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Sobre o fim do diploma de jornalista

Inicialmente pequenas considerações sobre o órgão máximo do judiciário brasileiro cujos sábios ministros, com exceção de Marco Aurélio não conseguem diferenciar liberdade de expressão de jornalismo.

Não foi só o capitalismo que sobreveio à idade média. Essencialmente, veio depois a modernidade e com ela o tão aplaudido, idolatrado e intocável "Estado Democrático de Direito". É justamente dessa estrutura modelar que fazem parte as supremas cortes (parece monarquia), os parlamentos da democracia representativa (de quem?) e os novos monarcas ditos presidentes que reinam absolutos por quatro anos e depois por mais quatro sem que sua troca, no mais das vezes mude muita coisa.

Quando apensar de todos os anti-corpos do sistema, elege-se um Chaves, um Evo, um Correa, um Lugo, um Ortega, ouvimos logo a velha ladainha de que o Estado Democrático de Direito está ameaçado! Ora, se a legítima eleição desses representantes do povo e não das elites ameaça o Estado Democrático de Direito, é porque é hora desse tal Estado acabar. Mas – foi Marx quem disse – estamos todos impregnados da ideologia dominante e custamos às vezes a nos livrar de alguns conceitos. 

Sobre o diploma não acho que devamos cair na lamentação e sim olhar para esta nova realidade, analisá-la e planejar nossa ação diante dela. Vejamos algumas possibilidades. 

Os supermercados de diplomas

A absurda proliferação de cursos de jornalismo de péssima qualidade, que tratam o diploma como mercadoria e os estudantes como clientes, cuja política pedagógica é ditada pelo código do consumidor – pagou levou – tem produzido sucessivas gerações de técnicos em softwares de edição de texto e diagramação, sem qualquer conteúdo crítico. É o que as empresas querem.

Talvez com o fim da exigência de diploma a maioria dessas instituições comerciais de ensino feche de uma vez pois não terão mais "clientes" e restem aqueles cursos sérios que até hoje se mantém mesmo contra a maré. O fechamento dessa feira livre de diplomas – que não é privilégio de jornalistas – afirmo aqui: já virá tarde, é benéfica à sociedade, ao jornalismo e à democratização da comunicação.

Uma polêmica trabalhista

No campo trabalhista temos também interessantes possibilidades. Hoje quem exerce a profissão de jornalista com registro profissional tem direito a piso salarial e jornada de 5 horas. Quem não tem registro profissional não tem estes direitos ainda que exerça atividades típicas da profissão por força dos desvios dos donos da mídia. Tampouco são considerados da categoria dos jornalistas não sendo atingidos pelas convenções coletivas, tampouco tendo direito a se filiarem aos nossos sindicatos.

A decisão do STF acabou com a exigência do diploma de jornalismo para exercício da profissão de jornalista ao revogar um decreto (instrumento legislativo menor) que assim determinava. O STF não acabou com a exigência de registro profissional que é definida em lei e não no decreto atacado. Qual a implicação disto? O exercício da profissão de jornalista continua dando ao profissional o limte de 5 horas diárias de jornada e o piso salarial da categoria. Cito apenas esses dois direitos exclusivamente para fins de exemplificação, sem prejuízo de todos os outros. A nova situação vai colocar diante da Justiça do Trabalho uma interessante questão. Não poderá ser negado registro a pessoa que exerça atividades de jornalista ainda que não tenha diploma. Quem tiver registro será jornalista e, por conseqüência legal, terá direito às condições de trabalho estabelecidas por lei para o exercício da profissão. Esta situação pode formalizar uma legião de trabalhadores nas empresas de comunicação que tem sua força de trabalho explorada exercendo atividades típicas de jornalistas mas que até hoje não tinham a cobertura da lei que estabelece condições de trabalho desta categoria. Não tenhamos dúvidas de que o próximo passo do patronato será investir contra as condições legais de exercício da profissão como jornada de 5 horas e o piso salarial.

Uma nova situação sindical

A nova situação legal de exercício da profissão sem exigência do diploma coloca para o movimento sindical dos jornalistas a pauta urgente de unificação das categorias de trabalhadores da comunicação. Quanto à necessidade desta unidade orgânica, penso não haver dúvidas. A dificuldade impeditiva desta solução, para os jornalistas – existem outras – até agora era a estrutura dos nossos sindicatos forjada sobre a idéia de que jornalistas são só os diplomados com registro. Este fato, em que pesem todos os argumentos a favor do diploma, que também defendo, era um limitador da base na nossa estrutura sindical. Mais ou menos como o que exclui os desempregados, os sub-empregados, os informais, os escravos da estrutura sindical brasileira. Todos estes não tem espaço em nenhum sindicato brasileiro. Na Argentina, a Central dos Trabalhadores Argentinos – CTA, já nasceu com espaço para todas estas categorias. No Brasil ainda não chegamos a tanto.

Então, talvez a decisão do STF esteja trazendo, sem qualquer intenção obviamente, condições objetivas para um salto de qualidade em nossa organização.

Prefiro trabalhar com estas conjecturas que podem nos levar à frente do que cair na simples lamentação que não nos levará a nada. Para isso é preciso resgatarmos lá do fundo a verdadeira consciência de classe que já foi a marca de nossa profissão.

* Caio Teixeira é jornalista diplomado.

As ameaças ao caráter amplo e democrático da Conferência Nacional de Comunicação

Em janeiro deste ano, após pressão e reivindicações de diversos setores, inclusive daqueles ligados ao empresariado que atua na área de mídia, o presidente Lula anunciou a disposição do governo em convocar a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Em abril, um decreto presidencial oficializou a iniciativa, definindo o seu tema – Comunicação: meios para a construção de direitos e cidadania na era digital – e agendando sua etapa nacional para 1o a 3 de dezembro, em Brasília.

O segundo passo foi a montagem da Comissão Organizadora Nacional, que recebeu a incumbência de definir as regras do processo e garantir a execução de todas as suas etapas. O organismo foi composto por oito representantes do governo federal, oito de associações empresariais, quatro do Congresso Nacional e sete de agremiações sindicais, movimentos sociais e organizações que lutam pela democratização da comunicação, além de um das entidades do campo público de televisão.

Apenas em junho a Comissão Organizadora iniciou seus trabalhos, dedicando-se à tarefa primordial da elaboração e aprovação do regimento interno da Confecom. Pairava naquele momento uma incerteza quanto às possibilidades de equalizar os interesses divergentes em jogo. A previsão era que as polêmicas centrais girariam em torno do temário (conjunto de temas a ser debatido nas várias etapas do processo) e do método de escolha dos delegados à etapa nacional.

Porém, antes que tais controvérsias pudessem ser apreciadas e explicitadas, instaurou-se um impasse político que estagnou o andamento dos trabalhos da Comissão e a conclusão do regimento interno, prevista para o dia 9 de julho. Os representantes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) apresentaram “condições mínimas”, ou premissas, que deveriam constar no regimento com vistas a garantir a participação do empresariado de radiodifusão no decurso do processo.

Entre elas estão: (1) a defesa do conteúdo nacional, (2) a proteção dos serviços e outorgas atuais frente à turbulência tecnológica da convergência midiática, (3) a defesa intransigente das práticas da legalidade, (4) o respeito e a valorização das empresas brasileiras de comunicação escrita ou de radiodifusão dirigidas e orientadas editorialmente por brasileiros, (4) o livre exercício da atividade de comunicação e de informação, por pessoa e organizações, e (5) a mínima interferência estatal.

A Abert também defendeu que “não se perdesse o foco” no tema central da Confecom, interpretado pela entidade como os desafios relativos ao “futuro” do setor. Em audiência pública realizada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) no último dia 8 de julho, um representante da associação advogou que as discussões da Conferência “começassem e terminassem na Internet”.

Ou seja, a agenda de temas e propostas do empresariado de radiodifusão – uma legítima visão para ser apresentada nas discussões nas diversas etapas do processo – foi transformada em condição para a manutenção deste segmento no processo da Confecom.

Tal posição precisa ser problematizada fortemente. No que tange às premissas reclamadas pela Abert, a defesa a priori dos interesses de um setor nos objetivos ou mesmo como premissas de uma Conferência não respeita a lógica de funcionamento de uma iniciativa como esta. Como já ocorreu em dezenas de eventos deste tipo organizados pelo Executivo Federal desde 2003, uma Conferência presume a abertura de um espaço para debate público entre as diversas partes envolvidas. Suas regras precisam assegurar esta amplitude, o envolvimento da população e dos diversos segmentos interessados na área. Mas não devem legitimar a consolidação da pauta de determinado segmento como tema indiscutível ou como premissa dos debates. Tal opção ameaça a Confecom como espaço de discussão pública sobre as políticas de comunicação.

Não se pode ignorar que a Conferência deve partir do modelo institucional das comunicações atual, incluindo a Constituição Federal, leis e outras normas. No entanto, como espaço de avaliação e proposição das ações do poder público em uma determinada área, suas resoluções podem, inclusive, apontar para a mudança das estruturas ou do ambiente normativo existente.

Quanto ao mérito das premissas colocadas pelos radiodifusores, fazemos aqui um parêntese que consideramos relevante. Parte delas deve ser entendida como temas importantes para o debate da Conferência. A defesa do conteúdo nacional é uma questão central e importantíssima na discussão sobre a revisão do marco institucional das comunicações brasileiras. Ela precisa ser tratada com atenção, pois já há décadas a mídia brasileira recorre ao expediente de produções estrangeiras, sobretudo estadunidenses, nas diversas mídias difusoras de conteúdos audiovisuais.

Porém, a defesa dos valores culturais brasileiros não pode ser confundida com a prerrogativa de valorizar, a priori, os meios de comunicação comerciais. Falar em conteúdo nacional deve significar falar também na expressão da diversidade e pluralidade de vozes, culturas, regiões, visões, gêneros e formatos, o que hoje não é assegurado nem pela legislação, nem pelas TVs e rádios comerciais brasileiras.

Para que a Conferência realize seu caráter de espaço amplo e democrático, tampouco é adequado restringir os assuntos que ali serão discutidos. Se é fato que algumas manifestações dos representantes dos radiodifusores por vezes advogam contra a “proibição” de qualquer debate, a insistência do foco no “futuro” deve ser tomada com cuidado. Faz-se necessário afirmar algo tão óbvio quanto importante: o futuro surge apenas como sucessão do presente, fazendo-se necessário, para planejar aquele, partir dos elementos estruturais e conjunturais do agora.

O argumento utilizado pelos radiodifusores para sustentar este recorte temático parte do lema constante no decreto que convocou a Confecom, cujo final menciona a “era digital”. No entanto, a “era digital” é exatamente esta em que vivemos hoje, um complexo sistema que reúne dos meios mais “primitivos” e das constantes necessidades de atendimento mais banais da população – como falar ao telefone ou ter acesso a um meio impresso – aos desafios trazidos pela convergência de conteúdos, plataformas de distribuição e dispositivos de recepção. “Era digital”, portanto, não pode ser confundida, em hipótese alguma, com as novas plataformas digitais, sendo estas apenas uma parte do problema. A limitação do escopo do tema é também uma ameaça à Confecom quanto à sua necessidade de atender ao déficit histórico de debate público sobre o setor no Brasil.

Ainda em relação às demandas apresentadas pela Abert, está a defesa de que a eleição dos delegados respeite uma proporção paritária, reservando dentre os eleitos 33% ao poder público, 33% ao empresariado e 33% à sociedade civil não empresarial. Ora, será que os donos dos veículos de comunicação e das empresas de telefonia e internet representam 1/3 da população brasileira? Se isso fosse verdade, poderíamos comemorar a quebra da concentração de propriedade que marca a mídia no país, já que contaríamos com 60 milhões de operadores diferentes.

Ao contrário, o segmento empresarial é absoluta minoria em relação ao conjunto da população brasileira e às suas diversas representações, que não se esgotam nos movimentos sociais representados na Comissão Organizadora Nacional. Logo, não se pode conceber que a eles seja garantida tamanha representação. O justo é que eles disputem as vagas de delegados com toda a população, cabendo ao voto de cada cidadão a decisão de qual o percentual que o empresariado representa na Conferência.

Desafios para o governo

O governo federal tem papel fundamental, pelo peso auto-concedido na Comissão Organizadora, na resolução dos impasses colocados. Seria estranho qualquer tipo de abandono da prática adotada nas outras dezenas de Conferências de assegurar uma arena ampla e aberta de debate na qual os diversos segmentos podem colocar suas posições para encontrar aproximações ou equalizar divergências por meios consolidados como as votações.

A condução firme do governo para garantir que a Confecom cumpra seus objetivos e a necessidade de acelerar o processo são tão importantes quanto a atenção a aspectos operacionais do processo. Desde a primeira reunião, o Ministério das Comunicações ficou com a responsabilidade de enviar aos governadores de todo Brasil uma carta oficial conclamando os executivos estaduais a participarem do processo. Até hoje não foi enviado nenhum documento neste sentido, ação fundamental para dar credibilidade à realização da etapa nacional e segurança para as etapas estaduais e municipais.

Outra preocupação operacional é o local onde será realizada a etapa nacional. Os principais centros de convenções de Brasília já estão com reserva para a data da I Confecom. Sob o risco de não haver local adequado, em meados de junho um dos membros da Comissão Organizadora, representante da sociedade civil não empresarial, realizou uma pré-reserva na Academia de Tênis de Brasília, como um possível espaço para a realização do evento. Na época, o Ministério das Comunicações assumiu o compromisso de efetivar a reserva, o que não foi feito. A justificativa foi que isso só seria possível quando houvesse a recomposição dos recursos.

Cronograma e recursos

Se a resolução do impasse torna-se crucial à continuidade da Confecom, não menos importante é a solução de outros dois obstáculos centrais ao bom andamento do processo: o tempo para o desenvolvimento das etapas e os recursos.

Quanto ao primeiro caso, se considerado o agendamento da etapa nacional para o início de dezembro deste ano, a demora na conclusão do regimento interno pode asfixiar o processo pela falta de tempo para a sua necessária interiorização e mobilização dos mais diversos segmentos sociais interessados. A insuficiência de tempo para a realização das etapas preparatórias – municipais, intermunicipais e livres –, previstas para ocorrer antes dos eventos estaduais, marcados para setembro e outubro, coloca-se como mais uma ameaça à plena realização da Confecom.

Mesmo que todas as barreiras elencadas sejam vencidas, ainda coloca-se um impeditivo extremamente grave: os recursos. O Congresso Nacional reservou R$ 8,2 milhões para a Confecom. Em maio, este valor foi reduzido pelo governo federal a R$ 1,6 milhão, montante considerado insuficiente até mesmo pela equipe do Ministério das Comunicações, órgão responsável pela coordenação da iniciativa.

Já chegou ao Congresso Nacional o PL 27/2009, que recompõe integralmente os recursos da Confecom. Porém, com o início do recesso parlamentar, a tramitação até a aprovação final do projeto corre o risco de estender ainda mais os preparativos para todas as etapas da Conferência. Informações do Ministério das Comunicações sinalizam para a possibilidade de que o repasse seja feito por outros meios. A solução, independente do caminho escolhido, deve assegurar a recomposição dos recursos o mais breve possível, de modo que o processo de preparação das etapas possa de fato ser iniciado.

O cenário é definitivamente preocupante. As sinalizações de membros do governo têm apontado que há uma firme convicção sobre a importância de fazer acontecer a I Conferência Nacional de Comunicação. Esperamos que tais intenções se confirmem e que esta não seja iniviabilizada nem política nem estruturalmente.

Esta iniciativa é bandeira histórica dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação e pela afirmação da comunicação como um direito humano. Este campo, organizado em torno da Comissão Nacional Pró-Conferência, tem demonstrado disposição ímpar para levar a cabo este marco histórico para as comunicações brasileiras. E continuará a fazê-lo, acreditamos, contribuindo com disposição ao diálogo, mas também com firmeza em suas posições para fazer da Conferência um efetivo espaço público.

Resta aos agentes envolvidos no processo encarar a tarefa histórica de retirar os cidadãos da posição de simples espectadores de meios e consumidores de serviços e elevá-los de fato à condição de sujeitos. Sem isso, falar em liberdade de expressão ou em sociedade democrática continuará soando como um discurso vazio.

* Jonas Valente é jornalista, repórter do Observatório do Direito à Comunicação e representa o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social na Comissão Organizadora da I Conferência Nacional de Comunicação.
* Carolina Ribeiro é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Eleições e internet: Os limites da liberdade

O Estadão comeu mosca (“Câmara libera internet na propaganda eleitoral”), o Globo foi ao ponto (“Regras para internet causam polêmica”) e a Folha mandou ver (“Câmara aprova lei eleitoral que limita cobertura on-line”) no noticiário da quinta-feira, 9, sobre a aprovação, na véspera, do projeto que reforma as regras eleitorais no país. O projeto precisa ainda passar pelo Senado.

O erro do Estado foi destacar a autorização dada aos candidatos e partidos em campanha para fazer propaganda em seus sites, blogues, comunidades de relacionamento e ferramentas de envio de mensagens pessoais.

Muito mais importantes são as normas de comportamento estabelecidas pelos deputados a todos quantos publicam na rede – dos chamados provedores de conteúdo a blogueiros e internautas em geral.

Delas se pode dizer, com certeza, que causam polêmica. Ou, menos certamente talvez, que limitam a “cobertura” das campanhas eleitorais.

O ponto mais polêmico, do qual decorrem as limitações, quaisquer que sejam, é a equiparação da internet às emissoras de rádio e TV. Aliás, polêmico é modo de falar. A equivalência não se sustenta.

Emissoras são concessões públicas. O Congresso, portanto, tem o direito de estipular o que podem e não podem fazer durante uma campanha eleitoral. Portais, sites, blogues etc etc são iniciativas que independem de permissão, autorização ou concessão oficial. Assim como jornais e revistas.

Goste-se disso ou não, uma TV não pode promover debates apenas entre alguns candidatos, os mais bem situados nas pesquisas, que atraem o interesse da grande maioria dos eleitores. O formato e o número de debatedores deve ser decidido de comum acordo com todos eles (como ainda é) ou com 2/3 deles (como passará a ser se o projeto votado na Câmara virar lei na forma atual).

Um periódico impresso pode sabatinar ou confrontar quais e quantos candidatos queira – e arcar com o prejuízo para a sua credibilidade se a sua seleção for patentemente facciosa. Assim também deveria ser na internet, não só por uma questão de lógica elementar, mas também porque o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que o que vale para a mídia impressa vale para a internet.

A Câmara resolveu que os candidatos podem fazer propaganda paga em jornais e revistas, até o limite de 10 anúncios. Na internet, não.

A Câmara resolveu que debates online podem ser realizados no período da campanha, que começa no dia 5 de julho dos anos eleitorais. (Outra jabuticaba: as campanhas devem começar quando os políticos quiserem – aliás, é o que sempre fazem; o horário da propaganda gratuita é que tem data para ir ao ar.) Mas os debates têm que obedecer à regra dos 2/3.

“O jornalismo na internet foi e sempre será permitido”, argumenta o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), relator do projeto. “O que estamos propondo é que, além da liberdade, haja equidade.”

Vamos nos entender. A exigência de equidade restringe a liberdade de imprensa. Isso pode, ou não, se justificar. Mas que restringe, restringe – assim como toda intervenção do poder público de combate às desigualdades sociais é uma restrição à liberdade econômica absoluta.

A Câmara resolveu implicitamente que a internet pode noticiar, comentar e analisar o desenrolar das campanhas. Mas, explicitamente, abre espaço para os candidatos alegar que a notícia, o comentário e a análise são formas disfarçada de propaganda de seus adversários. Ou ainda, que foram injuriados, difamados ou caluniados por palavras ou imagens, tendo direito de resposta – a que se dará o mesmo tamanho e pelo dobro do tempo no ar das mensagens tidas como injuriosas, difamatórias ou caluniosas que, naturalmente, terão de ser suprimidas.

A Folha entendeu que isso cerceia a “cobertura” online. No bem-produzido quadro “Campanha limitada”, o colunista Fernando Rodrigues escreve que “as medidas terão efeito inibidor da liberdade de expressão na internet, cuja característica principal é o caráter pessoal e irreverente de blogs e sites de pessoas físicas”.

E ainda, sobre o risco de interdição de sites, blogues e redes de relacionamento considerados transgressores, “será impossível haver liberdade de expressão e informação se for necessário evitar humor que possa eventualmente ridicularizar algum político”.

De novo, vamos nos entender. Quando for o caso e na dose certa, a cobertura da maioria dos fatos pode conter humor e irreverência. Mas, diferentemente do que se aplica às manifestações pessoais na internet, nem uma coisa nem a outra são “características” de uma reportagem – a expressão por excelência do que se entende por cobertura.

Daí a dúvida se, por isso, a lei eleitoral em tramitação no Congresso tolhe o acompanhamento jornalístico de uma eleição, como sustenta a Folha.

Já no Globo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) se insurge contra a regulamentação do tratamento das campanhas no que considera “território livre, anárquico, sem Estado”. Ele observa que “as sanções aos provedores resultarão em censura dos conteúdos”.

Eles serão responsabilizados, por exemplo, se um internauta atacar um candidato ou levantar a bola de outro.

Aí entra a pergunta que retoma a questão das fronteiras da liberdade na internet: ela deve ser irrestrita?

Muitos sites e blogues, como este, filtram os comentários recebidos, conforme critérios que são do conhecimento dos comentaristas e que basicamente tratam de preservar padrões elementares de civilidade no debate online. O Observatório da Imprensa, por exemplo, adverte:

“Este é um espaço de diálogo e troca de conhecimentos que estimula a diversidade de idéias e pontos de vista. Não serão publicados comentários com xingamentos e ofensas ou que incitem intolerância ou crime. Os comentários devem ser pertinentes ao tema da matéria e aos debates que naturalmente surgirem. Evite vulgaridades e simplificações grosseiras. Não escreva em maiúsculas: isso dificulta a leitura do texto e, na linguagem da internet, é interpretado como gritos. Mensagens que não atendam a estas normas serão deletadas, e os comentaristas que habitualmente as transgredirem poderão ter interrompido seu acesso a este fórum.”

Em outros países, vale tudo – embora a tendência seja de barrar os golpes abaixo da linha da cintura sob a forma de palavras que, por isso mesmo, devem se tornar impublicáveis. Sem falar nas incontroláveis alegações sem um fio de comprovação de que fulano(a) é isso ou aquilo, e que se propagam, em sentido metafórico e literal, à velocidade da luz.

A lama que rolou na blogosfera americana na última campanha presidencial – com tiradas racistas e a invencionice de que Obama é um muçulmano enrustido – foi qualquer coisa de pornográfico.

Campanhas eleitorais estão entre os eventos que notoriamente favorecem o transbordamento do esgoto humano. Sendo assim, a censura que o projeto de reforma eleitoral induzirá os provedores de conteúdo a adotar e para a qual o deputado Miro Teixeira alerta parece justificada.

Nem tudo que se pensa se deve escrever. Nem tudo que se escreve deve ser publicado. Nem tudo que se publica deve ficar impune. No caso particular de uma eleição, há mais: deixado à solta na internet, o rancor das disputas políticas rebaixa a democracia e faz crescer a incivilidade que degrada as sociedades.

* Luiz Weiss é jornalista, pós-graduado em Ciências Sociais pela USP, onde lecionou Sociologia da Comunicação; escreve no Observatório da Imprensa e no jornal O Estado de S.Paulo.

PL-29: o caminho para a apartação cultural (2)

Há alguns dias, um programa de um canal pago brasileiro exibiu uma interessantíssima entrevista com o empresário de cinema Luis Carlos Barreto, hoje no alto dos seus 80 anos. Rememorando o início de sua vida profissional como repórter fotográfico da revista O Cruzeiro, Barreto contou-nos o seguinte (aqui narrado de memória). No início dos anos 1950, a capa da revista O Cruzeiro trazia, invariável e obrigatoriamente, foto de alguma celebridade estadunidense, de preferência hollywoodiana. Disse ele que o “cromo” já vinha direto, pronto, dos Estados Unidos. Uma vez, estando a trabalho no Ceará, fotografou duas atrizes brasileiras, famosas àquela época, uma loura branca e uma negra, contra um lindo céu azul, tudo, aliás, cromaticamente também muito hollywoodiano. Mostrou a foto na redação e sugeriu que fosse a capa da semana. A reação de estranheza foi forte. “Cê tá maluco!”, ouviu. Mas Barreto conseguiu convencer seus chefes e a foto saiu na capa. Disse ele que, por isto, chegou a receber uma carta de Glauber Rocha (então, também, um iniciante) com palavras entusiasmadas: “Barreto, você começou uma revolução cultural!”.

Este era o Brasil dos anos 1950, um país para cuja elite, a capa de sua principal revista não podia mostrar gente brasileira. Este é o Brasil que começa a ser reconstruído, apesar do enorme esforço feito por toda essa geração à qual pertence Luis Carlos Barreto, para tornar este Brasil… brasileiro.

São muitos os meios pelos quais se dá essa reconstrução às avessas. O principal, como na mídia que O Cruzeiro então representava, é esta atual mídia re-americanalhada. E nela se destacam, ocupando cada vez mais o principal lugar na formação de nossas mentes e sentimentos, os canais da TV por assinatura. Neles não cabem tipos brasileiros, nem louros, nem negros. Mas cabem os louros e negros estadunidenses.

O debate aberto pela PL-29, ao menos a partir do momento em que teve o deputado carioca Jorge Bittar como relator, visava pôr claramente em questão tal retrocesso. Aceitando, nesses tempos de mundialização, que não podemos impedir a presença de canais estrangeiros de TV nas nossas salas de estar ou nos quartos de dormir da nossa criançada, buscava, ao menos, abrir nesses canais algum espaço para o audiovisual brasileiro, para as histórias brasileiras, para a gente brasileira, para as louras e negras brasileiras. Trata-se de uma reivindicação legítima de qualquer sociedade: defender, promover, privilegiar sua cultura, ou culturas. E como falamos também de mercado (a Fox, só num exemplo, fatura mundialmente cerca de US$ 30 bilhões por ano, 15 vezes mais do que a nossa Globo), estamos tratando de um mercado interno que é patrimônio do Brasil – isto está na nossa Constituição. Podemos cobrar pedágio para quem queira entrar nesse mercado. No caso, o preço seria abrir uma janela para o audiovisual brasileiro.

Para tornar isso possível, além das cotas (ver o primeiro destes dois artigos ), Bittar estabeleceu um conjunto de princípios e regras a serem obedecidos por todos os integrantes da cadeia produtiva do audiovisual, na TV por assinatura, não importa se por cabo, satélite ou celular. No artº 3º da última versão do seu Substitutivo, definia os princípios a serem obedecidos pelo serviço: basicamente aqueles que lemos no artº 221 da Constituição, devidamente adaptados. Dos princípios constava a “promoção da língua e cultura brasileiras”. O relator paraibano Vital Rego Filho, ou “Vitalzinho” como parece preferir, a julgar pelo seu blog na internet, criteriosamente suprimiu este princípio e, mais cuidadosamente ainda, introduziu outro que se poderia considerar tautológico, não fosse claro o recado: “incentivo ao lazer, entretenimento”… Algo como dizer, “cabe ao peixe respirar dentro d’água”.

Um outro princípio, o ítem V de seu artº 5, deixa mais claro que o serviço se baseará na “liberdade de iniciativa, mínima intervenção da administração pública, modicidade de preços e defesa da concorrência” com vedação de monopólios etc. Assim, por este princípio, a televisão Fox, a televisão Disney ou a televisão CNN, a televisão HBO passam a poder operar no Brasil à margem de maiores controles públicos, ao contrário (ao menos em teoria) da televisão Globo, da televisão Record…

O ante-projeto anterior do deputado fluminense Jorge Bittar, definia com muita clareza o perfil das empresas que realizariam as distintas tarefas da cadeia produtiva; vedava propriedades cruzadas entre elas; e, mais importante, atribuía à Ancine a tarefa de regular e fiscalizar as atividades de programação e empacotamento. Inclusive, as empresas envolvidas nas atividades de programação e empacotamento deveriam obrigatoriamente possuir ao menos CNPJ brasileiro, serem geridas por brasileiros natos ou naturalizados (tudo inspirado na Constituição) e estarem registradas na Ancine à qual também competiria certificar o produto audiovisual brasileiro, para efeito das cotas. Todo o poder dado por Bittar à Ancine desaparece, pura e simplesmente, no Substitutivo de Vitalzinho. E como, nesse período, os formuladores ou dirigentes do Ministério da Cultura e da própria Ancine estavam mais preocupados em fazer da TV Brasil uma espécie de “Canal Brasil” no espectro aberto (ver o meu artigo “De ‘público’ e públicos”, neste Observatório, em 4/5/2009 ), tudo indica que sequer percebiam o que podiam estar ganhando e, agora, estão perdendo.

Bittar, seguindo uma tendência mundial, isto é, dos países capitalistas centrais, introduziu no seu projeto uma clara distinção entre o tratamento regulatório a ser dado aos conteúdos e o tratamento regulatório a ser dado à infraestrutura. Vitalzinho, sabendo melhor o que é próprio à periferia do capitalismo periférico, preferiu entregar conteúdo e infraestrutura, num pacote só, aos interesses do Império. A única exigência é a de que programadores, empacotadores e distribuidores ofereçam os “seus produtos em condições não discriminatórias”, cabendo ao CADE tomar as providências cabíveis caso isso não aconteça. Há… há… há…

Os artigos 7º e 8º desse Substitutivo do deputado paraibano estabelecem um conjunto de regras que parecem querer evitar a propriedade cruzada de operadores de rede por produtores de conteúdo e radiodifusores, e destes por aqueles. Por esses artigos, salvo melhor juízo, as Organizações Globo não poderiam deter o controle da NET (controle este, aliás, que, como bem sabemos, já entregaram preventivamente para a mexicana – sim, mexicana! – Telmex). E, também, a NET, ou a Telefônica ou a Oi não poderão deter participação superior a 30% do capital de empresas de radiodifusão e de produção ou programação de conteúdos, nem adquirir direitos de transmissão de eventos artísticos ou esportivos. As restrições parecem razoáveis (noves fora o muito provável desinteresse da Telefônica ou da Oi, ou da própria NET, pela produção de conteúdos), não fosse o que leremos, adiante, no Artº 13º: “Serão admitidos, excepcionalmente, os contratos de exclusividade, entre programadores, empacotadores e distribuidores, de um determinado canal de programação, quando essa modalidade de contrato for essencial para a viabilidade da produção, ressalvadas as competências legais dos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações de ordem econômica”. O deputado quer enganar quem? Ou, na verdade, ele e seus conselheiros na redação desse capcioso artigo estão mesmo é contando com o baixo interesse da sociedade nesse debate, ao lado dos elevados rendimentos que poderão proporcionar as negociações das excepcionalidades?

Não que a última versão do deputado Bittar fosse das mais avançadas. Fortemente pressionado por um lado e sem nenhuma contrapressão equivalente por outro, o deputado viu-se forçado a recuar de suas propostas iniciais até chegar a um mínimo que pareceria irredutível. Ainda assim, por força de um golpe dado por um desses burocratas do Congresso que, agora sabemos (vide as notícias do Senado), mandam mais do que os próprios congressistas, teve o seu projeto enviado, para ser ainda mais descaracterizado, para a Comissão de Defesa do Consumidor. Evidentemente, esse golpe não foi ingênuo.

Um ponto importante que já se encontrava no projeto de Bittar foi mantido no de Vitalzinho: as outorgas de redes serão dadas por mera autorização. Na Lei do Cabo, as outorgas se dão por concessão: exigem licitação, têm prazo de começo e término, estão submetidas a contratos entre as concessionárias e o Poder Público. Assim como também se encontram em regime de concessão as estradas de rodagem privatizadas ou a construção e operação de geradoras de energia elétrica, sem falar da telefonia básica ou da radiodifusão aberta. A concessão é o instrumento legal que submete um dado serviço a um conjunto de obrigações de natureza pública. Na TV por assinatura, devido a um completo vácuo legal, os serviços via satélite podiam ser autorizados, mas os cabeados, regidos pela lei, não. Seria de se esperar que uma lei que tratasse do conjunto dos serviços de TV paga, incorporasse todos eles ao regime de concessão. Infelizmente está se caminhando na direção contrária, em mais uma afirmação da vontade do mercado sobre a da democracia. E logo quando uma enorme crise financeira acusou, de vez, os limites e as iniqüidades do projeto neo-liberal. Felizmente, para todos, no Brasil, essa crise não passou de marolinha…

Na televisão aberta, canais como Globo, Record ou SBT ocupam, cada um, uma banda de freqüência de 6 MHz. Na TV paga, canais como Fox, Discovery, HBO, quaisquer outros também ocupam, cada um, uma banda de freqüência de 6 MHz. Na TV aberta, as emissões são difundidas pelas ondas atmosféricas nas faixas VHF ou UHF. Na primeira cabem, na prática, no máximo 7 canais; na segunda, 69 canais. Ao todo são, no máximo, 76 canais de televisão. Além deles, nessas bandas, também se encontram menos de 100 canais de rádio FM e, abaixo delas, outros tantos canais de rádio AM, comunitárias etc. Com as tecnologias atuais, num cabo coaxial associado a uma rede de fibras óticas podem caber, graças aos milagres da engenharia, cerca de 200 canais de TV, mais dezenas de canais de música, faixas de rádio FM (a NET transmite algumas delas), além de muitos outros serviços, vários deles interativos, inclusive telefonia e internet banda-larga. O mesmo se pode dizer do serviço via satélite ou do via celular, agora nas faixas gigahertz. Se considerarmos que, numa mesma cidade, poderão coexistir duas, três, quatro até mais operadoras de TV paga, estamos falando de um espectro disponível para centenas – isto mesmo, centenas – de canais de TV, espectro este que, em alguns anos, substituirá econômica, política e culturalmente, esse atual limitado espectro de apenas 76 canais. Na prática, somente 7; a rigor, dois, no máximo três.

Na medida em que novas redes de TV paga vierem a ser implantadas por diferentes operadoras, essas centenas de canais se disseminarão no País, atingindo cada vez mais gente, inclusive populações de renda mais baixa. É inexorável. O Brasil será, assim, cada vez mais penetrado por uma televisão produzida e distribuída a partir dos Estados Unidos. Como nos tempos d’O Cruzeiro, nossa população será, cada vez mais, levada a se identificar com imagens e símbolos que conformarão a nossa sociedade, a nossa história, a nossa cultura a uma posição subalterna, desprezível, no limite, invisível, na periferia do mundo.

No debate da PL-29 se discute se a cultura e a história brasileiras terão algum espaço em centenas de canais de TV que já estão assumindo papel central na formação de nossas futuras gerações e no entretenimento de nossa atual classe média. Ou se, por esses programas cada vez mais popularescos e vulgares que estão crescentemente dominando a TV aberta nesses últimos anos, pastiches de nossa cultura e história acabarão sobrevivendo apenas em meia dúzia de canais VHF ou UHF destinados ao passa-tempo apassivador dos mais pobres e excluídos.

 

Sobre o debate na Argentina e a concentração da mídia

Luis Pardo, presidente da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), entidade de empresários que reúne representantes de rádios e televisões comerciais da América Latina, publicou, no dia 18 de maio, uma coluna de opinião no diário Clarín denominada "Não violar a liberdade de expressão".

Nessa coluna, Luis Pardo relata uma reunião realizada entre o Conselho Diretor da AIR e o Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, e aproveita para expressar a opinião desta organização sobre o anteprojeto de lei de serviços de comunicação audiovisual que está em discussão na Argentina.

A reunião foi celebrada no dia 4 de maio em Washington DC,  Estados Unidos, no marco das comemorações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. O representante da OEA foi acompanhado pela Dra. Catalina Botero, Relatora Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Pardo menciona na nota as declarações de Insulza diante da delegação da AIR ali reunida. Segundo o presidente da AIR, "o Secretário General reconheceu importantes avanços na matéria, entre os quais se encontra a despenalização de certos delitos – como a difamação e o desacato – e a legislação, em vários países, para garantir o acesso à informação pública, ainda que tenha lamentado que nem todos os estados da região tenham tido avanços semelhantes".

Entretanto, o mais importante é o que ele não diz que disse Insulza*.

É importante justamente porque, mesmo que o Secretário Geral da OEA não tenha mencionado o anteprojeto de lei em debate na Argentina, alguns dos pontos abordados na sua intervenção têm relações estreitas com os conteúdos do mesmo. E suas afirmações adquirem um conteúdo especialmente simbólico se for levado em conta o momento e os interlocutores que tinha a sua frente.

Diante dos representantes de poderosos conglomerados midiáticos como Televisa, TV Azteca, Globo e Clarín, José Miguel Insulza falou do impacto "determinante" que a concentração dos meios de comunicação tem na restrição da liberdade de expressão.

Não era um evento acadêmico ou uma reunião de comunicadores a favor da democracia, era um encontro com os grupos mais concentrados da América Latina, aos quais ele disse que essa concentração, da qual eles são exemplo, é obstáculo fundamental para que haja uma comunicação democrática.

Após relatar aspectos centrais da agenda de liberdade de expressão regional como as agressões e assassinatos de jornalistas ou o crescente uso de mecanismos indiretos para censurar vozes críticas, Insulza afirmou que "o Estado não é a única fonte de restrições à liberdade de expressão, pois também o é, e de maneira muito determinante, a concentração da propriedade dos meios.

Quando se chega a uma circunstância desse tipo, frequentemente, as pessoas não recebem todas as perspectivas dos assuntos que lhes dizem respeito, o que por certo não contribui para a vigência efetiva da liberdade de expressão e da democracia, que implica sempre em pluralismo e diversidade".

O que tampouco disse a AIR é que Insulza agregou, citando a Corte e a Comissão Interamericana, que "os monopólios ou oligopólios da propriedade e controle dos meios de comunicação atentam gravemente contra o direito à liberdade de expressão" e que, por tanto, é "obrigação dos Estados" tomar medidas ativas para evitá-los.

De acordo com sua opinião, os Estados devem "sujeitar a propriedade e o controle dos meios a leis gerais antimonopolistas para evitar a concentração de fato ou de direito que restrinja a pluralidade e diversidade que assegurem o pleno exercício do direito à informação dos cidadãos",  assim como "a aprovação de concessões de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantam uma verdadeira igualdade de oportunidades de acesso para todos".

Para o Secretário Geral da OEA, nada menos que frente aos principais opositores às emissoras comunitárias, para que haja diversidade e pluralismo é "fundamental o reconhecimento de todas as formas de comunicação, incluindo as rádios comunitárias".

A tarefa de limitar a concentração tem como objetivo principal garantir a liberdade de expressão, não a afetar. É justamente o contrário do que defende a AIR. Aqueles que defendem seus interesses concentrados com o discurso do chamado "jornalismo independente" são os que atentam, na prática, contra a liberdade de expressão.

É obrigação dos Estados tomar medidas para impedir que se limite a diversidade e o pluralismo na mídia, condição indispensável para um exercício efetivo da liberdade de expressão de todas as pessoas e não de somente uns poucos grupos econômicos.

Ernesto Lamas é Coordenador Regional da Asociación Mundial de Radios Comunitarias – América Latina y Caribe, AMARC ALC. Gustavo Gómez é diretor do Programa de Legislaciones y Derecho a la Comunicación, AMARC-ALC.

Tradução: Gustavo Machala

* Discurso del Secretario General de la OEA, José Miguel Insulza, “La Libertad de Expresión en las Américas”, AIR, Washington, 4 de mayo. Ver comunicado de prensa enhttp://www.oas.org/OASpage/press_releases/press_release.asp?sCodigo=C-157/09)