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Crimes na internet já geraram 17 mil processos no Brasil

Sem cooperação internacional e instrumentos técnicos e jurídicos que ultrapassem fronteiras, o Brasil não tem como avançar no combate ao crime cibernético. Mesmo sem legislação específica sobre o tema a Justiça brasileira já julgou aproximadamente 17 mil processos que envolviam crimes na internet. E a tendência é esse número crescer com a expansão da internet no país. Só no ano passado, 16 mil sites foram invadidos no Brasil, segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Na abertura do Seminário Internacional “Crimes Cibernéticos e Investigações Digitais” na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (28/5) o presidente da casa defendeu a cooperação internacional e o estabelecimento de instrumentos jurídicos transnacionais na prevenção e combate dos crimes cibernéticos. “Adequar instituições e legislações locais é o nosso desafio”, afirma. Tramita no Senado um substitutivo ao Projeto de Lei 76 de 2000, que define e tipifica os delitos na área de informática.

Segundo o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator do projeto, o volume diário de fraudes é preocupante e crimes como a propagação de vírus, por exemplo, sequer estão previstos na legislação do país. “Vamos aprimorar não apenas esse ponto, mas fazer frente à realidade atual da área", garante o senador.

O presidente da Câmara lembrou que os crimes cibernéticos, na forma de lucro, superam em montante, o crime do narcotráfico, por isso a importância do tema e do seminário. “O combate ao crime e a manutenção da segurança nos ambientes virtuais é essencial para a manutenção da economia mundial.”

Jaime Edgardo Jara Retamal, presidente do Grupo de Trabalho Latino-Americano sobre Delitos Tecnológicos da Interpol também defendeu a cooperação internacional como ferramenta fundamental no combate aos cibercrimes. “Sem cooperação não podemos ter investigação de resultado”, disse.

A cooperação de instituições privadas também é essencial segundo Retamal. “Este é um dos nossos maiores problemas: não investigamos sozinhos. Precisamos dos bancos, das universidades, dos provedores de internet. Retamal também chamou atenção para a importância de os países desenvolverem investigações uniformes e terem policiais com a mesma formação, que falem a mesma língua. Ele conta da dificuldade de países como a Bolívia e a Nicarágua que ainda não têm investigadores especializados para tratar destes crimes.

Imprensa só responde por informar errado se há abuso

A imprensa não responde por divulgar uma informação errada, mas por abusar do direito de livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação. O entendimento é do desembargador Ênio Santarelli Zualiani, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O desembargador livrou a Band de pagar indenização por danos morais para a Tecplan Escola de Pilotagem.

Em outubro de 2003, o programa Brasil Urgente mostrou, ao vivo, um acidente de helicóptero, no qual morreu o piloto, que era instrutor, e um aluno ficou gravemente ferido. Só que, na hora de informar os telespectadores, o apresentador errou o nome da empresa que estava envolvida no acidente. Disse que o helicóptero pertencia à Tecplan. Na verdade a máquina pertencia à Rangel Escola de Pilotagem.

O erro foi corrigido mais tarde. A Tecplan, que à época estava com as atividades paralisadas, entrou com ação de indenização contra a Band. Disse que o erro do apresentador abalou sua reputação, feriu a honra e a imagem, o que justificava o recebimento da reparação. A Band, para se defender, afirmou que as escolas pertenciam ao mesmo dono, que errou uma única vez e que não haveria dano porque a Tecplan não estava mais no mercado.

A primeira instância não acolheu os argumentos e condenou a emissora a pagar R$ 10 mil. Tanto a Band quanto a Tecplan recorreram ao Tribunal de Justiça Paulista. A primeira para se livrar da condenação; a segunda para aumentar o valor da reparação.

O desembargador Santarelli Zualiani, relator designado, acolheu apenas o recurso da Band. Em seu voto teceu comentários sobre o limite entre o chamado furo de reportagem e o dever do jornalista de apurar a informação. “Imprensa não responde por erro, mas, sim, pelo abuso que comete no exercício de sua função”, disse Zualiani.

De acordo com o relator, embora tenha de ser exigido do jornalista rigor e cuidado, não se pode impor a pesquisa da ficha técnica das empresas para saber quem são os donos, ou que tenha de averiguar no setor de aviação competente em nome de quem estava registrada a aeronave.

“Na missão de noticiar os fatos que estão ocorrendo, nem sempre é possível conferência segura dos dados que são transmitidos. O que interessa ao jornalista, no tempo real, é o aproveitamento da notícia, devido ao interesse do público. Somente por uma vez, por má informação, citaram o nome da autora, o que caracteriza uma transgressão secundária e não intencional, sendo incapaz de justificar indenização”, afirmou Zualiani.

Ainda segundo o relator, não há de se falar em abalo à reputação da empresa porque o curso de pilotagem envolve público restrito, formado por pessoas que sabem distinguir fatalidade e racionalidade. Para Zualiani, os telespectadores do Brasil Urgente não se enquadram nesse perfil, assim não haveria dano. “A diminuta parcela de indivíduos preocupados com o nome da empresa não seria persuadida pelo único erro da referência que foi cometida”, considerou.

Apurar primeiro, noticiar depois

O desembargador Francisco Loureiro, relator do recurso da empresa e da Band, foi voto vencido na sessão. Ele decidiu pelo direito da empresa de pilotagem em receber a indenização por reconhecer que, embora único, houve erro da emissora em noticiar um fato. Segundo Loureiro, o erro, por si só, causa dano moral indenizável “por violar o direito à imagem e bom nome”.

“Evidente que não se exige do jornalista o mesmo rigor e aprofundamento no exame das provas que devem ter as autoridades policiais e judiciárias, sob pena de inviabilizar o jornalismo investigativo. Isso, porém, não isenta o jornalista do dever de ser reto e veraz, de checar suas fontes, de apurar a procedência dos fatos, de pesar evidências, evitando a todo custo a divulgação precipitada de fatos delituosos que possam arruinar a vida e a reputação de pessoas indevidamente citadas”, observou o desembargador.

“O dever da verdade foi atropelado pela premência do furo jornalístico, pelo sensacionalismo, pela manchete fácil, pela criação do fato a ser depois investigado”, reconheceu. “Notícia falsa cria presunção de culpa, ou até mesmo responsabilidade objetiva”, afirmou.

Loureiro votou para manter o valor da indenização em R$ 10 mil. A maioria da turma, no entanto, acompanhou Zualiani para livrar a Band de pagar a indenização. As partes ainda podem recorrer.

Imprensa não tem direito a expor privacidade do réu

Emissora de televisão não pode mostrar imagens da vida privada sem o conhecimento ou consentimento do personagem, mesmo que esta pessoa seja réu em um crime de grande repercussão pública. O entendimento é da juíza Laura de Mattos Almeida, da 12ª Vara Cível de São Paulo. A juíza confirmou a decisão que proibiu a Rede Record de Televisão de transmitir qualquer imagem ou voz do promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl, em que sejam mostradas situações de sua vida privada. Cabe recurso.

“A emissora pode e deve fazer reportagens sobre o crime de que é acusado o autor. Mas exibir imagens e falas captadas clandestinamente violam o direito à intimidade e privacidade”, considerou a juíza. Os advogados da emissora não foram encontrados pela reportagem da revista Consultor Jurídico para comentar a decisão.

Schoedl é réu confesso de matar um rapaz e ferir outro, em dezembro de 2004. O crime aconteceu em Riviera de São Lourenço, condomínio de veraneio em Bertioga, no litoral paulista. Schoedl disparou 12 tiros com uma pistola semi-automática calibre 380 contra dois rapazes que teriam importunado sua namorada. Diego Mondanez foi atingido por dois disparos e morreu na hora. Felipe Siqueira foi baleado quatro vezes, mas sobreviveu.

No mês de agosto do ano passado, a Rede Record, no programa Domingo Espetacular, apresentado por Paulo Henrique Amorim, trouxe reportagem sobre o cotidiano do promotor, com detalhes de sua vida particular. As gravações foram feitas com câmeras e microfones escondidos. Thales aparecia em academia e numa casa noturna, acompanhado de uma garota. A reportagem Promotor acusado de homicídio permanece impune foi veiculada também em outros programas da emissora.

O advogado do promotor na esfera cível, Frederico Antonio Oliveira de Rezende, do escritório Mesquita Filho, Masetti Neto Advogados, ajuizou ação contra a emissora. Alegou que a reportagem violou os direitos protegidos pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação) e caracterizou abuso do direito de imprensa.

Em setembro de 2007, Rezende conseguiu uma liminar contra a Record. A emissora entrou com Agravo no Tribunal de Justiça, que foi julgado improcedente. Na segunda-feira (31/3), a juíza Laura de Mattos Almeida confirmou a decisão.

“A emissora de televisão, exercendo sua liberdade de expressão e de imprensa, pode e deve fazer reportagens sobre o crime de que é acusado o autor. Tal proceder, em princípio, não traduz qualquer abuso ou ilícito. Ocorre que, na reportagem, que foi levada ao ar diversas vezes, a requerida extrapolou o direito de imprensa”, reconheceu.

Para a juíza, as imagens do cotidiano do promotor violaram seu direito à intimidade e privacidade, além de não guardar qualquer relação com a apuração do crime do qual Thales Schoedl é acusado. “De fato, a divulgação da imagem e da voz do autor, em situações de sua vida cotidiana, como na academia de ginástica e numa casa noturna, acompanhado de uma moça, não tem nenhuma relevância para o interesse público. Nada impede a gravação de imagens do requerente em locais públicos. Porém, constitui ato ilícito a gravação de imagens do autor em ambientes privados, sem seu conhecimento ou consentimento”, considerou.

A juíza fixou multa diária de R$ 100 mil para cada vez que as cenas do promotor forem ao ar. A juíza ressaltou que não proíbe que a reportagem seja veiculada, mas que não sejam mostradas cenas da vida particular de Schoedl na TV.

Idas e vindas

Além da batalha para preservar sua imagem e intimidade, Schoedl luta também para seguir sua carreira. O promotor foi exonerado do Ministério Público logo que ocorreu o crime, mas em maio de 2006 Mandado de Segurança do Tribunal de Justiça de São Paulo revogou a exoneração. Schoedl voltou ao cargo a receber salários e demais vantagens, mas sem exercer suas funções.

No dia 29 de agosto de 2007, por 16 votos a favor e 15 contra, o Conselho Superior do Ministério Público paulista confirmou o vitaliciamento do promotor e o confirmou no cargo, considerando-o apto a reassumir imediatamente suas funções. O promotor chegou a ser designado para assumir o posto em Jales, mas em seguida entrou de férias, adiando por 30 dias sua volta ao trabalho.

Em 3 de setembro, o Conselho Nacional do Ministério Público reverteu a decisão do MP paulista e determinou o afastamento de Schoedl de suas funções. Por liminar, suspendeu ainda o seu vitaliciamento. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado e poderá ser julgado pelo Tribunal do Júri. Mas pode ser por pouco tempo. O mérito da questão ainda será julgado pelo CNMP.

Era mesmo preciso suspender a Lei de Imprensa?

Aos 27 de fevereiro último, em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou por maioria de votos a liminar suspensiva de 20 artigos da Lei de Imprensa, determinando, ainda, que os processos então movidos com base na referida legislação seguissem os código civil e penal, no que cabível, até o julgamento final de mérito que deverá ocorrer em até seis meses.

Nosso objetivo nesse texto é procurar esclarecer de que modo a suspensão de vigência dos artigos 20, 21, 22 e 23 da Lei de Imprensa repercutirá justamente nas mencionadas áreas do direito, mormente na esfera penal.

A princípio, em juízo apressado, parece-nos que suspender parte de uma legislação não é a melhor técnica pelo fato de que a outra parte continua em vigor. Mandou-se aplicar os códigos civil e penal para os processos em andamento, mas e quanto ao procedimento para julgamento dos crimes? Segue-se o 519 do CPP? Sim, é certo que a quantidade de pena aplicada em abstrato para os crimes contra a honra admite a incidência da lei 9.099/95, mas não em todas as situações, assim, por exemplo, em caso de calúnia contra o presidente da República, ou chefe de estado estrangeiro e ainda, contra funcionário público no exercício de suas funções (Código Penal artigo 141, incisos I e II).

Não sendo hipótese de incidir a Lei 9.099/95 ou porque o réu já se beneficiara com a transação penal no qüinqüênio anterior (artigo 76, inciso II da lei 9.099/95), ou pelo motivo das circunstâncias do artigo 89 não favorecem a proposta de suspensão do processo, ou mesmo pelas causas de aumento da pena já citadas, convertido o rito em ordinário, segue-se, o Código de Processo Penal já referido, ou os artigos 40 e seguintes da Lei 5.250/67, ainda em vigor, e com aplicação especial? Entretanto, de que maneira seguir-se esse rito, se os crimes contra a honra ali previstos perderam temporariamente a vigência?

A resposta, ao que parece, será a mesma do conflito entre as Leis 10.409/02 e 6.368/76. Sabe-se que a primeira previu procedimento próprio, mas no que tange aos crimes e penas, a segunda manteve-se vigente e eficaz. Para o que restou da Lei de Imprensa deve-se aplicar o mesmo raciocínio, porque é o mais simples, “data venia” e porque a mencionada legislação cuida não apenas de procedimento processual penal, mas de prescrição (artigo 41), de decadência do direito de queixa e representação, de defesa prévia com prazo de cinco dias, dentre outras especificidades, além de que outros crimes mencionados na Lei 5.250/67 ainda estão em vigor (como o artigo 14, por exemplo) situações às quais apenas uma novel legislação poderá sanar.

A propósito já era o ensinamento de Mirabete anotando o artigo 519 do Código de Processo:

“Refere-se o disposto apenas aos crimes de competência do juiz singular, do processo comum, já que há leis processuais especiais a respeito de crimes contra a honra previstos na Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), no Código Penal Militar, no Código Eleitoral, na lei de Segurança Nacional e no Código Brasileiro de Telecomunicações. Além disso, nos processos originários dos Tribunais há rito processual próprio”. [Código de Processo Penal Interpretado, 5ª edição, 1997, Atlas, página 658]

No que tange à parte de reparação civil, a qual se escreve aqui somente “en passant”, o Código de 1916 já previa a indenização por calúnia, injúria e difamação, no artigo 1.547, cuja redação foi quase que repetida pelo artigo 953 atual. Claro que um prazo decadencial inferior para ajuizar-se a reparatória, bem como limites de indenização, prazos exíguos para se contestar e exigência de depósito recursal, há muito eram temas polêmicos na jurisprudência e foram, dessa feita, oportunamente suspensos.

Volvamos, contudo, à matéria criminal. Segundo se tem notícia, os fundamentos para suspensão dos artigos que cuidavam dos crimes contra a honra cometidos pela imprensa foram que as penas ali fixadas eram mais severas que as do Código Penal e em algumas situações impedia-se provasse a veracidade das acusações, ou seja, impossibilitava-se, em algumas hipóteses, a exceptio veritatis.

A título ilustrativo, na Lei de Imprensa a calúnia era punida na forma simples com pena de detenção de seis meses a três anos e multa de um a 20 salários mínimos da região (artigo 20, cabeça). No Código Penal, detenção de seis meses a dois anos, e multa (artigo 138). A difamação punia-se com detenção de três a dezoito meses e multa de dois a dez salários mínimos da região. No Código Penal, com detenção de três meses a um ano e multa. A injúria, com detenção de um mês a um ano ou multa de um a dez salários mínimos da região. No Código Penal, detenção de um a seis meses, ou multa.

Claro que os crimes contra a honra perpetrados pela imprensa chegam ao conhecimento de número de indivíduos infinitamente superior àquela calúnia entre dois condôminos e, se à consumação da injúria basta a ofensa chegue ao conhecimento do ofendido, a calúnia e a difamação exigem terceiros saibam das ofensas. Assim, a maior gravidade das sanções impostas na Lei de Imprensa justificar-se-ia, ao menos para a calúnia e para a difamação, devido ao alcance do número de terceiros. Isso sem contar que a Lei 5.250/67 é posterior à parte especial do Código Penal. Assim, haveria uma relação de sucessão de leis no tempo e na matéria: a Lei de Imprensa somente é de se aplicar aos crimes perpetrados pela imprensa após sua entrada em vigor e é especial em relação ao Código Penal devido ao número de terceiros que a matéria jornalística alcança.(“lex specialis derogat legi generali”). Portanto, parece-nos desproporcional punir-se com igual sanção a calúnia que chegou ao conhecimento do edifício “Anhumas” com a mesma pena daquela que foi comentada por pelo menos 500 mil leitores.

Por isso, não concordamos, “data maxima venia”, com os que advogam pela desnecessidade de uma Lei de Imprensa, porque em outros países tal legislação não há. Dizem ser de Aristóteles a parêmia “o direito não é igual ao fogo, que queima igual no Egito e na Pérsia”. Não é porque lá não há, que aqui não deve haver. Mas, é certo que uma nova Lei de Imprensa faz-se necessária, posto que deve abranger os periódicos on line e mesmo os inumeráveis blogs que assolam o mundo virtual.

Mas, isso é assunto para outro dia. No que tange aos crimes contra a honra perpetrados por militares aplica-se a legislação castrense. E em época de eleição, se determinada jornalista calunia, em tese, um deputado federal? As penas do Código Eleitoral para a calúnia, difamação e injúria (Lei 4.737/65), artigos 324, 325 e 326, são idênticas as do Código Penal. Assim, em princípio, incidem as normas eleitoreiras, pela razão de serem especiais frente ao Código Penal.

Finalmente, um tema, contudo, deve causar maiores questionamentos. A exceção de verdade. Constitui-se em procedimento pelo qual o denunciado (a) ou querelado (a) procura mostrar que a acusação de crime é verdadeira (no caso da calúnia) ou que constitui verdade a imputação do fato ofensivo à reputação de funcionário público no exercício de sua função (na difamação), não se admitindo na injúria, mesmo porque nessa última a honra protegida é subjetiva.

A decisão do plenário suspendeu a proibição de exceção da verdade para acusação de calúnia contra o presidente da República, do Senado, da Câmara, ministros de Estado, chefes de Estado ou governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos (artigo 20 § 3 da Lei 5.250/67) e para o delito de difamação contra funcionário público no exercício de suas funções, ou órgão, entidade que exerça funções de autoridade pública, ou, se o ofendido permite prova (artigo 21 §§ 1º alíneas a e b da Lei 5.250/67).

A exceção da verdade não era exclusividade da Lei de Imprensa. Já a Consolidação das Leis Penais de 1932 impedia-a em caso de ofensa contra o presidente da República publicada pela imprensa, ou em desfavor de chefe de Estado Estrangeiro e os Código Penal e Eleitoral ainda prevêem aquelas proibições.

A razão de ser daqueles impedimentos é bem explicada por Magalhães Noronha quando doutrina: “A segunda ressalva ocorre quando indigitado for o Presidente da República ou o chefe de Governo Estrangeiro, abrangendo esta expressão não apenas o soberano ou presidente, mas também o primeiro ministro. Na hipótese inicial, compreende-se não deva ficar o chefe da nação sujeito a acusações de qualquer um, quando a magnitude de suas funções impõe que só responda perante o Senado ou o Supremo Tribunal Federal (CF artigo 86). No segundo caso, é dispensável encarecer a delicadeza do fato de se provar um crime praticado por chefe de nação estrangeira, e desnecessário advertir das conseqüências que isso poderia ter nas relações internacionais”. [Direito Penal, atualizado por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, 2001,32ª edição, página 126]

Assim, suspensos os impedimentos da exceção de verdade para uma calúnia perpetrada contra o presidente Lula, “verbi gratia”, o jornalista agora poderá ajuizar a exceptio veritatis. Poderá mesmo, se o que foi suspenso na Lei de Imprensa é repetido no Código Penal? Ou houve suspensão das duas normas? Também do disposto no artigo 324, § 2º, inciso II do Código Eleitoral? Será que apenas o jornalista poderá opor exceção de verdade contra o presidente da República, mas o cidadão, digamos, comum, seja ele senador, deputado, eu ou você, não? Ou liberou geral? Quer dizer: com a suspensão dos artigos 20, 21, 22 e 23 da Lei de Imprensa suspenderam-se igualmente os artigos já mencionados do Código Eleitoral e 138 § 3º, inciso II c/c 139 parágrafo único do Código Penal? Mais adiante, qual jurisdição será competente para julgar exceção de verdade de calúnia contra o presidente Hugo Chavez, sabendo-se que em caso de prerrogativa de foro a exceção avoca a competência? (artigos 523 e 85 do Código de Processo Penal).

Da forma que está o jornalista que caluniar o presidente da República pode provar que a acusação é verdadeira. Competirá ao Supremo julgar a exceção de verdade. Se a exceção for improcedente, o jornalista é de ser punido não com a Lei de Imprensa (que está suspensa na parte que comina crimes contra a honra), nem com o Código Penal, mas com a legislação específica da lei de Segurança Nacional, artigo 26 da Lei 7.170/83 — que ao que se saiba ainda está em vigor- ou seja, “a emenda saiu pior que o soneto”.

Ao se pensar que a suspensão do impedimento da exceção de verdade vigora não somente para os profissionais de imprensa, mas, ao reverso, em nome do princípio da igualdade vale para todos, toda e qualquer calúnia contra o presidente da República — que dirá daquela dita em jogo de futebol com “animus caluniandi” — poderá originar exceção de verdade com julgamento afeito ao plenário do Supremo Tribunal Federal, já tão carente de processos.

Assim, permitir-se esse vácuo legislativo para as sanções penais para uma profissão que já alguns alçaram ao quarto poder não nos pareceu a melhor saída, com o maior dos acatamentos, e mostrou-se muito mais ranço da época em que editou-se o diploma legislativo em apreço do que descumprimento de algum preceito fundamental.

Para uma atividade tão importante é necessária sim uma legislação especial e não ficarmos ancorados em aversões temporais, porque assim fosse toda legislação do período militar descumpriria algum preceito fundamental que a Constituição de 1988 nos legou em escala verdadeiramente democrática e expansiva.

Proteção autoral do tradutor ainda não é respeitada

O verbo traduzir vem do latim “traducere” e segundo o dicionário Aurélio significa: conduzir além, transferir, transpor, trasladar de uma língua para outra, revelar, explicar, manifestar, explanar, transparecer, verter. São estas as tarefas do tradutor ao traduzir um texto da língua de partida para a língua de chegada. Tarefas estas árduas, que exigem honestidade, ética, cultura, sensibilidade, amor e respeito às culturas e aos idiomas. Os tradutores são os intermediários entre línguas e culturas e exercem este ofício por amor à literatura e às línguas.

Contudo, o trabalho do tradutor é muitas vezes invisível ao público, mas é inegável a importância do seu ofício — levar os conhecimentos científicos, literários e técnicos para todos indistintamente, transportando este saber para o idioma materno de um povo. Segundo estudos lingüísticos, por mais que se tenha conhecimento de um idioma estrangeiro, as sensações e significados jamais serão tão bem entendidos quanto no idioma materno.

Na maioria dos países, a importância do trabalho do tradutor é desconhecida pelo público, e seu trabalho não recebe a devida valorização e remuneração. Esta situação ensejou na Alemanha, país onde quase 50% das publicações são traduções, atenção especial por parte do ex-presidente alemão Roman Herzog (1994-1999) que se pronunciou em defesa da valorização do ofício do tradutor dizendo: “é simplesmente escandaloso, que membros de uma das mais importantes profissões intelectuais, geralmente encontrem dificuldades para sobreviver da própria profissão”.

Todavia, na maior parte dos países, a questão restringe-se à discussão acerca da modesta remuneração recebida pelos tradutores e à falta de reconhecimento público.

No Brasil, onde 80% da produção editorial do país é de livros traduzidos, a discussão ganhou destaque recentemente, quando a imprensa divulgou denúncias de plágio por parte de algumas editoras.1 Verificamos em nosso país, casos de omissão do nome do tradutor em artigos da imprensa, resenhas e mesmo livros, privando-o de sua devida valorização como criador intelectual, desrespeitando as determinações legais, além da questão da baixa remuneração.

Sendo o ofício do tradutor tão importante é de se indagar o motivo pelo qual este não é devidamente valorizado e, a legislação muitas vezes descumprida, deixando-se de atribuir os devidos créditos ao seu trabalho. O tradutor é autor de obra derivada, ou seja, ele é o autor de obra proveniente de uma obra primígena. Ele é autor do texto traduzido ou vertido para o idioma de chegada.

Isto porque não é possível, na maioria das vezes, fazer-se uma tradução literal do texto original. Nos idiomas, muitas vezes, não encontramos correspondências perfeitas entre palavras e expressões. A tarefa do tradutor é encontrar estas correspondências semânticas adaptando, recriando, sem alterar o conteúdo e o significado do texto original.

Por estas razões ao tradutor é dada proteção autoral. Seu trabalho é uma criação do espírito, “geistige Schöpfungen” dotada de criatividade e originalidade. Como autor de obra derivada, o tradutor detém dois tipos de direitos. O direito patrimonial e o direito moral. O direito patrimonial traduz-se no direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.

O direito moral do autor consiste no direito de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; e no direito de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

Na Alemanha, a lei de direitos autorais “Urheberrechtsgesetz” em seu artigo 3º reza que, as traduções e outras adaptações de obras que constituam criações intelectuais do adaptador, gozarão de proteção como obras independentes, sem prejuízo dos direitos autorais da obra adaptada2.

Assim também no Brasil, a tradução goza de direito autônomo. É o caso, por exemplo, da obra original estar em domínio público, mas sua tradução ainda gozar de proteção autoral.

Alguns tradutores literários brasileiros como Augusto de Campos e Haroldo de Campos, ao traduzirem poemas, o fazem com tamanha beleza e arte, que tais poemas tornam-se verdadeiras recriações do espírito autônomas, mas ainda assim, fiéis em sentido à obra original.

Deste modo, para que possa haver a utilização de uma obra traduzida que ainda não esteja em domínio público, é necessária a autorização do autor original e de seu tradutor.

A Convenção de Berna em seu artigo 3º estabelece que:

“art. 3º. São protegidas como obras originais, sem prejuízo dos direitos do autor da obra original, as traduções, adaptações, arranjos de música e outras transformações de uma obra literária ou artística.”

No Brasil, a Lei 9.610/98 dispõe em seu artigo 7º, inciso XI:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

O artigo 53, inciso II do mesmo dispositivo legal determina que, nas edições traduzidas, deve-se fazer constar o título original e o nome do tradutor.

As normas da ABNT para publicações, jornais e periódicos também estabelecem que, o nome do autor deve constar nas referências bibliográficas, ainda que não mencionando especificamente o tradutor. Todavia, sendo o tradutor o autor da obra derivada, não é necessária a repetição daquilo que já dispõe claramente a Lei 9.610/98, os tratados internacionais e legislações estrangeiras.

Portanto, cumpre a todos observar a legislação sobre os direitos autorais do tradutor, evitando desta forma, o desrespeito ao seu trabalho intelectual. Devemos dispensar ao tradutor o mesmo respeito que dispensamos a todos os criadores de obras intelectuais sejam eles, músicos, escritores, fotógrafos, artistas plásticos, etc.

É imperativa a atribuição dos créditos ao tradutor quando este exercer seu ofício traduzindo obras protegidas pelo direito autoral, ou seja, aquelas obras elencadas no artigo 7º da Lei 9.610/98.

Estão excluídos da proteção desta lei, os tradutores de manuais técnicos, esboços, métodos, e outros documentos de caráter técnico ou informativo discriminados no artigo 8º do mesmo diploma legal.

A lei vigente de proteção autoral do tradutor deve ser respeitada e os seus créditos devidamente atribuídos em livros, artigos de imprensa, resenhas literárias, conforme determina a legislação autoral e os Tratados Internacionais. Somente assim, poderemos garantir a qualidade e autenticidade da obra e do acervo cultural do país.

Notas de rodapé:

1. Folha de São Paulo – Caderno Ilustrada de 04/11/2007 e 15/12/2007

2. UrhG § 3 Bearbeitungen — Übersetzungen und andere Bearbeitungen eines Werkes, die persönliche geistige. Schöpfungen des Bearbeiters sind, werden unbeschadet des Urheberrechts am bearbeiteten Werk wie selbständige Werke geschützt. Die nur unwesentliche Bearbeitung eines nicht geschützten Werkes der Musik wird nicht als selbständiges Werk geschützt.