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Os absurdos da fusão da Oi com a Portugal Telecom

A Oi é fruto de uma história repleta de absurdos. A montagem do consórcio que comprou a Telemar no processo de privatização foi chamada, pelo próprio ministro que coordendou a venda, de “rataiada”. Durante muito tempo, BNDES, Previ e Petros foram seus principais acionistas, mas, por motivos desconhecidos, renunciaram ao direito de dirigir a empresa em prol de dois sócios privados: Carlos Jereissati (irmão de Tasso Jereissati, liderança tucana) e Sérgio Andrade (da construtora Andrade Gutierrez e um dos principais financiadores das campanhas de Lula). O governo alterou o Plano Geral de Outorgas (PGO) exclusivamente para permitir que a Telemar comprasse a Brasil Telecom, se transformando na atual Oi. E, aos poucos, os sócios estatais foram se retirando da empresa, em condições ainda não totalmente esclarecidas, e em benefício dos dois sócios privados nacionais e da Portugal Telecom. Uma história de escândalos que só fazem aumentar.

Atualmente, a Oi é uma empresa em sérios problemas. Sua dívida ultrapassou os R$ 30 bilhões, mesmo depois da venda de ativos importantes como todas as suas torres de telefonia celular e seus cabos submarinos. Sua infra-estrutura envelhece e não está em condições de prover o acesso a Internet com a velocidade e qualidade que os anos futuros necessitarão. Como resultado disso, seu valor de mercado vive depreciado e a empresa hoje vale menos de R$ 9 bilhões.

Mas, talvez o maior dos absurdos de sua história esteja acontecendo justamente agora, no processo de fusão com a Portugal Telecom, empresa que já detém cerca de 25% da Oi.

Os sócios da Portugal Telecom não aportarão um único real na fusão entre as empresas e entrarão apenas com o patrimônio da própria Portugal Telecom. O valor da empresa portuguesa foi avaliado pelo Santander, em laudo contratado pelos controladores da Oi. A área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alegou que os controladores não poderiam votar na assembléia da empresa pela aprovação do laudo que eles próprios haviam encomendado. Já a diretoria da CVM, contrariando posições da própria CVM em casos semelhantes, permitiu o voto dos controladores, o que implicou, obviamente, na aprovação do laudo.

Os controladores brasileiros (Carlos Jereissati e Sérgio Andrade) ganham duas vezes. Primeiro, porque a nova empresa assumirá a dívida dos controladores e não apenas da Oi. Segundo, porque as ações dos controladores foram avaliadas em mais de 10 vezes o valor das demais ações em bolsa, em um dos maiores prêmios por controle já pagos na história do mercado acionário brasileiro.

Como se não bastasse, o prospecto de venda das ações no mercado acionário foi considerado indevido pela CVM. Nele os controladores afirmavam que um consórcio de bancos compraria as ações que não fossem adquiridas por outros investidores. A medida, chamada de “garantia firme”, visa dar segurança de que não sobrarão papéis sem compradores, desvalorizando o preço das ações. Na verdade, contudo, os bancos garantem adquirir apenas aquelas ações cujos compradores não honrarem o negócio. As demais ações ficarão mesmo sem adquirintes. A situação ganha ares de delito quando se sabe que o prospecto direcionado ao mercado internacional não trazia essa informação inverídica de “garantia firme” pelo consórcio de bancos.

Ao final do processo, os atuais sócios da Portugal Telecom terão, direta e indiretamente, cerca de 38% da nova empresa, resultado da fusão. Some-se a isso as ações que serão vendidas para novos investidores estrangeiros. Assim, completa-se o processo que levará a última grande empresa de telecomunicações de controle nacional a ter maioria de capital estrangeiro.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Com tanto dinheiro, por que não fazemos nada assim?

É normal que todos os sistemas de dominação possuam seus próprios mecanismos de crítica consentida. Trata-se de evitar que a força da crítica acabe sendo toda canalizada por aqueles que fazem o combate sistêmico da dominação. Hollywood muitas vezes foi chamada para fazer esse papel de crítica consentida, quer seja especificamente aos Estados Unidos quer seja ao capitalismo de forma mais global.

Um dos principais mecanismos utilizados por essa crítica consentida é a escolha de alvos individuais. O malvado da vez pode ser um empresário ganancioso, um cientista louco, um político corrupto ou até mesmo o poderoso presidente norte-americano. Mas, o sistema em si permanece justo e, ao fim, acaba expurgando o mau elemento.

Mas, obviamente, as coisas não são tão dicotômicas assim e muitas vezes essa crítica consentida pode transcender seus objetivos iniciais, apontando para as entranhas do sistema de dominação. Por dispor de maior acesso aos meios de produção e pelo alcance de sua distribuição, essa crítica consentida que transcende seus objetivos iniciais pode ter um papel relevante na crítica ao próprio sistema.

Canais norte-americanos

É justamente essa externalidade que tem ocorrido agora, quando alguns canais da TV norte-americana buscam um nicho de um público adulto, órfão do cinema (cada vez mais juvenil). São canais como HBO, AMC e Starz que passaram a fazer séries voltadas a um público adulto e algumas bastante críticas ao american way of life.

Séries como The Shield (FX) e The Wire (HBO) expõem a corrupção endêmica, o racismo e as relações de classe existentes no sistema de justiça norte-americano, especialmente a polícia. Nesses casos, não se trata de uma maçã podre, mas do próprio sistema, intrinsecamente injusto e excludente. O detetive Vic Mackey, de The Shield, tem o apoio do prefeito de Los Angeles para criar um grupo autônomo de policiais com o objetivo de reduzir a criminalidade em um bairro podre da cidade, onde vivem negros e latinos. Sua estratégia é caçar os pequenos criminosos e construir uma aliança com o narco-tráfico em torno da queda dos índices de violência. O delegado que se opõe a tais métodos não age baseado em qualquer idéia de justiça, mas na ambição de se eleger vereador.

Já séries como Boardwalk Empire (HBO), Boss (Starz) e House of Cards (Netflix) tratam da corrupção na política e de suas relações promíscuas com a iniciativa privada. Tom Kane, o corrupto prefeito de Chicago interpretado por Kelsey Grammer na série Boss, aceita suborno de empreiteiras, distribui cargos no governo para sua base de vereadores, frauda licitações, manda matar oponentes, flerta com republicanos e democratas ao mesmo tempo e até aceita que a própria mulher faça sexo com outro homem para o bem de sua carreira política. Na série toda não há um único personagem que possa ser tido como herói e que atue baseado em princípios nobres. Todo o sistema está podre!

Brasil

Um dos argumentos para o uso dos mecanismos de renúncia fiscal no fomento ao audiovisual é evitar que a escolha sobre quem vai receber recursos fique toda nas mãos de um pequeno grupo de burocratas ou do próprio governo de plantão. A idéia seria evitar a censura. Na prática, contudo, as decisões hoje estão cada vez mais concentradas na Globo e nos grandes grupos de mídia transnacionais, que decidem onde serão aplicadas as verbas de renúncia fiscal (públicas, portanto).

No caso da televisão, mesmo com o aumento significativo dos recursos, os resultados ainda deixam muito a desejar. Talvez ainda por influências das novelas, o que se produz em termos de séries é muito fraco, com roteiros frágeis e descartável. Quando consegue alcançar seus objetivos, não há nada que consiga ir além do consumo rápido e despretensioso nas séries brasileiras, mesmo aquelas que consomem milhões em recursos públicos.

Quanto o Estado brasileiro ainda terá que gastar para ter algo que seja minimamente relevante do ponto de vista cultural, social e estético?

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Sem a NET, a estratégia da Globo para enfrentar o futuro

A saída da Globo do controle da NET Serviços deve ser analisada com muito cuidado. Segundo a visão deste blog, trata-se praticamente da conclusão de um processo que se iniciou há mais de dez anos, quando a Globo entrou em crise, incapaz de pagar suas dívidas. A decisão, então, foi manter o controle familiar do grupo (sem ceder participação patrimonial aos credores), mas vender quase tudo o que não estivesse relacionado diretamente com a produção de mídia.

Foram vendidas fazendas, uma financeira (Roma), uma construtora (São Marcos) e vários outros negócios, muitos deles ligados à comunicação. A Globo deixou o controle da subsidiária da NEC no Brasil, praticamente encerrou as atividades de sua gravadora Som Livre, fechou a distribuidora Globo Vídeo e o varejo da Globo Disk, saiu da Teletrim, da TV portuguesa SIC e da Maxitel (atualmente parte da TIM), vendeu a empresa de telecomunicações Vicom e a gráfica Globo Cochrane e liquidou o sonho de uma operadora de parques temáticos.

Essa redução implicou, também, em desistir do mercado internacional. Embora importante como estratégia de divulgação, o lucro com a venda de novelas para outros países sempre foi residual no faturamento da Globopar. Ao mesmo tempo, a Globo International jamais ambicionou ser nada além de um canal para brasileiros vivendo fora do seu país.

Concorrentes nacionais

Na crise a Globo não esteve sozinha. Praticamente todos os grandes grupos de mídia brasileiros também reduziram suas ambições neste mesmo período. Hoje, a Globo tem receita líquida anual maior do que a soma de Record, SBT, Grupo Bandeirantes, RedeTV, Folha de São Paulo, Grupo OESP, UOL, RBS e Abril. Adversários como JB e Manchete ficaram pelo caminho. Some-se à fragilidade e incompetência dos outros grupos brasileiros de mídia, a atuação dos sucessivos governos, que, seja como regulador ou como fomentador, jamais demonstraram vontade de encarar o poderio da família Marinho.

Concorrência estrangeira

Mas, o cenário é completamente diferente quando se analisa os adversários estrangeiros.

Enquanto vendia a NET Serviços para Carlos Slim, a Globo assistiu a Televisa impedir o mesmo Slim de entrar no mercado mexicano de TV a cabo ao mesmo tempo em que investia no mercado de telefonia celular (Lusacell) e nos consumidores hispânicos que vivem nos Estados Unidos. Mas, os maiores temores da Globo não estão na América Latina.

A família Marinho teve forças para impedir que a TV aberta brasileira se tornasse interativa (mesmo tendo que praticamente banir o uso do middleware brasileiro conhecido como Ginga). Mas, ela não pode lutar contra o fenômeno das smartTVs e da chegada do video on demand. Com isso, empresas como Samsung, LG, Sony, Google, Apple e Amazon, que até então atuavam em outros mercados, passaram a disputar a audiência brasileira, em um fenômeno que só tende a crescer nos próximos anos.

Mas, há dois outros adversários ainda mais próximos. Se é poderosa no mercado nacional, a Globo não tem porte para enfrentar as operadoras de telecomunicações e os estúdios de Hollywood. Incapaz de derrotá-los em próprio solo brasileiro, a Globo partiu para uma estratégia defensiva-ofensiva.

Por pressão da Globo, a Lei 12.485 praticamente excluiu as operadoras de telecomunicações do mercado de mídia. Elas não podem ter mais do que 30% de produtoras e programadoras de TV paga e emissoras de TV aberta. E também não podem contratar os direitos de eventos de “interesse nacional” (como o Campeonato Brasileiro de futebol, a Copa do Mundo, as Olimpíadas e o carnaval da Sapucaí) ou “talentos” brasileiros (como artistas, diretores e roteiristas – exceto quando for para publicidade). Ao mesmo tempo em que constrói uma barreira contra as teles, a Globo segue associada ao grupo DirecTV (na Sky brasileira) e à America Movil (na NET).

A mesma estratégia foi adotada diante das majors norte-americanas. A Globosat mantém uma associação com Universal, Paramount, Fox, MGM e Disney nos canais Telecine, além de servir de segunda janela para a Sony-Columbia no Megapix. Mas, mantém poder de veto aos canais estrangeiros na Sky e na NET.

Com isso, a Globo busca ser um ponto de passagem obrigatório no mercado brasileiro, tentando se manter como o parceiro ideal para esses grupos transnacionais, ao mesmo tempo em que lhes dificulta a concorrência.

Futuro

A estratégia é inteligente e por enquanto vem dando certo. Mas, até quando? Ao mesmo tempo, ela é sintoma de um duplo fracasso das políticas (ou da falta delas) para as comunicações brasileiras. Exceto pela Globo (e em parte por causa dela), o país não foi capaz de criar grupos fortes de comunicação. E nossa “campeã nacional” precisa lançar mão de uma série de expedientes para impedir a concorrência estrangeira.

Não se trata nem de demonizar a Globo nem, muito menos, de uma tentativa de salvá-la dos gigantes internacionais. Mas, de reconhecer que, com Globo ou sem ela, o futuro não é nada animador para a comunicação brasileira.

Fomento X regulação no audiovisual: por uma nova agência reguladora

O governo Fernando Henrique criou um monstro chamado Agência Nacional do Cinema (Ancine), provavelmente a única agência reguladora do mundo que, ao invés de regular o conjunto do audiovisual, ainda mais em tempos de convergência de mídias, concentrava-se apenas nas salas de exibição. Para piorar, não tinha praticamente nenhum poder regulador, salvo as cotas de tela, o registro das obras audiovisuais e mais um ou outro penduricalho.

Mas, a coisa ficou realmente séria quando o órgão regulador se tornou o principal fomentador do audiovisual brasileiro. Mal comparando, seria como fundir o BNDES e o CADE numa mesma instância. Enquanto uma parte do novo órgão busca criar agentes econômicos grandes e sustentáveis, uma outra parte busca regular a concorrência e evitar práticas predatórias. Ora, o conflito entre as duas atribuições é óbvio e, no caso da Ancine, só não ocorreu ainda porque a agência é praticamente desprovida de capacidade regulatória.

Mas, dada a importância de seu fomento, era inevitável que boa parte de seu tempo, de seus recursos humanos e de sua atenção se voltasse para as diferentes formas de custear o produtor audiovisual e que ela fosse vista pelo mercado e a sociedade civil como um mero escritório de fomento.

A aprovação da Lei 12.485/2011 deu novas atribuições regulatórias para a agência e este cenário, ao contrário de beneficiar a Ancine, provavelmente irá acentuar ainda mais as contradições e debilidades de um órgão de fomento que eventualmente também regula.

Sendo assim, quando o governo se prepara para apresentar um proposta de marco regulatório para as comunicações, seria fundamental propor reformas na Ancine. A primeira delas, a mais óbvia, seria separar fomento de regulação.

A “porção regulatória” da Ancine poderia se tornar uma agência reguladora do audiovisual (como fazem, em geral, os países da Europa continental) ou ser reunida num mesmo organismo com a agência reguladora da infra-estrutura das comunicações, no caso brasileiro a Anatel (como fazem Estados Unidos e Reino Unido). Particularmente, prefiro a primeira opção, porque evita que o debate sobre as telecomunicações termine por subjugar o debate sobre o conteúdo e também estimula uma política mais específica para a regulação do audiovisual.

Já a “porção fomentadora” poderia vir a compor um novo organismo, cuja maior responsabilidade seria a administração do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Este novo organismo deveria ter uma figura jurídica que lhe permitisse atuar como agente financeiro do audiovisual, eliminando as atuais distorções de uma agência reguladora que precisa terceirizar praticamente toda a sua atividade de fomento direto.

Mas, principalmente, esse poderia ser o começo do fim da renúncia fiscal, já que o novo FSA, com os recursos advindos da lei 12.485, seria capaz de suportar sozinho o fomento ao audiovisual brasileiro. Assim, colocaríamos fim a um modelo de fomento totalmente distorcido, que entre outras mazelas permite que radiodifusores e estúdios norte-americanos tenham até 49% do patrimônio das obras brasileiras (ditas “independentes”) sem precisarem gastar um único tostão. Um modelo que não foi capaz de criar empresas sustentáveis, que aumentou a produção sem aumentar o market share das obras brasileiras e que inflacionou custos.

O debate sobre o novo marco regulatório para as comunicações pode ser o momento de constatarmos que o atual modelo é prejudicial tanto para a regulação quanto para o fomento ao audiovisual brasileiro e que precisamos dar um passo além. Do governo, espera-se a coragem necessária…


Gustavo é mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ) e integrante do Coletivo Intervozes. É servidor público concursado, especialista em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual. É autor do Blog do Gindre: www.gindre.com.br

O fracasso da TV digital aberta

Falta alguém com a competência, seriedade e disponibilidade de um Daniel Herz para escrever a necessária história da digitalização da TV aberta no Brasil. E revelar que, sob quaisquer aspectos, trata-se de um retumbante fracasso.

O Decreto 4.901/2003 permitiu a criação de vários consórcios de universidades e centros de pesquisa, organizados em torno de 20 editais para o desenvolvimento de soluções para diferentes tecnologias ligadas à TV digital, como antenas inteligentes, modulação, entre outras. Até hoje não foi feito um balanço do resultado destas pesquisas financiadas com recursos públicos. Quais falharam (algumas, inclusive, prometendo muito)? Quais obtiveram sucesso?

Middleware e interatividade

Ao fim e ao cabo, apenas uma tecnologia nacional foi adotada pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Trata-se do middleware Ginga, mais especificamente de sua porção NCL, desenvolvida pela PUC-Rio. Mesmo assim, seu uso só será obrigatório em 2013, quando as SmartTVs da Samsung, LG e Sony já terão dominado o mercado, com seus middlewares proprietários.

Sem o middleware e sem a definição de um canal de retorno, também não foi implementada a interatividade na TV digital aberta. E com isso perdeu-se a chance de introduzir vários apps que vinham sendo desenvolvidos com foco no cidadão, como mensagens eletrônicas de utilidade pública, banco eletrônico, serviços de pré-diagnóstico e chamada de emergência, educação à distância, entre outros.

Multiprogramação e operador de rede

Provavelmente a maior vitória dos radiodifusores foi ter evitado a adoção da figura do “operador de rede”. Com ele, ao invés de cada radiodifusor instalar suas próprias estações de transmissão, uma única empresa seria escolhida para receber o sinal de todos os radiodifusores e transmiti-lo para a casa dos usuários. Haveria uma evidente redução de custos, uma isonomia na qualidade do sinal e, principalmente, não se entregaria um canal inteiro para cada radiodifusor, permitindo otimizar o uso do espectro.

Sem o operador de rede, cada radiodifusor recebeu o equivalente a um canal inteiro de 6 Mhz. Este espaço, antes necessário para transmitir uma única programação analógica, hoje, com a digitalização, permite disponibilizar várias programações simultaneamente. Mas, ao entregar um canal inteiro para cada radiodifusor, o governo terminou impedindo que haja espaço (pelo menos enquanto houver também a transmissão analógica) para a entrada de novos radiodifusores. Continuamos, portanto, nas mãos do atual oligopólio.

Para piorar, como cada radiodifusor terá que construir sua própria infra-estrutura de transmissão, com geradora, retransmissoras e repetidoras, o governo decidiu criar uma linha de financiamento do BNDES, com condições vantajosas, chamada Pro-TVD. Ou seja, somos nós, os trabalhadores que ajudamos a custear o FAT, que por sua vez alimenta o BNDES, que estamos pagando para não ter mais radiodifusores. Genial, não?

Exportando o modelo

Sem tecnologias nacionais, o SBTVD, na verdade, é a adoção do sistema japonês, conhecido como ISDB-T, cuja propriedade intelectual que pagamos pertence a empresas como Sony e NEC. Mas, não satisfeito em pagar pelo uso no Brasil, nosso governo resolveu financiar a adoção do ISDB-T nos demais países sul-americanos (exceto a Colômbia, que optou pelo sistema europeu). Ou seja, estamos financiando a adoção de tecnologias japonesas por países sul-americanos. E o máximo que vamos conseguir é a instalação de “montadoras” japonesas no Brasil, que trarão seus kits para serem montados aqui e exportados para nossos vizinhos. O lucro dessas “montadoras”, claro, será enviado para fora, a fim de pagar royalties às matrizes.

700 Mhz

Mas, os radiodifusores, como sempre, já pensam além. Estão de olho na faixa de espectro que sobrará com o fim da transmissão analógica da TV aberta. Essa mesma faixa pode ser utilizada para disponibilizar banda larga à população, mas os radiodifusores querem permanecer com este espectro, embora não consigam dizer claramente o que farão com ele. E, discretamente, começam a sinalizar que não terão como cumprir o prazo de 2016 e que precisarão de mais tempo para desligar a TV analógica.

Próceres

Sob qualquer ângulo que se olhe, a digitalização da TV aberta é um fracasso. Não desenvolvemos tecnologias nacionais e a única possível vai chegar tarde. Estamos pagando para que os brasileiros e os demais sul-americanos tenham acesso a uma tecnologia que não é nossa. Não haverá multiprogramação, nem tampouco interatividade. Ou seja, a propalada alta definição (na verdade, 720p ou 1080i) nos chegará pelos mesmos radiodifusores, com a mesma programação de qualidade duvidosa.

Mas, o mais fantástico de tudo, a cereja do bolo, é que aqueles que, em nome do Estado brasileiro, foram responsáveis por este conjunto de equívocos (para dizer o mínimo) continuam como servidores públicos, alguns gozando de relativo prestígio, sem que ninguém os responsabilize por esse crime de lesa-pátria. E sabe-se lá que boas notícias ainda nos trarão…

Gustavo é jornalista formado pela UFF, pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER) e mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ). Foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) por dois mandatos. Integrante do Coletivo Intervozes. Fellow da Ashoka Society. É servidor público concursado, especialista em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual. É autor do Blog do Gindre: www.gindre.com.br