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Incentivo ao teatro?

O TEATRO no Brasil celebra o seu dia internacional unido na insatisfação quanto aos mecanismos de financiamento e dividido quanto às possíveis soluções desses impasses. Entre as soluções, tramita no Congresso um projeto de lei que cria a Secretaria Nacional de Teatro para apressar o fluxo de pedidos de financiamento via renúncia fiscal, que seria ainda mais facilitado por mecanismo semelhante à Lei do Audiovisual, que permite o abatimento de até 125% (sic) sobre o valor financiado.

Seguindo a máxima de que não devemos propor o novo sem entender o velho, sob o risco de o novo já nascer envelhecido, sugerimos a análise da eficiência e da eficácia dos mecanismos vigentes, uma vez que a nova proposta baseia-se nos mesmos princípios da Lei Rouanet, que todos querem mudar.

O principal objetivo da Lei Rouanet é estimular a economia da cultura, proporcionando aos cidadãos brasileiros maior acesso à cultura produzida em nosso país. No entanto, antes da lei, as temporadas de nossos espetáculos tinham de seis a oito seções semanais. Hoje são duas a três seções por semana. Por que percebemos essa radical redução?

Muitos alegam que não há mais público para longas temporadas. Se isso é verdade, como parece, é mais um motivo para questionarmos o mecanismo atual. Ao cabo de quase duas décadas de aplicação da Lei Rouanet, a atividade teatral diminuiu, pelo menos em termos relativos. O número de produções cresceu, mas elas estão cada vez mais concentradas na região Sudeste. Como explicar o aparente paradoxo?

Quase todos os recursos da Lei Rouanet para o teatro são aplicados na montagem do espetáculo e na manutenção de uma temporada cada vez mais curta. Por quê? Não seria porque o empresário, que visa o lucro -e é natural que seja assim-, foi induzido a produzir cada vez mais montagens, ao perceber que o seu lucro não vem da bilheteria, o que seria desejável numa economia saudável, mas está embutido no processo de produção?

Se a razão de ser do espetáculo não é mais o público, que sentido pode existir nesse teatro?

O teatro movimenta um número cada vez maior de recursos da Lei Rouanet: R$ 44.376.571 em 2000 e R$ 107.967.652 em 2007. O preço do ingresso é cada vez mais caro, chegando a custar um salário mínimo -e aí chegamos no limite de um espetáculo, financiado com dinheiro do cidadão, ter o ingresso mais caro que o salário de quem o subsidia.

Pode-se alegar que o teatro não se auto-sustenta economicamente e que sempre precisará de subsídios.

Um exemplo de que isso nem sempre é verdade é o caso de um proponente que, em cinco anos, captou mais de R$ 40 milhões. As montagens foram sucessos retumbantes e geraram lucros significativos. Não obstante, a companhia sempre requisitava, a cada montagem, mais recursos. O último pedido, negado pelo Conselho Nacional de Incentivo Cultural, chegava a R$ 27 milhões.

Isso sugere que o teatro pode dar lucro e que tal lucro pode estar sendo aplicado em outros setores da economia. Recentemente um empresário teatral carioca disse ao jornal "O Globo" que "o teatro é um ótimo negócio". O teatro, ao menos para alguns, não é inviável economicamente.

Com a Lei Rouanet, os orçamentos públicos para a área de cultura escassearam, com exceção do federal e de raros casos estaduais e municipais. A distorção chega ao ponto de TVs públicas, orquestras sinfônicas, o Sistema S e até a Funarte precisarem se utilizar da Lei Rouanet.

Alguns produtores argumentam que os mecanismos vigentes protegem a produção dos humores do orçamento público, mas os valores aprovados para captação crescem ano a ano, e os valores captados, que dependem dos orçamentos das empresas, tiveram uma queda em 2007.

O teatro não é apenas uma atividade econômica. É uma forma de expressão e de construção de conhecimento, que engrandece o cidadão na sua humanidade e sociabilidade. É uma arte pública e possui na sua própria essência o ato político da cidadania. É um exercício de liberdade que expõe, pela representação, o homem em suas relações, num ato ao mesmo tempo individual e coletivo.

Comemoramos o Dia Internacional do Teatro com velhas angústias e velhas e novas esperanças, mas com ânimo renovado para o debate e para a busca de soluções mais estruturantes para a atividade, que atendam o teatro não apenas como atividade econômica, mas também na sua dimensão simbólica e, principalmente, como direito do cidadão.

* Celso Frateschi , 56, ator, diretor e autor de teatro, professor de arte dramática da USP (licenciado), é presidente da Funarte (Fundação Nacional de Arte). Foi secretário municipal de Cultura de São Paulo e diretor do Departamento de Teatros da secretaria (gestão Marta Suplicy).

* Juca Ferreira, 59, sociólogo, é secretário-executivo do Ministério da Cultura.

Conteúdo manteúdo e a cara[puça] de pau da TV paga

A TV por assinatura expande seus tentáculos a olhos vistos pelo Brasil. Os dados mais recentes, divulgados esta semana, apontam para um aumento de 13% no número de usuários entre 2006 e 2007. Com isso, já são 5,3 milhões de domicílios com acesso aos canais pagos.

O levantamento foi feito pela ABTA, associação que reúne 95% das empresas de TV por assinatura, em conjunto com o SETA, o sindicato do setor. O pano de fundo deste crescimento é o mesmo que tirou o segmento da estagnação nos últimos anos: a oferta de pacotes de TV + telefone fixo + Internet banda larga.

Os dados mostram isso com clareza. O número de assinantes do kit que inclui Internet rápida já soma um terço do total de clientes – ou, em graúdos, 1,8 milhão de seres humanos. Um crescimento de nada menos que 47% em relação ao ano anterior.

É de se festejar, sem dúvida. Mas deveria servir também como alerta para os movimentos contraditórios vividos neste momento pelo setor, mote de um projeto de lei no Congresso que, dentre outras coisas, propõe uma política de cotas para assegurar a presença do conteúdo audiovisual brasileiro nos canais.

O simples confronto dos novos números talvez ajude a dar lastro à idéia de que isso pode ser benéfico para todos. Se o total de assinantes cresceu 13% e a quantidade de pessoas que incorporaram Internet 47%, alguma coisa isso revela – noves fora o evidente sucesso da adoção do triple play, como são chamados os pacotes de serviços conjugados.

Seria plausível pensar, por exemplo, que o que mais move as pessoas para a TV paga não são necessariamente os conteúdos oferecidos por ela, mas a oportunidade de fugir deles… Noutras palavras: a TV por assinatura pode estar sendo crescentemente tratada como "brinde" na compra de serviços de Internet rápida.

O primeiro motivador para a assinatura dos serviços conjugados oferecidos via TV paga é, evidentemente, o bolso. Mas o segundo talvez seja o conteúdo. As informações disponibilizadas pela pesquisa não entram neste mérito.

A queda de braço entre TVs por assinatura e produtores audiovisuais brasileiros começou em dezembro passado e foi renovada este mês, com uma campanha [veiculada nos canais pagos, interessados diretos no assunto…] que acusa o projeto do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) de ferir a liberdade de escolha do assinante.

O tiro pode ter saído pela culatra. Na última quarta-feira, 36 entidades da área audiovisual lançaram- se no contra-ataque no Congresso Nacional, com um manifesto em defesa das cotas [cuja íntegra eu penduro no meu blog: futurodamusica. zip.net].

O texto não apenas questiona o conceito de liberdade utilizado pela campanha [incompatível, como sugere, com as práticas do setor], mas cutuca com força a ferida aberta pelo exílio do conteúdo nacional da TV por assinatura.

O argumento fundamental tem lastro em números contundentes recém-divulgados pela Ancine, a agência reguladora do setor audiovisual. Parece assustador [em qualquer país do mundo] constatar que de 3.264 filmes exibidos [no quarto trimestre de 2006, pelos dez principais canais pagos] somente 17 eram brasileiros. Leia-se 0,5%…

O grande mérito do levantamento da Ancine é traduzir em números o que o controle remoto denuncia há muito tempo: o Brasil foi exilado da TV paga. Procure o país que você vive fora dos canais de esportes, notícias ou dos que só são oferecidos porque a lei obriga [caso dos legislativos, universitários comunitários e educativos – que, descaradamente, não merecem o mesmo cuidado técnico na transmissão].

Se o filme nacional está fora da TV por assinatura, o que dizer das demais manifestações artísticas? Onde está a música? E as artes cênicas ou visuais? Cadê a dança? E a cultura popular? [Bem, é fato que também na TV aberta, para além do circuito de emissoras públicas, cultura só é assunto quando está a reboque das celebridades…]

Há, na NET, apenas três ou quatro louváveis exceções: Multishow [o canal mais contemporâneo e antenado da TV brasileira, na minha modesta opinião], GNT [de foco no universo feminino], Futura [que tem a TV pública no DNA" e Canal Brasil "o gueto do cinema nacional]. Na TVA dois novos canais produzidos pelo Grupo Abril oxigenam a programação: FizTV [de conteúdos colaborativos] e Ideal [de perfil jovem, voltado ao mercado de trabalho].

É pouco. E se isso não for suficiente para merecer atenção do Legislativo e do Executivo [e portanto, ser tratado como política pública] , o que será? Defender conteúdo nacional não é negar o que vem de fora [que sim, todo mundo quer também], mas afirmar o direito de nos conhecermos melhor.

Política de cotas é sempre um assunto espinhoso. Porque cria obrigatoriedades em vez de estimular um processo contínuo de conquistas, a médio e longo prazo. Mas é um mal necessário. Que precisa ser usado [com rigor] sempre que alguma distorção ameaça se perpetuar. E é o caso.

Não seria demais, aliás, ampliar a briga para a retomada do projeto de regionalização da programação, um imperativo constitucional que os lobbies e interesses econômicos das grandes redes comerciais de televisão nunca permitiram que saísse do papel.

Ou será que ninguém teria interesse em saber o que se passa neste país para além do eixo RJ-SP?

* Israel do Vale é diretor de programação e produção da Rede Minas

O PL 29 e as migalhas da TV por assinatura

O deputado Jorge Bittar (PT-RJ) tem uma granada nas mãos. Deve lançá-la na Comissão de Ciência e Tecnologia no próximo dia 2 de abril. Ela pode demolir o arcaico modelo de TV por assinatura que vem sendo praticado desde 1992 no Brasil. Mas, se hesitar demais, o modelo continuará sendo o mesmo – e o deputado ainda poderá ficar sem alguns dedos.

O projeto de lei (PL) 29/2007, do qual Bittar é relator, trata do mercado de produção, programação, empacotamento e distribuição de conteúdo pelas TVs por assinatura. Nos últimos cinco meses, vários substitutivos foram agregados ao projeto. Os mais revolucionários dizem respeito a um sistema de cotas para a produção brasileira de caráter independente.

Não há nada de surpreendente aí, exceto a possibilidade de se corrigir uma distorção grosseira que existe neste mercado desde que ele se implantou no país. É uma herança que vem da televisão aberta – um setor que reage historicamente à regulamentação como se tal coisa implicasse em interferência ou censura – e por isso não desfruta apenas da liberdade que deveria ter, mas de uma impunidade negada a quase todos os outros ramos de atividade.

Diversificar o conteúdo

Ainda assim, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), que congrega operadores e programadores, reagiu prontamente à proposta contida no Projeto de Lei. Mandou elaborar um estudo que concluía que dentro de quatro anos serão necessários mais de 3 bilhões de reais só para financiar a produção nacional. Tal estudo, elaborado pela empresa de consultoria Pezco, deixava de considerar parâmetros importantes, como os atuais mecanismos de fomento à produção audiovisual e o próprio retorno financeiro dessas produções, para chegar à conclusão que o cliente desejava – ou seja, que tal espaço para a produção brasileira independente nas redes internacionais de TV por assinatura é inexeqüível. A ABTA fez o que tinha que fazer, no interesse de seus afiliados. Mas deve-se considerar a hipótese de que esses interesses não sejam necessariamente os mesmos dos usuários dos serviços.

As redes internacionais e os operadores estão no seu legítimo direito. Agem assim porque ganharam espaço para fazê-lo. De quem ganharam esse espaço? Do Estado brasileiro. De governos que pretendem representar a sociedade, mas que fogem aos preceitos constitucionais que entendem a televisão como um bem público, porque ninguém quer botar a mão neste vespeiro. A rigor, cotas para a produção nacional em programação de televisão distribuída no país não deveriam causar estranheza alguma. Estranho seria a inexistência de produção brasileira no Brasil.

Duas pitadas de história não fazem mal a ninguém. A primeira diz respeito à própria organização das redes internacionais de TV por assinatura. Elas nasceram com a explosão dos novos sistemas de distribuição de sinais nos EUA, no início dos anos 1980. Traziam para o assinante o benefício de diversificar a oferta de conteúdo. Em cinco anos, mais de 350 redes de TV por assinatura foram criadas nos EUA. Nenhuma no Brasil. Para se internacionalizarem, bastava levantar o sinal para os satélites e ter agentes de venda bem convincentes. Foi o que se fez. Aos poucos, essas redes passaram a controlar a distribuição internacional de conteúdo para TV. Conseguiram ter, em escala global, um impacto semelhante ao que a constituição das redes nacionais de televisão (nos anos 1960) teve para as culturas regionais.

Legislações diferentes

Hoje, menos de 300 redes internacionais controlam o que é visto pelo espectador de todos os pontos do planeta, de São Paulo ao Sri Lanka. Essas redes não apenas estabeleceram uma visão parcial e limitada da informação televisiva, como exportaram seus próprios modelos de conteúdo. Vieram para ampliar os horizontes do espectador; aos poucos, acabaram engessando-o.

A outra historieta diz respeito à maneira pela qual o setor foi regulado no Brasil. Isso aconteceu nos idos de 1995. A chamada "lei do cabo" transformou-se num magnífico exemplo de como a legislação pode ser leviana e cega se feita sem um estudo consistente da matéria. A lei 8977, de 6 de janeiro de 95, levava em consideração o conteúdo distribuído por cabo, mas fechava os olhos ao que já era distribuído por MMDS e ao que viria, logo depois, a ser distribuído em DTH (satélite banda Ku).

A razão para isso era o que hoje se chamaria de bizarra: os legisladores – e muito menos os que os assessoravam – não tinham a mínima idéia do que queria dizer MMDS (multipoint microwave distribution service, sistema multicanal de distribuição de microondas) ou DTH (direct to home, ou direto para casa). A legislação para o setor ficou capenga, falando sobre partes de um caminho e deixando outros abertos. Procuravam legislar sobre produção nacional sem levar em consideração os pacotes oferecidos pelas operadoras, que é onde efetivamente estava a venda de programação. Construíram um posto de pedágio e uma estrada vicinal ao lado. Espantaram-se do posto não ter dado certo.

O resultado é que, hoje, se três vizinhos no mesmo prédio estiverem assistindo o Discovery Channel e um for assinante da Net, outro da TVA e o terceiro da Sky, eles estarão regidos por legislações completamente diferentes. Parece espantoso, mas é apenas o começo.

Subserviência abjeta

A televisão por assinatura implantou-se no Brasil tendo os operadores como núcleo. Sempre foi encarada, portanto, como um serviço. Não como uma oportunidade para o desenvolvimento de novas formas de criação e comercialização de conteúdo audiovisual, que foi justamente o que possibilitou aos programadores norte-americanos montarem centenas de redes em poucos anos. O Brasil se transformou num mercado subsidiário das grandes redes internacionais de TV por assinatura. Tornou-se um consumidor maior do que já era de conteúdo estrangeiro – e demorou muito para se imaginar tirando proveito das oportunidades de produção e difusão do conteúdo gerado pelos novos modelos de distribuição de sinais. Quando o fez, resignou-se a fazê-lo de forma humilhante e perversa.

Produtores brasileiros tornaram-se pequenos fornecedores de programação para redes internacionais de TV por assinatura – desde que se enquadrassem nos modelos existentes, no ideário consagrado, nos meios de produção definidos de fora. Restou para o produtor brasileiro a migalha da mão-de-obra, desde que passasse longe da criação.

A pequena produção brasileira para TV por assinatura vive até hoje da esmola e da arrogância de redes internacionais que vendem os seus serviços para o consumidor brasileiro. Isso, apesar do mercado ser brasileiro e do dinheiro também ser brasileiro. Um eficiente mecanismo legal, o artigo 39 da MP 2228/01, dá aos programadores uma redução de 11% para 3% no Condecine (contribuição para o desenvolvimento da indústria de cinema) devido, desde que o valor seja aplicado em produções brasileiras. O instrumento tem gerado cerca de 40 milhões de reais por ano para a produção. Ainda assim, durante muito tempo algumas programadoras escalavam estagiárias para discutir a aplicação do incentivo e não se davam ao trabalho de exibir o produto. Não se pode imaginar subserviência mais abjeta.

"Canal BR"

Foi a inexorável entrada das teles neste mercado que forçou uma nova tentativa de regulamentação. O projeto de lei que foi parar nas mãos do deputado Bittar limita a 30% o capital de empresas estrangeiras na produção e produção, mas mantém a liberdade para a operação. Operadores podem ter 100% de capital estrangeiro. As teles, portanto, ficam aptas a entrar no negócio de distribuição de conteúdo do jeito que quiserem. O que o PL 29/2007 faz é aproveitar a chance de uma regulamentação inevitável para estabelecer cotas para a veiculação, nas redes de TV por assinatura, de conteúdo brasileiro, em especial de produção independente. Está longe de ser agressivo, ou mesmo original nisso. Tal exigência existe na maior parte da Europa. Nos lineups das operadoras dos EUA contam-se nos dedos as redes de televisão levantadas do exterior.

Ainda assim o PL 29/2007 acabou cumprindo algumas das piores tradições comerciais brasileiras: inventou dificuldades para vender facilidades. Destrinchá-lo pode ser uma tarefa árdua porque o projeto se encarregou de tornar-se confuso. Alguns dos conceitos que criou justificam um pequeno glossário. É preciso saber o seu significado para entender o projeto.

Um deles é o de "programação qualificada". Para quem nunca tinha ouvido falar disso, "programação qualificada" é, em resumo, tudo o que não sejam programas jornalísticos, políticos, religiosos ou de vendas, incluindo aí publicidade e televendas.

Outro conceito é o de "empacotador", que antes se confundia com o de "operador". Agora, o "operador" é quem distribui tecnicamente os sinais e manda a fatura para o assinante. Já "empacotador" é quem monta os pacotes que são oferecidos ao usuário. É claro que a mesma empresa pode assumir múltiplas funções.

Há também o novo conceito do "Canal BR". Apesar da exposição da marca, isso não significa que BR sejam os canais patrocinados pela Petrobras. Canal BR é o que veicula 40% de programação nacional. Metade da qual elaborada por produtores independentes.

Mercado não oferece opções

Na quarta-feira (19/3), o deputado Bittar anunciou a fusão de duas entre as três principais formas de cotas que havia imaginado (através dos substitutivos recebidos) para o conteúdo nacional. A primeira resultante obriga as redes internacionais a veicular, no horário nobre, 10% de conteúdo brasileiro. Mas não especifica se este conteúdo deve ser oriundo da produção independente, o que provocou a justa indignação dos produtores brasileiros, aos quais antes tal cota era assegurada.

A segunda determina que 25% da grade (isto é, dos pacotes oferecidos pelos empacotadores) deve ser preenchida com os "Canais BR". O percentual sugerido antes era de 30%. O importante é que a lei joga finalmente a carga para o empacotamento. Se algo semelhante tivesse sido feito em janeiro de 2005, o Brasil provavelmente seria hoje um importante exportador de conteúdo audiovisual.

O PL 29/2007 cria cotas para programadoras brasileiras – que, no entanto, não estão obrigadas a distribuir conteúdo nacional – e determina que somente programadoras nacionais possam distribuir Canais BR. Não cria meios de assegurar o desenvolvimento de novas programadoras nacionais, mas faz com que algumas já existentes (como a Globosat) estejam aprioristicamente cumprindo a lei. Ainda está confuso, cheio dos remendos que decorrem de um grande número de substitutivos. Mas se a sua essência passar – ou seja, o estabelecimento de um número maior de players na operação e o encorajamento à produção e distribuição de conteúdo brasileiro independente –, isso não vai onerar as empresas que já participam do mercado. Até porque, para encorajar a criação de conteúdo, o projeto cria o Fundo de Fomento do Audiovisual: 10% do Fistel serão convertidos para o novo fundo, que será somado ao Fundo Nacional de Cultura e administrado pela Ancine.

As modificações propostas, na sua essência, cumprem o importante papel de refrescar e modernizar as empresas que participam do mercado de TV por assinatura no país. Podem tornar mais horizontal a relação que hoje existe entre a produção audiovisual brasileira e as empresas que exploram os serviços de programação e distribuição de conteúdo em TV por assinatura. Tendem, sobretudo, a colaborar para o aumento da base de assinantes, que hoje é irrisória simplesmente porque o mercado não lhes oferece opções. No Brasil, assina-se um serviço de TV paga para ter TV aberta com melhor qualidade de imagem. Não há crime algum em se tentar vender um produto diversificado, feito por mais brasileiros, para ser visto e julgado por mais brasileiros. 

Hélio Costa, o trapalhão de Barbacena

A queda de braço entre o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva e a Telefônica, pelo direito de oferecer serviço de tv paga no país, não é imbróglio restrito a ante-sala do Ministério das Comunicações. A origem tem o endereço certo e sabido na rua Lopes Quintas, 303, no Jardim Botânico, zona sul do Rio, cep 22460-901, sede da Rede Globo de Televisão.

O nó nas linhas começou recentemente, quando a Telefônica comprou a participação acionária na TVA (controlada pelo Grupo Abril) e, ainda, as operações da Abril em MMDS, outra modalidade de TV paga com transmissão por rádio. Num outro negócio, a Telefônica se julga também habilitada a distribuir televisão por assinatura via satélite (DTH – direct-to-home), mas o ministro das Comunicações, Hélio Costa, não gostou de nada e correu para desligar todos os transmissores. Pegou a caneta e suspendeu, por 60 dias, todas as operações da Telefônica. Foi mais longe, a rigor: solicitou à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), uma fiscalização nas operações de TV da Telefônica. Por isso, cabem algumas considerações a serem feitas ao ministro.

O que tem a ver a Rede Globo de Televisão com a associação da Telefônica com a TVA (do grupo Abril)?

Tudo. E ficará claro, como se verá adiante. A Rede Globo não quer que a Telefônica faça o mesmo acordo que ela tem com a Telmex. Quando a Telmex (maior empresa mexicana de telefonia e que no Brasil detém a empresa Claro) comprou uma participação na Net, da Rede Globo, ela pretendia entrar na área de telefonia local usando a capilaridade da rede de TV a Cabo, da Globo. A mexicana e a Globo pretendiam ainda mais: intensificar as vendas do Vírtua, produto de banda larga da Net, que permitiria à operadora desenvolver ofertas de voz sobre IP (telefone por internet).

O que era apenas um plano claro de negócios, hoje é realidade. A Rede Globo, através da NET e da Telmex, oferece aos seus clientes, além da distribuição de TV paga por assinatura, banda larga (Virtua) e telefone residencial (voz sobre IP – telefone sobre Internet Protocol).

O que a Telefônica pretende com a aquisição de ações da TVA do Grupo Abril?

Continuar vendendo telefone, banda larga (Speedy) e, agora, também televisão paga por assinatura. Nada mais justo: Se uma associação de empresas vende televisão, banda larga e telefone; a outra, pode (ou poderá) vender telefone, banda larga e televisão.

Está mais do que claro, que a decisão do Senhor Ministro não atende aos interesses do governo Lula, mas sim do seu ex-patrão, sediado no Jardim Botânico.

A aprovação pelo ministro Hélio Costa da compra das ações da TVA pela Telefônica permitiria – além de dar fôlego a um tradicional e respeitado grupo de comunicação, como a Abril – que o governo Lula incentivasse uma disputa democrática, legitima e saudável, com o privilégio da livre concorrência e o benefício geral e irrestrito do consumidor. O que é necessário para que isso aconteça, e o presidente Lula, em vez de colher elogios, não experimente de novo o veneno de decisões equivocadas, colocado em sua boca por mão alheia? Basta, apenas um gesto de dignidade do ministro das Comunicações, pedindo demissão em caráter irrevogável. Assim, o ex-funcionário da Rede Globo de Televisão não persistiria na dança do sapateado sobre a ética. Como ex-funcionário da Rede Globo de Televisão, Hélio Costa, retornaria à emissora carioca, só que na função de humorista. Depois de breve trajetória pelo ministério das Comunicações, com certeza lhe cairia bem o papel coadjuvante, ao lado do solitário trapalhão Didi Mocó, o Renato Aragão, nas manhãs de domingo.

Senhor Ministro, esqueça a arrogância dos seus velhos tempos de apresentador do Linha Direta, da TV Globo, onde só falava com marginais presos ou segredados através de gravações editadas. Senhor Ministro, esqueça dos seus velhos tempos de repórter do Fantástico, onde todos os domingos apresentava um medicamento novo para delírio e lucro da indústria farmacêutica. Senhor Ministro, esqueça o palanque político, desça do trio elétrico porque a sua candidatura à reeleição ao Senado ainda demora alguns anos.

Infelizmente, a sua enfermidade não tem remédio. Nem mesmo aqueles placebos, que o senhor anunciava aos domingos, na Rede Globo, poderão fazer milagres. A solução é o senhor pedir demissão, ir para Barbacena, em Minas Gerais, cuidar de sua saúde, da sua rádio e exercer a sua nobre veia de locutor."

* Alberto Luchetti pe jornalista e presidente da Associação Brasileira das Emissoras de IPTV – ABRAWEBTV

Jornalistas negras não estão nas redações

Apenas seis das cem jornalistas no mercado de trabalho da Baixada Santista são negras. Esse foi o resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) "A Inserção da Jornalista Negra nos Meios de Comunicação da Baixada Santista", realizado pelas jornalistas Carolina Ferreira dos Santos, Elys Paula Santiago da Costa e Vera Lúcia Oscar Alves da Silva, recém-formadas. O TCC, uma grande reportagem em formato de revista, foi apresentado ao final de 2007 no Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), de Santos, SP, e orientado por mim.

O recorte de gênero e raça para constatar se há igualdade de oportunidades dentro da profissão é inédito. Até então, havia apenas levantamentos sobre a questão de gênero ou de raça, sem levar em conta a possibilidade de dupla discriminação.

A pesquisa, foco do trabalho, constata que dos 200 profissionais que trabalham nos 12 veículos da Baixada Santista que responderam à pesquisa, 100 são mulheres e apenas 6% dessas mulheres são negras. Foram enviados e-mails para 17 redações com perguntas referentes ao número de jornalistas que trabalham nesses veículos, dentre eles, quantidade de mulheres, dessas mulheres, quantas são negras e se entre as afro-descendentes, alguma ocupa cargos de chefia. 

Definindo conceitos 

O tema do trabalho foi escolhido um ano antes da apresentação. "Sou militante dos movimentos negro e feminista e as minhas duas colegas de trabalho, simpatizantes", diz Vera Oscar. "Foi entre conversas ligadas a essas questões que decidimos o tema do nosso TCC", conta. Ainda segundo ela, o principal objetivo das estudantes era responder à questão: a ausência de mulheres negras que ocorre em diversas profissões também acontece no jornalismo? 

Carolina Ferreira conta como foram feitas as grandes reportagens que embasaram a pesquisa. "Foram entrevistadas especialistas na questão de gênero e racial, como a ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, e a psicóloga Edna Roland, que foi relatora da ONU na Conferência Mundial Contra o Racismo na África do Sul em 2001." 

Além das especialistas, seis jornalistas negras que se formaram ou trabalham na região contaram suas histórias de vida. Textos de apoio contando a trajetória da mulher negra no Brasil e definindo conceitos como feminismo, raça e etnia também serviram para complementar a grande reportagem. 

Mecanismo de luta 

A revista recebeu o nome de Dandara, que significa "a mais bela", em homenagem a uma heroína brasileira. "Embora os historiadores estejam ainda concluindo as pesquisas sobre a personagem, o que se sabe é que Dandara foi uma mulher negra, esposa de Ganga Zumba, rei do Quilombo dos Palmares antes de Zumbi", explica a terceira componente do grupo, Elys Santiago. "Dizem que ela lutou ao seu lado, escondeu escravos e se suicidou para não voltar à condição de escrava." 

Ao comentar o que representou o trabalho para suas autoras, Carolina Ferreira diz que, além de se tornarem jornalistas com consciência social, as recém-formadas estão disponibilizando "mais um mecanismo para a luta pela democracia racial e de gênero no país".

* Adelto Gonçalves é doutor em Letras (Literatura Portuguesa) pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Bocage: o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999)