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PF fecha 30 rádios em Pernambuco; mídia corporativa deita e rola

Manhã de segunda-feira. Um grupo de cerca de sessenta policiais federais (de acordo com a assessoria de imprensa da corporação) preparam-se para uma ação da maior importância. Mobilizam-se em 18 equipes (também de acordo com a informação oficial) e espalham-se pelo estado. O objetivo? Fechar 56 rádios que funcionavam sem a autorização formal do Ministério das Comunicações em todo o estado de Pernambuco. E assim foi feito. Acompanhados por agentes da Anatel (Agência Nacional de Comunicação), os homens da lei, pelo menos naquele dia, não iriam prender bandidos. Mas impedir que cidadãos e cidadãs usufruíssem de seu direito de comunicar-se livremente.

Dos 56 'alvos' da operação "Segurança no Ar", como foi ironicamente chamada a ação policial, 24 já não estavam mais no ar. Quer dizer, claro que poderiam (legitimamente) ter utilizado alguma estratégia para esquivar-se da PF. A maioria, porrém, possivelmente havia sido 'lacrada' talvez pela falta de dinheiro para a conta de energia ou telefone. Talvez até pela falta de articulação e legitimidade dentro de suas comunidades. Enfim, por algum motivo que — embora não pareça — tem relação com as políticas públicas (ou a falta delas) que deveriam ser responsáveis pela garantia do direito à comunicação no Brasil.

Duas das rádios tinham liminares obtidas na justiça para funcionar. Articuladas, acionaram o poder judiciário com o argumento que poderia ser da maioria das comunitárias. Haviam pedido, há anos, a outorga ao MiniCom. O ministério, porém, não havia dado nenhuma resposta. Nem que sim, nem que não. Pela morosidade do processo, a comunidade ganha o direito (liminarmente) de comunicar-se até que uma decisão seja tomada 'no andar de cima'.

Trinta rádios foram fechadas. Diversos equipamentos, entre transmissores, microfones, computadores e outros foram apreendidos. Quatro comunicadores apreendidos deram seus depoimentos constrangidos após serem vergonhosamente expostos à mídia como sendo os 'infratores', os 'piratas', os 'clandestinos'. Os bandidos. Os foras-da-lei.

O que fizeram os veículos de comunicação corporativos, que ocupam boa parte do espetro radiofônico e televisivo? Que, com seu poder aquisitivo, controlam o mercado de impressos?

Deitar e rolar

A cada apreensão, um agente da polícia entrava no ar e dava seu depoimento nas (poucas e robustas) rádios comerciais com programas locais. Nos noticiários, apontaram-se dedos, louvou-se o 'papel da polícia'. Imagens de alguns comunicadores eram divulgadas e utilizou-se até velho (e ultrapassado) argumento de que as rádios não autorizadas podem derrubar aviões.

Nos jornais, ninguém ousou indicar um acidente aeroviário que tenha sido causado por rádios comunitárias. Por que nunca houve um que seja. Mas abusou-se de insinuações, meias-verdades e os velhos termos 'pirata', 'clandestino', etc. Dois diários (Jornal do Commercio e Folha de Pernambuco), ambos pertencentes a empresas que também controlam rádios comerciais (embora a outorga da Rádio Folha seja a de emissora educativa), trouxeram o assunto para a capa. As manchetes, iguais: "PF fecha 30 rádios piratas". Letras garrafais.

Para não dizer que esqueceu o 'outro lado', o JC saiu com uma matéria vinculada colocando algumas falas de representantes do movimento de rádios. Mas faltou muito. Faltou dizer quanto tempo as rádios costumam esperar por uma autorização para funcionar. Faltou falar que esse ano a lei que regulamenta as radcom faz 10 anos e que nesse tempo todo o número de apreensões supera — em muito — o de concessão de outorgas. Faltou falar que a legislação praticamente não prevê fontes de financiamento para as rádios. Faltou falar um pouco do trabalho feito por algumas dessas rádios, que promovem suas comunidades, que dão vozes a seus moradores e suas moradoras. Que mostram o que boa parte da mídia comercial esconde.

Faltou – porque será? – uma análise completa do uso do nosso espectro, ocupado em sua quase totalidade por rádios afiliadas a grandes redes, em que a maior parte da programação vem via satélite, com outro sotaque, outra cultura. Com uma linha editorial que não contempla nossas cidades  e em que o número de funcionários muitas vezes pode ser contado em apenas uma das mãos.

Se é para se discutir legislação, faltou principalmente um relato sério sobre a falta de regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:   
      I –  preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;   
      II –  promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;   
      III –  regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;   
      IV –  respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
 

Será que é isso que as empresas fazem ao ocupar nossos canais?

* O OmbudsPE é uma iniciativa do Centro de Cultura Luiz Freire.

O cidadão e a liberdade de imprensa

Três organizações não-governamentais – Artigo 19, Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) – apresentaram um relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), na segunda-feira (10/3), no qual "chamam a atenção para disposições legais e práticas judiciárias que têm constituído violações ao direito à liberdade de expressão no país, em especial o uso abusivo de recursos judiciais contra veículos de comunicação, jornalistas e defensores de direitos humanos". Embora a íntegra do relatório não esteja disponível para conhecimento público, esta é a informação que consta do release divulgado pela ONG Artigo 19.

Para além de eventuais ações de má-fé e da polêmica provocada pelas ações de fiéis, aparentemente articuladas pela Igreja Universal do Reino de Deus contra a Folha de S.Paulo e a repórter Elvira Lobato – que estão, uma a uma, como se esperava, sendo derrotadas na Justiça – emerge uma velha questão que diz respeito ao conflito entre o direito à liberdade de expressão – estendida às empresas de comunicação como liberdade de imprensa – e alguns direitos e garantias individuais como a presunção de inocência, o direito de resposta e o direito de imagem.

Quando essas questões merecem a atenção da grande mídia – e também de ONGs – elas surgem como um alerta às "tentações da censura" e ao risco que a liberdade de imprensa estaria correndo no país. Não fica claro, no entanto, quem é exatamente o titular dos direitos envolvidos e quem, afinal, os coloca em risco.

Ditaduras diversas

As palavras, como as idéias, têm história. Existe um ramo da lingüística – a semântica – que trata exatamente disso. No nosso campo de trabalho – a comunicação (ou seria a mídia?) – várias palavras têm mudado de significado desde que, introduzidas na língua portuguesa, foram se incorporando à linguagem nossa de todos os dias. Poderia haver melhor exemplo do que a própria palavra comunicação? A língua é parte da cultura e ambas, naturalmente, são dinâmicas, mudam com o tempo, são históricas.

A idéia liberal de liberdade de imprensa tem uma história como todas as outras idéias e palavras. E essa história começa há mais de quatrocentos anos, na Inglaterra do século 16.

A questão central que tem servido para definir os diferentes significados de liberdade de expressão ao longo do tempo é exatamente quem ameaça a sua existência. A identificação desse quem – instituição e/ou pessoa – faz parte da construção pública do significado da palavra e, considerando a importância da imprensa (da mídia), constitui elemento crucial da própria disputa pelo poder político no mundo contemporâneo.

Inicialmente, a ameaça vinha do Estado absoluto, onde o poder do rei (ou da rainha) era considerado de origem divina. Religião e poder temporal se confundiam. Um dos textos fundadores da defesa da liberdade de expressão tem sua origem num discurso contra a proibição do divórcio e contra a censura prévia de livros, escrito por John Milton em 1644, o famoso Areopagítica.

Com o passar dos séculos e o surgimento dos jornais de massa, o poder absoluto foi sendo substituído pelo Estado de Direito. Mesmo assim, o poder do Estado "autoritário" continuava a ser a grande ameaça à liberdade de expressão. Essa foi a experiência de países governados por ditaduras de diversas origens ideológicas. A censura do Estado impedia a liberdade de expressão como condição mesma de sua manutenção no poder. O Estado Novo e a ditadura militar iniciada em 1964 são exemplos que não podem ser esquecidos no nosso país.

Sujeito dos direitos

Com o tempo, no entanto, a imprensa acabou por se transformar num grande negócio. Os principais jornais passaram a fazer parte de conglomerados empresariais com interesses econômicos e políticos e, eles próprios, se constituíram em atores importantes na disputa pelo poder nas sociedades de Estado democrático. A ameaça à liberdade de expressão passou a vir não somente do poder do Estado, mas também do poder desses grandes conglomerados. Essa nova realidade possibilitou, em alguns casos, o que se chamou de "privatização da censura", de "jornalismo sitiado", e levou, inclusive, à inclusão de critérios de concentração econômica nos índices de avaliação da liberdade de imprensa em países democráticos.

Os últimos acontecimentos entre nós, no entanto, parecem identificar o risco de um novo e estranho desdobramento.

Disputas de mercado, de poder e influência – e a ausência de fronteira entre interesses religiosos e a finalidade da concessão de serviços públicos de radiodifusão – tem levado grupos de mídia, seus porta-vozes e algumas ONGs a considerar que a ameaça à liberdade de expressão estaria agora partindo do próprio cidadão, sujeito principal do direito. Seria ele que, por sentir-se atingido em seus direitos individuais, estaria, através de ações junto ao Poder Judiciário, ameaçando a liberdade de expressão.

Essa nova significação do que seja a liberdade de imprensa desloca totalmente o sentido histórico de seu sujeito original – o cidadão. Além disso, ao deslocar a ameaça à liberdade de expressão para as ações de cidadãos impetradas na Justiça, coloca-se sob suspeição o garantidor do equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo no Estado Democrático de Direito, isto é, o Poder Judiciário.

A necessidade de uma nova Lei de Imprensa está na ordem do dia. O momento é oportuno para uma ampla e democrática discussão de todas essas questões e, sobretudo, dos conflitos entre direitos garantidos constitucionalmente.

O que não podemos permitir é que o sujeito dos direitos – o cidadão – seja transformado em ameaça à realização desses mesmos direitos. Seria um desserviço à democracia e, aí sim, uma grande ameaça à liberdade de expressão.

Seqüestraram o Conselho de Comunicação Social

O Congresso demorou 14 anos para cumprir o artigo 224 de Constituição que determina a criação do Conselho de Comunicação Social (CCS) como órgão auxiliar do Legislativo. O atraso não resultou da preguiça ou do excesso de trabalho dos nobres parlamentares. Foi resistência ostensiva de sucessivas Mesas Diretoras do Senado, às quais não interessava a existência de um fórum de consulta, cobranças e debate sobre mídia instalado dentro do parlamento, com todas as prerrogativas deste tipo de suporte. Mesmo na condição de "órgão auxiliar" do Congresso, o CCS seria fatalmente convertido num sistema de alto-falantes que certos coronéis associados a setores da mídia não gostariam de instalar no aparelho parlamentar.

Para se ter uma idéia da má vontade e contrariedade destes setores, basta examinar o primeiro texto publicado neste Observatório da Imprensa, 12 anos atrás (ver aqui).

Apesar do persistente trabalho de sabotagem, o Conselho foi criado graças ao espírito público e ao civismo de um grupo de senadores do PT e do PSDB (entre eles Artur da Távola, jornalista).

Regulação e auto-regulação

Escolhidos os nove conselheiros, eleito o presidente (o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, com larga experiência em questões de direito da comunicação), o Conselho foi instalado com alguma pompa em 2002. Durante o seu primeiro mandato envolveu-se em questões da maior relevância: concentração da mídia, rádios comunitárias, TV digital etc.

Desprovido de qualquer tipo de poder, apenas porque existia e funcionava o CCS era um incômodo. A noção de que poderia ser acionado para esclarecer a sociedade nas questões relativas à comunicação social levou os mesmos setores – e senadores que postergaram a sua criação – a optar por sua liquidação.

Coveiro contratado: o ex-jornalista Arnaldo Niskier. Expert em trabalhos na sombra e em silêncio, o imortal conseguiu o milagre de esvaziar completamente o CCS ao longo do segundo mandato (2005-2006). No ano seguinte (2007), o órgão não se reuniu uma única vez e, em 2008, a Mesa do Senado sequer conseguiu indicar os seus integrantes.

Significa que o CCS é desnecessário?

Significa que o CCS é utilíssimo, não fosse assim não seria sangrado em silêncio. O CCS tem condições para transformar-se num instrumento decisivo para provocar e subsidiar os debates relativos aos meios de comunicação. O CCS pode ser vital para disciplinar a espúria concessão de canais de rádio e TV a parlamentares, aberração que compromete toda a estrutura da nossa mídia eletrônica.

Embora sem o formato e desprovido dos poderes da FCC americana (Federal Communications Comission), o CCS poderia transformar-se na incubadeira de instrumentos e estatutos – reguladores ou auto-reguladores – exigidos por uma sociedade que está aprendendo a comunicar-se em alta velocidade.

Instrumentos surrupiados

Se o CCS funcionasse como já funcionou, alguns debates recentes teriam sido conduzidos com mais competência e algumas decisões tomadas com mais prudência. A TV digital foi uma delas.

Com um CCS vivo e vigilante, a criação da TV Brasil não teria transcorrido de forma tão melancólica e a oposição não teria desempenhado um papel tão contraproducente, inclusive para os seus próprios interesses.

Embora concebido para assessorar e enriquecer os trabalhos do Legislativo apenas, o CCS poderá desempenhar um papel crucial em matérias cogitadas por outros poderes. É preciso lembrar que a iniciativa de liquidar o entulho autoritário embutido na Lei de Imprensa partiu de um congressista, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ). Será apreciada pelos magistrados do Supremo Tribunal Federal, mas se o CCS não estivesse em coma induzido, as ponderações expressas pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr sobre o perigo de extinguir pura e simplesmente a famigerada lei poderiam suscitar reflexões mais amplas do que o corajoso – porém solitário – artigo que publicou na Folha de S.Paulo.

Com um CCS ativo e vigilante, o Estado brasileiro, republicano e secular, jamais admitiria o seqüestro de seus bens – as concessões de rádio e TV – por confissões religiosas.

A Constituição de 1988 (que em outubro completa 20 anos) não pode ser violada. Os constituintes não podem ser desobedecidos. Os instrumentos que conceberam não podem ser surrupiados e os dispositivos que votaram devem ser cumpridos integralmente.

Roubaram o nosso Conselho, chamem a polícia!

Proteção autoral do tradutor ainda não é respeitada

O verbo traduzir vem do latim “traducere” e segundo o dicionário Aurélio significa: conduzir além, transferir, transpor, trasladar de uma língua para outra, revelar, explicar, manifestar, explanar, transparecer, verter. São estas as tarefas do tradutor ao traduzir um texto da língua de partida para a língua de chegada. Tarefas estas árduas, que exigem honestidade, ética, cultura, sensibilidade, amor e respeito às culturas e aos idiomas. Os tradutores são os intermediários entre línguas e culturas e exercem este ofício por amor à literatura e às línguas.

Contudo, o trabalho do tradutor é muitas vezes invisível ao público, mas é inegável a importância do seu ofício — levar os conhecimentos científicos, literários e técnicos para todos indistintamente, transportando este saber para o idioma materno de um povo. Segundo estudos lingüísticos, por mais que se tenha conhecimento de um idioma estrangeiro, as sensações e significados jamais serão tão bem entendidos quanto no idioma materno.

Na maioria dos países, a importância do trabalho do tradutor é desconhecida pelo público, e seu trabalho não recebe a devida valorização e remuneração. Esta situação ensejou na Alemanha, país onde quase 50% das publicações são traduções, atenção especial por parte do ex-presidente alemão Roman Herzog (1994-1999) que se pronunciou em defesa da valorização do ofício do tradutor dizendo: “é simplesmente escandaloso, que membros de uma das mais importantes profissões intelectuais, geralmente encontrem dificuldades para sobreviver da própria profissão”.

Todavia, na maior parte dos países, a questão restringe-se à discussão acerca da modesta remuneração recebida pelos tradutores e à falta de reconhecimento público.

No Brasil, onde 80% da produção editorial do país é de livros traduzidos, a discussão ganhou destaque recentemente, quando a imprensa divulgou denúncias de plágio por parte de algumas editoras.1 Verificamos em nosso país, casos de omissão do nome do tradutor em artigos da imprensa, resenhas e mesmo livros, privando-o de sua devida valorização como criador intelectual, desrespeitando as determinações legais, além da questão da baixa remuneração.

Sendo o ofício do tradutor tão importante é de se indagar o motivo pelo qual este não é devidamente valorizado e, a legislação muitas vezes descumprida, deixando-se de atribuir os devidos créditos ao seu trabalho. O tradutor é autor de obra derivada, ou seja, ele é o autor de obra proveniente de uma obra primígena. Ele é autor do texto traduzido ou vertido para o idioma de chegada.

Isto porque não é possível, na maioria das vezes, fazer-se uma tradução literal do texto original. Nos idiomas, muitas vezes, não encontramos correspondências perfeitas entre palavras e expressões. A tarefa do tradutor é encontrar estas correspondências semânticas adaptando, recriando, sem alterar o conteúdo e o significado do texto original.

Por estas razões ao tradutor é dada proteção autoral. Seu trabalho é uma criação do espírito, “geistige Schöpfungen” dotada de criatividade e originalidade. Como autor de obra derivada, o tradutor detém dois tipos de direitos. O direito patrimonial e o direito moral. O direito patrimonial traduz-se no direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

O direito moral do autor consiste no direito de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; e no direito de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

Na Alemanha, a lei de direitos autorais “Urheberrechtsgesetz” em seu artigo 3º reza que, as traduções e outras adaptações de obras que constituam criações intelectuais do adaptador, gozarão de proteção como obras independentes, sem prejuízo dos direitos autorais da obra adaptada2.

Assim também no Brasil, a tradução goza de direito autônomo. É o caso, por exemplo, da obra original estar em domínio público, mas sua tradução ainda gozar de proteção autoral.

Alguns tradutores literários brasileiros como Augusto de Campos e Haroldo de Campos, ao traduzirem poemas, o fazem com tamanha beleza e arte, que tais poemas tornam-se verdadeiras recriações do espírito autônomas, mas ainda assim, fiéis em sentido à obra original.

Deste modo, para que possa haver a utilização de uma obra traduzida que ainda não esteja em domínio público, é necessária a autorização do autor original e de seu tradutor.

A Convenção de Berna em seu artigo 3º estabelece que:

“art. 3º. São protegidas como obras originais, sem prejuízo dos direitos do autor da obra original, as traduções, adaptações, arranjos de música e outras transformações de uma obra literária ou artística.”

No Brasil, a Lei 9.610/98 dispõe em seu artigo 7º, inciso XI:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

O artigo 53, inciso II do mesmo dispositivo legal determina que, nas edições traduzidas, deve-se fazer constar o título original e o nome do tradutor.

As normas da ABNT para publicações, jornais e periódicos também estabelecem que, o nome do autor deve constar nas referências bibliográficas, ainda que não mencionando especificamente o tradutor. Todavia, sendo o tradutor o autor da obra derivada, não é necessária a repetição daquilo que já dispõe claramente a Lei 9.610/98, os tratados internacionais e legislações estrangeiras.

Portanto, cumpre a todos observar a legislação sobre os direitos autorais do tradutor, evitando desta forma, o desrespeito ao seu trabalho intelectual. Devemos dispensar ao tradutor o mesmo respeito que dispensamos a todos os criadores de obras intelectuais sejam eles, músicos, escritores, fotógrafos, artistas plásticos, etc.

É imperativa a atribuição dos créditos ao tradutor quando este exercer seu ofício traduzindo obras protegidas pelo direito autoral, ou seja, aquelas obras elencadas no artigo 7º da Lei 9.610/98.

Estão excluídos da proteção desta lei, os tradutores de manuais técnicos, esboços, métodos, e outros documentos de caráter técnico ou informativo discriminados no artigo 8º do mesmo diploma legal.

A lei vigente de proteção autoral do tradutor deve ser respeitada e os seus créditos devidamente atribuídos em livros, artigos de imprensa, resenhas literárias, conforme determina a legislação autoral e os Tratados Internacionais. Somente assim, poderemos garantir a qualidade e autenticidade da obra e do acervo cultural do país.

Notas de rodapé:

1. Folha de São Paulo – Caderno Ilustrada de 04/11/2007 e 15/12/2007

2. UrhG § 3 Bearbeitungen — Übersetzungen und andere Bearbeitungen eines Werkes, die persönliche geistige. Schöpfungen des Bearbeiters sind, werden unbeschadet des Urheberrechts am bearbeiteten Werk wie selbständige Werke geschützt. Die nur unwesentliche Bearbeitung eines nicht geschützten Werkes der Musik wird nicht als selbständiges Werk geschützt.

Regionalização da programação: o Brasil não conhece o Brasil

Pergunte a um morador de Rio Branco, no Acre, onde fica o Leblon. Ele dirá, sem titubear, que este é um bairro do Rio de Janeiro e ainda descreverá sua paisagem. Experimente fazer o inverso: pergunte a um carioca onde ficam o 1o e o 2o distritos. É quase certo que nada se ouvirá. Um dos principais motivos para exemplos como esse serem tão comuns está na maneira como se constrói a programação televisiva no país.

Criada com caráter local nos anos 50, a televisão se difundiu nos anos 60 e 70 estimulada pelos governos militares, que viam nela uma missão integradora. Emissoras das cinco regiões brasileiras tornaram-se afiliadas das cabeças-de-rede, aquelas instaladas em regiões de forte industrialização e urbanização. Até hoje, todas as redes nacionais têm sede no Rio ou em São Paulo. As emissoras regionais tornaram-se simples reprodutoras de conteúdo, com uma mínima grade de programação local.

Muitas vezes as emissoras locais se resumem a gerentes comerciais; retransmitem a produção nacional e ganham o slogan da empresa nacional, usando essa marca para vender seus anúncios locais. As afiliadas ficam sem o custo de produção e as cabeças-de-rede ganham em dobro. Amortizam parte do valor já investido e aumentam o público que recebe as mensagens de seus anunciantes.

A defesa da regionalização da programação da televisão não parte de uma leitura “folclórica” da realidade, mas do fato de que é por meio da expressão do cotidiano local que os cidadãos podem construir significados e se reconhecer nos meios de comunicação. Hoje, os pontos de vista que circulam e se consolidam na opinião pública são geralmente de especialistas do sudeste. O mesmo fenômeno se repete no campo dos valores e da cultura. As novelas, por exemplo, há 40 anos difundem diariamente os valores da classe média-alta paulistana e carioca para o restante do Brasil. As poucas exceções, em geral, tendem a reforçar estereótipos, como os tipos e sotaques nordestinos.

Nesse contexto, a presença da diversidade cultural na telas significa ao mesmo tempo garantir o conhecimento das diferentes realidades do Brasil e viabilizar que essas diferentes realidades tenham espaço similar na construção da opinião pública. A regionalização é ainda um estímulo ao mercado de produção local, criando trabalho para jornalistas, produtores e técnicos.

Dependendo do objetivo, pode haver diferentes interpretações do que significa regionalizar a programação. Pode ser a realização do programa naquela região, sobre aquela região, feito por produtores locais ou ainda qualquer combinação dessas três variantes. O importante é a referência da regionalização como um elemento fundamental para garantir o direito humano dos diversos cidadãos a ter voz.

A questão é que essa regionalização não se dá espontaneamente. Produzir localmente é mais custoso do que simplesmente reproduzir a programação. Além disso, a ausência de limites legais faz com que uma afiliada possa transmitir 100% da programação da cabeça-de-rede, sem nenhuma inserção de programação local.

Assim, fica evidente a necessidade de que se dê suporte legal à regionalização.  Embora o artigo 221 da Constituição Federal estabeleça que as emissoras devam atender ao princípio da “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”, até hoje essa obrigação não foi regulamentada. Desde 1991, há um projeto de lei em debate no Congresso Nacional sobre o assunto, mas por conta da pressão dos donos das emissoras de TV, ele até hoje não foi aprovado.

Além das motivações econômicas, a resistência das emissoras está baseada numa combinação de preconceito e espírito civilizatório. Em 1996, Luiz Eduardo Borgerth, à época vice-presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), declarou à revista da própria entidade que “[a regionalização da programação] é um absurdo, pois implica condenar a população das localidades distantes a ficar vendo eternamente seu bumba-meu-boi”.

Na última década, estudos mostram que algumas emissoras passaram a investir mais na produção local, por verificar que o público tem grande interesse em conteúdos que dialoguem com sua realidade. No entanto, essa mudança é pontual, e acontece apenas onde é economicamente vantajosa. Mesmo assim, com a diminuição do custo de produção, há um aumento da produção audiovisual local, que todavia não encontra janelas de exibição. Sem a regulamentação da Constituição, o Brasil segue refém dos interesses comerciais das emissoras e o cidadão segue sem saber onde ficam o 1o e o 2o distritos.

* João Brant é membro do Intervozes. Mestre em regulação e políticas de comunicação pela LSE (Londres).
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Rosário de Pompéia é membro do Intervozes e jornalista do Centro de Cultura Luiz Freire. Mestranda em Comunicação Social pela UFPE.