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Conferindo a Confecom

Convocada no dia 10 de Setembro deste ano, a Conferência Estadual de Comunicação  em Sergipe é uma reivindicação histórica dos movimentos que pautam o setor. No intuito de garantir a convocação da Conferência no estado , estudantes, , movimentos sociais e profissionais da área se articularam através da Comissão Pró Conferência Sergipana de Comunicação, CPC-SE, que vem se reunindo e articulando suas atividades desde Abril deste ano.

A CPC-SE compõe a Comissão Nacional Pró-Conferência Nacional de Comunicação- a CNPC, uma articulação nacional formada no ano de 2007, composta por movimentos sociais e setores da sociedade civil no intuito de pressionar o governo federal a puxar a primeira CONFECOM, convocada publicamente pelo presidente Lula no início do ano, no Fórum Social Mundial.

Conferência de Comunicação? Mas pra quê?

Não existe sociedade realmente democrática sem um modelo democrático de comunicação social para o país. “Quem não se comunica se entrumbica”, já dizia o velho bonachão das buzinas e do bacalhau. A Comunicação Social no Brasil é completamente desregulamentada e cheia de vícios. As concessões de rádio e TV, patrimônio do povo brasileiro, são renovadas automaticamente sem nenhuma espécie de consulta à população. A legislação para o setor é arcaica, vertebrada nos tempos do regime militar, os veículos populares e alternativos, tais como as rádios comunitárias e servidores livres de internet, são alvo de perseguição por parte do Estado.

No estado de Sergipe não poderia ser diferente. Os principais veículos de rádio, televisão e impresso estão concentrados nas mãos da família Franco, dentre outros agrupamentos menores. As poucas rádios comunitárias que existem em nosso estado se encontram, em sua maioria, nas mãos da iniciativa privada, desprovida de qualquer modalidade de participação popular na hora de dizer o que a rádio precisa ou não fazer, nem a quem ela deve servir. A Fundação Aperipê, que compõe a rede pública do Estado, não possui nenhum mecanismo de participação, tal como um conselho paritário entre Estado e Sociedade Civil, ou qualquer modalidade de consulta para os ouvintes-telespectadores.

Dentre todas estas problemáticas, uma conferência para o setor se faz mais do que necessária, ela é urgente, e está chegando com vinte e um anos de atraso, sabem por quê?  “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”. Uma frase curta com uma percepção idealista da sociedade, não é?  Não estamos falando de uma idéia solta no ar e na terra, estamos falando do item IV do Artigo 5 da Constituição Federal. É necessário complementar e regulamentar as idéias compostas nesta frase, e nada mais apropriado que uma Conferência para chamar a sociedade e discutir sobre o tema.

O Campo e as Batalhas

Tal como esperado, os barões da mídia brasileira não gostaram nenhum pouco desta história de Conferência. Impuseram uma série de limitações, tal como a proporção em pé de igualdade com a sociedade civil, onde cada setor terá a representação de 40% dos delegados, deixando os 20% restantes para a representação do governo. Ora bolas, quem é maior? A sociedade civil ou o empresariado? Pergunta simples, resposta óbvia. Sem contar também que o empresariado conseguiu a votação por quórum qualificado: Todo tema que for considerado sensível, só poderá ser discutido após a aprovação de 60% dos delegados, ou seja, se o empresariado e o governo presentes no espaço quiserem discutir.

Por outro lado, o ministro das Telecomunicações, Hélio Costa, não faz o menor esforço para que a discussão democrática seja garantida. Como um lobista da Globo, o pré-candidato a governador de Minas Gerais não está nem aí para a demanda dos movimentos sociais. Em sua gestão, mais de seis mil rádios comunitárias foram fechadas e mais de 30 toneladas de transmissores destruídos. O governo se alinha aos empresários na totalidade das propostas apresentadas, pulverizando qualquer possibilidade de avanços mais concretos para os movimentos sociais de comunicação.

Conflitos nas Estaduais

Dentre as últimas barbaridades cometidas pelo empresariado na Comissão Organizadora Nacional, podemos destacar a Resolução N 8 de outubro deste mês. Neste documento, fica vetada a discussão das propostas nos estados, o que significa que todos os apontamentos e propostas de políticas públicas no âmbito estadual serão votadas na nacional. O que isso significa para o Estado de Sergipe? Significa que, se por acaso, algum setor tiver interesse em apresentar uma proposta de ampliação dos espaços da TV Aperipê, esta proposta não será discutida nem votada na nossa Conferência Estadual e sim na etapa de Brasília. Sendo desta forma, dificilmente as proposta de âmbito estadual virão a ser apreciadas, dado ao grande número de textos trazidos por todos os cantos do país em um espaço de apenas três dias. Tudo isso para garantir que os empresários não percam privilégios nos seus estados, já que eles nunca estariam em pé de igualdade no número de entidades participantes.

Como se não fosse suficiente este quadro devastador, a forma como está sendo conduzida a Conferência Estadual em Sergipe, marcada para os dias 19,20 e 21/11, é demasiadamente crítica. Assim como em vários estados brasileiros, a Secretaria do Estado da Comunicação alega não ter recursos para realizar as etapas preparatórias regionais, não garantiu transporte e hospedagem para militantes e interessados do interior para a Conferência Livre, marcada para os dias 5 e 6 de Novembro, não demonstrando o menor esforço para ampliar a discussão da comunicação em Sergipe.  Alguns representantes das secretarias de estado, componentes da Comissão Organizadora Estadual, tratam a atividade de forma cínica e prepotente, alegando que ninguém do estado de Sergipe está disposto a perder o seu final de semana “para ouvir lorotas de comunicação”.

O que esperar então?

Não podemos esperar avanços concretos maiores nem louros da discussão democrática na Conferência, por conta de diversos problemas que foram levantadas dentro de todo o processo, por outro lado, mesmo com todos os obstáculos, a sociedade está se mobilizando em torno de uma pauta que até pouco tempo não fazia parte das rodas de conversa, o que precisamos agora  é que os movimentos sociais se articulem e se fortaleçam nesta experiência coletiva, e que se construa um novo modelo de comunicação pautado na concepção do direito humano e na construção de cidadania.

Carta aberta ao Presidente Lula

Companheiro Lula

Roberto Emanuel acreditava piamente que, um dia, Patrus Ananias iria contribuir para regularizar a Rádio Constelação que funcionava em Belo Horizonte, o qual se lembrava de aparecer por lá, quando em campanha, para falar para o povão.

Mas a emissora funcionava na desobediência civil. Era comunitária de fato, mas não de direito! Isto ocorria em função do Estado brasileiro ser dominado pela ditadura da mídia (Obrigado, Altamiro Borges!), sendo praticamente impossível se conseguir uma autorização para funcionamento.

Durante a Teia 2007, em novembro, em Belo Horizonte, após Roberto Emanuel conseguir chegar diante do palco elevado do Palácio das Artes, em que estavam Lula e Gilberto Gil. Ali, entregou um relatório sobre a emissora fechada brutalmente pela Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, solicitando que fosse concedida a preciosa autorização para funcionamento. Nem uma resposta sequer recebeu até hoje, apesar da simpatia demonstrada por eles, publicamente, naquele momento.

Enquanto isto milhares de emissoras comerciais (algo em torno da metade) funcionam impunemente com suas outorgas vencidas, algumas a mais de dez anos.

Sensibilizado, Lula disse peremptoriamente: "Este governo tem uma dívida com as rádios comunitárias." Na ocasião, escrevi um artigo sobre o assunto (clique aqui), e,posteriormente, outro (clique aqui), já sobre uma proposta de decreto que piorava ainda mais a situação atual, por detrás de uma esperança de solucioná-la.

Quando em campanha, Lula proclamava ser o maior defensor das RadCom, e, paradoxalmente, seu governo foi o que mais as perseguiu. Algo como Collor acusar o candidato Lula de pretender bloquear as cadernetas de poupança e, depois, ele próprio fazer o que condenava no outro.

Lula: Por que seu governo, ao invés de perseguir estas pessoas, não cumpre a lei 9612/1998, que regulamente as RadCom e ordena ao poder concedente estimular seu bom funcionamento?

Pois é, Lula! Roberto Emanuel não pôde esperar pelo pagamento de sua dívida confessa com as RadCom… Ele faleceu hoje. E, coincidentemente, recebi a notícia quando Patrus Ananias discursava sobre comunicação no Seminário Metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Procuramos o ministro, para informá-lo do fato, e ele se lembrou de quem se tratava. Muito simpaticamente, solicitou que apresentássemos à família do defunto, suas condolências.

Roberto Emanuel era cego e afrodescendente. Foi presidente da Anadefi – Aliança Nacional dos Deficientes Físicos. Era também um ardoroso militante no movimento pela regularização da radiodifusão comunitária, nos termos do Pacto de São José da Costa Rica e Carta dos Direitos Humanos da ONU. Era um dos que operava a Rádio Constelação, um exemplo de emissora para as demais, e talvez a única sob responsabilidade de pessoas com tais limitações.

Lula: Continuamos aguardando que você honre sua promessa de defender nossa emissoras, reparando os danos causados por seu governo e antecessores, a milhares de cidadãos honestos, presos como se fossem traficantes, como ocorreu com Roberto Emanuel.

São brasileiros e brasileiras que acreditaram na liberdade de expressão como um direito humano e ousaram enfrentar o oligopólio da mídia, desobedecendo uma legislação feita para impedir que os mais pobres tenham voz e possam ser protagonistas de sua própria visão de mundo, interagindo com seus iguais.

Durante seu governo, Lula, tivemos dois Grupos de Trabalho, um deles interministerial, sobre RadCom, um deles, criado por decreto de sua autoria, cujos relatórios você ou seus assessores arquivaram numa lata de lixo qualquer.

Quem quiser manifestar seus sentimentos e/ou participar das efemérides, basta ligar para (31) 9921 5599, pois ainda não está definido local e horário para o velório. Alguns familiares estão aguardando as devidas providências no IML.

(*) Heitor Reis é um subversivo, indivíduo perigoso do ponto de vista dos milicos, de Gilmar Mendes e de qualquer um que esteja satisfeito com o atual sistema político, econômico e social. Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista.

Meios de comunicação contra democratização dos meios de comunicação

Na contramão das potências capitalistas ocidentais, governos latino-americanos, os bolivarianos particularmente, estão dando exemplo numa batalha essencial dos tempos sombrios a que estamos condicionados. Insurgem-se contra o estabelecimento da barbárie cultural que vem ameaçando seus povos por conta da crescente concentração de poder, político e econômico, em mãos dos grandes meios de informação privados. Ousam propor, e aprovar, legislações que estabelecem controles democráticos sobre esses meios, e as executam.

Em função de tal "heresia", tornam-se alvo de ataques incessantes e crescentes dos tentáculos da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), essa Internacional orgânica que acumplicia os controladores dessas corporações mediáticas aos setores mais reacionários dos diversos países do continente. São tratados como protoditatoriais, e outros epítetos do gênero. Alvos, enfim, de belicosidade, sequer original, pois que vem de longe.

Já na Revolução Francesa do fim do século XVIII, Robespierre, numa de suas monumentais disputas retóricas na tribuna da Convenção, era peremptório na definição do poder dos formadores de opinião. "Os jornalistas têm nas mãos o destino dos povos. (…) Assim como os príncipes calculam suas forças pela quantidade de seus soldados e pelos recursos de suas finanças, os chefes de facções rivais entre nós calculam as deles pelo número de cronistas que podem patrocinar", afirmava ele, e dava exemplo prático, a partir do seu embate com La Fayette. O "herói de dois mundos", então passado para o campo da burguesia, obtivera, através do controle sobre jornalistas influentes, "mais conquistas, no espaço de alguns meses, do que poderia ter alcançado na Revolução, durante meio século, à frente de um Exército". A quem interessar, este trecho é extraído de obra importantíssima, editada pela Contraponto: "Discursos e Relatórios na Convenção".

Mas retornando ao grão. Se já era assim quando a mídia se restringia a quase panfletos mal impressos, distribuídos entre populações com altíssimo nível de analfabetismo, não é difícil imaginar por que, com o avanço tecnológico gigantesco, o terreno se transformou numa arena quase principal do confronto entre o mundo do trabalho e as classes dominantes, nos dias atuais. Cabendo aos governos, por via de conseqüência, se definir por campo exatamente a partir da posição que tomam em relação ao conceito de "liberdade de expressão".

Se ousarem considerar que é um direito social, estarão entrando em choque com o grande capital, onde o conceito é avaliado pela maior ou menor capacidade de transformar notícia e informação, para além de ferramenta de poder, em produto, valor de troca; em mercadoria geradora de lucro, no mais das vezes pantagruélicos.

O caso mais recente é o que concerne à divulgação da nova lei do audiovisual na Argentina. A ler a correspondente do Globo, em Buenos Aires, com matérias valorizadas nas manchetes de página, a reforma estaria sendo enfiada goela abaixo do Congresso e da população por um poderoso governo, controlado por um inqüestionável Executivo. Longe de nós entrar nas querelas e seqüelas das lutas internas entre os herdeiros do peronismo. Mas é impossível não repelir a desonestidade editorial, e a cumplicidade aí constatável do quadro assalariado de editores e redatores, que não se peja de fazer o jogo sujo dos interesses empresariais e ideológicos do grande patronato.

Pois se há algo facilmente verificável, é que poder, na realidade argentina atual, tem a própria idéia de quebra do monopólio privado sobre os meios de comunicação, e não a presidência de Cristina Kishner.

Seu grupo político foi batido em recentes eleições legislativas. Resultado previsível para governos que se pretendem populares e democráticos, mas não vão ao grão das questões essenciais.

Por que, então, vem obtendo êxito retumbante na aprovação de uma legislação que estabelece limites concretos ao monopólio do Clarin (grupo que corresponde, na Argentina, aos privilégios e exclusividades que as organizações Globo têm no Brasil)?

Porque, por conta de confronto de interesses diretos, colocou a seu lado amplos setores da sociedade civil organizada, através de um projeto que transfere para empresas de menor expressão econômica, ou para organizações não-lucrativas da sociedade civil, concessões até então abocanhadas quase monopolisticamente pelo grupo. Fato gerador de base parlamentar favorável, pois congressista burguês é capaz de tudo, menos de pôr em risco o seu mandato.

Entre os efeitos já percebidos pela população há um elucidativo: o da transmissão do futebol. Pela lei, não pode mais ser exclusividade do grupo Clarin. Passa a ser transmitido de forma mais ampla; por todas as TVs abertas, inclusive as públicas. Quanto aos clubes, tiveram sua participação na distribuição de recursos da venda significativamente ampliada. Passam a receber muito mais do que lhes tocava na venda ao grupo monopolista. Ou seja, e para citar o quadro brasileiro: fim à subordinação do horário dos jogos ao horário das novelas.

Mais ainda; estabelece-se limites de extensão de rede, e de tempo de concessão. Ninguém poderá controlar mídias distintas sobre um mesmo território. A concessão será reavaliada a cada 10 anos. Podendo, ou não, ser renovada desde que atendidas, ou não, preceitos mínimos de respeito à cidadania e ao ser direito concreto de ter acesso à informação. Para tanto, evidentemente, instrumentos de controle serão implementados.

Nada de novidade, tudo previsto em amplos debates que, na discussão do processo constitucional de 88, os segmentos brasileiros voltados para a democratização dos meios de comunicação. Mostrando que, no Brasil, se a idéia pega, se o governo Lula tivesse um mínimo de autonomia e coragem, a Globo tem muito com que se preocupar.

O que preciso ser esclarecido de forma incisiva é a necessidade de definir legitimamente o conceito de liberdade de expressão, ponto fundamental na construção de uma sociedade justa e libertária. Conceito que não tem nada a ver com a forma como é utilizado pela SIP e seus tentáculos nos diversos países. Não se trata, para ser preciso, de defender direitos empresariais sobre a concessão pública de rádio e televisão (as emissoras são simples produtoras que têm concessão sobre canais de transmissão que não lhes pertence, mas sim à sociedade como um todo).

Para receber tal concessão, que tem tempo definido, essas concessionárias se obrigam a deveres que não cumprem. Basta, aliás, consultar o capítulo de Comunicação Social de nossa Constituinte, para ver a imensa quantidade de exigências constantemente atropeladas por esses concessionários aqui no Brasil.

Quando a Globo esperneia, sabe por que o faz. Quando ataca Chavez ou Rafael Correa por não terem renovado concessões de canais que substituem partidos políticos onde a direita não consegue organizá-los, conscientemente atropela a realidade dos fatos. Omite o que esses canais são capazes de produzir para desestabilizar a ordem institucional vigente – e quem fizer um balanço honesto do papel das emissoras de tv venezuelanas no fracassado golpe contra Chavez terá infindáveis argumentos comprobatórios.

Cabe, portanto, aos que lutam pela democratização dos meios de comunicação no Brasil, ampliarem seu espectro de reivindicações para além da defesa das emissoras comunitárias. Cabe retomar os tempos em que o povo, na rua, afirmava não ser bobo, e rejeitava a rede Globo. Exigir desse governo que se diz democrático e popular a abertura de debate semelhante ao que ocorre entre nossos vizinhos continentais. Cenário realmente difícil de imaginar, quando lembramos que, distintamente do moderado Tancredo Neves – cuja primeira coletiva de imprensa foi dada no Congresso Nacional, onde afirmou não se propor a "pagar a dívida externa com o sangue do povo brasileiro" – , Lula deu a sua sentadinho no banco de ouvinte do Jornal Nacional, dirigido pelo casal apresentador e respeitando os intervalos comerciais.

* Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos.

Uma luz na discussão da banda larga para todos

Para aqueles que acompanham os debates sobre universalização da banda larga no país, uma nova alternativa lançada durante a última Futurecom trouxe luz sobre a discussão até então limitada à defesa da presença do Estado versus atendimento pelas empresas privadas de telecomunicações. É com muito entusiasmo que se vê que boas idéias vão surgindo à medida que o debate avança.

A recente proposta levantada, de que é possível universalizar a banda larga de modo similar ao que foi feito com a universalização da energia elétrica por meio do Programa Luz para Todos, é muito salutar para o debate.

O Luz para Todos (LpT) é o maior programa de universalização de energia elétrica no mundo. E tem sido considerado a mais eficiente política pública do atual governo.

Então, por que não copiá-lo para formular um Plano Nacional de Banda Larga?

Como é o LpT? É um programa de universalização com metas a serem atingidas. Para participar basta que as empresas de distribuição de energia elétrica venham a ele aderir. É um programa mantido por meio de fundos setoriais de energia elétrica como a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e a RGR (Reserva Global de Reversão), recursos já gerados no próprio setor elétrico. O governo federal controla a tarifa e preços praticados e seus impactos com a universalização; e as empresas que anteciparem suas metas de universalização são beneficiadas, inclusive, com recursos a fundo perdido que podem chegar a 100%. Há um mix de participação de recursos. Os estados federados participam, o governo federal participa por meio de fundos e com financiamento próprio da Eletrobrás. As concessionárias também entram com recursos próprios.

Já o cidadão ou consumidor só participa pagando a sua conta com tarifa diferenciada no final do mês. Não há luz de graça para ninguém. Há, sim, a conjugação de outros programas sociais para possibilitar uma forma de gerar renda ao novo consumidor, para que ele possa pagar pelo seu consumo.

Mas, como nesse setor a tarifa é equalizada em todo o país, há uma equação complexa que deve ser analisada. Existem situações em que não pode haver elevação de tarifa com a implantação do LpT; há outras em que pode.

No setor de telecomunicações também há uma complexidade envolvendo concessionárias e autorizadas, com serviços distintos que vão do STFC ao SMP, passando pelo SCM com tecnologias e plataformas distintas. Também há fundos gerados no próprio setor, como o Fust, Fistel e Funttel.

No Amapá, onde a concessionária estatal de energia elétrica não conseguiu implantar o Programa, por estar inadimplente e ser deficitária, uma empresa federal, a Eletronorte, está realizando os investimentos necessários para que sejam feitas as ligações. Ou seja, o Estado está garantindo o serviço onde o concessionário não tem interesse ou não pode. Mas só neste caso.

Além disso, o Programa LpT está fortemente submetido a um bom modelo de governança regulatória, e uma gestão democrática está assegurada pela participação da sociedade civil organizada por meio dos seus comitês gestores nacional e estaduais.

Quando o LpT foi pensado, em 2003/2004, imaginava-se também que melhor seria o Programa ser operado por um ente público estatal para concorrer com as empresas privadas e assegurar que fosse implantado onde não houvesse interesse nem retorno para as empresas de energia elétrica, já que a sua grande maioria é privada.

E esse debate oscilava entre o pragmatismo tecnocrata e o ideologismo estatal. Mas prevaleceu a solução que dá eficácia ao modelo regulado do setor elétrico. Para isso, foi preciso garantir ao Ministério de Minas e Energia o poder de formular políticas e à agência reguladora setorial, a Aneel, mais autonomia para regular e fiscalizar os programas de universalização de energia elétrica.

Prevaleceu, assim, o entendimento de que seria mais efetivo destinar recursos já existentes no próprio setor para implantar o Programa e colocar as distribuidoras de energia elétrica – públicas e privadas – para implantá-lo. E foi uma guerra, pois as empresas privadas e também as estatais resistiam em tomar recursos públicos ao mesmo tempo em que tinham receio de elevar os seus custos de serviço e aumentar os gastos com operação e manutenção e não poder repassá-los para as tarifas e preços, devido ao alto rigor regulatório estabelecido pela Aneel. Ocorre que no setor elétrico já havia um modelo de custos! Ainda bem.

Esse pode ser o caminho para o setor de telecomunicações levar banda larga para todos como uma política pública eficaz.

Enfim, pode-se dizer que há uma luz acesa que deveria ser bem analisada e discutida no âmbito do grupo criado no governo. E foi acesa em boa hora. Leva-se energia para a população e logo em seguida chega a banda larga.

Em 2011, luz e banda larga para todos!

* Israel Fernando de Carvalho Bayma é engenheiro eletricista/eletrônico, pesquisador do LapCom, da UnB, ex-Diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte e ex-Coordenador do Programa Luz para Todos na Região Amazônica. É membro do Conselho Consultivo da Anatel, como representante da Câmara dos Deputados.

Por novos critérios para a análise das concessões de TV

[Título original: Acerca dos critérios para as outorgas do espectro eletromagnético]

Numa tentativa de contribuir para a criação de critérios claros que possam pautar o debate sobre as concessões e renovações dos canais de televisão, cujos espectros são públicos, propomos uma reflexão sobre a questão dos conteúdos televisivos, mais precisamente, sobre os dramatúrgicos ou ficcionais, dentro do atual contexto da CONFECOM, a ser realizada em dezembro deste ano de 2009.

Evidentemente, a questão dos conteúdos audiovisuais precisa ser, urgentemente, considerada ponto de pauta dessa importante avaliação acerca da possível oportunidade de renovação ou concessão de um bem público a uma empresa privada.

Não há, aqui, necessidade de uma longa explicação sobre a evidente responsabilidade social de uma empresa de negócios particulares diante de uma concessão de direito público, onde um bem coletivo é outorgado para exploração de lucros privados, o que, sem dúvida, deve vir acompanhado de exigência de retorno e contrapartida de interesse coletivo. Nesse sentido, não só questões administrativas e jurídicas devem ser analisadas e julgadas, mas, também, a questão que chamamos hoje de conteúdo, dentro da terminologia adotada pela área do audiovisual. Isso, claro, porque é nesse espaço de natureza cultural que se justifica e se realiza a oferta da contrapartida mais interessante para o público que é usuário e receptor dos processos de comunicação que daí decorrem.

Abrimos, aqui, espaço para um amplo debate cultural, importante hoje para o país que se desenvolve economicamente a passos largos, mudando nossa história de subdesenvolvimento e dependência. Qual a cultura que os meios de comunicação comerciais estão oferecendo e mais claramente falando: impondo aos telespectadores, receptores passivos? Questão de mensagem dentro do processo comunicativo, onde a interatividade possibilitará a troca alterando significativamente o quadro atual? No momento, vale levantar questões fundamentais para que a democracia se exerça verdadeiramente, já que os emissores, criadores dos conteúdos, são responsáveis pela transmissão de padrões culturais que nem sempre são apresentados como reflexos culturais pré-existentes, mas como sugestões, parâmetros e paradigmas moduladores da face cultural e antropológica do país.

Uma emissora privada tem realmente o direito de impor, propor, decidir sozinha o conteúdo, a voz, a essência, o fundamento, o teor, a forma, o desenho, a alma de nossa cultura, nossa expressão antropológica, como se aquilo fosse a verdade absoluta da nossa expressão coletiva, profunda, autêntica, histórica, democrática, popular?

Abordando a questão dramatúrgica propriamente dita, relembro Brecht, para quem a dramaturgia é um dos instrumentos mais fortes de interação, modificação, atuação, transmissão de idéias, mobilização, enfim, poderoso processo de despertar do senso critico, transformando cada um em sujeito da transformação histórica ou manipulando catarticamente e reduzindo em objetos passivos seres mergulhados em fortes emoções capazes de reduzir capacidades de avaliação lúcida dos conteúdos apresentados.

O que faz hoje nossas dramaturgias televisivas, ou seja: nossas telenovelas, acompanhadas com paixão diariamente pelo público? Qual a proposta dos emissores de poderosos conteúdos culturais capazes de modificar e não somente reproduzir costumes, no sentido de expressão cultural de um povo? Nossa cultura é mesmo e tão somente aquela que está estampada nas pequenas e às vezes grandes telas dentro das casas brasileiras? Serão espelhos? Serão proposições, sugestões? Que efeitos produzem socialmente? Quais padrões e propostas apresentam? Que cultura é essa?

Alguns diriam: querem tirar nossas liberdades. Porém, a liberdade de cada um termina quando começa a do outro. E agora, começa a era das liberdades populares. Tem o povo o direito de dizer não a um conteúdo? Estarão as TVs comerciais invadindo direitos democráticos dentro das casas ao colocarem, nas telas, dramaturgias que, na verdade, não estariam expressando a cultura dos que assistem ou não estariam propondo uma cultura de interesse público? Todos nós queremos mesmo a atual teledramaturgia veiculada como expressão máxima de um universo de celebridades dentro do qual cada cidadão é obrigado a se posicionar como manda um rígido código cultural, com valores, visão de mundo, verdades e onde nada é por acaso, desproposital, ingênuo ou sem intenções.

Vamos, sim, discutir se o conteúdo ficcional veiculado como padrão cultural é mesmo de interesse público. Ao menos o público tem o direito de opinar se quer ou não outorgar seu espectro para uma empresa privada colocar suas histórias, seus folhetins, suas ficções como se fossem os únicos possíveis. Vamos contar nossas histórias e propor um folhetim verdadeiramente popular para que nossa expressão ficcional máxima e democrática invada também as telas e as casas em todos os recantos deste vasto mundo, nossa cultura. Vamos nos apropriar de nossa antropologia, como um gestus brechtiano.

Quanto aos critérios, como ponto de pauta para a CONFECOM, sugiro uma comissão formada por: diretores de cinema, televisão e teatro, dramaturgos, professores de literatura, educadores, psicólogos e antropólogos, para que se abra um verdadeiro debate sobre a questão dos conteúdos audiovisuais ficcionais como ponto fundamental de pauta para avaliação sobre outorgas e renovações dos nossos espectros eletromagnéticos públicos, relembrando que já está presente na nossa Constituição a recomendação de que sejam observados critérios educativos e culturais, dentro da área da Comunicação. A CONFECOM deve ter como objetivo estruturar melhor esse item constitucional.

Finalmente, então, vale ressaltar que somente a realização da CONFERÊNCIA NACIONAL DE COMUNICAÇÃO poderá criar um marco regulatório capaz de definitivamente estabelecer novos paradigmas para nossa cultura.

* Heloisa Toledo Machado é professora do Curso de Cinema e da Pós-Graduação em Ciência da Arte, da Universidade Federal Fluminense (UFF).