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Os editoriais e a construção de legitimidade do golpe

Com justificativas para o golpe, a mídia conservadora deve ser considerada em seu papel político para uma compreensão histórica dos acontecimentos

por Mônica Mourão*

Quarta-feira, 11 de maio, o dia que não acabou. Insones, jornalistas acompanharam a votação, pelo Senado, da admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O resultado só se deu na manhã da quinta-feira (12), motivo de atraso de alguns dos principais jornais da mídia hegemônica brasileira.

Os editoriais de O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, cada qual à sua maneira, constroem a noção de legitimidade do impeachment. O próprio nome utilizado, ao invés de “golpe”, como denunciado por Dilma em seu discurso após o resultado da votação no Senado, já dá o tom das narrativas.

Com o título “Novo marco de defesa da responsabilidade fiscal”, o editorial d’O Globo compara o impeachment de Dilma com o de Fernando Collor de Melo, sendo que o dela seria “o teste mais duro para as instituições, relacionado de alguma forma ao desmonte da ‘organização criminosa’ criada pelo lulopetismo”.

O texto não poupa expressões e adjetivos pejorativos para se referir a Dilma, Lula e ao PT. “Visão ideológica tosca de mundo”, “visão sectária”, “­cacoetes ideológicos”, “arrogantes”, “ato monárquico ou stalinista” são alguns dos exemplos.

O “stalinismo” também é citado pelo editorial do Estadão, cujo título “Retorno à irrelevância” responsabiliza a “descomunal vaidade de Lula” pela “profunda crise” que o país enfrenta. Para O Estado, Dilma foi apenas uma criatura que, em algum momento, “como acontece em todo conto de terror”, resolveu pensar por conta própria. Sua única importância seria “ter arruinado o País”.

Para a Folha de S.Paulo, o modelo representado por Dilma Rousseff seria “regressivo e cínico”, “imobilista e acomodatício”. Além disso, “o retrato não corresponde apenas a Dilma Rousseff. É também o de Lula, é o do PT, é o de tantos que, desde o mensalão, adiaram seu encontro com a verdade”.

Os três jornais, dessa forma, constroem uma identificação entre Dilma, Lula e o Partido dos Trabalhadores, mas não só isso. Também colocam nesse mesmo campo o conjunto da esquerda brasileira, ignorando as divergências nesse espectro ideológico e até mesmo a contestação feita por partidos e organizações que vinham se afirmando como oposição de esquerda de que Dilma e Lula (ou até mesmo o PT) ainda possam ser caracterizados dessa maneira.

Essa associação é feita ao ligar toda a esquerda a “mofados preconceitos doutrinários”, como afirmou a Folha, e ao “stalinismo”, numa evidente tentativa de evocar também uma aproximação com o retrocesso e o autoritarismo.

A Folha de S.Paulo foi o único dos três que pôs em xeque também a legitimidade do governo Temer e suas chances de tirar o país da atual crise, citando inclusive que seus aliados são considerados suspeitos pela Operação Lava Jato.

Postura bem diferente tem o editorial d’O Globo, que associa a ascensão de Michel Temer à presidência com o “princípio civilizatório da responsabilidade fiscal”. O jogo de sentidos está dado: se Temer representa a civilização, o governo Dilma seria o caos.

O editorial d’O Globo foi o que mais dialogou, implicitamente, com os argumentos usados por quem se posicionou de forma contrária ao golpe. Cita que embora o impeachment não se relacione diretamente com a Lava Jato, ela teve papel político no processo de suspensão de Dilma e que ela cometeu sim crimes contra o Orçamento.

A negativa de que cometeu crimes foi a tônica do discurso de Dilma Rousseff, veiculado pela NBR e retransmitido ao vivo por outras emissoras no fim da manhã de quinta-feira.

Segundo ela, “é a maior das brutalidades que pode ser cometida contra qualquer ser humano: puni-lo pelo crime que não cometeu”. Afirmou ainda que “quando uma presidenta é afastada por um crime que não cometeu, no mundo democrático, o nome disso não é impeachment, é golpe”, evidenciando a disputa por sentidos na forma como se nomeia o seu processo de impedimento.

Dilma também buscou mostrar que tal processo não tem legitimidade, sendo fruto de uma “farsa jurídica”, com o “objetivo de tomar à força o que não conquistaram nas urnas”, que foram os 54 milhões de votos dados a ela. De acordo com a presidenta impedida, “o que está em jogo não é apenas o meu mandato, é o respeito às urnas”.

Esse foi o sentido que as manifestações contra o impeachment tentaram imprimir, o de defesa da democracia, embora as coberturas jornalísticas das Organizações Globo tenham insistido em caracterizá-las sempre como formadas apenas por petistas e movimentos sociais ligados a eles, num esforço por, em oposição, construir os protestos antiDilma como espontâneas manifestações do povo brasileiro.

Nessa quinta-feira, O Globo publicou em sua página na internet o aviso de que a edição sairia um pouco mais tarde, para que o jornal fizesse uma publicação que desse conta do “momento histórico”: “O GLOBO permaneceu acordado esta noite, vigilante, de modo a entregar ao leitor um conteúdo de qualidade, que possa ser guardado como um livro de História”.

Numa operação entre passado e presente, O Globo criou uma relação entre o impeachment de Collor e o de Dilma, afirmando que a corrupção no último governo do PT “supera de longe as falcatruas de PC Farias”, o tesoureiro de Collor. Também criou a oposição entre civilização (Temer) e barbárie (Dilma e toda a esquerda); entre povo e militantes. Entre os que defendem, de forma isenta, a pátria e o bem e aqueles que têm projetos político-ideológicos ligados ao stalinismo.

O desafio de historiadoras e historiadores que escreverão sobre os últimos acontecimentos políticos é enorme. Considerar os jornais conservadores como fonte histórica sem inserir seu papel de agentes políticos na construção da narrativa da crise – e da própria crise – seria um erro crasso.

Em vez de serem guardados como livros de História, O Globo, O Estado e a Folha de S.Paulo devem servir como indícios do papel político da imprensa na sexta-feira 13 de terror que se anuncia.

*Mônica Mourão é jornalista e integrante do Coletivo Intervozes

Ficção e Jornal Nacional: tudo a ver

Como o principal telejornal do país constrói a narrativa do impeachment no cotidiano da disputa política nacional. O jogo continuará na gestão Temer.

Por Eduardo Amorim*

O dia 9 de maio de 2016 certamente merecerá muitos estudos. Do ponto de vista político, nada chamou mais atenção do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA) ter decidido, no início do dia, anular as sessões que autorizaram o início do rito de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e anulado sua própria decisão na madrugada do dia seguinte.

Diante do cenário tão nebuloso, parei para tentar entender o que está sendo passado ao grande público sobre esse processo. E, analisando o principal telejornal do País, fiquei com sinceras dúvidas se havia mais noções de jornalismo ou de ficção naquele script.

O primeiro ponto evidenciado naquela segunda-feira do Jornal Nacional foi a tentativa de tirar do deputado federal Waldir Maranhão a sua relevância. A TV Globo cunhou o termo “presidente interino” da Câmara dos Deputados, utilizado diversas vezes nos três blocos do jornal, deixando claro, logo no início, que ele se movimentava “para permanecer na presidência com apoio de governistas”.

Na primeira explicação sobre a decisão monocrática do presidente da Câmara, explicitou as ligações do deputado do PP com aqueles que julga relevantes: afirma que Maranhão voltou de seu estado em um avião com o governador Flavio Dino e se encontrou em Brasília com o ministro da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo.

Também chamou atenção o fato de o Jornal Nacional ter ressaltado que o presidente da Casa não abriu espaço para a opinião dos técnicos da Mesa da Câmara. Quem cobriu – como jornalista – o Parlamento brasileiro sabe que as Casas legislativas em Brasília têm realmente corpos profissionais que muitas vezes merecerem elogios.

Mas arrisco afirmar que a TV Globo não questionou este tipo de conduta em momentos como quando, por exemplo, o então presidente Eduardo Cunha mudou o comando da TV Câmara para tentar retirar a autonomia de seus profissionais da TV Câmara.

Quem fala e quem não

Verificar quem e de qual forma é ouvido nas chamadas sonoras do telejornal também é relevante. A presidenta Dilma Roussef deu declarações públicas sobre a decisão de Waldir Maranhão. Para qualquer jornalismo sério, não dar espaço para o seu posicionamento parece impossível. Mas a edição da Globo terminou com a seguinte frase da presidenta: “vivemos uma conjuntura de manhas e artimanhas”, como se Dilma também achasse que o parlamentar não é alguém em quem se possa confiar.

Já o líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino, ganhou espaço ao afirmar que Waldir Maranhão “é subserviente ao terminal governo do PT”. O secretário da Mesa, Beto Mansur (PRB/SP), entrou na narrativa para reforçar que os deputados coletivamente decidiram pelo impeachment, que a Advocacia Geral da União entrou com pedido no dia 25 de abril e que ele foi deixado de lado.

O Jornal Nacional, entretanto, não explicou aos seus telespectadores que o ex-presidente Eduardo Cunha foi o principal responsável por isso.

Já nesse momento, estava claro o “teatro” (com o perdão aos artistas do palco). Enquanto dois deputados têm espaço privilegiado para criticar a decisão de Waldir Maranhão, nenhum dos apoiadores da decisão no Parlamento foi ouvido.

Ivan Valente, líder do PSOL, divulgou a opinião do PSOL minutos depois do líder do DEM. Não apareceu. O também socialista Jean Wyllys também teve seu posicionamento nas redes sociais ignorado. “Vocês precisavam de mais uma prova de que o que está acontecendo é um golpe de Estado? O presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu simplesmente IGNORAR a decisão”, criticou.

À TV Globo, naquele momento, só interessavam os depoimentos que tratavam o “interino” como parlamentar sem expressão.

O JN também teve tempo para falar sobre o filho de Maranhão, que ocupava dois cargos públicos em São Paulo e no Maranhão simultaneamente. E para ouvir mais críticas ao “escárnio institucional” proclamado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM).

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também deu um longo depoimento para explicar sua posição: a de que decisão (agora já anulada) de Waldir Maranhão era extemporânea, e que ele assegurava que nenhuma decisão monocrática poderia se sobressair ao conjunto dos parlamentares. A expressão “brincadeira com a democracia” ganhou o centro das atenções.

Só então, depois de mais de dez minutos de sua imagem escalavrada, o deputado (e “presidente em exercício da Câmara”) Waldir Maranhão teve oportunidade de dizer que não estava “brincando de fazer democracia”.

O elemento Delcídio

A sequência do enredo veio com a explicação de que a continuidade da votação do processo do Senado ainda dependia da prévia votação da cassação do senador Delcidio do Amaral, cujo histórico retratado deu conta apenas de seu período enquanto líder do governo no Senado – sendo esquecidos todos os seus anos de serviços prestados ao PSDB. Na fala do senador acusado: “eu como líder do governo errei, mas peço desculpas”.

O Jornal Nacional conseguiu ainda, naquele momento cheio de incertezas, prever o futuro para fortalecer a narrativa da legitimidade do impeachment. Informou que, no dia seguinte, haveria a votação em plenário para a cassação de Delcídio e, então, a votação do afastamento de Dilma poderia seguir em frente.

Como que para garantir que o rito não seria modificado, a emissora assegurou ainda que, no mesmo dia, haveria reunião do PP para expulsar o deputado Waldir Maranhão do partido.

O primeiro bloco do telejornal ainda seguiria com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski garantindo que quem decidirá o rito do impeachment será o Senado; mostrando a queda no mercado financeiro no dia 9 (com uma questionável justificativa de que à tarde diminuíram as incertezas e por isso não teriam sido mais graves os efeitos na bolsa e no câmbio); o anúncio do (já certo?) futuro governo Temer sobre o corte de 10 ministérios e a assertiva da repórter Délis Ortiz: “falta ainda definir os nomes dos ministros, mas a sociedade não aceita mais do mesmo”.

Reflexo internacional

Para rebater as críticas ao processo que seguem na imprensa internacional, o JN, uma vez mais, fez um “giro” no noticiário estrangeiro para mostrar como os jornais de fora estão tratando a crise política brasileira.

A repercussão sobre a cobertura de veículos como o The New York Times (EUA), The Guardian (Inglaterra), Le Figaro (França) e El Pais (Espanha) foi reduzida. O vencedor do Pulitzer – maior prêmio do jornalismo mundial -, Glen Greenwald, alertou pelo Twitter o que disse Damian Wroclavsky, correspondente da France Press – matéria não lembranda peloJN.

“Se Roussef for tirada da Presidência, ela será substituída pelo seu vice-presidente-agora-inimigo, Michel Temer. Temer, um líder de centro-direita, foi acusado de estar envolvido no escândalo da Petrobras, mas não está sendo formalmente investigado. Um tribunal de São Paulo o multou por irregularidades no financiamento de campanha e ele pode ser banido por oito anos dos seus direitos políticos”.

Fica a pergunta: por que tanto esforço para destruir políticos como Waldir Maranhão, que podem estar ligados ao PT, e um quase silenciamento acerca das suspeitas sobre o futuro presidente da República?

A narrativa ficcional certamente irá continuar. E aposto que as Olimpíadas terão papel fundamental para, no já novo governo, ressaltar a união dos brasileiros. Serão tempos de uma certa pujança econômica e de mais silenciamento da crise política.

* Eduardo Amorim é jornalista, mestrando em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE e integrante do Intervozes.

CPI de crimes cibernéticos aprova relatório que ataca liberdade na internet

O documento contém propostas de leis que vão de encontro ao Marco Civil da Internet e os direitos dos usuários

Por Jonas Valente e Bia Barbosa*

Foi aprovado na quarta-feira 4 o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito de Crimes Cibernéticos (Cpiciber, como ficou conhecida). O documento traz uma série de propostas e de projetos de lei (PLs) que passarão a tramitar na Câmara dos Deputados com prioridade, parte importante deles com ameças à liberdade na internet e criminalizando ainda mais quem navega na rede.

Um dos PLs prevê a possibilidade de bloqueio “a aplicação de internet hospedada no exterior ou que não possua representação no Brasil e que seja precipuamente dedicada à prática de crimes puníveis com pena mínima igual ou superior a dois anos de reclusão, excetuando-se os crimes contra a honra”.

Em outras palavras, um juiz poderá bloquear toda uma aplicação (aplicativos de celular, sites ou redes sociais) por considerar que ela é voltada majoritariamente para se praticar crimes, entre eles o de violação de direitos autorais, ou “pirataria”. Esse PL foi a grande polêmica da votação do relatório final.

De um lado, deputados atendendo ao lobby dos grandes estúdios de Hollywood e de emissoras de TV que buscam ampliar a criminalização do compartilhamento e o uso de produtos audiovisuais “não oficiais” – prática corrente na Internet. De outro, deputados e entidades de defesa dos usuários alertando que é importante punir crimes na rede mas sem comprometer, por meio do bloqueio, o conjunto das pessoas que fazem uso das aplicações.

O debate sobre o tema, que já era polêmico desde a apresentação da primeira versão do relatório final, esquentou ainda mais com a decisão do juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), de bloquear o Whatsapp por 72 horas, tomada na última segunda-feira 2.

A despeito das motivações importantes do magistrado (a resistência da empresa em cooperar com uma investigação), o episódio mostrou como uma decisão desproporcional pode prejudicar dezenas de milhões de brasileiros que usam um aplicativo para se comunicar, trabalhar e desenvolver todo tipo de atividade diariamente.

A solução encontrada pelos deputados? Também excluir da possibilidade de bloqueio autorizado “aplicações de mensagens instantâneas, de uso público geral”. O restante do texto, porém, foi mantido, com sérias ameaças à liberdade de expressão e ao acesso à informação dos internautas.

Além da amplitude da proposta – considerar qualquer crime cuja pena de reclusão seja de, no mínimo, dois anos, incluindo novas tipificações que possam surgir –, como definir se uma aplicação é “precipuamente dedicada à prática de crimes”?

Cada magistrado interpretará ao seu bel prazer e teremos um campo fértil para novas decisões como a do juiz Montalvão.

O relatório final do deputado Espiridião Amin (PP/SC), traz uma série de exemplos de países que autorizam a prática do bloqueio de sites e aplicações. Para o deputado Sandro Alex (PSD/PR), subrelator da CPI, responsável pela redação deste PL, a vedação total dos usuários a uma aplicação ou página da internet não pode ser considerada censura.

O que os parlamentares esqueceram de mencionar é que, nos países democráticos onde o bloqueio é permitido, ele é considerado uma prática excepcional, aplicada em casos extremos, para crimes muito bem definidos e situação explicitamente determinadas.

A relatoria para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos já chegou a expedir nota afirmando que o bloqueio de sites é uma medida extrema, que ameaça o respeito a este direito fundamental. Alguém tem dúvidas de para que um texto genérico como este será usado por aqui?

Criminalização em alta

Outro trecho do relatório final, que também trazia preocupações às organizações defensoras da liberdade na internet, recebeu, na votação final, uma emenda – proposta pelo deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB/RS) – que piorou ainda mais o texto.

A emenda alterou a Lei conhecida como Carolina Dieckmann (12.737/2012), norma que criminaliza quem “invade dispositivo informático alheio com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa”. Na versão proposta por Amin, o texto previa mudar a “invasão de dispositivo informático alheio” para “acesso indevido a sistema informatizado”.

Novamente, o caráter vago do termo já era preocupante, mas a prática só seria criminalizada se tivesse a finalidade de cometer alguma ilegalidade. Marchezan defendeu, e convenceu a maioria dos pares, de que o simples “acesso indevido” já deve ser considerado crime, passível de multa e até um ano de prisão.

O que é acesso indevido? Pergunte ao relator e aos sub-relatores da CPI de Cibercrimes. A falta de definição abre uma avenida para a criminalização de usuários, incluindo pesquisadores e quem trabalha com testes de segurança de rede.

O relatório final traz ainda projetos de lei como o que destina 10% de recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para o aparelhamento da Polícia Federal com vistas ao combate a crimes cibernéticos.

As entidades da sociedade civil haviam sugerido a reserva de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, uma vez que o PL promove uma destinação equivocada e retira verba da necessária fiscalização dos serviços de telecomunicação no Brasil, notadamente caros, ineficientes e de baixa qualidade.

Outra proposição sugerida pela CPI prevê a retirada, mediante simples notificação ao site, de um conteúdo idêntico cuja remoção já tenha sido ordenada pela Justiça. O deputado Alessandro Molon (Rede/RJ) argumentou que a medida também atinge a liberdade de expressão, já que esta análise – se realmente trata-se de conteúdos idênticos – caberá aos provedores e não a um juiz. A redação final do PL proposto poderia ter ficado pior, não fosse a pressão da sociedade civil.

Em versões anteriores do relatório, o PL atribuía aos aplicativos a obrigação de fiscalizar suas publicações para retirar não apenas conteúdos idênticos mas “similares” àqueles que tivessem recebido ordem judiciar para saírem do ar. Ou seja, transformava redes sociais e outros aplicativos em máquinas de vigilância e feria ainda mais a liberdade de expressão.

Outra proposição da CPI alterada a partir de pressão das entidades foi o PL que previa a retirada, sem ordem judicial, de conteúdos que atentassem contra a honra de uma pessoa. A medida deveria ser cumprida em um prazo de até 48 horas.

A iniciativa, que visava proteger políticos de acusações nas redes sociais, era um claro ataque à liberdade de expressão e criava uma prática generalizada de derrubada de conteúdos pelas aplicações sem a avaliação criteriosa da Justiça e sem permitir o direito de defesa. Nos debates e em razão das críticas das entidades, o projeto foi retirado do relatório.

A despeito dos esforços e mobilizações de diversas organizações da sociedade civil no Brasil e no exterior – entre elas o Intervozes, Ibidem, Coding Rights, AccessNow, EFF e o Comitê Gestor da Internet no Brasil – o relatório da CPICiber plantou na Câmara sementes de ameaças a direitos fundamentais dos usuários, que agora passam a tramitar com prioridade.

Tais movimentações se inserem em um processo mais amplo de ataque ao Marco Civil da Internet e de restrições às liberdades na rede, juntamente com tentativas de reforma da Lei Geral de Telecomunicações e da imposição de franquias nos serviços de banda larga fixa. A batalha continuará e vai exigir mais mobilização dos defensores da Internet livre no país.

* Jonas Valente e Bia Barbosa são jornalistas e integram o Conselho Diretor do Intervozes.

Por que a franquia de dados na internet é absurda e o que ela causará

O argumento falacioso de que é inviável oferecer acesso ilimitado à rede mudará a forma do brasileiro navegar e, de novo, prejudicará os mais pobres

Por Pedro Ekman*

Recentemente, a Anatel, agência que regula as telecomunicações no Brasil, anunciou que autorizaria a limitação do consumo de dados de internet pelas operadoras. Depois, voltou atrás por “tempo indeterminado”, devido à forte rejeição popular à medida. A crítica foi tamanha que já ensejou o pedido de uma CPI da Anatel no Congresso e a realização de uma audiência pública sobre o tema no Senado, convocada para esta terça-feira 3.

Motivos para a grita dos consumidores não faltam. Até hoje, o negócio funciona assim: na internet móvel (celular), contratamos uma determinada velocidade e volume de dados para se utilizar por mês, seja no plano pós-pago, seja no pré-pago.

Quando o volume de dados previsto na franquia se esgota, a velocidade contratada deixa de valer e praticamente inviabiliza a navegação. Na internet fixa instalada nas casas, escritórios e estabelecimentos que oferecem acesso via wi-fi, até hoje a diferença contratual é apenas em função da velocidade, sem um limite máximo de consumo de volume de dados por mês.

Citando uma comparação que tem sido usada pelas operadoras: se a internet fosse água, a velocidade seria equivalente ao tamanho da boca do cano instalado na sua casa e o volume de dados seria equivalente ao volume de água consumido. Se você quer uma velocidade maior, contrata um cano mais largo. E, independente da largura do cano, não paga pela quantidade de água que consome; ela é ilimitada. Parece um erro, não?

Acontece que há uma diferença básica entre água e os dados da internet. Enquanto o primeiro é um bem finito e pode acabar – fazendo sentido não permitir seu consumo ilimitado ou então a cobrança diferenciada para quem consome mais –, no caso dos dados de internet eles são infinitos e o funcionamento das aplicações varia apenas em função da velocidade de transmissão desses dados.

Limitar o consumo de dados na internet fixa terá enormes impactos para os usuários da rede. O primeiro deles será justamente para aqueles que, hoje, apenas possuem acesso à internet via aparelhos celulares, e que são a maioria da população.

Apenas 50% dos lares brasileiros estão conectados por planos de internet fixa, e nas classes D e E esse índice não passa de 14%. A esmagadora maioria da população se conecta, portanto, apenas através do celular. Boa parte desse grupo não tem mais de cinco reais por mês para gastar em um plano pré-pago. Essa condição faz com que seus planos tenham volumes de dados ofertados muito baixos e, em poucos dias ou horas, sua navegabilidade fique comprometida.

Para continuar navegando no restante do mês, essa enorme parcela da população utiliza o acesso via wi-fi nos mais diversos estabelecimentos Brasil afora. Se o volume de consumo de dados também for limitado na internet fixa, serão raros os locais que vão oferecer acesso gratuito via wi-fi, e a imensa maioria da população ficará simplesmente sem qualquer possibilidade de conexão.

O outro grande impacto será na forma como se navega na rede fixa e se utilizam as aplicações disponíveis na rede. A mudança será brutal. Não se poderá mais assistir a quantos filmes quiser, assistir aulas em cursos de educação à distância, jogar por muito tempo ou fazer longas ligações pelos aplicativos. Quem fizer isso, terá seu pacote de dados esgotado rapidamente. E é justamente isso que as operadoras de telecomunicação querem barrar.

Interesses comerciais e não limitações técnicas

Alegando motivos técnicos para impor a franquia limitada de dados na internet fixa, na realidade, o oligopólio nas telecomunicações busca interesses puramente comerciais. Para compreendê-los, é preciso analisar como a convergência tecnológica vem diminuindo o vasto mercado de telefonia fixa e móvel, internet fixa e móvel e TV por assinatura – serviços explorados hoje por poucas empresas transnacionais.

A possibilidade de se fazer ligações por Skype ou pelo Whatsapp, por exemplo, reduziu fortemente o mercado da telefonia móvel e fixa. Ao mesmo tempo, Netflix, HBO On Demand, YouTube Red e outros canais de conteúdo com preços mais baratos do que os caros pacotes de TV por assinatura estão aniquilando o faturamento das empresas que, até pouco tempo, tinham a exclusividade da oferta deste tipo de conteúdo.

As operadoras Vivo, Claro (NET), Tim e Oi tentaram de toda forma cobrar essa perda de mercado das empresas de conteúdo e das aplicações de internet. Queriam poder reduzir a velocidade de aplicações como o Netflix, YouTube, Whatsapp ou Skype se elas não pagassem pelo direito de funcionar adequadamente na rede.

Mas o Marco Civil da Internet consagrou o princípio da neutralidade de rede no Brasil, obrigando as operadoras de infraestrutura a serem neutras em relação ao conteúdo que trafega em seus cabos. Não conseguindo extorquir as empresas de conteúdo, partem agora para a tentativa de extorquir o consumidor.

Mas o argumento de que é inviável oferecer acesso ilimitado à internet é absolutamente falacioso do ponto de vista técnico. A rede fixa está desenhada para entregar determinada velocidade em determinado ponto. O que importa é a largura do cano e não quantos dados irá passar naquele ponto durante o mês.

Se o volume de dados utilizados na rede como um todo está crescendo – e isso é positivo –, a resposta deve ser novos investimentos, que devem ser feitos para acompanhar esse crescimento.

Isso acontece desde o início da história da internet; o volume trafegado sempre irá crescer. O problema é que as operadoras, que seguem tendo altíssimos lucros, não querem se responsabilizar pelos custos da expansão da rede que elas próprias exploram.

Querem que alguém pague pelo seu desenvolvimento – no caso, o lado mais fraco da corrente, o usuário brasileiro, que já é obrigado a arcar com um dos mais altos custos de acesso à rede do mundo.

Em seu discurso para justificar a mudança nos contratos, as empresas tentam criar a ilusão de que, com a existência de planos limitados, seria possível oferecer pacotes de conexão mais baratos para quem usa pouco a rede e planos mais caros por quem joga muito on-line ou assiste a muitos filmes.

Mas isso não passa de conversa de vendedor, que quer abrir a porta para um modelo onde todos vão acabar pagando mais e onde as infinitas possibilidades da internet acabarão exclusivas para os usuários mais abastados.

Além de injusta, limitação é ilegal

Assim como a quebra da neutralidade de rede, a limitação da franquia na internet é ilegal no Brasil. O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, proíbe que um serviço essencial seja interrompido (ou degradado a ponto de ficar inviável) por qualquer outro motivo que não o da falta do pagamento.

Isso vale para o fornecimento de água, eletricidade e também para o acesso à internet, que não podem ser interrompidos se o pagamento estiver em dia. Foi o mesmo Marco Civil da Internet que definiu, na letra da lei, a internet como um serviço essencial para o exercício da cidadania. Quem insiste em não reconhecer sua essencialidade são o Ministério das Comunicações, a Anatel e as operadoras de telecomunicações, numa atitude de franco desrespeito legal.

A realidade é que a ameaça de limitação da internet brasileira é mais um episódio de um complexo cenário de disputas entre os interesses das operadoras e os direitos dos usuários da rede no País.

Um quadro que vem sendo agravado por uma tentativa de acordo criminoso entre as empresas e o poder público, que pode resultar na total privatização do que ainda resta de serviço público neste campo. Algo que vai na contramão do interesse público e que atropela a lei vigente, nos tornando ainda mais vulneráveis à sanha das empresas campeãs em reclamações.

Não apenas a forma como você usa a internet está em jogo, portanto, mas todo e qualquer direito dos cidadãos acerca dos serviços de telecomunicações. Silenciar neste momento pode nos levar a um caminho sem volta.

* Pedro Ekman é integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

O olhar da imprensa internacional sobre o impeachment no Brasil

Enquanto a mídia tradicional brasileira mantém discurso de legitimação do impeachment, veículos internacionais dão visibilidade ao risco à democracia.

Por Camila Nóbrega*

Diversidade de narrativas e análises sobre a crise política não faltam no Brasil, mas ela segue engolida pelo monopólio dos veículos tradicionais. Em tom bastante conservador e politicamente localizada à direita, a narrativa que pauta o noticiário do país faz desaparecer boa parte das nuances e oculta personagens e fatos importantes da crise. Neste contexto, a cobertura internacional ganha holofotes e acende o alerta sobre o perigo da concentração da chamada grande mídia brasileira. Protegidos pelo distanciamento e pautados por analistas políticos, pela mídia alternativa nacional e por movimentos sociais, alguns veículos estrangeiros têm chamado atenção por terem mudado seu próprio discurso. Se inicialmente a imprensa internacional acompanhava a ode aos protestos pró-impeachment criada pelos grandes conglomerados da imprensa nacional, houve uma meia-volta significativa. A mudança, que marcou a cobertura da votação na Câmara no dia 17 de abril, tem repercutido.

“O deputado votou ‘sim’ pela abertura do processo de impeachment e disse que fez a escolha pelo futuro do Brasil e por sua esposa e filhos”, traduzia um repórter da BBC Internacional, em flash com imagens diretas da Câmara dos Deputados no domingo 17 de abril, seguido de uma análise sobre a ausência de argumentos relacionados às acusações feitas à presidenta nos discursos dos parlamentares.

“O presidente da Câmara brasileira, Eduardo Cunha, que conduz a votação no dia de hoje, é acusado de corrupção e alvo da Lava Jato”, explicava o canal Euronews. “Milhares de pessoas estão nas ruas, divididas; enquanto há quem comemore, são muitos os brasileiros e brasileiras que denunciam um golpe em curso”, esclarecia a jornalista da Al Jazeera ao vivo, apenas alguns minutos antes da confirmação da abertura do processo.

Durante as cerca de oito horas de votação, o Brasil esteve nas notícias mais importantes (“breaking news”) de centenas de canais de televisão, jornais, rádios e sites de todo o mundo.

E, durante todo este tempo, jornalistas enfrentavam em diferentes sotaques o desafio de explicar o emaranhado de relações de poder e alianças no Congresso brasileiro e a construção de um discurso conservador e autoritário, no caminho que levou à abertura de processo para julgamento de um possível impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Entre os veículos de comunicação que adotaram uma linha mais crítica e apostaram na apuração jornalística própria, especialmente com correspondentes enviados ao Brasil ou até mesmo a partir de escritórios instalados no País, os obstáculos não eram menores.

Afinal, imagine o desafio de explicar que vários dos parlamentares que tinham direito ao voto naquele momento figuravam na lista da operação Lava Jato sob graves acusações de corrupção, incluindo o presidente da Casa.

Se a tarefa de esclarecer a situação é árdua entre brasileiros, imagine o fardo de quem precisa fazer isso para pessoas que não estão sequer familiarizadas com o contexto político do País, apresentando a biografia extensa desses parlamentares que ali vociferavam contra a “corrupção”.

Some a isso a necessidade de traduzir, além de centenas de dedicatórias a filhos e esposas, declarações como a do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que homenageou Brilhante Ustra, primeiro militar reconhecido pela Justiça Brasileira como torturador.

Em meio às dificuldades – e também às facilidades, é bom lembrar – impostas pelo distanciamento, a cobertura internacional de um dos principais momentos na história recente brasileira marcou grandes diferenças em relação ao que figurou na mídia tradicional nacional. E, acima de tudo, marcou uma virada.

Onde, apenas um mês atrás, veículos descreviam os protestos nas ruas com um certo glamour de luta contra a corrupção, os espaços de questionamento cresceram. Veio à tona o fato de que os motivos para a abertura de um processo de impeachment são, no melhor dos casos, duvidosos, assim como a credibilidade e idoneidade dos deputados que estavam à frente do processo.

A narrativa na imprensa internacional

Enquanto a imprensa brasileira seguiu retratando a votação do impeachment como um jogo de futebol, ficou a cargo da mídia internacional o chamado a reflexões e à garantia de princípios jornalísticos de apuração.

Ganharam espaço detalhamentos sobre o processo da votação em si, o que aconteceria daqui para frente e o fato de que a crise política não se encerraria na votação, independentemente do resultado.

Foram órgãos de mídia internacionais também os responsáveis por pautarem e explicarem os motivos que levam uma grande parcela da população brasileira a denunciar um golpe em curso.

Assim seguiu a semana com uma cobertura mais equilibrada vinda dos meios de comunicação estrangeiros. Entre os impressos, o jornal britânico The Guardian, após o resultado da votação na Câmara, optou por reportar a situação dando espaço à fala do líder do governo na Câmara, José Guimarães, que pediu aos brasileiros e brasileiras contrários ao golpe que permaneçam mobilizados.

O jornal é um dos poucos a dar nome e sobrenome ao processo. Afirmou abertamente que há uma ansiedade da oposição em conseguir o impeachment de Dilma Rousseff a fim de instalar no Brasil o primeiro governo de centro-direita em 13 anos.

O periódico é um dos que também tem feito questão de ressaltar as acusações nas costas do presidente da Câmara.

Aliás, se a ficha de Cunha está longe de ganhar destaque no Brasil, ela é considerada elemento central por muitos veículos da mídia internacional. A versão brasileira do jornal El País também ressaltou na última semana o preço que a oposição aceitou pagar para que o impeachment passasse, em referência à aliança com Cunha e à ocultação de seus milhões não declarados no discurso que passou a apontar apenas a presidenta e o ex-presidente Lula como focos dos escândalos.

Os mesmos questionamentos também ganham espaço nos três principais jornais norte-americanos, de linha liberal: The New York TimesThe Wall Street Journal e The Washington Post, que têm destacado as suspeitas de corrupção contra vários parlamentares à frente do impeachment.

Já a revista alemã Der Spiegel, apesar de manter em seu site um vídeo da votação mostrando apenas as manifestações verde-amarelas, descreveu o processo de votação como “a insurreição dos hipócritas”.

Na América Latina, a cobertura dos jornais hermanos também têm tido um papel importante. O colombiano El Espectador ressaltou a falta de argumentos dos deputados durante a votação, apontando que falas com cunho religioso e até mesmo contra “o comunismo” foram feitas de forma absolutamente descontextualizada.

O La Nación, da Argentina, afirmou que a crise política está longe de acabar e apontou que o País tem uma presidência “na porta da saída de emergência, um Congresso que festeja com euforia a crise política que divide o País e um novo eventual mandatário também suspeito de corrupção”.

Agências independentes de notícias como a PressenzaInternational Press Agency, que tem foco na América Latina – ficam a cargo de análises mais aprofundadas e questionamentos que posicionam a crise política no cenário e de interesses econômicos internacionais.

A crítica internacional à mídia brasileira

A emissora do Catar Al Jazeera trouxe como alvo de questionamentos a própria mídia brasileira, fazendo crescer a discussão sobre o cenário de concentração dos meios de comunicação no Brasil e tocando no calcanhar de Aquiles dos principais veículos do País.

A Al Jazeera foi uma das primeiras a utilizar com mais clareza a palavra “golpe”, explicitando o posicionamento crítico de grande parcela da população em relação à tentativa da oposição de centralizar acusações e investigações sobre o Partido dos Trabalhadores e sobre a presidenta, passando por cima de processos e instituições democráticas e protegendo um número considerável de parlamentares envolvidos nos escândalos da Lava Jato.

A publicação online norte-americana The Intercept também têm colocado a mídia nacional em xeque, principalmente por meio das reportagens do jornalista Glenn Greenwald, que mora no Brasil e se tornou conhecido após publicar reportagens sobre os documentos revelados por Edward Snowden.

No último mês, Greenwald publicou textos no The Intercept sobre a concentração da mídia brasileira e o papel dos veículos do País na construção do discurso conservador contra a corrupção e a favor da retirada de Dilma Rousseff.

O The Intercept também apontou, na última semana, a possível investida do vice-presidente Michel Temer em angariar apoios de setores nos Estados Unidos, por meio de uma viagem de um senador Aloysio Ferreira Nunces (PSDB-SP) ao País.

Por esses exemplos e outros mais, a cobertura internacional tem desempenhado um papel importante nesse momento da história brasileira e tem ganhado status de mais equilibrada, contundente e aprofundada.

A situação, porém, está longe de ser ideal. Os casos relatados acima ganharam repercussão aqui no Brasil exatamente por conterem informações ocultadas pela mídia brasileira. No entanto, a maior parte do que é divulgado sobre a crise política no País ainda se limita a reproduzir fragmentos de agências internacionais e a superficialidade da cobertura dos canais nacionais.

A agência Press Trust of India, principal daquele país, limitou-se, por exemplo, a falar da votação. A leitura descontextualizada não dá sequer a dimensão da divisão de opiniões.

A cobertura restrita se repete também nas agências de notícia russas, que só agora começaram a falar do tema, após semanas de silêncio. A Russian Information Agency só deu espaço ao caso no Brasil após a votação do impeachment na Câmara.

Logo após, o jornal Russia Today publicou uma matéria intitulada “As Olimpíadas serão um sucesso, independentemente do impeachment”, tentando apaziguar os ânimos para os jogos.

Alguns russos têm interpretado o silêncio da imprensa local sobre o que se passa no Brasil como uma tentativa de não trazer ao debate público um caso de impeachment em um dos BRICS – e assim não inspirar críticos de Putin.

Fugindo das armadilhas

Nessa análise sobre cobertura internacional, é importante não cair em algumas armadilhas. Os elogios à cobertura internacional devem ser ponderados, para não resultar em mais retrocessos. Uma coisa é sabida por todo correspondente internacional: é sempre mais fácil falar dos problemas alheios.

É natural que a mídia local tenha mais dificuldades de falar de problemas do próprio território. Com menos relações diretas com poderes locais, às mídias estrangeiras sobra mais liberdade.

Isso não significa, entretanto, que essas mesmas mídias poderão chegar a fazer associações mais amplas, questionando as relações de seus países de origem com escândalos em outras nações, como o que ocorre no Brasil, por exemplo.

Segundo ponto: não faltam exemplos de como a globalização no campo da comunicação também traz prejuízos às narrativas. Nesse olhar geral de contexto mundial faltam, entre outros aspectos, espaço para o esclarecimento sobre o que aconteceu com o Brasil nas décadas que sucederam a ditadura militar e que mantiveram no poder parlamentares que lá estão desde então, assim como as características de coronelismo, que permanecem.

A falta dessas perspectivas a partir de uma mídia brasileira não será suprida por veículos e jornalistas internacionais. Não nos iludamos.

Por fim, um dos maiores erros é olhar para a cobertura internacional como uma idealização em termos de técnica jornalística. As mídias independentes que têm surgido no Brasil são uma boa imagem disso. Se aqui não há espaço para uma boa cobertura, isso nada tem a ver com um padrão de jornalismo. Colocar as coisas nesses termos seria aceitar um enquadramento realizado de fora para dentro, fazendo com que nosso olhar acabe se rendendo a uma análise eurocêntrica.

O que falta no Brasil nesse sentido é uma mudança política, que vem sendo pautada há muito tempo pelos movimentos pela democratização da comunicação. O desafio é a alteração do cenário atual, que viola o direito à comunicação e aos diferentes lugares de fala, absolutamente necessários em um país como o nosso, onde a mídia atribui aos discursos pesos políticos absolutamente desiguais e desproporcionais à composição da população.

* Camila Nóbrega é jornalista e integrante do Intervozes.