Eleições e Internet: Obama lá e nós aqui

Há um ano, Barack Obama era apenas um senador em primeiro mandato, negro e jovem, que aspirava concorrer à vaga de candidato a presidente da maior potência do planeta pelo partido democrata. Seus adversários, muito mais poderosos, como o senador John Edwards e a senadora Hillary Clinton, não o colocariam como principal adversário. Para compensar essa diferença, Obama investiu em um discurso enfático de mudança, baseado no bordão "Sim! Nós Podemos!" (Yes, We can!) e na rede mundial de computadores. Por isso, venceu as prévias, e agora enfrenta o republicando John McCain para chegar à Casa Branca.

Obama já é o exemplo mais bem-sucedido de uso da internet para fins político-eleitorais. Em "A Conexão Obama", artigo publicado no The New York Times de 26 de maio, o analista Roger Cohen explica esse fenômeno: "É a rede, estúpido!". A frase é uma adaptação livre da citação de James Carville, papa do marketing político que trabalhou na campanha de Bill Clinton e cunhou a expressão "É a economia, estúpido!", norteadora da estratégia bem-sucedida que resultou na vitória de Clinton sobre Bush pai. Obama é sedutor, um grande orador, um sujeito com uma trajetória irrepreensível. Não fosse a internet, porém, ele nada seria.

Para sustentar a tese, Cohen reproduz dados citados por Joshua Green, na The Atlantic. Obama teve 1.276.000 doadores em sua campanha, 750.000 voluntários ativos e 8.000 grupos de afinidade. "Em fevereiro, quando a campanha arrecadou 55 milhões de dólares (45 milhões via Internet), 94% das doações apresentaram valores menores que 200 dólares". São números sem precedentes na história humana. Para efeito de comparação, a planilha de doações do presidente Lula na última eleição, incluindo pessoas físicas, jurídicas, comitês regionais, entre outros itens, tem 1.599 itens. No processo, o Partido dos Trabalhadores (PT) arrecadou R$ 81 milhões.

Como um vírus, o candidato foi se espalhando pelo ciberespaço, que se transformou no ponto de encontro de uma geração inteira, insatisfeita e envergonhada com os descaminhos promovidos por Bush Filho. E essa geração resolveu disputar com seus pais e avós o futuro da nação, usando a seu favor o arsenal democrático de comunicação surgido nos anos 90.

O site de Obama, por exemplo, é uma grande rede social, onde os eleitores trocam informações entre si. O candidato acompanha e usa isso em seu benefício. Nada de notícias ou informações de cima para baixo. O segredo é a interação permanente.

Seus assessores e apoiadores usam o You Tube (para vídeos), Twitter (para mensagens instantâneas), mantém comunidades em sites de relacionamento como Orkut, Facebook e MySpace, conversam diretamente com eleitores por mensageiros instantâneos, como Mesenger ou Google Talk. Tudo de legal que está disponível na rede não lhes é estranho.

Enquanto isso, em Pindorama…

Essa história, no entanto, não seria possível no Brasil, por causa do Tribunal Superior Eleitoral, órgão que disciplina o processo eleitoral no país. Em março, o TSE editou uma resolução, de número 22.718, assinada pelo ministro Ari Pargendler, para tratar de eleições e internet. Com ela, criou uma baita confusão. A norma tem vários pontos criticáveis. O principal deles é enquadrar a internet como mídia eletrônica de massa. Ou seja, como rádio ou televisão, coisa que ela não é nem nunca foi (para ficar só num aspecto, rádio e TV são concessões do Estado, site não).

Outro aspecto incompreensível da lei é o artigo que impõe a cada candidato a prefeito ou vereador o limite de ter um único site "de propaganda" na rede. A idéia dos magistrados seria garantir o "equilíbrio" na disputa eleitoral. Objetivo nobre, que corresponde ao que se espera dessa instituição da democracia brasileira. No entanto, com isso, conseguiram fazer justamente o contrário.

"O que a Justiça deveria garantir era a isonomia de espaço e o controle do poder econômico e estatal. Para tanto é necessário disciplinar o uso da TV, das rádios e da imprensa. Mas, esta isonomia de espaço existe na Internet. Os candidatos utilizando ferramentas gratuitas estão em maior equilíbrio", avalia o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, autor de vários livros sobre internet e cidadania e uma das primeiras vozes da rede a se levantar contra a legislação.

Lá atrás, quando a resolução foi publicada, alguns setores da sociedade protestaram. Outros, incrédulos, achavam que seria mais uma dessas "leis que não pegam". Mas ela pegou.

A primeira vítima do processo foi o candidato à prefeitura do Rio de Janeiro Fernando Gabeira (onde uma contra-resolução do Tribunal Regional Eleitoral tentou amenizar a decisão dos togados de Brasília e permitiu o uso do Orkut e do You Tube, por exemplo).

O ex-guerrilheiro, atual candidato pelo Partido Verde, entrou na disputa depois de um processo de mobilização inspirado pela "Conexão Obama". Futuros eleitores começaram a se organizar na internet e a criar comunidades, em sites de relacionamento e blogs. Um dos idealizadores dessa mobilização foi o blogueiro Pedro Dória, vencedor do Bob Awards como o melhor do Brasil em 2005.

No final de maio, o candidato Gabeira foi notificado pela justiça. Ou tirava do ar todas as "propagandas" indevidas ou corria o risco de ter sua candidatura cassada. Ele correu atrás de Dória, que retirou o banner que estava publicado em seu blog (www.pedrodoria.com.br) e colocou no lugar uma tarja: "censurado". Um processo de varredura teve início.

"Nenhum político paga por este banner. É uma declaração de voto pessoal de minha parte. O banner leva a um argumento pela sua candidatura. É o meu direito como cidadão de manifestar o que penso, qual o caminho que desejo para minha cidade. Ninguém deve ser punido porque exerci meu direito de cidadão em uma democracia de manifestar minha opinião", escreveu Dória no post em que informava sobre a ação da justiça.

Segue a disputa

Esse foi o estopim. A lista de casos, desde então, só fez se multiplicar e tende a aumentar ainda mais com o avanço do processo eleitoral.

No fim de julho, outros dois candidatos a prefeito de grandes cidades foram cerceados. De coloridos políticos completamente distintos, o tucano Geraldo Alckmin e a comunista Manuela D'ávila são dois bons exemplos do que a lei em vigor é capaz de promover.

No caso de Alckmin, o juiz Marco Antonio Martin Vargas, da 1º Zona Eleitoral de São Paulo, determinou que fossem retirados do ar vídeos publicados no You Tube que estavam referenciados em seu site.

Para se ter uma idéia do absurdo em comparação ao que ocorre atualmente nos Estados Unidos, foi justamente por meio do You Tube que muitos eleitores tomaram parte do processo de mobilização em torno da figura de Obama. Em especial, de um vídeo produzido pelo músico do Black Eyed Peas, Will.I.Am, com participação da atriz Scarlet Johanson, no qual eles transformam um "discurso" de Obama em uma "canção". Esse vídeo, em suas diferentes entradas no site de vídeos do Google, tem mais de 20 milhões de visualizações.

É certo que Alckmin e o senador americano não têm nada em comum. Mas os direitos dos eleitores de ambos os candidatos deveriam ser os mesmos.

Outra vítima dessa legislação anacrônica foi a jovem candidata Manuela D'ávila, jornalista de formação, que surgiu para a política justamente usando formas não convencionais de comunicação. Sua eleição para vereadora, quatro anos atrás, mobilizando jovens, a transformou num fenômeno eleitoral gaúcho.

Agora, ela é candidata do PCdoB à prefeitura de Porto Alegre e foi obrigada por liminar judicial a retirar do ar uma comunidade do Orkut e um vídeo do You Tube. A decisão foi tomada com base em uma representação feita pelo Ministério Público Eleitoral. A justiça, no entanto, dias depois, voltou atrás na decisão, embolando ainda mais o meio de campo desse processo.

Na avaliação de Amadeu, essa legislação brasileira foi elaborada para evitar que elementos sem chance no mundo dominado pelas empresas de comunicação passem a participar do jogo pelo poder. Ou seja, para evitar que uma história como a de Barack Obama ocorra por aqui.

"Repare que nenhum partido até agora fez um vigoroso protesto contra a Resolução do TSE. Por que? Porque o uso pleno da rede, da interatividade, do twitter, do youtube interessa somente se for para disseminar mensagens e não para interagir, para compartilhar. Pouca gente nas cúpulas partidárias brasileiras vêem com bons olhos a comunicação sem controle e o debate aberto", afirma.

* Rodrigo Savazoni é jornalista.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *