Mídia e Política: Um oceano de picuinhas

A imprensa brasileira está frangando uma excelente oportunidade para enriquecer o debate sobre o momento político e econômico por que passa o Brasil. Com o presidente da República surfando as ondas da popularidade e seu governo praticamente blindado por altíssimo índice de aprovação, esta é uma boa hora para colocar sobre a mesa uma boa análise sobre o projeto de desenvolvimento proposto para o país. Especialmente na circunstância em que uma grave crise financeira abala o resto do mundo, enquanto os brasileiros parecem imunes a ela. Ninguém haverá de dizer que a mídia estaria colocando sob risco a governabilidade ou torcendo para que as coisas não dêem certo.

Sempre há quem diga que imprensa é oposição ou é diário oficial. Essa assertiva precisa ser melhor digerida. Imprensa é oposição, sim, mas não necessariamente a governos. Em um estado de plenas liberdades democráticas, faz mais sentido entender a imprensa como uma reserva de pensamento crítico a respeito de sistemas e políticas públicas. Então, seria sensato imaginá-la numa atitude de vigilância em torno das ações que os poderes do Estado e seus protagonistas praticam em relação à sociedade. Em todas as instâncias do poder.

Mas não é isso que se vê. Certos vícios de edição ainda fazem supor que jornais e revistas, em especial, aceitam a idéia de que o atual governo é vitorioso no essencial, mas não perdem oportunidade para manifestar seu desagrado pela figura do presidente da República. Esse cacoete ficou claro nos comentários irônicos em torno da frase do presidente Lula, segundo o qual a crise não iria "cruzar o Atlântico". Ora, se há um oceano entre Washington e a costa brasileira, esse oceano se chama Atlântico.

Educação é tarefa da sociedade

Bobagens como essa denunciam a má-vontade geral, principalmente se se considerar que muitos outros representantes dos poderes da República, parlamentares e presidentes de empresas importantes costumam destroncar o vernáculo, sem que os jornalistas se disponham a usar contra eles a mesma dose de ironia. De certa forma, picuinhas como essa impedem que a imprensa enxergue os verdadeiros problemas que o atual governo está criando para o país. A alta popularidade e os elevados índices de aprovação que fazem a alegria do atual ocupante do Palácio do Planalto não são garantias de que sua estratégia de crescimento venha a produzir o desenvolvimento no longo prazo.

As importantes conquistas sociais ainda convivem com baixíssimos índices de escolaridade e literalidade de adolescentes e jovens, o que pode estar denunciando a constituição de uma geração de brasileiros inabilitados para tarefas complexas. Para evitar controvérsias com os lingüistas, literalidade, aqui, vai no sentido dado por Dante Alighieri, ou seja, como o significado descritivo e mais óbvio da palavra ou de um texto. A imprensa adora reproduzir absurdos que aparecem em provas escolares e vestibulares, para demonstrar a baixa qualidade do ensino, como se não tivesse nada a ver com isso. Todos têm a ver com isso, e especialmente a imprensa, porque a educação não é tarefa do Estado, exclusivamente, mas de toda a sociedade.

Correções no curso do desenvolvimento

Da mesma forma, os excelentes indicadores da economia também não são uma garantia de que estejamos no curso correto do desenvolvimento sustentável. Em muitas regiões do Brasil, o sucesso econômico tem coincidido com o agravamento de problemas sociais como a violência, a prostituição de crianças e adolescentes e a exploração do trabalho infantil. Além disso, em torno de gigantes da siderurgia que brilham nos cadernos de negócios brotam seguidas denúncias de trabalho escravo, enquanto os projetos no setor de energia, a jóia da coroa do Plano de Aceleração do Crescimento estão adornados de controvérsias sobre a proteção ambiental.

Em vez de se ocupar com picuinhas sobre a concordância verbal das frases do presidente e sobre a localização do Oceano Atlântico no mapa do mundo, a imprensa poderia ajudar a sociedade e os fazedores de políticas para a necessidade de certas correções no curso do nosso desenvolvimento.

* Luciano Martins Costa é jornalista.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *