“Alfabetização midiática como ferramenta de transformação”. Essa foi a tese defendida por Alton Grizzle, representante da Divisão de Liberdade de Expressão e de Desenvolvimento da Mídia, vinculada à Organização das Nações Unidas para a Educação, Comunicação e Cultura (Unesco), em seminário realizado hoje, 7 de novembro, no Congresso Nacional, em Brasília (DF).
Grizzle defendeu a posição durante sua palestra no seminário “Educação Midiática e Informacional no Brasil”, que teve como objetivo debater experiências de educomunicação nas escolas brasileiras e dar a conhecer o projeto “Alfabetização Midiática e Informacional”, da Unesco.
O representante do escritório central da Unesco, em Paris, enfatizou que a entidade usa o termo “informação e alfabetização midiática” para o que no Brasil estamos chamando de educomunicação. Tratar sobre o tema, na sua avaliação, é uma forma de “transformar a vida dos jovens no país”.
Para ele, a má compreensão ou a falta de compreensão a respeito da mídia, da comunicação, das bibliotecas, da informação inicia-se na mente dos homens e das mulheres, e é na mente dos homens e das mulheres que se deve corrigir esse mau uso. Grizzle relata que o trabalho da Unesco sobre a temática sse concentra em fortalecer o uso livre e democrático da mídia.
“Vivemos num mundo virtual. Acredito que grande parte de nós pode se entender em algum lugar deste mundo. Seja no mundo da televisão, do Facebook ou do Radiopélago, nós vivemos num mundo virtual. Tudo que fazemos, tudo que aprendemos sobre o mundo ao nosso redor é mediado neste mundo virtual”, aponta ele, refletindo sobre a relevância da alfabetização midiática para que se comunique e se informe eticamente.
Grizzle enfatizou a necessidade de que se reconheça que cada cidadão é co-criador da informação e do conhecimento e que tem uma mensagem a dizer. Dessa forma, deve ser empoderado para que possa acessar os meios para expressar a sua própria comunicação. Respondendo à crítica de conselheiros do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, sobre a função jornalística nos projetos, ele foi enfático: “Jornalismo para cidadão não substitui jornalismo profissional. É complemento”.
Educação midiática
A iniciativa de realização do seminário partiu do conselheiro Ismar de Oliveira Soares, que também preside a Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom). Para ele, é necessário discutir sobre a contribuição que um programa de educação midiática e informacional pode oferecer para a melhoria dos processos educativos, “tanto na educação formal escolar quanto na educação não formal, na família e nas organizações sociais”.
Soares lembrou que o tema do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, ressalta As possibilidades da educomunicação, que permite aos estudantes uma oportunidade de compreender questões de relacionamento e de contextos sociais da sociedade brasileira.
“Para alguém ter tido um bom desempenho na prova do Enem, era necessário que tivesse tido também uma educação midiática e informacional que correspondesse a essa necessidade. Estamos falando de algo relativo ao currículo das escolas e algo relativo à prática social, especialmente no que se refere ao direito de conhecer o sistema de comunicação e de nele intervir a partir da perspectiva da cidadania”, destacou Soares.
Analfabetos funcionais
Conforme Raquel Paiva, professora e pesquisadora do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nas duas últimas semanas um conceito muito utilizado nas décadas de 1970 e 1980 tem voltado a figurar na mídia, o dos “analfabetos funcionais”, referindo-se principalmente à condição suscetível de manipulação.
“Até o início do século passado, nós tínhamos instituições responsáveis por fazer a mediação entre o homem e o mundo. Tínhamos o trabalho, a escola, a família, a religião, a política. Enfim, estruturas que eram responsáveis por realizar essa mediação, ou seja, explicar o mundo para o sujeito, inserindo o sujeito no mundo. Entretanto, tudo isso mudou. Essas instituições foram completamente invadidas pelo que nomeamos midiatização, o que significa neste momento a concretização total do domínio da informação, com os seus valores e regras”, ressalta paiva
Paiva defende que o poder midiático seja reconhecido como tal, como primeira medida de enfrentamento à situação. “O não reconhecimento significa adotarmos a compreensão de que se trata de algo natural, da natureza, e não é. Trata-se de um sistema, e este sistema carrega as imperfeições da natureza humana. Então, se temos um sistema político voltado para a inclusão social, o sistema de produção de mensagens é aberto a todos, os quais passam a atuar não apenas como consumidores da produção. Se, por outro lado, temos um sistema de concentração de empresas responsáveis pela produção dessas mensagens [entretenimento e notícias], as pessoas são, em maior número, meros consumidores passivos”.
A pesquisadora defende a necessidade de ser sistematizada a leitura crítica da produção midiática de forma a reduzir “o fascínio e, consequentemente, o pouco questionamento crítico da produção”. Ela professora lembrou que alguns institutos e teóricos já se preocuparam com a força dessa estrutura midiática e como esse quadro poderia transformar a humanidade, caso do relatório MacBride. “Esse relatório – Many voices, one world (Muitas vozes, um só mundo) – foi divulgado em 1980, na Conferência Geral da Unesco, e chocou o mundo. Por quê? Além do diagnóstico, propunha uma nova ordem comunicacional, buscando promover a paz e o desenvolvimento humano”, enfatizou ela, lamentando que o relatório nunca tenha sido efetivamente executado – embora tenha permanecidocomo um referencial teórico para aqueles que acreditam na democratização da comunicação.
Educomunicação na prática
Nessa perspectiva, as estudantes Clarice Villari, do Dante Alighieri, e Maria Eduarda Silva de Oliveira, da Escola de Ensino Fundamental Casablanca, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, apresentaram o projeto “Educom.geraçãocidadã.2016”, uma experiência realizada entre as duas instituições de ensino – uma particular e a outra pública – com a implementação de práticas de educomunicação voltadas para a alfabetização em educação midiática e informacional. As escolas já possuíam projetos de educomunicação e, por iniciativa do professor Ismar Soares, realizaram A ação em parceria.
“Fomos apresentados ao projeto na mesma semana e tivemos nosso primeiro contato visual via Google Hangouts. Então nós nos conhecemos um pouco virtualmente antes de nos conhecermos pessoalmente. Antes de o projeto começar, assistimos a um vídeo, que seria o início da nossa reflexão, chamado “Nós, os Povos!”, da ONU, com as 17 metas da organização. A partir desse vídeo, tivemos a nossa reflexão inicial sobre o mundo, que depois daria origem à maioria das atividades do projeto”, declarou Clarice Villari.
De acordo com Maria Eduarda de Oliveira, a iniciativa proporcionou uma compreensão melhor sobre a mídia. “Foi uma contribuição muito grande para nossas vidas, uma nova forma de ver um mundo e de ser mais críticos ao que está ao nosso redor”. O Educom.geraçãocidadã.2016 possui página no Facebook e um canal no YouTube, onde estão reunidas a informações sobre o projeto.
Saber interpretar a mídia
A proposta central dos temas que envolvem educomunicação e alfabetização midiática é a de habilitar pessoas de todas as idades, de todos os sexos e de qualquer nível de instrução a ler, a interpretar a produção que hoje é responsável por expressar valores e ditar na sociedade o que deve ser feito e aceito. A importância desse tema é visível ao se observar os dados da Pesquisa Brasileira de Mídia de 2015, elaborado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, junto com o Ibope: a TV segue sendo a principal fonte de informação e entretenimento para 95% da população, com os jovens de 14 a 25 anos assistindo uma média de quatro horas diárias. O uso da mídia digital aparece em segundo lugar, alcançando 48% dos brasileiros, com um consumo de 5 horas diárias. O principal acesso da mídia digital são as redes sociais, em especial, o Facebook.
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação