Arquivo da categoria: Análises

As conseqüências do monopólio na TV paga

O Parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição reza que "os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Esta, no entanto, é apenas uma das muitas normas do "Capítulo V – Da Comunicação Social" que nunca foram regulamentados por lei e, portanto, não são observadas.

Nas diferentes legislaturas dos últimos 20 anos – a idade da Constituição de 1988 – não houve número suficiente de deputados federais e senadores que reunisse a força política necessária para regulamentar a norma. Nem o Poder Executivo, no mesmo período, tomou qualquer iniciativa para enviar ao Congresso Nacional projeto de lei regulamentando o assunto.

Ninguém conhece melhor as conseqüências diretas do descumprimento dessa norma constitucional do que os consumidores dos serviços de TV por assinatura no país.

Na quinta-feira (14/2), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) mostrou "ao vivo" do plenário da Câmara dos Deputados como funcionam os serviços de atendimento ao consumidor das concessionárias de telefonia celular e TV a cabo. Ele esperou 25 minutos para agendar a prestação de um serviço na operadora de TV a cabo NET, que monopoliza esse serviço em algumas das principais cidades brasileiras. 

Aparentemente, a espera foi grande. A média de espera para ligações desse tipo, no entanto, é maior do que 30 minutos. O deputado chamou também atenção para o fato de que essas longas ligações são pagas pelo consumidor e não pela operadora. (Aliás, o assinante paga até mesmo a emissão do "boleto bancário" através do qual a sua assinatura é quitada mensalmente!).

Clubes insatisfeitos

Os problemas do consumidor, todavia, não se limitam à demora no atendimento, ao preço pago pelas ligações e pelo boleto bancário. Um serviço de pay-per-view, por exemplo, contratado – e pago – pode simplesmente não estar disponível no dia e na hora que deveria ir ao ar. Os assinantes de Brasília que compraram o pacote de futebol que inclui o Campeonato Mineiro só conseguiram ver alguma partida deste campeonato a partir da segunda rodada e, assim mesmo, depois de inúmeras e longas ligações, agendamento não cumprido de visitas técnicas e muito aborrecimento.

A tentativa de resolver o assunto utilizando o atendimento via e-mail chega a ser cômica: além da demora de dois dias para se obter uma resposta, um pedido de informações sobre o cancelamento do contrato pode ser respondido anonimamente com um texto padrão que diz: "Ficamos felizes em saber que o Sr. aprecia o nosso trabalho" (sic)!

Se o consumidor consegue finalmente assistir aos jogos do campeonato que ele contratou, se defronta com outro problema: a ausência de profissionalismo das transmissões. Um exemplo: no jogo entre Cruzeiro e Guarani de Divinópolis, realizado no sábado (16/2), o locutor passou quase todo o primeiro tempo identificando o zagueiro Léo Fortunato do Cruzeiro como sendo Giovanny Espinoza, o equatoriano que não havia entrado em campo e não constava da escalação fornecida pelo próprio locutor antes do início da partida.

Aliás, sobre transmissões esportivas o jornalista Daniel Castro revelou, na Folha de S.Paulo (11/2), que o governo federal reabriu em outubro passado as investigações iniciadas em 1997 na Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, para apurar indícios de práticas anticoncorrenciais por parte da Rede Globo na compra do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Nada mais oportuno. A grande mídia noticiou recentemente a insatisfação de clubes do porte de Flamengo, São Paulo e Cruzeiro com os contratos de exclusividade de transmissão que vem sendo celebrados, há anos, com a Globo.

Passou da hora

Para os assinantes da NET interessados em acompanhar o Campeonato Brasileiro não há outra alternativa a não ser se tornarem "sócios" do PFC (Premiere Futebol Clube) e pagar as mensalidades mesmo nos intervalos entre campeonatos, isto é, quando não há jogos para serem transmitidos.

A última da operadora NET com seus assinantes foi enviar, junto com a conta do mês de fevereiro, um novo contrato de Prestação de Serviços, impresso em três páginas de letras de corpo minúsculo. Perdido no meio do texto do longo contrato está uma cláusula de permanência mínima de 3 a 24 meses, a critério da operadora. E, mais escondida ainda, está um nota de pé de página que informa "para sua conveniência, ao pagar a próxima fatura este novo contrato entra em vigor automaticamente" (sic). Que falta faz a concorrência!

A (des)regulação do setor de comunicações no Brasil e a ausência histórica de um marco regulatório abrangente que inclua e contemple a convergência tecnológica é fato por demais sabido. As conseqüências do monopólio estão aí e já passou da hora para que os consumidores desses serviços públicos reivindiquem seus direitos.

O Parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição precisa ser regulamentado e a Secretaria de Direito Econômico e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cadê) devem tomar medidas urgentes para garantir a concorrência no serviço público de comunicações. 


* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

TV Pública e TV Mercantil

A polarização imposta pelo neoliberalismo – estatal x privado – como acontece com quem reparte, fica com a melhor parte – a esfera privada –, mas para isso tem que fazer desaparecer o essencial – a esfera pública. A primeira armadilha montada pelo neoliberalismo é a camuflagem do verdadeiro sentido da esfera de que eles promovem a hegemonia : a esfera mercantil. Afinal de contas, esse é o objetivo das suas políticas: transformar tudo em mercadoria – direitos, água, empresas, informação. Privatizar é submeter ao mercado, mercantilizar.

Por outro lado, o pólo oposto ao mercantil não é o estatal. O Estado pode ser dominado por interesses mercantis – como costuma acontecer – ou representar interesses públicos. Portanto, a esfera estatal, em si mesma, não tem uma determinação precisa. O que se contrapõe à esfera mercantil é a esfera pública, aquela que, ao contrario da mercantil, expressa os interesses gerais, enquanto a mercantil reflete sempre interesses particulares – de empresas, de indivíduos, de capitais. Os maiores embates contemporâneos ocorrem entre a esfera mercantil e a esfera pública. Quanto à esfera estatal permanece espaço de disputa entre as duas.

Quando tratamos de mídia – e, no caso específico do Brasil, hoje – de TV, a mesma polarização se reproduz, sob formas específicas. Um dos pólos foi ocupado pela TV mercantil, que se orienta por critérios comerciais, suportada pelas agências de publicidade – intermediárias do seu financiamento pelas empresas privadas – e voltada para a conquista de audiência – suporte da publicidade. Esta tv se dirige aos consumidores que, em grande parte, ela mesma produz. É formada por empresas que visam o lucro, que se financiam através da publicidade. São empresas que competem entre si em busca de mais espectadores, mais publicidade, mais lucros.

No outro pólo está a mídia pública – neste caso, a TV pública – que se apóia na esfera estatal, que lhe dá o suporte fundamental, procura defender os interesses gerais da maioria, especialmente aqueles que não estão no cerne da mídia mercantil. Sua audiência é dada pela grande maioria que não é visada pelos critérios comerciais da mídia. São espectadores interpelados – e, de certa forma, constituídos – como cidadãos e não como consumidores.

Hoje, uma TV pública precisa lutar contra o pensamento único da mídia mercantil, monocórdia, repetitiva, cinzenta, mera reprodutora das pautas da imprensa produzidas nos grandes centros da globalização. Cada jornal parece repetir os demais e cada articulista quase se limita a oferecer uma nova versão aos editoriais do mesmo jornal. As grandes idéias, os grandes debates, os grandes temas contemporâneos não estão nessa mídia ou só aparecem para serem desqualificados. É uma mídia antidemocrática, propriedade de algumas famílias, cuja direção não é eleita, mas herdada por critérios de transmissão familiar, da qual os jornalistas são assalariados, contratados e descontratados segundo as decisões de uma direção que se sucede de geração a geração.

É uma mídia antidemocrática porque se dirige ao seleto grupo da alta esfera do mercado, aos assinantes e leitores de grande poder aquisitivo, que as agências de publicidade querem atingir. Seus temas são aqueles da agenda desta elite. O tema principal é o da suposta carga excessiva dos impostos. Setores que não usam educação pública, nem saúde pública, nem segurança pública, nem transporte público, são os que preferem pagar menos impostos para poder gastar mais nos serviços privados, para ampliar seu consumo conspícuo e crescentemente escandaloso, para suas viagens ao exterior, etc. Desprovidos de qualquer sentimento de solidariedade social com as grandes maiorias – no pais mais injusto do mundo – , pouco lhes importa que uma parte da carga fiscal esteja destinada às despesas sociais

A mídia mercantil, ou seja, fundada no mercado, demoniza o Estado e, com ele, as despesas através das quais o Estado atende, ou deveria atender – e o mercado, certamente não atende, não quer e nem poderia atender – às muitas dezenas de milhões de pessoas que precisam da educação pública, da saúde pública, de saneamento básico, de transporte público, de cultura pública. Em suma, a mídia mercantil privilegia os consumidores e o seu poder de compra. A mídia pública precisa privilegiar os cidadãos e seus direitos.

Para isso, ela necessita quebrar a visão totalitária que desqualifica o Estado em função do mercado, cujos interesses representa. Precisa produzir um outro discurso segundo o qual não cabe ao Estado subsidiar o grande capital privado – que já goza de tantos privilégios -, mas universalizar direitos. Um discurso que privilegia a democratização da sociedade e não incentivar o mercado, que só concentra renda e patrimônio. A TV pública precisa ser o instrumento intransigente da democratização da sociedade e do Estado brasileiro. E só há um caminho: conseguir quebrar o reinado do pensamento único na mídia mercantil brasileira.

É necessário enfatizar as diferenças existentes entre a TV pública e a TV estatal. Em primeiro lugar, é preciso dizer que um governo, eleito e reeleito pela maioria dos brasileiros, tem a necessidade e a obrigação de se dirigir constantemente aos cidadãos, para informar suas políticas, explicá-las, debatê-las. Mais do que qualquer pesquisa de audiência – esta que a mídia mercantil utiliza para manter privilégios da publicidade governamental -, a mais ampla e democrática pesquisa é aquela das próprias eleições e elas deram ao governo um mandato pelo qual está obrigado a responder cotidianamente diante da cidadania. Portanto, não é crime, mas sua obrigação utilizar todos os espaços possíveis para informar, explicar e debater com os cidadãos. Aliás, a mídia mercantil se comporta como se fosse sua propriedade um espaço que, de fato, é concessão do Estado.

Por outro lado, mais do que se diferenciar de uma TV estatal, a TV pública precisa se distinguir das TVs mercantis. Elas estão submetidas a lógicas diferentes, e até contraditoras, Graças a esta diferença substantiva, seus horizontes são diversos: uma visa o lucro e, a outra, quer a democracia.

PL-29 e TV por Assinatura: um debate que precisa crescer

Está em discussão, no Congresso Nacional, um projeto de lei que poderá provocar algumas importantes alterações, para melhor, no modus operandi do mercado de TV por assinatura. O projeto é conhecido pela alcunha "PL-29". No momento, ele está entrando na fase de discussão do substitutivo do relator, no caso, o deputado Jorge Bittar, do PT do Rio de Janeiro. É possível que, emendado e remendado, ele seja votado na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara e enviado direto à discussão no Senado. É possível, também, que os deputados prefiram submetê-lo ao voto do Plenário. Sendo otimista, até o final do ano, o projeto poderá estar sendo enviado à sanção presidencial.

Como em outros casos similares, a sociedade não toma conhecimento do assunto, até porque sequer é informada sobre o tema. O máximo que a sociedade soube, o foi através de uma propaganda enganosa da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) dirigida exclusivamente aos assinantes de suas operadoras associadas. O mais estranho, porém, é que aquela parcela politicamente mobilizada da sociedade, embora sabendo da existência dessa PL, até agora, salvo melhor juízo, também pouco se manifestou a respeito.

O projeto substitutivo apresentado pelo deputado Bittar é um documento muito mais avançado e consistente do que os projetos iniciais que motivaram o processo. Estes eram propostas desavergonhadamente a serviço dos diferentes lobbies empresariais. O projeto de Bittar tenta organizar o marco normativo dessa área, introduzindo-lhe boa dose de racionalidade, tratando do tema de um modo abrangente, defendendo melhor os interesses dos consumidores mas, também, não podendo deixar de atender a alguns dos poderosos grupos de interesse envolvidos na questão. E, ao longo dos debates que agora se seguirão, esses interesses deverão ser melhor atendidos cada vez mais, exceto se os outros segmentos sociais se mobilizarem para contra-pressionar a favor de uma legislação democrática, nacionalista e cidadã nesse setor.

O primeiro ponto muito positivo do substitutivo de Bittar é desagregar a cadeia produtiva. Ele identifica as diversas atividades que contribuem para o serviço, estabelecendo, para cada uma delas, algumas regras específicas. A partir de agora, estamos sabendo que, para a oferta da TV por assinatura, contribuem, pelo menos, quatro diferentes setores econômicos-empresariais: produção, programação, empacotamento e distribuição/transporte. Pode acontecer, claro, de essas atividades estarem "verticalizadas" no interior de uma  mesma  organização empresarial. O caso conspícuo é a NET que produz os seus conteúdos através de diversas subsidiárias das Organizações Globo; programa-os através dos muitos canais Globosat (uma dessas subsidiárias); empacota-os através da própria NET Brasil; e transporta os pacotes para a casa dos assinantes, através da NET Serviços. A gente pensa que é tudo uma coisa só, mas não é bem assim. Além dos canais Globosat, a NET Brasil também empacota os vários canais da Turner, da Fox, da HBO, da ESPN, de muitas outras que, por sua vez, são, elas também produtoras de si mesmas e compradoras de produtos de terceiros, num vasto e diversificado mercado de produção audiovisual. Mas, claro, a NET Serviços apenas transporta para a minha e sua casa, os pacotes da NET Brasil. Se eu ou você quisermos assistir a algum canal que não esteja no pacote da NET, teremos que assinar, se existir no meu bairro ou na sua cidade, um pacote, junto com o serviço, oferecido por outra distribuidora, isto é, por outra operadora de infra-estrutura.

O segundo ponto positivo do projeto é, a partir disso, trazer a Ancine para também cuidar do negócio TV por assinatura, agora rebatizado "serviço de acesso condicionado". Caberá à Anatel regulamentar e fiscalizar apenas o segmento de distribuição, isto é, a infra-estrutura de transporte (cabo, satélite ou MMDS). Toda a parte relativa a conteúdo, da produção ao empacotamento, ficará sob a responsabilidade da Ancine. Também são dados poderes ao Cade para monitorar a concorrência.

O terceiro ponto positivo do projeto é a promoção do conteúdo nacional. Aqui, Bittar inovou ao importar um conceito existente nas regras da Comunidade Européia para a televisão: o "espaço qualificado". Trata-se do tempo de transmissão atribuído a filmes, documentários, séries de televisão, novelas, tudo que não for jornalismo, programa de auditório, transmissão esportiva, televendas etc. Dentro desse "espaço qualificado", cada canal fica obrigado a transmitir, no mínimo, 10% de conteúdos nacionais (filmes, documentários etc). Um canal que só transmite 100% de programação jornalística esportiva estará, obviamente, excluído dessa obrigação. Já um canal que, entre tantos programas, dedica algumas horas a filmes ou séries, terá que cumprí-la na proporção dessas horas. Um canal 100% cinematográfico, terá que transmitir 10% de horas, em horário diurno (Bittar não é bobo!), de filmes nacionais. E isso valerá tanto para canais brasileiros, quanto estrangeiros.

Bittar propõe também que 30% dos canais transmitidos em qualquer "pacote" comprometam-se em oferecer, pelo menos, 50% de conteúdos "qualificados" nacionais. Por fim, mas não por último, propõe que metade dos canais oferecidos em um pacote sejam controlados por empresas de capital nacional.

Essa defesa e promoção do audiovisual brasileiro já se tornou o ponto mais polêmico do projeto (vide a reação da eibitiei). No entanto, o que a proposta sustenta é justo o contrário do que apresenta a propaganda falaciosa dessa entidade: se a PL for aprovada assim como está, permitirá reduzir um pouco a monocultura americanófila da TV por assinatura e, portanto, diversificar, com um tanto de produções brasileiras, inclusive as ditas "regionais", o que poderemos assistir por cabo ou satélite. O projeto de lei do deputado Bittar dá forte ênfase à produção independente e contém todo um capítulo sobre o fomento financeiro a essa produção.

O quarto ponto positivo do projeto é liberar a atividade de distribuição para todo o tipo de operadora de telecomunicações e, ao mesmo tempo, uniformizar o tratamento regulatório do setor: as regras serão as mesmas para o cabo (hoje regulado por lei) e para o satélite (hoje regulado por meras portarias ministeriais). Se o projeto de Bittar não vier a ser emasculado, as operadoras de satélite (ou melhor, a operadora…) serão também obrigadas a transmitir os canais abertos e outros canais públicos, inclusive a TV Comunitária. Em outras palavras, o projeto, tal como está hoje, promete introduzir cidadania, por um lado, e competição, por outro, no setor.

Pode melhorar? Sim, claro. Mas isto, reconheçamos, estará além das forças do deputado Bittar que, inclusive, assumiu essa tarefa sem que o governo e, também, o seu partido tenham claras posições a respeito. Nem um, nem outro, discutem muito o assunto. 

Um ponto que mereceria melhor discussão trata do empacotamento. O projeto não cria condições para que o consumidor tenha maiores opções de escolha, exceto se trocar de operadora (distribuidora). Acaba, assim, tornando-se um tanto vago quanto às condições de concorrência, exceto, talvez, se a concorrência se der entre operadoras. Como não veda, explicitamente, contratos de exclusividade entre a empacotadora e a distribuidora (operadora), admite essa simbiose que obriga o consumidor a, para assistir a UM específico canal não oferecido no "pacote" vendido por uma operadora, assinar um outro serviço, de outra operadora, ou trocar de serviço, com todas as atribulações que isto lhe causa!  Será que entidades que defendem os interesses dos consumidores e fazem a apologia da competição não teriam sugestões a dar aí? Por que a distribuidora não pode ser obrigada a oferecer uma gama diversificada de "pacotes" organizados por diferentes empacotadores concorrentes?

É possível que, do ponto de vista do negócio, aquela simbiose seja necessária: temos que pensar, também, no interesse do investidor, afinal o nosso mundo é capitalista… Mas se isto for verdade, é necessário assegurar algum grau de independência para o consumidor, na montagem do seu "pacote". O debate desse projeto de lei seria uma boa oportunidade para oferecer ao assinante, caso queira, a possibilidade de acrescentar ou substituir canais, num "pacote" convencional. Digamos que o assinante pudesse, até um limite de, por exemplo, 20% do número total de canais, substituir certos canais por outros. Esta proposta, inclusive, iria ao encontro da propaganda da eibitiei, já que, neste caso, eu estaria pagando e decidindo, de fato, o que quero ver na minha TV por assinatura. Hoje, eu pago e vejo o que me empurram retina acima…

Outro ponto a melhor debater trata da natureza da outorga. Hoje, no cabo, é concessão. No satélite, autorização. Infelizmente, Bittar propõe reduzir tudo a autorização. Uma concessão é um contrato rigoroso entre o Estado e uma empresa prestadora de serviço de interesse público. Define direitos e deveres de ambas as partes, logo é mais seguro para ambos. Estabelece um prazo: logo permite periódicas reavaliações das condições de prestação do serviço. E estamos falando de infra-estrutura: se tudo correr bem, como gostaríamos que corresse, daqui a alguns poucos anos, o cabo e o satélite estarão sustentando as comunicações em alta velocidade por todo o país e servindo ao acesso aos mais distintos conteúdos jornalísticos, educativos, culturais, artísticos, de lazer etc. A exploração de estradas de rodagem se faz por concessão. Por que a exploração de infovias, na sociedade da informação, também não deve ser uma concessão? Serão as infovias assim tão desimportantes quanto a banca de jornal que fica na esquina da rua onde moro, que funciona por mera autorização do prefeito?

A tramitação da PL-29 será, certamente, um assunto a mobilizar interessados e especialistas ao longo deste ano de 2008. Oxalá possa aparecer mais gente interessada em ampliar esse debate, nele introduzindo questões cruciais para a nossa democracia e nossa identidade nacional.

* Marcos Dantas é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Foi secretário de Educação a Distância do MEC  e membro do Conselho Consultivo da Anatel. E-mail: mdantasloureiro@yahoo.com.br

Campus Party e o Aquário da Mídia

Quando você entra no salão principal do Campus Party após subir uma escada rolante, avista, de um lado, pequenos auditórios improvisados, onde rolam apresentações, palestras, debates, e, do outro lado, bancadas brancas e cadeiras de estofado azul, nas quais jovens de todas as idades se amontoam com laptops enfrente os olhos. Em lugares estratégicos, empresas marcam presença com seus estandes.

No meio do salão, um espaço semelhante a um aquário, posto que todas as suas paredes são de vidro, reproduz parte do cenário exterior, com a diferença de que nela há, além de bancadas brancas e cadeiras, alguns computadores de mesa.

Se você se inscreveu no Campus Party, pode circular à vontade pelos auditórios, ocupar um ponto da bancada, explorar a conexão a cabo de 5 mega de velocidade, ter os cabelos pintados pelo Flickr, mas não pode entrar naquele aquário, porque ele é acessível apenas para quem carrega consigo uma credencial especial de imprensa.

Para mim, esse aquário da mídia e para a mídia, também conhecido como sala de imprensa, dentro do Campus Party, é a metáfora perfeita da comunicação nos dias atuais. Uma imagem do choque entre o velho e o novo mundo.

Historicamente, a mídia tradicional (provedora de informação) se relaciona com o público através de um vidro imaginário, uma idefectível quarta parede que delimita quem deve produzir e fazer circular e quem deve apenas consumir conteúdos informativos e culturais. Dizem: chegue perto, sinta-se próximo, mas não tente entrar, porque o espaço é cercado por vidros e há controle na porta. Esse é o mundo daqueles que habitam a parte de dentro do aquário, a soldo de seus chefes – os proprietários dos meios de comunicação.

A internet, no entanto, derrubou esse vidro, anulou a quarta parede. Na rede mundial, entra quem quer, como quer, do jeito que quer. Não há separação entre quem produz e quem consome conteúdos. Todos são um e todos. É a grande cauda longa que reorganiza a economia mundial. Os habitantes desse mundo ocupam as bancadas brancas do Campus Party, do lado de fora do aquário, e produzem mais e melhor informação do que seus “colegas” da credencial especial. É o terreno dos blogs, mini-blogs (Twitter), dos vídeos de bolso, das TVs Web, dos podcasts, dos videocasts…

Parece até que a organização do Campus Party escolheu estrategicamente o local para construir o aquário da mídia. Bem ao centro da salão, eles estão cercados pela galera da nova comunicação, estão sitiados em sua redoma hermética e anacrônica, que prevê divisões e barreiras onde deve haver comparilhamento e pontes.

Do lado de fora do aquário, explodem os novos caminhos da comunicação contemporânea, um mundo de tecnologias a serviço do bem comum, da liberdade de expressão, do direito à comunicação.

Para entender melhor o que é o Campus Party, Sérgio Amadeu explica

O que é o Campus Party? Podemos dizer é um encontro presencial das comunidades que habitam a Internet. É um espaço incomum onde comunidades, que dificilmente estariam juntas, reuniram-se nesta semana para trocar idéias, fazer novos amigos e conhecer os avanços das tecnologias. O mais interessante é que neste Campus Party Brasil, conseguimos reunir entretenimento com aprendizagem em uma programação com mais de trezentos conteúdos. Trata-se de um momento típico da cibercultura, pós-industrial. As pessoas estão se divertindo enquanto ensinam, aprendem e compartilham conhecimento. Outra característica vísivel são as improvisações e reconfigurações que ocorrem no evento, desde o lançamento, quando Gilberto Gil cantou ao som de uma mesa digital que emitia sons até a festa a fantasia que a comunidade de software livre fará a meia noite desta quarta-feira.

TV pública: os méritos de uma MP

O jurista Fernando Fortes, no último encontro da Abepec (Associação Brasileira de Emissoras Públicas e Educativas), realizado em Sergipe, teceu considerações oportunas sobre a medida provisória 398, de 10 de outubro de 2007.

Diz o professor de direito constitucional da PUC que, se aprovada, a medida provisória se transformará na primeira lei a estabelecer os princípios da TV pública educativa no Brasil. Até hoje, só uma lei trata diretamente do assunto, o decreto-lei 236 de 1967, baixado pelo regime militar para complementar e modificar o Código Brasileiro de Televisão, de 1962. Esse vazio legislativo, visto que a lei de 67 caducou com o advento da Constituição, dificulta a consolidação da TV pública no Brasil.

A MP funcionará como uma regulamentação da própria Constituição, e a ela submeterá toda a criação de TVs públicas pelo Estado. Dessas normas nenhuma delas poderá se afastar. Incumbirá à sociedade fiscalizar o seu cumprimento, independentemente de o instrumento, MP, ter sido o mais adequado ou não.

Essas virtudes não decorreram do acaso, nem da pressa do Executivo em criar uma nova televisão. Decorreram de muitos fatores: o aperfeiçoamento ético e profissional ocorrido na Radiobrás na gestão de Eugenio Bucci; as melhorias na administração e nas instalações da TVE durante o mandato de Beth Carmona; a luta da TV Cultura de São Paulo para manter uma programação de alto nível e sua independência política e intelectual em quase todas as administrações. E mais, o esforço de 21 emissoras estaduais em superar suas precárias condições técnicas e financeiras, associado à ação da Abepec. E, além disso, o trabalho conjunto realizado pelas associações representativas do campo público da televisão.

Se essa é a gênese da MP, o DNA foi fixado no Fórum Nacional das Televisões Públicas. Por nove meses, essas associações, em conjunto com intelectuais e técnicos convidados, reuniram-se em grupos de trabalho com representantes de quatro importantes ministérios, Cultura, Comunicação, Secom e Casa Civil, produzindo o "Manifesto pela TV Pública Independente e Democrática".

Esse manifesto foi lido pelo presidente da Abepec e entregue pessoalmente ao presidente Lula, em cerimônia pública na qual o presidente falou da magnitude do seu conteúdo e no compromisso de fazer uma TV Brasil fiel aos seus preceitos.

Mais importante do que avaliações políticas sobre as intenções do governo ao criar uma TV pública é fazer uma avaliação sem qualquer pré-julgamento dos efeitos positivos da MP. Além de obrigar o governo a criar televisões dentro de uma regra democrática, proposta pela sociedade, a lei constrangerá os Estados a fazerem o mesmo. São Paulo já tem uma lei adequada, que comemora 40 anos, inspirando as outras TVs, mas trata-se de uma lei estadual sem alcance federal.

Nos outros Estados, fora o Rio Grande do Sul, as televisões públicas educativas são em verdade estatais.

A recente crise com a emissora estatal do Paraná estaria resolvida se aquela televisão observasse os preceitos da MP, que em síntese são os seguintes: "Complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal; promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição do conteúdo; produção e programação com finalidades artísticas, culturais, científicas e informativas; promoção da cultura nacional, estímulo à produção regional e à produção independente; autonomia em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão e participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade".

Qualquer que seja a natureza jurídica da instituição criada para abrigar a concessão da TV pública, ela deverá ser controlada por um conselho representativo da sociedade, cujos membros, em sua primeira renovação deverão ser escolhidos pela sociedade e não pelo Executivo. Além desses princípios, a lei enuncia a grande missão de desenvolver a consciência crítica do cidadão, em lugar do estímulo consumista que preside a programação da TV privada.

Recomendo aos congressistas que prestem muita atenção às observações que faço, pois me sinto isento ao fazê-las, na condição de representante do campo público da televisão, pois não estou nem sou deste governo nem dos partidos que o apóiam. Apenas acho que se trata de um passo importante e decisivo. É claro que a MP pode ser aperfeiçoada, com a clara definição de recursos e um conselho escolhido pela sociedade.

Se a MP não for aprovada, a tentação será a de se fazer uma TV estatal, com alguma aparência de pública, sem um instrumento regulador que dê à sociedade o poder de controlá-la.

(*) Jorge da Cunha Lima é jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta.