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Obama e o negro na TV brasileira

A vitória de Barack Obama traz a felicidade da batalha vencida contra os absurdos da experiência humana. Os EUA vão ter que conviver eternamente com a sonoridade do nome do presidente eleito, que remete a Osama, o Bin Laden, o satânico algoz daquela nação. O fato histórico remete à reflexão sobre o papel do negro na sociedade, na perspectiva de nova ordem mundial e, por analogia, aqui, ao aproveitamento dos atores negros na TV brasileira.

Desde as primeiras imagens de atores brancos interpretando negros com pesado make-up a Sérgio Cardoso, no estilo black face, vivendo com soberba competência um negro na novela A Cabana de Pai Tomás, baseada no romance H.B. Stowe, adaptada por Edy Maia, produzida em 1969, pela TV Globo, que não alcançou o sucesso esperado, a presença da negritude espelhada por brancos causou estranheza no público e na classe artística.

Na caricatura musical, assistiu-se a atores brancos rebocados de preto cantando “Boneca de pixe”, ou o clássico “Nêga do cabelo duro” ou saudando o carnaval com “O teu cabelo não nega” ou “Mulata assanhada”. O espaço para os afro-descendentes na TV limita-se à cozinha, prostíbulo ou senzala. Poucos se destacam no futebol e outros enchem a telinha de luz, magia e cores no carnaval. Enriquecem as emoções de cenas de assaltos, crimes hediondos ou com a favelização contemporânea da programação. Sim, a grande audiência da programação da TV aberta está concentrada na periferia das grandes cidades e, por isso, a favela e o negro viram personagens do horário nobre.

Esperança de igualdade

Aqui, como lá, a diferença social traz o preconceito revelado com anos de escravatura. O primeiro anúncio da propaganda brasileira descreve um feitor procurando "um negro fugidio, de bunda grande". Outros eram identificados por furos, cortes e cicatrizes no rosto, o que caracterizou essa irracionalidade do mundo. Nos jornais de 1850, aparece "vende-se uma preta cozinheira de forno e fogão, boa lavadeira e mascata". Outras "pretas" eram alugadas para amamentar. Vendiam o néctar da vida que a senhorinha não tinha…

No universo da indústria cultural onde predomina o olho azul e a pele clara, o branco, os atores cor de chocolate, colored, ou protagonistas do cinema feijoada (iniciativa da associação de diretores e atores negros) são eternamente figurantes, pano de fundo, que pontuam a solidariedade, no estar por trás, para ser verdadeira a vida da cena. Embaixadores da dor silenciosa, capacidade camaleônica de renovação de personagens, escravos, capangas ou políticos corrupto são referências episódicas. E aquele sem números de rostos conhecidos, sem identificação nos créditos, que promovem a verossimilhança nas novelas com ambientação rural, na escravidão ou favela? Ainda estão sem o reconhecimento das empresas produtoras e não garantem lugar no mercado de trabalho. Outros são humilhados nos programas de humor. Sem citar a geração deserdada dos atores desaparecidos.

Mas o que Obama tem a ver com o universo da produção televisiva brasileira? O presidente eleito pela expressiva votação popular traz signos que representam a esperança de igualdade, de se escrever o novo capítulo da novela da vida, que Luther King idealizou para a história progredir: "Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter" Que os atores negros possam sobreviver e semear sonhos num mercado de brancos.

* Robson Terra é jornalista, professor universitário e mestrando em Comunicação e Tecnologia.

Ocupar as redes de rádio e tevê

Revejo "Jango", brilhante documentário de Sílvio Tendler, que foi exibido na madrugada deste sábado (8) pela TV Brasil. Deveria ter ido ao ar mais cedo, em horário nobre, tamanha a sua importância.

O filme mostra os atores envolvidos no golpe de Estado cometido contra o povo brasileiro em 1964. No ato lembrei do título do livro de René Dreifuss: "1964: a conquista do Estado". O termo escolhido pelo escritor não poderia ser mais preciso. Tanto em sua obra quanto na de Tendler fica evidente que não houve apenas um golpe estanque no Brasil; ele não surgiu da noite para o dia. O movimento foi preparado durante anos e contou com apoio do governo dos EUA, de corporações privadas e de veículos de comunicação de massa.

No documentário há um depoimento muito importante de um militar, que chama a atenção para a "provocação" que representou o comício de 13 de março, na Central do Brasil. Ele fala que o povo trazia cartazes subversivos. Aí lembrei de toda a preparação psicológica, de todos os cursos financiados pelos EUA para os militares brasileiros de que fala Dreifuss. IPES e IBAD à frente. Ao longo de anos associaram comunismo à barbárie e à desordem, até chegar ao golpe. Depois dele, a tropa de choque foi retirada da linha de frente (Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, cassados) e os homens de confiança assumiram a liderança. Brizola diz em seu depoimento que este foi o golpe dentro do golpe. Castelo Branco assume e imediatamente revoga a lei de remessa de lucros e garante a manutenção dos latifúndios improdutivos.

O que vemos hoje? Em meio à tal crise, que as corporações de mídia já não mais explicam por que, como e onde, o Banco Central divulga que montadoras de automóveis enviaram nada menos que US$ 4,8 bilhões às matrizes no exterior. Somando os outros setores da economia, a sangria alcança absurdos US$ 20,143 bilhões/ano. “O Globo” deu matéria sem nenhum destaque na página 22 da edição do último dia 6, cuja capa lambia as botas do novo comandante pró-forma do imperialismo.

Eis aí a natureza do golpe de 1964 e da ditadura que seqüestrou, torturou e matou milhares de brasileiros. Seu maior objetivo é garantir que o país mais rico da América Latina seja mantido sob a dominação imperialista. Nenhum governo sério do mundo permite que sejam enviados para o exterior tantos recursos produzidos com o suor do seu povo. Existem leis que obrigam que esse dinheiro seja reinvestido no país, isso sem falar na tributação às grandes empresas, que deveria ser maior. Não dá pra aceitar calado o envio de tantos bilhões pra fora enquanto existe gente passando fome aqui dentro. Isso sim é uma ditadura, devo dizer àqueles que se prendem aos paradigmas da mídia grande.

Apesar da flagrante pilhagem, não se vê resistência à altura. Nem quanto às indecentes remessas de lucro, nem contra a entrega do nosso petróleo, nem contra a ausência de uma auditoria na dívida pública, nem contra a absurda concentração fundiária, nem contra a falta de regulamentação do artigo 153 da Constituição, que determina a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, nem contra o salário mínimo indigente de R$ 415,00 e, pior, nem contra o oligopólio dos meios de comunicação social.

Pior porque é este oligopólio o maior responsável pela manutenção desse estado de coisas, que de um lado explora o cidadão brasileiro e de outro entrega nossas riquezas para empresas estrangeiras e seus testas-de-ferro. A mídia, hoje, é a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, é ela quem vai determinar formas de sentir, agir, pensar e viver de cada pessoa e, por extensão, de toda a sociedade.

O dia em que os movimentos sociais organizados se derem conta disso, a primeira ocupação será nos centros de produção e reprodução de textos e imagens encarregados de sustentar o sistema. Uma vez ocupadas as redes de rádio e tevê (cujas principais representantes, a propósito, estão com as concessões vencidas e estão, portanto, na ilegalidade), o povo será informado sobre as razões da falta de médico para o filho que sente dor, da falta de escola para quem precisa estudar, da falta de trabalho para quem quer produzir, da falta de terra para quem quer cultivar e etc. Uma vez que isto aconteça, a justa indignação não mais poderá ser contida.

* Marcelo Salles é jornalista, editor do Fazendo Media e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Convergência: A hegemonia do discurso empresarial e a invisibilidade do interesse público

Na última terça-feira (4), a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados promoveu o seminário "O Futuro das Telecomunicações". Em duas mesas de debate, representantes de empresários e de órgãos estatais como os ministérios das Comunicações e da Educação, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apresentaram análises acerca das tendências e dos cenários futuros para o setor.

A ausência de qualquer representante de organizações da sociedade civil, de entidades de defesa dos usuários e de sindicatos de trabalhadores da área em tão importante evento revela uma triste realidade nos debates acerca do processo que é comumente conhecido como convergência tecnológica: a centralidade dos interesses dos conglomerados comerciais em detrimento da discussão acerca dos benefícios para o conjunto da população.

Nas diversas falas de empresários e gestores públicos presentes ao evento, foi esboçado um programa de curto e médio prazos para o setor. Porém, tais argumentos devem ser problematizados de modo a estabelecer uma reflexão mais profunda sobre qual convergência se quer para o país e quais objetivos ela deve cumprir. Por trás de discursos aparentemente consensuais, residem interesses contraditórios. Portanto, é fundamental que haja clareza sobre as escolhas realizadas e a serem feitas.

Há uma premissa importante a ser ressaltada antes desta análise. O capitalismo é um sistema marcado pela exploração da força de trabalho humana, pela acumulação crescente de riqueza nas mãos de cada vez menos agentes e pela mercantilização insaciável de todos os aspectos da vida. Neste sentido, é sempre relevante lembrar que, por mais complexas que pareçam, as aspirações de empresas estão sempre ligadas à acumulação de recursos e ao melhor posicionamento na concorrência em que participam. Para isso, precisam de força de trabalho e de consumidores para seus produtos.

Um primeiro elemento do discurso deste segmento social é entender a simples produção de suas mercadorias como uma espécie de benesse ou de favor à população, seja de maneira direta ao atender as necessidades dos consumidores com seus produtos, seja de maneira indireta ao abastecer o Estado de recursos por meio dos impostos. O Estado, assim, deveria agradecer pelo beneplácito dos empresários. "Desde a privatização, o setor gerou investimentos de R$ 140 bilhões. Estes investimentos foram feitos sem a participação do Estado. O Estado não teve que alocar parte dos seus recursos escassos para desenvolvimento da rede de telecomunicações. Quando observamos recursos arrecadados, vemos que o Estado foi favorecido por todo o processo de reformulação", afirmou Antônio Carlos Valente, presidente da Telefônica.

Cobrando gratidão

Nesta afirmação, o presidente da Telefônica faz parecer que a privatização não foi o resultado de uma opção política de forças se degladiando no interior do Estado. Não meciona, todavia, que, ao fazer esta opção, o Estado entregou a preços muito abaixo do mercado uma robusta infra-estrutura instalada, que poupou o esforço básico de investimento na planta de transmissão de dados às beneficiadas no leilão da Telebrás. E não cita que o modelo da privatização também impediu o surgimento de concorrentes de fato às concessionárias que obtiveram o espólio do sistema estatal de telefonia. Por último, o presidente da Telefônica curiosamente esquece que uma outra opção política foi fundamental para o rendimento das operadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC): a liberação para cobrança de uma assinatura básica – cujo valor, hoje, é de mais de R$ 40 -, responsável por cerca de metade das receitas destas companhias.

Na visão dos executivos, os cidadãos também deveriam ser gratos a estas empresas pelo fato de existirem e prestarem seus serviços de telecomunicações. As obrigações decorrentes do modelo de privatização, como é o caso da universalização, são vistas como um feito extraordinário delas e não como contrapartidas à concessão que obtiveram junto ao Estado. Isso faz com que seja estranho a seus dirigentes a cobrança de que não há universalização real, pois as linhas passam na frente da casa das pessoas, mas estas não têm renda para adquirir o serviço. Frente à alegação dos altos preços, a resposta ou relativiza este obstáculo, ou vincula o problema novamente ao Estado. "Muitas vezes as comparações são um pouco injustas, mas poucos países do mundo têm a carga tributária que o Brasil tem", disse Antônio Carlos Valente.

Ainda segundo este ponto de vista, a superação deste muro que separa a população entre os incluídos e excluídos do acesso aos serviços de comunicação não deveria vir da redução da margem de lucro, montante de riquezas apropriadas pelas empresas, mas novamente de mais benefícios do Estado. "Acho que devíamos ter a obstinação de desenvolver propostas para algumas classes sociais e para algumas regiões, ainda que durante um intervalo, acho que devíamos pensar em ter produtos com redução de impostos com contrapartidas das empresas", propõe Valente.

O raciocínio é simples: a prestação de um serviço, mesmo que a partir da privatização de um sistema estatal, é apenas mérito das operadoras; estas cumprem sua função social pela simples oferta de seus produtos, mesmo que estes não sejam realmente acessíveis à população; a única concepção de melhoria envolvida nesta lógica seria a ampliação da cobertura destes serviços, cujo êxito é ameaçado com qualquer contrapartida existente que mexa um cifrão nas receitas auferidas.

Tal sentimento pode ser exemplificado por uma fala de José Fernandes Pauletti, da Associação Brasileira das Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), em audiência no Conselho Consultivo da Anatel: "Não dá para se pegar o que as concessionárias fazem de bom, atuação em todas a localidades, e transformar em crítica. Não se pode penalizar empresas porque fazerm sua obrigação."

Convergência e sinergia

Na discussão central do momento, a convergência tecnológica e os caminhos para a massificação da banda larga, tal posição reaparece adaptada à temática. Segundo a direção da Anatel e do Ministério das Comunicações, há um imperativo no mundo que deve ser adotado no Brasil na área das comunicações: a tendência de convergência dos serviços, das plataformas que os disponibilizam e dos agentes que os ofertam (a chamada sinergia). A partir dela, as empresas supostamente teriam mais condições de reduzir custos de produção, oferecendo produtos mais baratos à população.

Em uma das mesas do seminário, Antônio Bedran, integrante do Conselho Diretor da Anatel, afirmou que, para seguir este caminho, são necessárias medidas para "dinamizar o mercado de telecomunicações e ampliar os benefícios econômicos" e "estimular plataformas comuns" que devem passar pela "eliminação das restrições regulatórias". Para Roberto Pinto Martins, secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, as políticas de governo devem atuar para minimizar as "incertezas e riscos" para os negócios da área. "Ninguém tem dúvida que, no futuro, oferta tem de ser integrada. E para isso precisa de licenças amplas para prestar serviços", endossou João de Deus, diretor de Planejamento Executivo da Oi.

Muitas vezes, um argumento repetido à exaustão pode ser apreendido como verdade. E a necessidade de sinergia – neste caso, bem específica entre a Oi e a Brasil Telecom – foi a tese central na base do processo de alteração do Plano Geral de Outorgas que permitiu a fusão conhecida como BrT-Oi. É fundamental lembrar que o nome sinergia é uma denominação sofisticada para processos de concentração de propriedade, pois a combinação de serviços sempre vem acompanhada da fusão entre seus produtores.

Diversos estudos dentro da teoria econômica mostram os impactos dos fenômenos de oligopolização. No início, há uma redução geral dos preços, como ocorre com os recentes pacotes de serviços de telecomunicações oferecidos pelas empresas (telefonia, internet em banda larga e TV por assinatura), numa prática conhecida como triple play. Mas, à medida em que se constitui uma dominação oligopólica do mercado, a arbitrariedade sobre o preço conduz a uma elevação do mesmo pelo simples fato disso ser uma das caracterísitcas básicas de uma empresa no capitalismo: a valorização de seus ativos e rendimentos. Ou, em outras palavras: uma empresa nunca deixará de ganhar mais dinheiro quando puder.

Mesmo que para muitos seja fato conhecido, é relevante recordar que, se não traz nenhum benefício, a concentração gera, pelo contrário, uma série de graves problemas à sociedade. Em primeiro lugar, ela reforça o poder dos capitais sobre o Estado e sobre a população para a definição das políticas da área em geral. Em segundo, ela corrói a competição e a oferta diversificada de produtos aos cidadãos. E, por fim, ela cria barreiras à existência de iniciativas e agentes produtivos não-comerciais, comunitários e públicos.

Ou seja, com uma empresa do porte da BrT-Oi, que atuará em 26 estados do país, é muito difícil que sejam aprovadas políticas divergentes de seus interesses ou que imponham obrigações ou contrapartidas à sua expansão. Um exemplo é o fato de, mesmo sem a supertele, a Anatel até hoje não ter regulamentado a desagregação de redes prevista na Lei Geral de Telecomunicações. Outro é o próprio projeto de mudança do PGO, conduzido claramente para viabilizar a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi e, até agora, resultando em um ambiente regulatório mais permissivo e sem qualquer contrapartida que fomente a competição.

Banda larga

No núcleo do projeto de concentração do mercado está a expansão da base de acessos à conexão à internet em alta velocidade. "O grande desafio que nós temos é massificação da banda larga", disse Renato Nogueira, da Tim. Aí mora um dilema que enseja uma contradição. A ampliação desta tecnologia é uma demanda tanto da população quanto dos empresários, mas por razões diferentes. Enquanto os primeiros querem maior capacidade de banda a preços baixos, os segundos querem condições de venda do produto que potencializem seus lucros.

Estas condições estão diretamente relacionadas ao modelo de negócios e à conformação da concorrência entre os agentes neste futuro próximo. "Vamos ter explosão da banda larga móvel nos próximos meses e isso vai contribuir para minimizar o problema de acesso. Mas o usuário demandará largura de banda, pois os aplicativos irão demandar isso", analisa Antônio Carlos Valente.

"Hoje, temos 20% das linhas fixas no Brasil com banda larga, o que é relação bastante baixa. Em 2008, o número de adições líquidas da banda larga móvel será igual ao das fixas. Em seis anos, o número de acessos de banda larga móvel vai ser o dobro da fixa", comentou Renato Giuquini, da TIM. No bojo das previsões se a telefonia fixa ou móvel será a grande protagonista da expansão da banda larga, novamente a visão do cidadão fica em último plano.

"Não adianta pessoas comprarem computador, mas não conseguirem acessar conteúdo, pois o preço e a forma de acesso à internet ainda são algo que não nos anima muito. Este instrumento tem que contribuir para resolver a chaga deste país: o analfabetismo digital. Esta ferramente tem que ser utilizada para superar um dos mais graves problemas do povo brasileiro: o acesso à informação e à cultura" , colocou, em voz isolada no seminário, o presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), Walter Pinheiro (PT-BA).

A posição do parlamentar baiano evidencia o lado esquecido em um debate dominado pelos interesses mercantis: a importância de ver as tecnologias sob o enfoque de como podem possibilitar maior acesso à informações e à produção de conhecimento e cultura. No entanto, a maneira como os órgãos de Estado e empresários lidam com o tema sequer considera o direito à fala da população. Sinal disso é o fato de ser um consenso entre os órgãos reguladores e as empresas que a universalização do acesso à telefonia foi alcançada devido à existência de 140 milhões de celulares no país, quando mais de 80% são pré-pagos e 55% destes registram despesas de cerca de R$ 3 por mês. Ou seja, são utilizados apenas para receber, e não para falar.

"Ações sociais"

O máximo considerado como "ações sociais" das operadoras, para além do simples fato de ofertarem seus serviços, são iniciativas como o acordo que gerou a troca das metas dos pontos de serviços de telecomunicações (PSTs) em todas as localidades por infra-estruturas de tráfego de dados em alta velocidade que suportam a transmissão em banda larga (backhaul) na entrada de todos os municípios, o que deve garantir a conexão à internet de 55 mil escolas. No entanto, o que não se diz é que este projeto nasceu em troca de o governo federal desistir da constituição de uma infra-estrutura pública de tráfego de dados, que utilizaria as redes já existentes sob sua responsabilidade e que se encontram sub-utilizadas.

Com esta medida, os governos deixariam de depender das redes de propriedade das operadoras e poderiam montar um robusto programa de conectividade. Além disso, a defesa do chamado "Projeto Banda Larga nas Escolas", utilizado como mostra da disposição de Estado e mercado para superar a exclusão do acesso às novas tecnologias no país, ainda patina em uma obscura indefinição sobre as características da tal infra-estrutura negociada com as operadoras, coisa que ainda não foi explicada apesar dos questionamentos de entidades de defesa do consumidor. O que é o backhaul? Ele pode ser considerado como parte do STFC, condição necessária à sua inclusão como objeto de um plano de universalização? Se a universalização implica em fazer chegar um serviço ao conjunto da população, porque o governo aceitou universalizar algo que não chega no povo, mas apenas disponibiliza infra-estrutura que pode ser usada mediante pagamento por um provedor para vender um outro serviço – de acesso à Internet – ao usuário final?

Perguntas como estas e outras sobre a legalidade e legitimidade da fusão da BrT-Oi, sobre os riscos da concentração de propriedade, sobre a inexistência da desagregação de redes, sobre a indefinição de um modelo de custos que permita à Anatel saber qual é o preço justo a ser pago pela infra-estrutura são repertório repetido por entidades da sociedade civil e de organizações de defesa do consumidor freqüentemente ignorados pelos governantes de plantão.

Enquanto estes agentes ocupam espaços marginais, geralmente em órgãos com baixíssima incidência política, como o Conselho Consultivo da Anatel, os operadores comerciais do setor reúnem-se com altos dirigentes do núcleo do governo e interferem diretamente nas opções do Ministério das Comunicações e da agência reguladora. Ao reunir altas autoridades e empresários, o seminário realizado na Câmara dos Deputados foi uma pequena amostra da assimétrica disputa acerca do presente e do futuro das telecomunicações no país.

Mídia privada, independente?

A mídia privada, fazendo o papel de principal aparelho ideológico de Estado, nos faz lembrar o tempo inteiro do senso comum que faz toda a engrenagem do atual tipo de sociedade funcionar. Nada se pode mudar. Ou melhor, só a lógica do mercado e as vontades privadas podem mudar as coisas, até as nossas leis. Qualquer movimento que aponte para uma nova maneira de gerir a coisa pública e um novo meio de controle do Estado pela sociedade tem suas idéias massacradas diariamente pelos porta-vozes da "democracia", da "independência" e das teorias da lógica do mercado.

Como nos recentes processos políticos que ocorrem na América Latina, vários ideólogos da democracia representativa alertam para um perigo totalitário e que estariam nascendo ditadores, através do voto. Até foi dito que "democracia direta é totalitarismo". Então, quem acredita nisso acha que escolhermos um presidente da República pelo voto direto é um ato autoritário?

Mais qualidade na programação

Enfim, parece que alguns preferem falar qualquer coisa para tentar impedir que uma idéia pareça legítima e que caia em debate. A mídia nada debate, sempre passa informações descontextualizadas, causando uma enorme confusão e formando uma massa acostumada a não analisar a situação, sempre esperando a assepsia dos fatos isolados ao invés de uma análise da situação. A posição da grande mídia é sempre a de escolher o que é importante a sociedade discutir, quando há interesse que a sociedade discuta.

O que não interessa para o setor privado, não interessa para a mídia – por também ser formada por grandes blocos privados, algo lógico. Antes do papel de nos informar e levantar discussões, a mídia mainstream é um negócio com objetivos de lucro e tudo que uma empresa privada precisa seguir, colocando a informação em segundo plano. Infelizmente, é a lógica do mercado.

Vai ser sempre assim até termos uma mídia formada também por meios de comunicação de gestão pública, onde a informação e discussão de assuntos de interesse da sociedade seja colocada de forma não filtrada e não pasteurizada e que passe a ser esse o seu principal objetivo.

A TV Brasil ainda está longe de alcançar as reivindicações de movimentos sociais, que pedem a democratização dos meios de comunicação. Sua formação foi meio nebulosa, com um Conselho Curador ainda mais nebuloso, com vinte membros – sendo quinze escolhidos a dedo pelo presidente da República – e carecendo de clareza nos critérios adotados para a escolha. Apesar do governo não abrir mão desse controle, sem dúvida é uma das TVs com maior qualidade na programação, com conteúdo bem diversificado, ao contrário da mesmice das privadas.

Controle ideológico

A escolha do modelo de TV digital no Brasil foi um grande retrocesso. Alinhado com as grandes TVs privadas, o governo somente levou em consideração os interesses comerciais das emissoras, pois em nenhum momento foi levado em consideração o papel social da TV aberta, com a possibilidade de se ampliarem os canais abertos com uma qualidade ainda superior à que temos hoje. O governo não dialogou com a sociedade suficientemente e nos empurrou goela abaixo um modelo de TV fora de nossa realidade e com o mesmo número de canais, ao invés de até quadruplicar os canais abertos. Lamentável.

Só com meios de comunicação com gestão pública teremos uma mídia realmente democrática em que a população possa intervir no conteúdo e a busca de lucratividade não fique em primeiro plano, degradando e distorcendo a sua função. Sem contar que seria mais difícil se manter o controle ideológico que sofremos hoje nos meios de comunicação.

* Felipe Dolandeli é técnico em telecomunicações em Queimados (RJ).

A mídia que balança o berço

Nestes tempos de crianças expostas a tantos tipos de mídia, o velho provérbio “a mão que balança o berço governa o mundo” propicia uma reflexão sobre quem é realmente a maior autoridade na estrutura familiar. Tomando-se por autoridade aquele que provê a manutenção da família, supõe-se que ambos, marido e mulher, dividam entre si esse papel de governar a educação dos filhos. No entanto, cada vez mais, as crianças expressam valores e anseios contrários aos da educação recebida em casa e na escola. O fato é que elas dependem dos exemplos adultos para a construção de sua identidade. E, por acreditarem no que ouvem ou vêem, em sua lógica infantil, passam a ver a mídia [1] como outra autoridade dentro de casa.

Por meio dos sites, jogos eletrônicos, revistas, mensagens comerciais e programas inadequados, a mídia propõe-se a satisfazer, de várias formas, os desejos infantis que, pela manobra persuasiva, converte em necessidades. Expresso em números (Interscience, 2003), o resultado desse bombardeio de mensagens e apelos comerciais é de 80% de influência das crianças nas compras da família. Isso concorre para diminuir a autoridade dos pais perante os filhos. A propósito, há alguns meses, muita gente viu um comercial de automóvel equipado com um aparelho de DVD, insinuando que a atuação dos pais pode ser dispensável na vida dos filhos mediante a aquisição de determinada tecnologia. A mensagem mostrava dois carros na estrada. Num deles, os pais se desesperavam por não saber como conter as rusgas entre os filhos pequenos enquanto, no outro, equipado com o aparelho DVD, o clima era de total tranqüilidade pela atenção das crianças presa à tela.

O que melhor explica o fato dos filhos aderirem tão mais prontamente a tantas mensagens da mídia e desdenhar os ensinamentos dos pais é a permissividade expressa por ela das duas formas mais sedutoras para a criança: a ausência do “não”, palavrinha incômoda porém decisiva para a demarcação dos limites imprescindíveis à socialização; e a reverência irrestrita às vontades das crianças que só faz ampliar nelas a fantasia de poder ter tudo.

Um pequeno recorte na trama do filme de Curtis Hanson: “A Mão que balança o berço” – título, aliás, inspirado no citado provérbio, como explicita a fala de um de seus protagonistas –, ilustra essa atração dos pequenos por adultos complacentes demais com os desejos infantis. A trama gira em torno de uma babá aparentemente dedicada e afetuosa que começa a se apropriar das duas crianças de um jovem casal de forma lenta e sedutora. Valendo-se de sua maior disponibilidade de tempo junto aos pequenos, a babá permite à garotinha mais velha – cerca de cinco anos – assistir a um gênero de filme vetado à ela pelos pais em função de sua pouca idade. Como é de se esperar, a garotinha logo entende a babá como mais amorosa que seus pais.

De modo geral, tal cumplicidade com os caprichos infantis está presente em diversos tipos de mídia dirigidos às crianças. E a tendência é antecipar-se, cada vez mais, essa interferência na educação delas. Por isso, quem tiver hoje nos braços seu recém-nascido já não pode deixar para mais tarde a preocupação com os impactos da comunicação midiática na formação dos pequenos. Ela já está do lado do berço na forma dos programas para bebês.

Se nos faltam ainda dados de pesquisa para saber o que acontecerá, daqui a alguns anos, com os bebês “educados” via TV, não faltam experiências e estudos sobre a formação do psiquismo. Um bebê não tem estrutura mental para saber sequer quem é e o que é; não tem idéia de suas dimensões físicas; desconhece o mundo à sua volta e, sobretudo, é fusionado com sua mãe, tendo-a como uma extensão de si mesmo. Como concluiu o psicanalista e pediatra Donald Winnicott, um dos mais brilhantes estudiosos do desenvolvimento infantil, “não existe tal coisa chamada bebê, significando com isso que se decidirmos descrever um bebê, encontrar-nos-emos descrevendo um bebê e alguém. Um bebê não pode existir sozinho, sendo essencialmente parte de uma relação”.

Sendo assim, o que pensar sobre a relação de um bebê com um aparelho de televisão que fala e age, sem estabelecer um contato real com ele? Uma das primeiras formas de contato da criança com o mundo é a identificação projetiva, mecanismo psíquico por meio do qual ela projeta aspectos de si mesma sobre o outro enquanto sente como seus determinados aspectos deste outro em virtude do estado de fusionamento em que se encontra. Sendo assim, é fundamental refletir sobre o quê um bebê irá projetar na caixa de uma TV (sem sua mãe dentro), com uma seqüência de imagens ainda sem sentido ou valor para ele? E, pior ainda, que aspectos ele tomará do aparelho e da produção eletrônica como partes de si mesmo?

Se não podemos prever o futuro, olhemos o que já acontece, no presente, com tantas crianças que nos rodeiam, no cotidiano ou na prática clínica: natural nos primeiros anos de vida, o narcisismo (amor a si mesmo) e a onipotência (certeza de poder ser e ter tudo) andam durando além do previsto quando, até por volta dos seis anos, deveriam ter se convertido na capacidade de se preocupar com o outro. O que estará estimulando, então, nas crianças, o prolongamento dessas características? Quem pensou em interesse comercial, acertou no x da questão que envolve hoje a preocupação com os impactos da publicidade e de determinados tipos de entretenimento na formação das crianças. Alheio aos danos que pode trazer ao psiquismo infantil, o objetivo do marketing é implantar o quanto antes na criança a necessidade de consumir.

Como diz Suzan Linn, doutora em Educação e professora de Psiquiatria da Escola de Medicina de Harvard, em seu livro Crianças do consumo – A Infância Roubada, “quando nos referimos a produtos especificamente projetados para crianças “do berço à universidade” pode ser o máximo que alguém possa almejar, mas muitos fabricantes buscam lealdade à marca que dure do berço ao túmulo”.

Na reportagem “A perigosa relação do bebê com a TV”, do Jornal Observatório da Imprensa – a jornalista Leneide Duarte-Plon destaca um dos trechos do manifesto assinado pelos cientistas franceses Pierre Delion e Bernard Golse publicado por este jornal: "Numa época em que se fala muito de ecologia, é preciso que nos conscientizemos de que proteger nossos filhos do risco de desenvolver uma forma de dependência em relação à tela luminosa é uma forma de ecologia do espírito. Por isso, é urgente que nos mobilizemos para a criação de uma moratória que proíba a existência desses canais, antes que a ciência possa conhecer melhor a relação da criança pequena com a tela".

Pelo tanto que evoluímos, chega a parecer irreal que tenhamos hoje que nos revolver em argumentos para impedir que se continue penetrando um terreno tão frágil e misterioso como a psique de um bebê. E isso sob a proposta, desculpe, descabida de ampliar-lhe a inteligência e a criatividade como afirmam alguns argumentos de vendas desses programas para os pequenos.

Nascidos em berço de ouro ou em cestos pobres de palha, as perspectivas dentro de cada bebê estão intactas nessa fase do broto e não demandam outros cuidados além dos prescritos pela natureza. Os mais caros entre eles são o calor do seio materno, o alimento saudável, as vozes amorosas e a mão protetora que governa seu passo a passo até o contato pleno com a vida real.

Se há tanta preocupação com o desenvolvimento dos bebês, que ela seja convertida, então, para a melhora social do “berço” que os abrigará ao nascer. Nada substitui o amor e os efeitos que só ele pode produzir na construção de um novo indivíduo. Recordando uma vez mais a sabedoria e prudência de Winnicott: “Ainda temos muito que aprender sobre os primeiros tempos de uma criança e talvez só as mães possam dizer o que queremos saber”.

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[1] A mídia é, muitas vezes, legitimada pela audiência que os pais lhe prestam.

* Maria Helena Masquetti é psicológa do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, e  assina, no “Le Monde Diplomatique Brasil”, a coluna Consumo & Direitos.