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Jornais, classe média e redução da miséria

A Associação Mundial de Jornais (WAN) divulgou recentemente os resultados de sua pesquisa anual sobre o comportamento da indústria de jornais. Embora a circulação global de jornais pagos tenha crescido (2,7%) em 2007, ela vem caindo sistematicamente tanto na União Européia (5,91%) quanto na América do Norte (8,05%), nos últimos cinco anos. Por outro lado, a circulação cresceu na América do Sul (6,72%) e, em particular, no Brasil, que lidera não só o crescimento anual (11,80%) como o crescimento dos últimos cinco anos (24,93%).

[O relatório completo da pesquisa não está disponível gratuitamente. O longo release de sua divulgação, no entanto, pode ser acessado no original em inglês ou na versão em português.].

É interessante observar que os dados se referem apenas a jornais pagos, não estando incluídos nem os jornais gratuitos nem os jornais online. Em algumas regiões, a introdução de um e/ou de outro pode alterar completamente os resultados. Por exemplo: jornais gratuitos somam quase 7% de toda a circulação mundial e 23% apenas na Europa. Se combinada com jornais gratuitos, a circulação na União Européia aumentou 2% em 2007 e 9,61%, ao longo dos últimos cinco anos. Já nos EUA, a audiência dos jornais cresceu 8% quando se combina impresso e online, em 2007.

Primeira lição: esses números devem servir de advertência para os riscos da transposição automática de resultados de pesquisas sobre consumo de jornais em países da Europa e/ou nos Estados Unidos e aplicá-los ao Brasil (o que, infelizmente, ainda acontece com certa freqüência). A "fase" que vivemos – em relação aos jornais pagos, gratuitos e online – é muito diferente da que se vive nesses países.

Como explicar o aumento da circulação de jornais no Brasil?

Matéria publicada no Estado de S.Paulo ("Circulação de jornais cresce 8,1% no semestre", edição de 4/8/2008) dá conta de que a circulação dos 103 jornais pagos associados ao Instituto Verificador de Circulação (IVC) cresceu 8,1% no primeiro semestre de 2008, em relação ao mesmo período de 2007. Os novos dados do IVC confirmam também o crescimento dos chamados "jornais populares", isto é, aqueles destinados às classes C e D.

O Estadão informa que os 30 maiores títulos do país são responsáveis por mais de 80% da circulação total e que, nesse grupo, destacam-se exatamente os "jornais populares". Dentre eles, o crescimento mais espetacular foi do mineiro Super Notícia: no primeiro semestre de 2007, tirava uma média de 179.981 exemplares/dia e no mesmo período deste ano chegou a 301.362 – isto é, um aumento de circulação de 67%.

Se ainda existia alguma dúvida, duas pesquisas divulgadas no dia na terça-feira (5/8) ajudam indiretamente a compreender o que vem ocorrendo no mercado brasileiro de jornais.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou o estudo "Pobreza e riqueza no Brasil metropolitano" – que se apóia em pesquisas do IBGE, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizadas nas seis principais regiões metropolitanas do país entre 2002 e 2008. A constatação foi de que cerca de 3 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza no período, isto é, passaram a ter renda per capita superior a meio salário mínimo por mês. Isso significa uma redução da pobreza de 32,9% da população em 2002 para 24,1%, em 2008 (disponível aqui).

Por outro lado, o Centro de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas divulgou os resultados de um levantamento feito com base na PME do IBGE nas mesmas seis regiões metropolitanas, no período de abril de 2002 a abril de 2008 – "A nova classe média" (disponível aqui). Verificou-se que, nos últimos 6 anos, 19,5 milhões de brasileiros passaram a fazer parte da classe média, isto é, aquele grupo com renda domiciliar per capita entre R$ 1.064 e R$ 4.591. Hoje, esta nova classe média já inclui 51,89% de todos os brasileiros (contra apenas 42,82%, em 2002).

Entre as seis regiões metropolitanas estudadas, quatro estão acima da média nacional (51,89%): São Paulo (54,68%), Belo Horizonte (53,9%), Porto Alegre (53,67%) e Rio de Janeiro (52,42%). A capital de Minas Gerais foi a que mais reduziu a miséria no período (menos 40,8%).

Não deve, portanto, ser mera coincidência que o "popular" Super Notícia tenha aparecido em 2004, custe 25 centavos e venda mais de 300 mil exemplares/dia exatamente na região metropolitana de Belo Horizonte.

Dimensão escrita do espaço público

Em artigo publicado neste Observatório ("Imprensa Brasileira, 200 anos: História de continuidade e de ruptura", edição nº 488), argumentei que existe uma relação entre o aumento de circulação dos "jornais populares", a diminuição da pobreza e a expansão da classe média. Além disso, lembrei que, apesar de ainda existir espaço para casos policiais, os "jornais populares" se voltam hoje para pautas como serviço público, direito do consumidor, entretenimento, trabalho, saúde, transporte e educação. Uma espécie de “serviço para a cidadania”.

Todo esse processo, na verdade, é conseqüência de muitas mudanças, algumas silenciosas, que vêm ocorrendo no nosso país nos últimos anos.

A inclusão de parcelas significativas da população brasileira que historicamente estiveram ausentes da dimensão escrita do espaço público criado e reproduzido pela grande mídia é, certamente, uma dessas conseqüências.

*Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

O Idec e os sistemas anticópia na TV digital

[Titulo original: Idec comenta anticópia na TV digital e explica porque é contra proposta]

Gravar um programa de TV para assisti-lo mais tarde. Fazer backup de seus vídeos. Tudo isso vem se tornando uma possibilidade cada vez mais comum no Brasil e em diversos países do mundo.

No entanto, essa possibilidade acaba sendo diminuída em razão das restrições tecnológicas. Ao impedir usos legítimos de obras audiovisuais, o consumidor comum é afetado enquanto muitas vezes o esforço não afeta a chamada “pirataria”.

Está hoje em discussão no Congresso a adoção de mecanismos de proteção anticópia no Sistema Brasileiro de Televisão Digital, por meio do Projeto de Lei 6915/06. O Idec não tem dúvidas de que esses mecanismos, se adotados, acabarão por prejudicar todos consumidores, além de serem contrários à nossa Constituição e à atual realidade de convergência tecnológica.

A Lei de Direitos Autorais, que cuida dos direitos do autor e também dos direitos de acesso às suas criações, permite diversos tipos de cópia. É preciso, por isso, desmistificar algumas práticas que podem, sim, ser benéficas para a coletividade.

A lógica por trás do sistema de proteção aos direitos autorais é simples: embora nem toda criação derive necessariamente de pagamento ao autor, o criador de uma obra intelectual deve ter o direito de ser reconhecido e receber remuneração pelo trabalho desenvolvido, estimulando a produção de novos trabalhos. A proteção intelectual serve como um dos estímulos a inovações e criações.

O direito de exclusividade de exploração da obra pelo autor tem tempo limitado, após o qual as obras são disponibilizadas em domínio público, possibilitando a reprodução e circulação do conhecimento independentemente de autorização.

Um sistema saudável de proteção aos direitos de autor deve equilibrar esta proteção com a possibilidade de acesso às obras protegidas por direito autoral.

Por isso existem o direito autoral e as restrições ao direito de copiar. Também por isso, existem as exceções ao direito de autor, que abrangem, por exemplo, o direito de copiar, além do domínio público.

As exceções à proibição de copiar não podem ser punidas criminalmente nem podem ensejar um pedido de indenização pelo autor. Essas exceções foram criadas justamente com o intuito de garantir o acesso de todos os cidadãos ao conhecimento, à cultura e à educação.

Em primeiro lugar, é possível copiar todas as obras que já se encontram em domínio público.

Além do domínio público, sempre será possível copiar, por exemplo, a partir da autorização expressa do autor.

Além disso, ainda que sem autorização, alguns direitos de cópia decorrem diretamente da lei. O artigo 46 da LDA limita o direito do autor, dizendo que não constitui ofensa ao direito autoral a reprodução de passagens de qualquer obra para fins de estudo e de pequenos trechos para uso privado, desde que sem intuito de lucro, dentre outras exceções.

Além dessas considerações já feitas, as restrições tecnológicas ferem princípios constitucionais e até mesmo o próprio Decreto 4.901 de 2003 que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital:

O artigo 4º do Decreto 5820/06 estabelece que o acesso ao SBTD deve ser livre e gratuito. Esse artigo justamente reflete o entendimento constitucional da televisão aberta: o artigo 155, parágrafo 2º, X, da Constituição Federal prevê que a radiodifusão sonora e de sons e imagens é livre e gratuita.

Mecanismos anticópia na TV digital tirariam das mãos do espectador diversos dos direitos previstos na própria LDA, como, por exemplo, o direito de fazer a cópia de pequenos trechos de programas, dentre outros usos legítimos e costumeiramente adotados (como o hábito de gravar um programa para assistir em outro horário).

A lei de direitos autorais é extremamente restritiva e precisa de reformas. E são inadmissíveis propostas que venham restringir ainda mais o acesso, como essa da instalação do sistema anticópia no televisor de cada cidadão, sob o argumento de que, sem isso, a TV digital seria inviável.

Uma outra consideração que podemos fazer a respeito dessa proposta de adoção de mecanismos anticópia na TV digital é com relação ao contexto atual da convergência tecnológica.

A tecnologia convergente abre novos espaços para a criação e disseminação de conteúdos que beneficiam todos os que tratam com essa nova realidade, principalmente os usuários finais, ao possibilitar a democratização do acesso a conteúdos e serviços e a ampliação de suas possibilidades de escolha.

A tecnologia anticópia impede a convergência tecnológica, porque outros equipamentos eletrônicos (celular, computador, etc) não vão conseguir acessar o sinal da TV digital se não usarem a mesma tecnologia.

Para concluir, as restrições tecnológicas, como pretendem ser os mecanismos anticópia na TV digital, afetam a possibilidade de o consumidor ter acesso à maior diversidade possível de bens e serviços.

Se implantados, o espectador não mais poderá decidir como os conteúdos serão utilizados, se, por exemplo, poderá gravar um programa para assistir depois.

É imprescindível a busca por um equilíbrio entre a legítima remuneração dos criadores e a necessidade da democratização da tecnologia e do acesso ao conhecimento, elementos fundamentais para a inclusão na atual sociedade da informação.

Não se justifica o abuso na utilização das restrições tecnológicas, sem respeitar os interesses dos consumidores, a realidade tecnológica e até mesmo os direitos de utilização concedidos à sociedade pela legislação de direito autoral, como o direito já mencionado de copiar pequenos trechos.

Sob o argumento de evitar a "pirataria", não mais se distinguirá quem copia em larga escala e com intuito de lucro (o verdadeiro pirata) daquele que reproduz uma única vez um trecho de um programa para fins privados ou educacionais, o que é permitido pela lei de direitos autorais.

O Idec não é contra o direito autoral, mas é contra normas excessivamente rígidas, que não permitem que o público tenha acesso a informação, cultura e conhecimento. Dessa forma, o Idec entende que a cópia legal pode incentivar o acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio entre a justa e legítima remuneração dos autores e o interesse público de acesso às obras. As normas de propriedade intelectual, assim, devem também ser subordinadas ao bem público e à função social. Por essas razões, o Idec reprova a implantação do sistema anticópia na TV digital brasileira.

* Estela Guerrini é advogada do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Eleições e Internet: Obama lá e nós aqui

Há um ano, Barack Obama era apenas um senador em primeiro mandato, negro e jovem, que aspirava concorrer à vaga de candidato a presidente da maior potência do planeta pelo partido democrata. Seus adversários, muito mais poderosos, como o senador John Edwards e a senadora Hillary Clinton, não o colocariam como principal adversário. Para compensar essa diferença, Obama investiu em um discurso enfático de mudança, baseado no bordão "Sim! Nós Podemos!" (Yes, We can!) e na rede mundial de computadores. Por isso, venceu as prévias, e agora enfrenta o republicando John McCain para chegar à Casa Branca.

Obama já é o exemplo mais bem-sucedido de uso da internet para fins político-eleitorais. Em "A Conexão Obama", artigo publicado no The New York Times de 26 de maio, o analista Roger Cohen explica esse fenômeno: "É a rede, estúpido!". A frase é uma adaptação livre da citação de James Carville, papa do marketing político que trabalhou na campanha de Bill Clinton e cunhou a expressão "É a economia, estúpido!", norteadora da estratégia bem-sucedida que resultou na vitória de Clinton sobre Bush pai. Obama é sedutor, um grande orador, um sujeito com uma trajetória irrepreensível. Não fosse a internet, porém, ele nada seria.

Para sustentar a tese, Cohen reproduz dados citados por Joshua Green, na The Atlantic. Obama teve 1.276.000 doadores em sua campanha, 750.000 voluntários ativos e 8.000 grupos de afinidade. "Em fevereiro, quando a campanha arrecadou 55 milhões de dólares (45 milhões via Internet), 94% das doações apresentaram valores menores que 200 dólares". São números sem precedentes na história humana. Para efeito de comparação, a planilha de doações do presidente Lula na última eleição, incluindo pessoas físicas, jurídicas, comitês regionais, entre outros itens, tem 1.599 itens. No processo, o Partido dos Trabalhadores (PT) arrecadou R$ 81 milhões.

Como um vírus, o candidato foi se espalhando pelo ciberespaço, que se transformou no ponto de encontro de uma geração inteira, insatisfeita e envergonhada com os descaminhos promovidos por Bush Filho. E essa geração resolveu disputar com seus pais e avós o futuro da nação, usando a seu favor o arsenal democrático de comunicação surgido nos anos 90.

O site de Obama, por exemplo, é uma grande rede social, onde os eleitores trocam informações entre si. O candidato acompanha e usa isso em seu benefício. Nada de notícias ou informações de cima para baixo. O segredo é a interação permanente.

Seus assessores e apoiadores usam o You Tube (para vídeos), Twitter (para mensagens instantâneas), mantém comunidades em sites de relacionamento como Orkut, Facebook e MySpace, conversam diretamente com eleitores por mensageiros instantâneos, como Mesenger ou Google Talk. Tudo de legal que está disponível na rede não lhes é estranho.

Enquanto isso, em Pindorama…

Essa história, no entanto, não seria possível no Brasil, por causa do Tribunal Superior Eleitoral, órgão que disciplina o processo eleitoral no país. Em março, o TSE editou uma resolução, de número 22.718, assinada pelo ministro Ari Pargendler, para tratar de eleições e internet. Com ela, criou uma baita confusão. A norma tem vários pontos criticáveis. O principal deles é enquadrar a internet como mídia eletrônica de massa. Ou seja, como rádio ou televisão, coisa que ela não é nem nunca foi (para ficar só num aspecto, rádio e TV são concessões do Estado, site não).

Outro aspecto incompreensível da lei é o artigo que impõe a cada candidato a prefeito ou vereador o limite de ter um único site "de propaganda" na rede. A idéia dos magistrados seria garantir o "equilíbrio" na disputa eleitoral. Objetivo nobre, que corresponde ao que se espera dessa instituição da democracia brasileira. No entanto, com isso, conseguiram fazer justamente o contrário.

"O que a Justiça deveria garantir era a isonomia de espaço e o controle do poder econômico e estatal. Para tanto é necessário disciplinar o uso da TV, das rádios e da imprensa. Mas, esta isonomia de espaço existe na Internet. Os candidatos utilizando ferramentas gratuitas estão em maior equilíbrio", avalia o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, autor de vários livros sobre internet e cidadania e uma das primeiras vozes da rede a se levantar contra a legislação.

Lá atrás, quando a resolução foi publicada, alguns setores da sociedade protestaram. Outros, incrédulos, achavam que seria mais uma dessas "leis que não pegam". Mas ela pegou.

A primeira vítima do processo foi o candidato à prefeitura do Rio de Janeiro Fernando Gabeira (onde uma contra-resolução do Tribunal Regional Eleitoral tentou amenizar a decisão dos togados de Brasília e permitiu o uso do Orkut e do You Tube, por exemplo).

O ex-guerrilheiro, atual candidato pelo Partido Verde, entrou na disputa depois de um processo de mobilização inspirado pela "Conexão Obama". Futuros eleitores começaram a se organizar na internet e a criar comunidades, em sites de relacionamento e blogs. Um dos idealizadores dessa mobilização foi o blogueiro Pedro Dória, vencedor do Bob Awards como o melhor do Brasil em 2005.

No final de maio, o candidato Gabeira foi notificado pela justiça. Ou tirava do ar todas as "propagandas" indevidas ou corria o risco de ter sua candidatura cassada. Ele correu atrás de Dória, que retirou o banner que estava publicado em seu blog (www.pedrodoria.com.br) e colocou no lugar uma tarja: "censurado". Um processo de varredura teve início.

"Nenhum político paga por este banner. É uma declaração de voto pessoal de minha parte. O banner leva a um argumento pela sua candidatura. É o meu direito como cidadão de manifestar o que penso, qual o caminho que desejo para minha cidade. Ninguém deve ser punido porque exerci meu direito de cidadão em uma democracia de manifestar minha opinião", escreveu Dória no post em que informava sobre a ação da justiça.

Segue a disputa

Esse foi o estopim. A lista de casos, desde então, só fez se multiplicar e tende a aumentar ainda mais com o avanço do processo eleitoral.

No fim de julho, outros dois candidatos a prefeito de grandes cidades foram cerceados. De coloridos políticos completamente distintos, o tucano Geraldo Alckmin e a comunista Manuela D'ávila são dois bons exemplos do que a lei em vigor é capaz de promover.

No caso de Alckmin, o juiz Marco Antonio Martin Vargas, da 1º Zona Eleitoral de São Paulo, determinou que fossem retirados do ar vídeos publicados no You Tube que estavam referenciados em seu site.

Para se ter uma idéia do absurdo em comparação ao que ocorre atualmente nos Estados Unidos, foi justamente por meio do You Tube que muitos eleitores tomaram parte do processo de mobilização em torno da figura de Obama. Em especial, de um vídeo produzido pelo músico do Black Eyed Peas, Will.I.Am, com participação da atriz Scarlet Johanson, no qual eles transformam um "discurso" de Obama em uma "canção". Esse vídeo, em suas diferentes entradas no site de vídeos do Google, tem mais de 20 milhões de visualizações.

É certo que Alckmin e o senador americano não têm nada em comum. Mas os direitos dos eleitores de ambos os candidatos deveriam ser os mesmos.

Outra vítima dessa legislação anacrônica foi a jovem candidata Manuela D'ávila, jornalista de formação, que surgiu para a política justamente usando formas não convencionais de comunicação. Sua eleição para vereadora, quatro anos atrás, mobilizando jovens, a transformou num fenômeno eleitoral gaúcho.

Agora, ela é candidata do PCdoB à prefeitura de Porto Alegre e foi obrigada por liminar judicial a retirar do ar uma comunidade do Orkut e um vídeo do You Tube. A decisão foi tomada com base em uma representação feita pelo Ministério Público Eleitoral. A justiça, no entanto, dias depois, voltou atrás na decisão, embolando ainda mais o meio de campo desse processo.

Na avaliação de Amadeu, essa legislação brasileira foi elaborada para evitar que elementos sem chance no mundo dominado pelas empresas de comunicação passem a participar do jogo pelo poder. Ou seja, para evitar que uma história como a de Barack Obama ocorra por aqui.

"Repare que nenhum partido até agora fez um vigoroso protesto contra a Resolução do TSE. Por que? Porque o uso pleno da rede, da interatividade, do twitter, do youtube interessa somente se for para disseminar mensagens e não para interagir, para compartilhar. Pouca gente nas cúpulas partidárias brasileiras vêem com bons olhos a comunicação sem controle e o debate aberto", afirma.

* Rodrigo Savazoni é jornalista.

“Liberdade de expressão comercial”: 57 bilhões contra a cidadania

O professor Venício A. de Lima escreveu neste Observatório um vigoroso e irretocável artigo sobre a pretensão da auto-denominada indústria da comunicação de blindar aquilo que chama de "liberdade de expressão comercial". Sugiro a releitura dessa matéria ["Sobre a "liberdade de expressão comercial"] antes de passar ao parágrafo seguinte.

Uma "indústria de 57 bilhões de reais por ano", em que pontifica o conjunto das grandes agências de propaganda que atuam no Brasil (contam-se nos dedos as que não são multinacionais), defende a liberdade de dizer ao consumidor brasileiro o que deve consumir e que hábitos de consumo convém adotar. Quer colocar-se sob o mesmo guarda-chuva da liberdade de expressão democrática, tão cara à imprensa. E para conseguir isso não hesitará em aplicar o poder de convicção daqueles bilhões de reais/ano em tentativas de mudar a Constituição ou criar legislação favorável.

Liberdade de expressão comercial tem a ver com liberdade de comércio e as restrições a essa liberdade não têm nada a ver com censura à liberdade de expressão. A legislação municipal de São Paulo, por exemplo, que instituiu o programa Cidade Limpa, é medida civilizadora, de ordenação urbana, e nos protestos que gerou entre os empresários de outdoor não percebi alusões à ofensa a essa liberdade de expressão comercial.

Existem restrições

Passei boa parte da minha vida profissional criando anúncios e nunca senti tolhida a minha liberdade de criá-los, nem mesmo durante a ditadura. Ou melhor, o grande cerceamento a essa peculiar liberdade de expressão vinha do dono do dinheiro, o anunciante, que pagava o espaço em que eu exercia a minha "liberdade".

Tal como o deviam fazer todos os meus colegas de profissão bem-sucedidos, habituei-me a censurar a mim mesmo, a só dizer aquilo que convinha (ao anunciante), aquilo que poderia "motivar" o público-alvo. E tratava de dizê-lo de modo amável, sem chocar ninguém, criando peças pasteurizadas, porém atraentes, que também fossem palatáveis ao dono do negócio, à agência. Deixei de receber aumentos de salário quando ousei criar campanhas que a agência nem ousou apresentar ao anunciante.

Eu tinha toda a liberdade de fazer anúncio de qualquer produto – bebida, chiclete, sabão, pneu, dentifrício, liquidificador e fortificante. Era só o patrão mandar e eu fazia. Pedro Mourão, então meu chefe, recusou-se a fazer um anúncio para rádios Telespark, alegando, por preguiça ou convicção, que rádio não era mais um produto anunciável. Foi despedido e eu fiz o anúncio.

Se então me fosse confiada a tarefa de criar uma campanha para difundir o consumo de, digamos, uma marca de maconha, devidamente legalizada, tenho a certeza de que a cabeça de publicitário que então pairava sobre meus ombros conceberia uma campanha brilhante, candidata aos "leões" de Cannes. E se o cliente aplicasse na mídia uma verba suficiente, nem de longe parecida com os atuais 57 bilhões de reais da indústria, a maioria dos brasileiros seria convertida em felizes viciados. Hoje isso já não seria possível, pois existem, sim, restrições à liberdade de expressão comercial.

Medida "severa e excessiva"

Ao reivindicar liberdade de expressão comercial, a indústria da comunicação não pretende conservar ou ampliar a liberdade a que me referi, a liberdade de criação das agências. Ela busca, na verdade, garantir liberdade de ação aos interesses dos que gastam 57 bilhões reais para consolidar, multiplicar e se "posicionar" nos mercados. O inimigo a abater é, então, o poder público que, em suas várias instâncias, pretende proteger o cidadão que existe dentro desses mercados e é às vezes vítima das investidas publicitárias contra sua saúde, bolso, cultura ou integridade.

A indústria instituiu o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) para coibir abusos, praticando a auto-regulamentação, e o considera bastante. Em seu artigo,. Venício Lima dá um expressivo exemplo de deficiência dessa auto-regulamentação e de descumprimento da lei.

A resistência a normas e regulamentos que restringem a expressão publicitária não é monopólio nacional. Veja só o que acontece na civilizada Europa. A Comissão Européia pretende obrigar a indústria automobilística a reservar 20% do espaço de cada anúncio de carro para que o possível comprador seja informado sobre a quantidade de dióxido de carbono que aquele modelo despeja na atmosfera. Trata-se de mais uma etapa de uma ofensiva continental para diminuir as emissões de CO2.

Segundo o El País (23/7), os automóveis respondem na Europa por 12% dessas emissões. Entretanto, a indústria automobilística se opõe à medida. Para Fernando Acebrón, diretor da Associação Espanhola de Fabricantes de Automóveis, a imposição é "muito severa e excessiva". Disse textualmente: "Limita a capacidade criativa e a liberdade do anúncio, que não deve estar centrado em informar, e sim em ser atraente".

Ofensiva ecológica

De acordo com o jornal, a indústria que mais gasta em propaganda na Espanha é a automobilística: 913 milhões de euros em 2007. Por isso, os anunciantes também estão inquietos com as intenções do governo europeu. "Regulamentar a publicidade não irá solucionar o problema", afirma Carlos Lema, assessor jurídico da Associação Espanhola de Anunciantes. "Só vai tornar os anúncios mais caros." E acrescenta: "Até agora, a indústria demonstrou um comportamento responsável, obedecendo a uma férrea auto-regulamentação".

Mais cândida no repúdio à obrigação de informar nos anúncios a quantidade de CO2 emitida pelos carros, outra corporação, a Associação dos Construtores Espanhóis de Automóveis, declara que "corre-se o risco de desmotivar os compradores de veículos. Além disso, a publicidade é uma importante fonte de receita para a mídia e um dos pilares da liberdade de imprensa".

O consumidor espanhol, que não é bobo, não esperou os anúncios com a "atraente" informação sobre a quantidade de CO2 emitida pelos carros. Desde janeiro, os únicos carros que registraram aumento de vendas (32%!) são aqueles que emitem menos de 120 g/km.Todos os demais tiveram queda de vendas. Os carrões e os 4×4 venderam 44% menos. A razão foi menos o amor à natureza e mais o amor ao bolso: também desde janeiro os carros menos poluidores gozam de isenção do Impuesto de Imatriculación, equivalente ao nosso IPVA.

Não sei se Venício Lima e eu estamos gastando demasiada tinta com este assunto. A indústria da comunicação não será tão retrógrada, tão reacionária, diante dos ainda tímidos avanços civilizatórios que vêm acontecendo no nosso país. E, a propósito de gastar tinta, tenho conhecimento de que o próximo lance da União Européia na sua ofensiva ecológica será compelir todos os produtos de consumo a estamparem nos seus rótulos a quantidade de poluentes liberados no seu ciclo de produção. Cosméticos, refrigerantes, alimentos industrializados e tudo mais, inclusive os cartuchos de tinta, deverão informar ao consumidor qual é o lixo criado por eles desde a matéria-prima até o descarte dos resíduos finais. E as indústrias parecem estar de acordo.

* Carlos H. Knapp é comunicólogo.

OMC, Doha e a Comunicação

Muito se tem escrito sobre o recente fracasso da Rodada de Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC). Quase todas as análises dedicam-se a saber se o Brasil agiu certo ou não ao romper com o G-20 (grupo de países ditos “em desenvolvimento”, integrado por, entre outros, Índia, China, África do Sul, Egito, Argentina, México, Turquia, Venezuela e Nigéria) e aceitar a tímida proposta norte-americana de redução de subsídios agrícolas. Com certeza, a ação brasileira foi uma surpresa por contrariar a política do governo Lula nos últimos 5 anos e deixará seqüelas entre os antigos aliados. Pior ainda foi ter que sair de mãos abanando ao ver a rodada fracassar.

Mas o que pouco se discute é sobre a correção ou não da pauta brasileira na mesa de negociações. Antes de saber se a estratégia adotada foi a mais correta, cabe indagar se o Brasil está defendendo os temas corretos.

Se é verdade que, até esta recente negociação, o governo Lula vinha se portando de uma maneira menos subordinada ao interesse das grandes potências do que o governo FHC, também é fato que a pauta brasileira continua marcada por dois traços que se somam.

Por um lado, trata-se de diminuir as barreiras às exportações do agronegócio nacional, cada vez mais controlado pelos investimentos do setor financeiro. Ao fortalecer o agronegócio exportador o governo Lula consegue, de uma só vez, prejudicar a agricultura familiar, aumentar o êxodo rural e incentivar o desmatamento.

De outro lado, o governo Lula oferece como contrapartida a abertura do mercado interno na indústria e no setor de serviços. Essa pauta atende aos interesses de amplos setores da burguesia nacional, que se organizam como representantes locais de interesses transnacionais. Para estes setores, quanto maior a abertura da economia nacional, maiores as chances de operarem localmente em associação com seus sócios estrangeiros.

Esta abertura indiscriminada fica evidente no relatório do chairman da negociação, Fernando de Mateo, citado em nota crítica divulgada por várias entidades brasileiras (disponível no site da Rebrip ): “there shall be no a priori exclusion of any service sector or mode of supply. Respecting the existing structure and principles of the GATS, Members shall, to the maximum extent possible, respond to the bilateral and plurilateral requests by offering deeper and/or wider commitments”. ("Não haverá nenhuma exclusão a priori de qualquer setor de serviço ou modos de prestação de serviços. Em respeito à atual estrutura e aos princípios do GATS [tratado sobre o comércio de serviços], os países-membros devem responder às demandas bilaterais ou plurilaterais fazendo, até o máximo possível, ofertas mais profundas e/ou extensas." – em tradução livre)

O mais trágico é que o governo Lula oferece, em troca das exportações do agronegócio, justamente os setores mais dinâmicos e lucrativos da economia contemporânea. No campo específico da comunicação, um eventual sucesso da Rodada de Doha poderia ter três impactos diretos.

Micro-eletrônica e softwares

Com anos de atraso, o governo anuncia que, em 2009, a primeira foundry da América Latina, o Ceitec, estará pronta. Foundries são as complexas fábricas que confeccionam chips.

Mas, de que adianta esse esforço se a política industrial (www.desenvolvimento.gov.br/pdp) não prevê nenhum destaque para a produção nacional de micro-eletrônica? A implantação da TV digital e a prevista compra da Brasil Telecom pela Oi, por exemplo, seriam duas grandes oportunidades para o governo usar a força do mercado interno como alavancadora da produção de chips.

Para piorar, uma foundry depende dos serviços realizados pelas empresas que fazem o design dos chips. E é justamante o setor de serviços que o governo oferece em troca do sucesso do agronegócio exportador. Assim, um eventual sucesso da Rodada de Doha teria servido para liquidar as chances de uma política de incentivos à nascente indústria nacional de semi-condutores.

E apenas em 2007, o Brasil pagou a outros países R$ 3,4 bilhões por conta do seu consumo de chips importados.

Pelo mesmo raciocínio, uma liberação do setor de serviços deixaria o país vulnerável à um pedido de abertura de painel na OMC se o governo resolvesse estimular a indústria nacional de softwares, usando, por exemplo, seu próprio poder de compra.

Audiovisual

Enquanto perduram os impasses na OMC, principalmente os Estados Unidos têm usado a força de sua economia para forçar a assinatura de acordos bilaterais. Uma análise mais detalhada destes acordos permite constatar qual a verdadeira pauta norte-americana, que nem sempre aparece tão nitidamente em um cenário multilateral.

Em todos os acordos bilaterais um dos itens de maior destaque é a liberação do setor audiovisual. Com isso, o país em questão perde a possibilidade de impor cotas de tela, investir recursos do Estado ou estimular a renúncia fiscal para a produção, distribuição e exibição de conteúdos nacionais. Ora, sem estes três elementos, praticamente nenhum filme brasileiro teria sido feito desde 2003 (o ano da “retomada”).

Propriedade intelectual

Mais uma prova das contradições da política externa brasileira é perceber que o país é o mais importante signatário da chamada “Agenda para o desenvolvimento”, na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), e, ao mesmo tempo, permite que a Rodada de Doha da OMC coloque na pauta a revisão do TRIPS (Acordo sobre Medidas de Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio), que pode significar pressões ainda maiores para a criminalização do peer-to-peer e para a liberação do uso do DRM (duas das principais bandeiras de Hollywood e da indústria fonográfica).

Com a pauta do governo Lula simultaneamente subordinada ao agronegócio exportador e à indústria de ponta transnacional, o fracasso da Rodada de Doha acabou sendo um bom negócio para a maioria dos brasileiros. Em relação ao direito humano à comunicação, os estragos de um eventual “sucesso” de Doha seriam consideráveis.

Portanto, não cabe apenas uma reavaliação da estratégia adotada nas negociações, mas, principalmente, uma profunda discussão sobre a pauta brasileira e quem ganha e quem perde com ela.

* Gustavo Gindre é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, coordenador acadêmico do Nupef/RITS e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr).