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A Bahia na trincheira

Padre Adenilton não era profeta. Mas percebeu que aquela menina tinha talento para a comunicação. Incentivada pelo padre, aos nove anos, Gislene Moreira começou a trabalhar em uma rádio comunitária na cidade baiana de Rui Barbosa, distante 300 quilômetros de Salvador, e não parou mais. Filha de camponeses e relações públicas por formação, Gislene era coordenadora de articulação da ONG Cipó – Comunicação Interativa e agora está no México, onde cursa o doutorado. Gil, como é conhecida, participou do grupo de trabalho que organizou a I Conferência de Comunicação Social da Bahia, realizada em agosto passado.

A Conferência teve como objetivo promover o direito humano à comunicação e já se tornou um marco histórico. A Bahia, que teve um papel importante na consolidação da independência do Brasil – quando expulsou os portugueses de Salvador, em 2 de julho de 1823 –, agora se destaca com a Conferência de Comunicação, a primeira do gênero realizada no Brasil, uma importante contribuição para a democratização da comunicação em nosso país.

Na Bahia, assim como em outros estados brasileiros, o coronelismo sempre dominou os meios de comunicação. “É preciso muita coragem para enfrentar os 500 anos de dominação da nossa história, que hoje se traduz na dominação dos meios de comunicação”, destacou Gil Moreira na abertura da Conferência.

Pouco tempo atrás, seria impensável fazer o que o governo da Bahia e a sociedade civil fizeram. Uma ampla e democrática conferência para discutir políticas públicas e democratização da comunicação. Nunca houve diversidade nos meios de comunicação da Bahia. Uma única e poderosa voz determinava o que os baianos liam e assistiam nos meios de comunicação.

Falecido há pouco mais de um ano, o ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães – mais conhecido como ACM – comandava essa voz. Amigo próximo do empresário Roberto Marinho (Organizações Globo), controlava um império de comunicação que incluía seis geradoras e 311 retransmissoras de TV (todas afiliadas da TV Globo), além de rádios, jornais e uma operadora de TV paga.

A eleição do governador Jaques Wagner (em 2006) foi a maior derrota política de ACM e a realização da Conferência de Comunicação representa mais um revés para os poderosos coronéis midiáticos, que insistem em tentar manter a comunicação sob a tutela de seus interesses e, assim, se perpetuar no poder.

“A democracia brasileira não será completa se não cumprirmos a etapa da democratização da área de comunicação”, advertiu o secretário de Comunicação da Bahia, Robinson Almeida, coordenador-geral da Conferência. “O estado tinha que dar sua contribuição e demonstrar para o Brasil que é possível fazer um debate democrático sobre comunicação”, concluiu.

Segundo o governo da Bahia, mais de 2.500 pessoas, das várias regiões do estado, se mobilizaram e participaram das oito plenárias preparatórias, realizadas de Eunápolis (no Sul do estado) a Juazeiro (no Norte). Nessas reuniões, foram eleitos os 300 delegados que participaram do evento em Salvador.

Os baianos demonstraram grande capacidade de mobilização e de comprometimento com a Conferência, que não se esvaziou ao longo dos três dias de trabalho. O calor dos debates deixou claro que a sociedade brasileira deseja mudanças urgentes na comunicação e quer participar das decisões sobre as políticas públicas do setor.

“As empresas de comunicação defendem a democracia e a liberdade de expressão, mas não admitem uma diversidade maior. Os meios de comunicação debatem tudo, menos a realidade deles próprios”, reflete Carlos Tibúrcio, assessor especial da Presidência da República, que representou o governo federal no evento. “Eu espero que [a Conferência] se reproduza pelos 26 estados da federação e pelo Distrito Federal para que consigamos, de fato, dar um passo significativo nesse processo de consolidação da democracia no país”, acrescentou Tibúrcio. O secretário Almeida completou: “É possível fazer uma conferência estadual e é possível fazer uma conferência nacional”.

Formada em 2007, a Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação reúne mais de 20 entidades da sociedade civil organizada e tem como objetivo mobilizar a sociedade e pressionar o governo federal para convocar uma conferência nacional a ser realizada em 2009.

Apesar de a comissão já ter apresentado a proposta para os ministros Luis Dulci, Franklin Martins e Hélio Costa, ainda não há sinal de que o governo pretenda atender essa demanda. Apoiado em conceitos absurdos como a liberdade de expressão comercial, o lobby dos controladores da mídia – representado pelos 198 deputados e 38 senadores da Frente Parlamentar da Comunicação Social – tem conseguido evitar o debate e retardar a convocação da conferência. Seria muito útil se os empresários do setor praticassem a responsabilidade social empresarial e se dispusessem a debater as questões da comunicação com a sociedade.

A Comissão Pró-Conferência participou ativamente do evento. “O evento demonstra ao governo Lula, em especial ao Ministério das Comunicações, que a nação brasileira quer e exige a realização da conferência nacional, para poder discutir políticas públicas de uma comunicação inclusiva que represente as diversidades brasileiras”, afirmou José Sóter, coordenador executivo da Abraço Nacional – Associação Brasileira das Rádios Comunitárias – entidade integrante da Comissão.

A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) também participou do evento em Salvador. “Pelo peso que tem a Bahia, essa Conferência vai ter impacto político junto ao governo federal para que se consiga a Conferência Nacional de Comunicação. Nós temos que ir ao presidente Lula”, clamou a deputada. Erundina integra a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, espaço onde os interesses das empresas de comunicação sempre falaram mais alto do que os interesses da sociedade.

Atualmente, a CCTCI é presidida pelo deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que demonstra estar alinhado às reivindicações da sociedade e defende a urgência da convocação da conferência nacional. “Nós queremos a conferência para discutir o uso da comunicação como ferramenta de democratização”, afirmou Pinheiro em entrevista para o Observatório do Direito à Comunicação.

No documento final do evento, a Carta da Bahia, há um destaque para o controle social da mídia. A plenária propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação, cobra ações do governo para a universalização do acesso à internet banda larga e entende que é essencial o fortalecimento da comunicação comunitária (rádios e TVs) no estado.

“Se nos for garantido o direito à comunicação, iremos assim quebrando paulatinamente os monopólios das minorias privilegiadas sobre os meios de comunicação social de massa e combatendo os impérios oligárquicos regionais vinculados à propriedade privada sobre a terra e os meios de produção”, prega o documento. Mais um importante passo foi dado para a democratização da comunicação no Brasil.

Em Manaus: E o censor se desfez em lágrimas…

A afirmação acima mais parece o trecho de uma peça literária que nos remete aos períodos obscuros da ditadura militar brasileira. Seria uma comovente cena em que um dos "homens-dedo" se dá conta de seu verdadeiro papel na trama e busca sua própria redenção? Não, não se trata disso. A afirmação acima se refere a um fato real e, diga-se de passagem, grotesco, pobre e digno das interpretações cênicas dos tele-dramas mexicanos de quinta categoria. O fato a que me refiro descreve exatamente o que aconteceu no início da tarde do último dia 25 de setembro, em rede regional de televisão.

O personagem principal – não o único – da trama chama-se Eduardo Braga (PMDB), governador do Amazonas, que, diante das câmeras da TV A Crítica (mais recente afiliada da emissora do bispo), se derramou em lágrimas quando de sua "oportunidade de defesa" junto à população amazonense em relação a certo "dossiê" que andou circulando nas caixas de e-mail dos poucos que têm acesso à internet por estas bandas (indicadores de 2006 do Cetic apontam que apenas 6,15% das pessoas têm acesso à grande rede em toda a região Norte). "Em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade", já diziam. E é isso o que o Amazonas – e, sobretudo Manaus, a capital do estado – vive nesse momento.

Não se trata de uma guerra declarada, armada e com lados definidos. O que se vê por aqui pode ser taxado de "guerra midiática", sendo os veículos de comunicação da imprensa baré os grandes escudos de infantaria dos exércitos comandados, em cada lado, por generais sem nome. Aliás, não uma guerra. Sejamos precisos: guerrilha. As estratégias não são convencionais. Ou são? Perdoem a confusão nos termos, mas a esta altura já não sei dizer se o uso de rádios, TVs e impressos por parte de políticos com sérias pretensões de poder ainda pode ser encarada como "estratégia não convencional".

Antes de ir direto ao assunto, permitam-se uma breve contextualização.

Factóides "plantados?"

Vamos aos fatos. Estamos em reta final da campanha municipal e, há algum tempo, o jornal Amazonas Em Tempo, que até pouco tempo atrás estava prestes a falir, passou a usar suas capas matinais e agora bem desenhadas e enfeitadas para, supostamente, denunciar o que seriam mentiras de campanha do então prefeito e candidato à reeleição Serafim Correa (PSB). São coisas do tipo: "a verdade sobre isso", "a verdade sobre aquilo". Tudo muito bem escrito por jornalistas sem nome e devidamente acompanhados de artigos, editoriais e charges. Ou seja, toda a máquina "jornalística" do Em Tempo está debruçada sobre o que Otávio Raman, empresário dono do veículo (assim como da retransmissora local Rádio Transamérica Hits e da TV Manauara, repetidora do SBT em Manaus), acredita ser uma cruzada santa para "desmentir" o que o atual prefeito chama de "realizações da administração".

Isso poderia ser considerado apenas como "oposição ideológica" do jornal, não fosse sua postura tão afinada com um segundo candidato à prefeitura manauense, Omar Aziz (PMN), que não por acaso é vice-governador de Braga e, portanto, o protegido "número um" da máquina administrativa do Estado. Para quem não lembra ou não sabe, o Omar Aziz deste artigo é o mesmo Omar Aziz que ficou conhecido nacionalmente por pressionar parlamentares da Assembléia Legislativa do Amazonas a aprovar, na calada da noite, uma emenda constitucional que lhe garantiria aposentadoria vitalícia por apenas quatro anos de trabalho. Quando o caso foi divulgado (em notinhas) pelo jornal A Crítica, Omar logo tratou de usar de suas "boas relações" com a mídia e buscou abafar o caso. Só não obteve êxito completo porque foi grampeado pela Polícia Federal, que fazia a investigação de outro caso. O Em Tempo, vale ressaltar, parece ter esquecido de tudo.

Para se ter uma idéia do que hoje se tornou o Amazonas Em Tempo, basta refletir sobre a presença de um capitão da Polícia Militar no cargo de diretor-executivo do jornal (quaisquer semelhanças com peças literárias que nos remetem aos períodos obscuros da ditadura militar brasileira são apenas mera coincidência). Não seria óbvio imaginar que factóides pré-fabricados com objetivos específicos seriam "plantados" no jornal? Pois bem, isto parece ter acontecido também. Há poucos dias, o jornalista Mário Adolfo, que há anos trabalhou no referido jornal, teve um pequeno desentendimento com o editor, a chefe de reportagem e o PM. Em entrevista concedida ao meu blog, ele mesmo afirmou que passou anos para construir seu nome, e que não iria "pôr tudo a perder por causa de vinte dias de campanha".

Silêncio "estratégico?"

Mas nem tudo parece perdido neste circo da notícia. O jornal Diário do Amazonas, por sua vez, permanece irredutível em sua postura de enfrentar corajosamente o governo Braga. São capas e capas diárias com escândalos, denúncias, transcrições de gravações e "cópias" de documentos que atestam Eduardo Braga disso e daquilo. Apesar de tudo, tal posição é de desconfiar também. E muito. Qual a explicação mais plausível e sensata possível para que o vice-presidente do Diário, Cirilo Anunciação, e o ilustre senador tucano Arthur Virgílio Neto (PSDB) apareçam à 1h30 da manhã na casa de Omar Aziz – candidato a prefeito apoiado por Braga e que por sua vez é alvo predileto do jornal – portando um disco DVD com certo dossiê que acusa o governador de corrupção?

Omar disse que não houve tentativa alguma de extorsão. Arthur Virgílio e Cirilo Anunciação também garantiram isso. Seria discurso afinado? Seria silêncio "estratégico" para as próximas jogadas? O que há de fato por trás de toda esta estranha história? Talvez as próximas capas "espetaculosas" do Diário do Amazonas nos dêem algumas pistas. O mesmo do reacionário Em Tempo.

Acusações sérias e agressivas

Voltando ao dossiê enviado por e-mail para menos (bem menos) de 6,15% de toda a população da região Norte.

Tudo começou há cerca de um mês. Certo e-mail, supostamente assinado por Alexandre Fleming Neves de Melo, começou a circular nos correios eletrônicos de algumas pessoas na cidade de Manaus (eu mesmo recebi este spam umas três vezes). O conteúdo, bem hilário. Para ser sucinto, tudo não passa de insultos e "apelidos" nada amistosos a todos os candidatos a prefeito de Manaus e mais o governador do Estado: Serafim Correa (PSB), Francisco Praciano (PT), Ricardo Bessa (PSOL), Luiz Navarro (PCB), Amazonino Mendes (PTB) e Omar Aziz (PMN).

Com exceção de Braga, o governador, nenhuma das potenciais vítimas da mensagem se manifestou, pelo menos não publicamente. Já o governador, em uma atitude que já se tornou típica, conclamou uma coletiva de imprensa na manhã no dia 24 de setembro (o Diário do Amazonas, misteriosamente, não foi chamado) e, em tom dramático e com direito a vistosas lágrimas, leu a mensagem e as ofensas contra si, sua esposa (que estava ao seu lado) e sua filhas. Desnecessário? Sim. Inapropriado? Certamente. Inoportuno? Absolutamente!

Ora, o príncipe maquiavélico das terras das amazonas deve ter ficado realmente ofendido. Afinal, são acusações sérias e agressivas. Entretanto, não há nada ali que um "bom político" como Braga não possa usar em seu favor e em benefício eleitoral de seu candidato, Omar Aziz. E não demorou a que Braga se aproveitasse desse "presente".

Teriam mudado de idéia?

No dia seguinte, a Rede Calderaro de Comunicação – TV A Crítica e jornal A Crítica – abriram um espaço formidável para que o governador "respondesse" às acusações. Dessa forma, o ofendido governador pôde, diante das câmeras, usar todo o seu latim para fazer estardalhaço maior do que o do dia anterior e mais: "olho a olho", como ele mesmo fez questão de dizer, prometeu diante de todos que o "verdadeiro responsável pelo e-mail logo será descoberto". A pergunta que não quer calar agora é: e depois?

Não dá para negar, portanto, que Braga não seja inteligente. Longe disso. A inteligência dos censores da imprensa de hoje é maior – e muito – dos da época da ditadura. Além de ter a seus pés o Amazonas Em Tempo, Braga conseguiu o que, para os mais céticos, seria bem difícil: um espaço muito bem aproveitado em um programa da Rede Calderaro de Comunicação. Por que difícil? Porque foi exatamente esta emissora que, em 2006, foi literalmente fechada (censurada) pelo governador durante 24 horas, durante sua campanha à reeleição em resposta às críticas a sua administração.

E hoje? O que houve com a oposição declarada do grupo de comunicação que hoje abre espaço irrestrito para o "pobre e ofendido" governador? Eles teriam mudado de idéia? Não. Não sem razões, digamos concretas.

E mais uma vez, a meretriz vende seu corpo. Alguém já imagina o nome do cafetão?

* Mário Bentes é estudante do 6º período de Jornalismo em Manaus.

Mídia e Política: Um oceano de picuinhas

A imprensa brasileira está frangando uma excelente oportunidade para enriquecer o debate sobre o momento político e econômico por que passa o Brasil. Com o presidente da República surfando as ondas da popularidade e seu governo praticamente blindado por altíssimo índice de aprovação, esta é uma boa hora para colocar sobre a mesa uma boa análise sobre o projeto de desenvolvimento proposto para o país. Especialmente na circunstância em que uma grave crise financeira abala o resto do mundo, enquanto os brasileiros parecem imunes a ela. Ninguém haverá de dizer que a mídia estaria colocando sob risco a governabilidade ou torcendo para que as coisas não dêem certo.

Sempre há quem diga que imprensa é oposição ou é diário oficial. Essa assertiva precisa ser melhor digerida. Imprensa é oposição, sim, mas não necessariamente a governos. Em um estado de plenas liberdades democráticas, faz mais sentido entender a imprensa como uma reserva de pensamento crítico a respeito de sistemas e políticas públicas. Então, seria sensato imaginá-la numa atitude de vigilância em torno das ações que os poderes do Estado e seus protagonistas praticam em relação à sociedade. Em todas as instâncias do poder.

Mas não é isso que se vê. Certos vícios de edição ainda fazem supor que jornais e revistas, em especial, aceitam a idéia de que o atual governo é vitorioso no essencial, mas não perdem oportunidade para manifestar seu desagrado pela figura do presidente da República. Esse cacoete ficou claro nos comentários irônicos em torno da frase do presidente Lula, segundo o qual a crise não iria "cruzar o Atlântico". Ora, se há um oceano entre Washington e a costa brasileira, esse oceano se chama Atlântico.

Educação é tarefa da sociedade

Bobagens como essa denunciam a má-vontade geral, principalmente se se considerar que muitos outros representantes dos poderes da República, parlamentares e presidentes de empresas importantes costumam destroncar o vernáculo, sem que os jornalistas se disponham a usar contra eles a mesma dose de ironia. De certa forma, picuinhas como essa impedem que a imprensa enxergue os verdadeiros problemas que o atual governo está criando para o país. A alta popularidade e os elevados índices de aprovação que fazem a alegria do atual ocupante do Palácio do Planalto não são garantias de que sua estratégia de crescimento venha a produzir o desenvolvimento no longo prazo.

As importantes conquistas sociais ainda convivem com baixíssimos índices de escolaridade e literalidade de adolescentes e jovens, o que pode estar denunciando a constituição de uma geração de brasileiros inabilitados para tarefas complexas. Para evitar controvérsias com os lingüistas, literalidade, aqui, vai no sentido dado por Dante Alighieri, ou seja, como o significado descritivo e mais óbvio da palavra ou de um texto. A imprensa adora reproduzir absurdos que aparecem em provas escolares e vestibulares, para demonstrar a baixa qualidade do ensino, como se não tivesse nada a ver com isso. Todos têm a ver com isso, e especialmente a imprensa, porque a educação não é tarefa do Estado, exclusivamente, mas de toda a sociedade.

Correções no curso do desenvolvimento

Da mesma forma, os excelentes indicadores da economia também não são uma garantia de que estejamos no curso correto do desenvolvimento sustentável. Em muitas regiões do Brasil, o sucesso econômico tem coincidido com o agravamento de problemas sociais como a violência, a prostituição de crianças e adolescentes e a exploração do trabalho infantil. Além disso, em torno de gigantes da siderurgia que brilham nos cadernos de negócios brotam seguidas denúncias de trabalho escravo, enquanto os projetos no setor de energia, a jóia da coroa do Plano de Aceleração do Crescimento estão adornados de controvérsias sobre a proteção ambiental.

Em vez de se ocupar com picuinhas sobre a concordância verbal das frases do presidente e sobre a localização do Oceano Atlântico no mapa do mundo, a imprensa poderia ajudar a sociedade e os fazedores de políticas para a necessidade de certas correções no curso do nosso desenvolvimento.

* Luciano Martins Costa é jornalista.

O futuro passa por mídias sustentáveis

A evolução do conceito de sustentabilidade empresarial já atingiu empresas industriais e de serviços, no entanto passa ao largo quando se fala em sustentabilidade das empresas de mídia. Os conceitos de sustentabilidade baseados no tripé econômico, social e ambiental estão permeando as atividades de todos os setores da economia.

Isto tem acontecido principalmente porque as empresas estão em permanente disputa por mercados e por consumidores cada vez mais atentos às questões relacionadas à sustentabilidade. As bolsas de valores de Nova York e de São Paulo estão entre as primeiras a lançar indicadores de sustentabilidade em seus pregões, e os balanços socioambientais estão tornando-se companheiros inseparáveis dos balanços econômicos das empresas. Os bancos e as empresas seguradoras já descobriram que financiar ou segurar empresas “sustentáveis” é mais rentável e oferece menor exposição ao risco.

Os mesmos conceitos de sustentabilidade que permeiam as relações entre empresas dos mais diversos setores com a sociedade (é claro que isto ainda não é um comportamento generalizado), ainda não chegaram às empresas de mídia. Jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão têm a sustentabilidade como coisa pontual. São raros os exemplos de incorporação dos conceitos de respeito social e ambiental na estrutura diária de cobertura da mídia, em todas as suas vertentes. Para muitos meios, ambiente ainda é pauta especial e não uma transversalidade.

Mesmo sendo vanguarda da sociedade em movimentos para a garantia de direitos fundamentais, a mídia é extremamente conservadora em relação à incorporação de comportamentos e conceitos que levem a transformações nos padrões de consumo e comportamento. Vem sempre a reboque de outros setores e normalmente reflete uma realidade institucional e social às quais se mantêm refratária em sua estrutura interna. É comum as páginas de jornais estamparem odes à modernidade empresarial enquanto em seus próprios balancetes os números não se harmonizam. Em se tratando de políticas de recursos humanos então, ai a desafinação é total.

No quesito transparência e governança as empresas de mídias são modelo de opacidade. A lei exige que a propriedade de empresas de comunicação seja de pessoa física natural do Brasil. Mesmo com a abertura permitida para o capital estrangeiro, esta liberalidade atingiu apenas 30% do capital da empresa e não permitiu que este capital fosse captado em bolsa de valores, onde investidores poderiam tornar-se acionistas e, assim, com base nas regras impostas pelo mercado e pela Comissão de Valores Mobiliários, as empresas teriam de tornar públicos seus balanços e suas mazelas.

Um dos requisitos maiores da sustentabilidade é a transparência e a coerência das ações das empresas nos mercados. E estes são os pontos onde as empresas de comunicação pecam. E o problema vem de longe, a quebra de empresas de comunicação de grande porte no Brasil é endêmica, no entanto muito pouco se sabe das causas das doenças que as atingem, dos sintomas.
Quando o público toma ciência de que há algum problema, o paciente já desfila em carro fúnebre. Diários Associados, com sua estrela maior, a TV Tupi, Grupo Visão, Grupo DCI, TV Excelsior, Grupo Manchete, Gazeta Mercantil, isto só para falar nos grandes.

Não existe na mídia a noção de que sustentabilidade é um processo transversal. Assim como nas redações se acredita com muita força que as empresas de comunicação são expectadores privilegiados da realidade, com muita capacidade de influenciá-la, mas imune às suas emanações.

Meio ambiente não está presente na grande mídia de forma consistente porque também não está presente na estrutura de gestão destas empresas. Grandes corporações nacionais e internacionais já elevaram o tema ambiente e sustentabilidade para seu coração administrativo. As gerências de meio ambiente dos anos 90 tornaram-se as diretorias de meio ambiente neste início de século XXI e, em breve, deixarão de existir para que a transversalidade ocupe todos os espaços ambientais nas estruturas de gestão.

Medo e preconceito estão entre os motivos para que as empresas de mídia, principalmente aquelas que têm versões impressas possam abraçar os conceitos de sustentabilidade em seu cotidiano. Papel é a grande matéria-prima. Ou seja, elas pensam não existir sustentabilidade em seus processos industriais. Tintas com base em chumbo já foram abolidas, mas centenas de milhares de toneladas de papel são utilizadas diariamente para fazer jornais, revistas, encartes e toda a série de produtos ligados ao mercado editorial. Ora, as próprias empresas produtoras de papel estão entre as que buscam se enquadrar nos processos de sustentabilidade, não há razão para as empresas de mídia sentirem-se acuadas neste quesito.

Mas e os padrões insustentáveis de consumo apregoados desde a revolução industrial e entronizados como absolutos a partir do século XX? Estes sim podem ser a resposta mais coerente para o distanciamento da mídia dos processos de sustentabilidade. Afinal, segundo uma definição universalmente aceita e apregoada pela ex-primeira Ministra da Noruega, Groo Brutland, “ser sustentável é suprir as necessidades das gerações atuais garantindo os recursos naturais para que as gerações futuras consigam suprir suas próprias necessidades”. É também universalmente aceito que os padrões de consumo pregados pela mídia são insustentáveis para toda a população do planeta Terra e que vão esgotar os recursos naturais em um prazo de tempo muito curto. No entanto, o marketing rasteiro continua apostando na exaustão dos ecossistemas.

O caso do descompromisso do marketing com a sustentabilidade e com a ética chega aos limites do absurdo e do crime. É o caso de uma publicidade de um aparelho de TV Samsung que mostra e incentiva um vizinho a roubar um aparelho de TV entregue por engano em sua casa. Mas este é apenas um caso entre milhares.

Enquanto as mídias veicularem coisas como esta, certamente, por uma questão de coerência, não poderão falar em sustentabilidade, governança e ética com muito conforto.

* Adalberto Wodianer Marcondes é jornalista e editor da Revista Digital Envolverde.

Jornalistas e sua formação

Na quarta-feira da semana passada houve um ato público na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Está no site do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo: "Mais de duzentas pessoas, entre dirigentes sindicais, profissionais, professores e estudantes de jornalismo de todo o País, participaram hoje (17/9), em Brasília, de um ato público em defesa da formação específica em jornalismo e da regulamentação profissional da categoria." Segundo a nota, a intenção dos manifestantes foi "sensibilizar os ministros (do Supremo Tribunal Federal) que devem julgar, ainda este ano, o recurso extraordinário (RE/511961), ação que questiona a constitucionalidade da legislação que regulamenta a profissão no Brasil".

Embora a imprensa fale pouco do tema, é grande a expectativa em torno do julgamento. Trata-se de saber se a exigência do diploma de jornalista para os que trabalham na imprensa impõe ou não uma barreira ao direito de livre expressão, assegurado na Constituição. Por que só diplomados em Jornalismo podem ser empregados em jornais? Quanto a isso, o País espera a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Mas o debate não fica só aí. Há outras frentes em que os destinos da profissão de jornalista estão em jogo. Citemos duas. No âmbito do Ministério do Trabalho, um grupo de trabalho pretende redigir um projeto para a regulamentação da atividade. A segunda frente está no Ministério da Educação.

Recentemente, o ministro Fernando Haddad lançou a idéia de constituir uma comissão para discutir as diretrizes da formação dos cursos de Jornalismo, identificando e delimitando com maior clareza os conhecimentos práticos e teóricos que precisam ser dominados pelos que concluem a graduação. A partir daí, o ministro espera abrir uma nova possibilidade para a formação de jornalistas, sem prejuízo dos cursos que já existem: "A comissão fará uma análise das perspectivas de graduados em outras áreas, mediante formação complementar, poderem fazer jus ao diploma" (Folha de S.Paulo, 17/9/2008).

Desde logo, fica bem claro que essa discussão não se confunde com a outra, sobre exigência – ou não – de diploma para que alguém seja empregado na área, o que é assunto para o Ministério do Trabalho. Ela cuida especificamente das diretrizes da formação. Sua pauta é educacional, não trabalhista. Seu objetivo é estudar a possibilidade de que gente como cientistas sociais ou economistas, por exemplo, possa, por meio de um curso mais breve, algo em torno de dois anos, habilitar-se a ter um emprego regular em veículos de informação. A iniciativa, como se vê, não ameaça nem reforça a exigência do diploma.

Ainda sobre exigência do diploma, é bom que se saiba que, na prática, ela ajudou a elevar o padrão da profissão no Brasil. Pesa contra ela, no entanto, o fato de ter sido imposta pela ditadura militar (o decreto-lei é de 1969) e, agora, surge com força essa alegação de que ela agride princípios constitucionais, dúvida que só pode ser dirimida pelo Supremo. De todo modo, não é aí, nessa formalidade abraçada por interesses corporativos, que se encontra o âmago do debate. O que deve falar mais alto, nessa matéria, não é a defesa sindical de uma categoria, mas o direito à informação, de que todo cidadão é titular. Essa é a pedra de toque. O que se deve buscar não é o conforto dos que hoje estão empregados, mas o melhor sistema para assegurar qualidade à mediação do debate público.

Por isso é que se pode afirmar: o ponto dramático repousa sobre a qualidade das faculdades. Onde elas são boas, seus formandos têm lugar no mercado. Mesmo em países que não dispõem de nenhuma obrigatoriedade de diploma, como os Estados Unidos, a Alemanha, a França e outros, nota-se a preferência dos empregadores por jovens que tenham cursado uma boa escola de Jornalismo. Aí, as faculdades adquiriram autoridade não em função de uma reserva de mercado, mas pela capacitação que são capazes de aportar aos estudantes. E no Brasil? O que seria das faculdades se elas não estivessem protegidas pela reserva de mercado? Elas sobreviveriam como estão? Ou seriam forçadas dramaticamente a se aperfeiçoar? Se seriam obrigadas a se aperfeiçoar, por que não cuidar disso desde já?

Que ninguém se iluda: boas faculdades são fundamentais. Elas não são dispensáveis, como alguns ainda tentam fazer crer. A presunção de que o jornalismo é um "ofício que se aprende na prática" é tão ingênua quanto despreparada. Contra isso se levantou, desde o final do século 19, Joseph Pulitzer. De magnata da mídia americana, ele se projetou como o principal inspirador do Curso de Jornalismo da Universidade de Colúmbia, que só começaria a funcionar em 1912, um ano após a sua morte. Contra o comodismo de seus contemporâneos, que viam na criação da escola uma perda de tempo, Pulitzer afirmava que era necessário transformar aquilo que não passava de um ofício numa profissão nobre. E acertou. Seu texto em defesa da escola de Colúmbia, lançado em 1904, resiste como um pequeno clássico (The School of Journalism, Seattle: Inkling Books, 2006). Deveria ser lido pelos adeptos da tese de que "jornalismo se aprende na prática".

Qualquer um de nós, quando vai ao médico, ao advogado ou ao dentista, procura profissionais com bons currículos acadêmicos e científicos. Mas, quando se trata de servir informação ao público, imaginamos que um prático, sem formação, pode dar conta do recado. Não pode – ou não pode mais, a não ser excepcionalmente. A porta para o futuro, também nesse caso, está na qualificação dos profissionais. Com diploma ou sem diploma, é da qualificação que dependerá a consistência e a fecundidade do nosso debate público.

* Eugênio Bucci, jornalista, é professor da Escola de Comunicações e Artes e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, da USP.