje (25) as cartas na mesa.

Anuncia que endossa as candidaturas da senadora Hillary Clinton (democrata) e do senador John McCain (republicano). Explica por que em dois textos – o primeiro com 1.147 palavras, o outro com 737.

Não, aparentemente, que McCain mereça menos espaço que Hillary – as razões do apoio, em cada caso, ocuparam o que tinham de ocupar. Dois textos de igual tamanho, o jornal parece dizer, configurariam uma igualdade abstrata.

O interessante, para o observador de mídia, é que em nenhum momento se lê que "o jornal" é que apóia a mulher do ex-presidente Clinton e o ex-prisioneiro de guerra no Vietnã.

Numa prova de escrúpulo, o endosso vem do editorial board do NYT – o seu comitê editorial ou editoria de editoriais. Presumivelmente, os responsáveis pelas opiniões do jornal têm afinidades políticas e outras tantas com os controladores da empresa que o edita, em especial com o publisher Arthur Ochs Sulzberger Jr, filho do publisher anterior, Arthur Ochs Sulzberger, por sua vez filho do publisher anterior, Arthur Hays Sulzberger – tudo em família desde 1896.

Mas os editorial boards dos grandes jornais dos Estados Unidos e de outros países com a mesma tradição têm uma autonomia de dar inveja ao pessoal das páginas editoriais brasileiras – pago em primeiro lugar para pôr em letra de forma o que o dono do jornal acha da vida e de suas implicações, como se diz. Da rédea curta não escapam nem os seus editores, que operam mais como principais redatores e fechadores do espaço.

Perde com isso o leitor porque o resultado peca pela falta de matiz, mão leve e diversidade. Com as proverbiais raras exceções, na mídia brasileira editorial é monolito.

Por exemplo. Se estivéssemos em 2010 e os dois principais partidos brasileiros estivessem escolhendo à americana os seus candidatos à sucessão de Lula, e um dos grandes jornais achasse que era o caso de endossar um de cada lado, não seria um "comitê editorial" que escolheria os seus preferidos e assumiria o apoio. Seria o dono da publicação, sob o eufemismo "nós", ou o nome do jornal.

Sem falar que o apoio manifesto dos jornais americanos (ou britânicos) a candidatos a cargos eletivos – prática tradicional por ali – pouco tende a influir no noticiário eleitoral: as redações continuariam a ir atrás dos podres dos candidatos e suas campanhas.

O caso clássico é o do Wall Street Journal (pelo menos até ser comprado pelo megaempresário de mídia Rupert Murdoch). Invariavelmente, o seu "comitê editorial" apóia candidatos republicanos ou o mais conservador dos candidatos democratas.

Mas ninguém que se interesse de perto por política nos Estados Unidos pode acompanhar uma disputa presidencial sem ler, com alguma freqüência, o Journal – pela isenção, qualidade e desassombro do seu noticiário político.

Aqui, a norma não escrita dos jornalões manda tratar diferentemente os políticos – colher de chá para os "nossos", pimenta malagueta para os outros. É uma versão simplificada de como as coisas funcionam na imprensa brasileira. Mas não é uma invenção.

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