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Frente Nacional de Prefeitos cria comissão voltada para comunicação

Embora o governo federal não dê prosseguimento formal aos encaminhamentos da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), outras peças se movem no tabuleiro das políticas de comunicação no país. A Comissão de Secretários e Gestores de Comunicação surge como um novo espaço de discussão de políticas públicas para a área. A comissão foi criada durante encontro realizado na 57ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), entre os dias 25 e 27 de abril, na cidade de Florianópolis.

O encontro de gestores de comunicação reuniu um número pequeno de representantes das prefeituras brasileiras, mas o saldo das discussões foi positivo frente a atual conjuntura de pouca participação dos municípios para aplicar políticas públicas no setor. Na avaliação de Ruth Reis, secretária de comunicação de Vitória (ES), o processo da Confecom estimulou a criação da comissão, pois apontou uma agenda a ser respondida pelo Estado.  A expectativa da representante capixaba é que este novo espaço consiga “articular os gestores para o papel do município na efetivação da comunicação como direito em prol da cidadania e de governos participativos”.  

A atividade na capital catarinense teve participação de três palestrantes, que estimularam a reflexão sobre o vasto leque de atuação das prefeituras. A grande ausência foi do convidado Marcelo Bechara, procurador da Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) e coordenador da Confecom, então como representante do Ministério das Comunicações (Minicom).

Elizabeth Brandão, professora vinculada a Universidade de Brasilia (UnB), enfatizou a necessidade dos gestores se apropriarem das redes sociais e novas tecnologias da informação. Para ela, é necessário que o poder público atualize-se nestes fluxos de comunicação para entrar em contato com a sociedade. Elizabeth também mencionou a importância da formação de Conselhos de Comunicação nas cidades.

Neste sentido, Pedro Caribé, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, sugeriu que os gestores trocassem experiências para a formação de Conselhos de Comunicação. Ele ressaltou a crescente reivindicação para que a comunicação seja compreendida como direito pelos governantes, o que inclui os prefeitos e secretários. Algumas das áreas em que as prefeituras podem atuar foram enumeradas por Caribé, como por exemplo o incentivo à diversidade cultural e política nas áreas de abrangência, além da implantação de políticas de governo eletrônico e demais mecanismos de transparência e participação.

No plano político, o representante do Intervozes lembrou a importância da FNP nos debates pela revisão do marco regulatório do setor e a emergência dos municípios ingressarem em discussões centrais para o setor das comunicações, como a Plano Nacional de Banda Larga e a TV Digital. 

Por fim, Maurício Lara, do Instituto Ver Pesquisa e Comunicação, abordou o cotidiano dos gestores e os desafios no relacionamento com a imprensa e o próprio poder público. Lara sintetizou o quanto é difícil o trabalho dos profissionais que precisam estar próximos ao poder constantemente. 

Quatro diretrizes

No encontro durante a reunião da FNP, não faltaram menções à pressão dos donos dos veículos que utilizam o poder político da imprensa para ampliar a participação nas cotas de publicidade e reclamações em relação à falta de proximidade dos demais gestores públicos com a comunicação. Os gestores também apontaram a necessidade de o governo federal desenvolver políticas que acolham o município, como alocação de recursos e estrutura para desenvolvimento de portais na oferta de serviços públicos com segurança no banco de dados.

Algumas boas experiências também foram compartilhadas, como a impressão do Diário Oficial através de consórcios apresentada por José Roberto de Mauá, no ABC Paulista. A medida foi tomada para diminuir as relações tensas com os proprietários de mídia. Em Natal, a Prefeitura investiu recentemente familiarizar todas as secretarias com o twitter e a ouvidoria.

As quatro diretrizes apontadas pelos gestores para os trabalhos da comissão foram: 1) Comunicação como direito e o Marco Regulatório; 2) Práticas de comunicação pública e governamental; 3) Comunicação 2.0; e 4) Políticas de Financiamento.

Os temas serão abordados no próximo encontro da FNP, ainda sem data marcada, mas a meta é aumentar o número de prefeituras representadas e transformar a comunicação num fórum permanente dentro da instituição, a exemplo de Desenvolvimento Econômico, Relações Internacionais e de Políticas para as Mulheres. 

A comissão também escolheu quatro coordenadores para tocar os trabalhos: Ruth Reis (Vitória-ES), Wilson Santos (Betim-MG), Jean Valério (Natal-RN) e José Roberto (Mauá-SP). A primeira tarefa do escolhidos é construir uma espaço na internet para troca de experiência dos gestores.

Políticas locais podem promover o direito à comunicação

O modelo de regulação das comunicações no Brasil e, principalmente, os problemas criados pelas suas imprecisões e omissões fazem com que as políticas públicas para o setor sejam geralmente cobradas exclusivamente do governo federal. Entretanto, um ano de eleições municipais abre a oportunidade de colocar em foco propostas nem tão inovadoras, mas pouco difundidas, sobre as possibilidades de democratização das comunicações em âmbito local.

“Usualmente, pensam-se políticas de comunicação apenas em âmbito federal”, comenta João Brant, coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. “Mas há muito a ser feito em âmbito local que pode contribuir para a democratização da comunicação”. De fato, algumas experiências já realizadas em cidades como Porto Alegre, João Pessoa, Macapá e Recife comprovam que é viável estabelecer uma comunicação governamental mais próxima ao cidadão e fomentar a comunicação pública e o protagonismo popular através de políticas municipais.

A análise parte do pressuposto de que políticas de comunicação não se referem estritamente a uma regulação do funcionamento e acesso aos meios, mas se torna essencial para uma gestão democrática a devida interação com os habitantes da cidade através da informação plena e qualificada sobre o objetivo e a consecução das políticas públicas em todas as áreas da administração. “A comunicação é uma ferramenta de participação e envolvimento da população no debate e construção de políticas públicas de todos os setores. Além disso, a comunicação é o instrumento que garante as condições para que os cidadãos estejam plenamente informados sobre seus direitos e deveres”, afirma Paulo de Tarso Riccordi, ex-coordenador de Políticas Públicas de Comunicação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre na gestão de Raul Pont (PT).

Ao mesmo tempo, os municípios podem e devem desenvolver ações que multipliquem as possibilidades do cidadão exercer plenamente o seu direito à comunicação. No documento “Políticas locais para comunicação democrática”, o Intervozes tenta integrar propostas que dêem conta destas possibilidades de intervenção das Prefeituras e, através da distribuição deste documento aos candidatos das cidades onde o coletivo está presente, incidir na disputa eleitoral.

Três eixos sustentam a proposta do Intervozes, abordando a garantia de acesso à comunicação à população desprovida desta oportunidade, a emancipação através de formas alternativas de comunicação e o desenvolvimento local de articulações entre os atores. As sugestões têm como princípio a manutenção do Estado como indutor das políticas públicas para garantia de direitos. Preservar sempre, no entanto, a autonomia dos cidadãos e organizações de sociedade civil em relação aos governos é, evidentemente, uma exigência do processo democrático.

Comunicação governamental

Riccordi conta que aplicar princípios de uma comunicação democrática no governo foi, antes de tudo, um aprendizado de “um outro lugar”. Concretizar uma comunicação governamental foi um processo pedagógico, o que lhe demonstrou que o cidadão tem direito ao conhecimento mais do que à própria comunicação. “Para o cidadão tomar decisões, ele precisa entender como as coisas funcionam, senão vira pedinte de direitos.”

Além do presumível embate com os grandes meios de comunicação gaúchos, Riccordi conta que um dos primeiros passos para a elaboração de uma política de comunicação partiu de um “viés tradicional”, através de assessorias, programas de TV, publicações. A partir disso, foi possível avançar mais, estabelecendo reuniões entre os técnicos e os usuários.

Na prática, é preciso pensar políticas que contribuam na integração de diferentes setores sociais. Para Brant, “políticas democráticas de comunicação podem contribuir também para a democratização das políticas de saúde e de educação, por exemplo”. Como exemplos de aplicação, Riccordi cita um episódio de criação de um espaço de diálogo com a população sobre a construção de uma estação de tratamento de esgoto. “O cidadão tem que entender que se trata de uma política pública de saúde. Se o cidadão não entender isso vai achar que é apenas poeira e barro e que atrapalha sua vida.”

Fomento à comunicação popular

Entre as políticas de comunicação que podem ser executadas pelo poder municipal estão o estímulo à produção de comunicação, a distribuição de conteúdo e a garantia ao cidadão do acesso aos meios. Provocar a população a uma leitura crítica da mídia tradicional também é uma forma de promover conhecimento e incentivar a capacidade de discernimento.

“É atribuição típica de um município pensar, por exemplo, políticas de conectividade, com uso de redes abertas”, cita Brant, lembrando o papel fundamental do poder público municipal na inclusão digital. A radiodifusão comunitária também pode receber apoio e suporte por parte das prefeituras. “Também seria essencial que se estimulasse a produção e manutenção das rádios comunitárias. Em São Paulo, por exemplo, ocorre algo inédito este ano: cerca de 40 delas serão legalizadas. Em outras cidades, já existem rádios legalizadas e outras por legalizar e, nos dois casos, o município deve ser um parceiro.

Riccordi afirma que é preciso tratar as ferramentas comunicacionais com “humildade”, pois não basta apenas entregá-las à comunidade sem integrá-la ao processo. “Se ele não esta dentro de um processo pedagógico, acaba reproduzindo a ideologia dominante”, diz. Ou seja, para ele, a comunicação deve servir para a emancipação da comunidade. Apenas disseminar rádios comunitárias não seria, portanto, eficaz, pois grande parte das rádios acabam, com o tempo, caindo nas mãos de políticos e igrejas, descumprindo sua função libertadora.

Nesse sentido, é preciso garantir instrumentos eficazes para incentivar o envolvimento do cidadão como participante ativo na construção de todas as políticas do município, inclusive as de comunicação. O Intervozes cita a criação de Conselho Municipais de Comunicação ou outra estrutura de gestão participativa das ações do poder público no setor. O documento do coletivo já circulou entre candidatos das cidades de Manaus, Natal, Vitória, Serra (ES), Vila Velha (ES), Niterói (RJ), Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.