Carta aberta ao Presidente Lula

Companheiro Lula

Roberto Emanuel acreditava piamente que, um dia, Patrus Ananias iria contribuir para regularizar a Rádio Constelação que funcionava em Belo Horizonte, o qual se lembrava de aparecer por lá, quando em campanha, para falar para o povão.

Mas a emissora funcionava na desobediência civil. Era comunitária de fato, mas não de direito! Isto ocorria em função do Estado brasileiro ser dominado pela ditadura da mídia (Obrigado, Altamiro Borges!), sendo praticamente impossível se conseguir uma autorização para funcionamento.

Durante a Teia 2007, em novembro, em Belo Horizonte, após Roberto Emanuel conseguir chegar diante do palco elevado do Palácio das Artes, em que estavam Lula e Gilberto Gil. Ali, entregou um relatório sobre a emissora fechada brutalmente pela Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, solicitando que fosse concedida a preciosa autorização para funcionamento. Nem uma resposta sequer recebeu até hoje, apesar da simpatia demonstrada por eles, publicamente, naquele momento.

Enquanto isto milhares de emissoras comerciais (algo em torno da metade) funcionam impunemente com suas outorgas vencidas, algumas a mais de dez anos.

Sensibilizado, Lula disse peremptoriamente: "Este governo tem uma dívida com as rádios comunitárias." Na ocasião, escrevi um artigo sobre o assunto (clique aqui), e,posteriormente, outro (clique aqui), já sobre uma proposta de decreto que piorava ainda mais a situação atual, por detrás de uma esperança de solucioná-la.

Quando em campanha, Lula proclamava ser o maior defensor das RadCom, e, paradoxalmente, seu governo foi o que mais as perseguiu. Algo como Collor acusar o candidato Lula de pretender bloquear as cadernetas de poupança e, depois, ele próprio fazer o que condenava no outro.

Lula: Por que seu governo, ao invés de perseguir estas pessoas, não cumpre a lei 9612/1998, que regulamente as RadCom e ordena ao poder concedente estimular seu bom funcionamento?

Pois é, Lula! Roberto Emanuel não pôde esperar pelo pagamento de sua dívida confessa com as RadCom… Ele faleceu hoje. E, coincidentemente, recebi a notícia quando Patrus Ananias discursava sobre comunicação no Seminário Metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Procuramos o ministro, para informá-lo do fato, e ele se lembrou de quem se tratava. Muito simpaticamente, solicitou que apresentássemos à família do defunto, suas condolências.

Roberto Emanuel era cego e afrodescendente. Foi presidente da Anadefi – Aliança Nacional dos Deficientes Físicos. Era também um ardoroso militante no movimento pela regularização da radiodifusão comunitária, nos termos do Pacto de São José da Costa Rica e Carta dos Direitos Humanos da ONU. Era um dos que operava a Rádio Constelação, um exemplo de emissora para as demais, e talvez a única sob responsabilidade de pessoas com tais limitações.

Lula: Continuamos aguardando que você honre sua promessa de defender nossa emissoras, reparando os danos causados por seu governo e antecessores, a milhares de cidadãos honestos, presos como se fossem traficantes, como ocorreu com Roberto Emanuel.

São brasileiros e brasileiras que acreditaram na liberdade de expressão como um direito humano e ousaram enfrentar o oligopólio da mídia, desobedecendo uma legislação feita para impedir que os mais pobres tenham voz e possam ser protagonistas de sua própria visão de mundo, interagindo com seus iguais.

Durante seu governo, Lula, tivemos dois Grupos de Trabalho, um deles interministerial, sobre RadCom, um deles, criado por decreto de sua autoria, cujos relatórios você ou seus assessores arquivaram numa lata de lixo qualquer.

Quem quiser manifestar seus sentimentos e/ou participar das efemérides, basta ligar para (31) 9921 5599, pois ainda não está definido local e horário para o velório. Alguns familiares estão aguardando as devidas providências no IML.

(*) Heitor Reis é um subversivo, indivíduo perigoso do ponto de vista dos milicos, de Gilmar Mendes e de qualquer um que esteja satisfeito com o atual sistema político, econômico e social. Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista.

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