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Confecom do ES tem poucas divergências entre os segmentos

A  etapa capixaba da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) foi marcada pela ausência de embates mais fortes entre empresários, poder público e as organizações e movimentos sociais. Os representantes empresariais pouco discordaram das propostas e moções feitas pela sociedade civil não-empresarial, com cerca de 60% dos participantes. Os membros do poder público, em minoria, também não se manifestaram muito nas discussões feitas Conferência do Espírito Santo (Confecom-ES). No total, foram credenciados 257 participantes.

Na plenária final, aqueles que, a princípio, representam interesses diferentes aprovaram por unanimidade uma moção que condena a exploração a que trabalhadores da comunicação vem sendo submetidos em empresas do estado. “Nós, reunidos na 1ª Confecom-ES, repudiamos o processo de superexploração dos trabalhadores de comunicação que acentua-se cada vez mais nas redações e assessorias em todo país. Processo esse que se repete nas empresas de Comunicação do Estado do Espírito Santo, onde é constante o não pagamento de horas extras trabalhadas, a prática do assédio moral e a contratação de jornalista sem carteira assinada”, diz trecho do texto.

Outro exemplo que ilustra o contexto em que se realizou a etapa capixaba da Confecom pôde ser observado na reunião do grupo de trabalho sobre o eixo temático “Meios de Distribuição”. Mesmo com cerca de 90% dos presentes, o segmento empresarial praticamente não questionou as propostas apresentadas, que eram em maioria formuladas por organizações sociais que lutam pela democratização da comunicação no país. Até propostas como a obtenção de recursos para fundos públicos de comunicação por meio de taxação de publicidade comercial e a realização de audiências públicas para avaliar as concessões de rádio e TV passaram sem ser questionadas.

Essa aparente harmonia, que também foi verificada em outras etapas da Confecom, tem algumas explicações. Uma delas, a metodologia criada pela Comissão Organizadora Nacional, que proibiu os participantes das etapas estaduais de votarem em propostas, de forma a suprimir as de menor apelo e direcionar as discussões da Confecom. Com isso, todas as 180 proposições apresentadas foram automaticamente enviadas à etapa nacional. Além delas, também foi aprovado um documento com propostas de políticas públicas a serem adotadas no Estado.

“A impossibilidade de votar deixou a coisa muito sem definições. Isso enfraqueceu os debates, mas, inevitavelmente, eles vão acontecer em nível federal”, avalia o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Espírito Santo, Rodrigo Binotti. Outra justificativa para a tranqüilidade na etapa é que os representantes empresariais presentes não estariam participando das discussões desde o começo do processo da conferência no estado. Além disso, muitos não seriam de fato empresários e, sim, funcionários de empresas de telefonia, de rádio e televisão, designados pelos patrões para representar o setor.

Mas ainda há uma terceira hipótese. “Acho que o Espírito Santo é um estado politizado e que tem uma população educada que sabe defender seus interesses com respeito”, opinou Edymilda Góes Ferreira, que representou a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) na Confecom-ES.

Porém, nem tudo foi calmaria. Os momento de maior tensão ficaram por conta das escolhas dos delegados de cada segmento – sociedade civil empresarial, sociedade civil não-empresarial e poder público – que representarão o estado na Confecom, que acontecerá em Brasília, entre os dias 14 e 17 de dezembro. A sociedade civil não-empresarial quase conseguiu fechar uma chapa de consenso, por meio do diálogo. Porém, isso não foi possível e os participantes do segmento tiveram que votar até que se chegasse aos 12 nomes a que tinham direito. Da mesma forma, o poder público disputou no voto as suas três vagas.

Já os empresários não precisaram ir a voto para escolher seus representantes. Foi feita uma lista prévia, aprovada por unanimidade pelos presentes. A divisão entre as empresas foi feita de acordo com a proporcionalidade de inscritos de cada uma. Isto é, quanto maior o número de participantes de uma empresa, maior o número de vagas para delegados e suplentes que obtinha.

No entanto, mesmo com essa situação, a avaliação geral da etapa capixaba da Confecom foi positiva. “A conferência em si é um ponto positivo. Além disso, a participação de diversos movimentos, entidades também foi importante”, destaca Rodrigo Binotti, do Sindicato dos Jornalistas. Assim também pensam o governo estadual e o setor empresarial.

Um dos delegados eleitos pelo poder público afirmou que o saldo “foi super positivo”. Ele destacou a funcionalidade do evento e a participação ativa dos presentes. Além disso, acredita que houve pluralidade e qualificação nos debates. “A gente percebia que havia qualificação dos três segmentos”, observou Carlos Eduardo Guimarães, da Superintendência de Comunicação do Governo Estadual.

Números

* 180 propostas e duas moções foram aprovadas e serão levadas à etapa nacional da Confecom.

* 26 propostas serão encaminhadas aos governos estadual e municipais do Espírito Santo .

* 27 delegados foram eleitos, sendo 12 da sociedade civil, 12 da sociedade civil não-empresarial e 3 do Poder Público. Veja a lista completa da delegação do ES.

* 257 pessoas participaram da etapa capixaba. Do Poder Público se inscreveram 40 pessoas, da sociedade civil, 153 e representando os empresários, 64 pessoas.

TV comunitária de Vitória é dirigida por ex-secretário estadual

Enquanto sobram conteúdos na TV que não contribuem para incentivar a cidadania, uma oportunidade de mudar o foco dos conteúdos televisivos é mal aproveitada. Poucas são as pessoas que sabem que as entidades da sociedade civil têm uma emissora de televisão, o canal comunitário previsto pela Lei do Cabo, de 1995. As limitações do modelo – que disponibiliza um único canal para o conjunto das organizações –, as dificuldades de articulação entre entidades, a pouca disposição das operadoras para de fato ofertar o canal e a falta de informação fizeram com que, em Vitória, ele só fosse ocupado dez anos depois, em 2005. Desde então, ele passou a hospedar a TV Ambiental e é gerenciado por um grupo liderado pelo biólogo e ex-secretário estadual de Meio Ambiente Almir Bressan Júnior.

A TV Ambiental é transmitida pelas operadoras Net (canal 10) e RCA (canal 2). A grade de programação conta com sete programas que, segundo Almir Bressan, são feitos por uma produtora chamada Dinâmica Produções. “Fala-se em cultura, comércio-exterior, logística, de desenvolvimento sustentável e da vida da cidade”, relata. Se de um lado exalta a programação, a falta de objetividade para responder questões sobre a gestão do canal deixa claro que ao menos de uma qualidade a TV ainda carece: transparência. Não é fácil conseguir informações sobre o funcionamento desse canal que é público e, segundo a legislação, deveria ser gerido pelo conjunto das entidades interessadas.

Segundo Bressan, que afirma estar licenciado de função pública, existe uma entidade que coordena o uso da TV comunitária. É a Associação dos Canais Comunitários de Vitória, que tem o próprio Bressan como presidente. No entanto, a lista de quem participa dessa associação não é pública. Ela não possui nem ao menos um site e seu presidente restringe-se a dizer que são “várias entidades”.

Até uma informação básica como o local de funcionamento da associação é omitida. Perguntado sobre o endereço da organização, Bressan se limita a dizer que ela se situa no centro de Vitória. Independente da desconfiança que a falta desta informação possa gerar em relação à gestão do canal, no mínimo esta omissão impede que uma organização social que deseja participar do canal, o que é seu direito, consiga contatar a associação. Mesmo assim, o diretor da TV afirma que o grupo que quiser participar de alguma forma no canal pode procurá-lo “para conversar sobre a proposta”.

“Se o canal não for utilizado pelas entidades, ele fica como qualquer outro canal comercial”, critica Fernando Trezza, representante da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom).

Outra informação que deveria ser pública é a forma de financiamento do canal. O modelo mais comumente adotado pelos canais comunitários é que a entidade que realiza um determinado programa banca seu custo de produção. É uma saída encontrada pelas organizações, já que é proibida a propaganda comercial nesses canais e também não existe nenhum tipo de mecanismo de financiamento público para eles.

No caso capixaba, não foi possível conhecer a forma com que a TV consegue sustentar sua programação. O diretor da TV Ambiental afirmou que os custos de produção são elevados, mas também não disse quem paga a confecção dos programas.

A autorização

Diferente do que ocorre com os canais abertos de rádio e TV, o grupo interessado em coordenar o uso de um canal comunitário não precisa passar por avaliação do governo Federal e do Congresso Nacional. Ele entra em contato direto com a operadora de TV a cabo local, que analisa o pedido e depois distribui a programação para os seus assinantes. Quando há mais de um grupo pleiteando o canal, é feita uma tentativa de acordo entre eles para que haja um consenso em relação ao seu uso.

A autorização para ocupação do canal comunitário pela TV Ambiental foi dada em 2005. A forma como isso foi feito, porém, também não é clara. A operadora Net não quis explicar como foi o processo para a concessão da autorização. Não soube informar nem qual a data correta em que a autorização foi emitida.

Sabe-se que, para conseguir a autorização, a entidade que pretende gerenciar o canal deve cumprir alguns critérios. Um deles diz que empresas privadas não podem participar da gestão da emissora comunitária. Outro, afirma que o gestor não pode proibir que outras entidades públicas tenham espaço na programação.

Em caso de denúncia de mau uso do canal, o Ministério Público ou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) podem ser acionados, por intermédio da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom).

Histórico

O grupo de Almir Bressan não foi o único interessado em usar a TV comunitária. Antes da ocupação do canal, houve uma tentativa de várias entidades da sociedade civil de fazer isso. O Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo foi um dos principais agentes da articulação, que terminou frustrada.

A jornalista e coordenadora de Comunicação do Sindicato dos Bancários Sueli de Freitas era presidente do Sindicato dos Jornalistas na época. Ela conta que as entidades estavam organizadas e conseguiram até avançar na questão burocrática. “Chegamos a fazer uma proposta de estatuto e a criar uma associação”, diz Sueli. A associação foi batizada com o nome do jornalista morto em um acidente de trânsito José Carlos Luz Marques.

A diretoria provisória era formada por pessoas como Paulo Buback, representando o Sindicato dos Engenheiros, David Protti, professor universitário, e a própria Sueli. A organização, porém, nunca chegou a se efetivar. Existiu apenas no papel.

A legislação também complicou o funcionamento do canal àquela época. A lei que cria a TV comunitária não são estabelece alternativas de captação de recursos, por exemplo, já que o uso de publicidade comercial é proibido. “Pensamos em criar uma contribuição das entidades que participavam da discussão”, afirma Sueli. Iniciativa que também não foi em frente.

As questões financeiras e organizativas não foram os únicos problemas que impediram a associação não funcionou. “A maioria das pessoas não tinha tempo de se dedicar. Não sei se a construção do canal era prioridade para as entidades. Nem do Sindicato dos Jornalistas era”, avalia Sueli.

A idéia era ocupar a programação inicialmente com vídeos já produzidos pelas entidades. No entanto, uma tela com a frase “Canal Comunitário em Construção” e o telefone do Sindicato dos Jornalistas foi a única “programação” que esse grupo de pessoas conseguiu colocar no ar.

A atual presidente do Sindicato dos Jornalistas, Suzana Tatagiba, vê com preocupação a forma como é ocupado hoje o canal comunitário em Vitória. Ela afirma desconhecer a associação que gerencia o canal e acredita que o tema deve voltar à pauta de discussão dos interessados na democratização da comunicação.

Legislação

As TVs comunitárias surgiram por meio da lei 8.977 de 1995. Conhecida como Lei do Cabo, ela regulamenta todo o serviço. Além disso, é nela que surge a obrigação das operadoras em oferecer os chamados “canais cidadãos”, um deles, a TV para uso comunitário.

São seis canais de utilização gratuita previstos em lei, divididos da seguinte forma: um canal legislativo municipal/estadual, reservado para o uso compartilhado entre as câmaras de vereadores e a Assembléia Legislativa do respectivo Estado; um canal reservado para a Câmara dos Deputados; um canal reservado para o Senado Federal; um canal universitário; um canal educativo-cultural e um canal comunitário aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem fins lucrativos.

TVs não exibem produção independente na grade local

Você já se imaginou propondo um programa para uma emissora de TV local? Será que mesmo que sua proposta fosse brilhante, ela seria aceita? Pois assim como acontece no resto do país, a realidade capixaba aponta para uma produção de conteúdo concentrada na mão dos radiodifusores.

A TV Vitória, afiliada a Rede Record, possui um número significativo de produções regionais. São 13 programas locais. “É a maior exibidora de conteúdo local do Brasil”, afirma Fernando Machado, diretor-executivo da Rede Vitória de Comunicação.

Todos os programas da emissora são feitos por ela mesma, por meio de uma produtora interna. “É mais econômico”, explica o diretor. Assim também ocorre com a TV Gazeta, afiliada à Rede Globo. Nenhuma das oito produções locais é independente.

Já com a afiliada da Band, TV Capixaba, o processo é um pouco diferente. Dos nove programas locais, cinco são gravados e editados por produtoras externas. Essas empresas, porém, são prestadoras de serviço. Não definem nem interferem no conteúdo.

A emissora já exibiu programas totalmente independentes, como o “Show de Talentos” e o “Terra Capixaba”. Eles eram entregues prontos à emissora, que os comercializava.

Porém a tendência não é essa na empresa.“Estamos nos estruturando para produzir nossos programas”, diz Lia Mônica, coordenadora de marketing da TV Capixaba. “Uma vantagem da produção interna é que temos mais gerência sobre ela”, completa.

Produção x arrendamento

Enquanto as emissoras locais defendem a produção de conteúdo por conta própria, representantes de organizações da sociedade civil ligadas ao campo da comunicação criticam esse modelo. Uma das principais acusações é que esse sistema dificulta a diversidade de opiniões e de culturas na mídia.

Um dos argumentos das emissoras que produzem “tudo em casa” é que é mais barato. O presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPI-TV), Fernando Dias, relativiza essa questão. Para ele, quem costuma usar tal justificativa são as empresas maiores, que tem como montar suas estruturas de produção.

Ainda sobre a questão financeira, Dias acredita que é possível baratear os produtos independentes ao se criar volume de produção, o que deve ocorrer, na sua opinião, por meio de políticas públicas de fomento.

Da forma como funciona hoje, o que ocorre é quase uma venda de horário na grade de programação para os produtores independentes, que além de realizadores, muitas vezes correm atrás de patrocínio. “Este horário é uma concessão pública. A TV não é um balcão de negócio”, critica o representante das produtoras.

O mestre em regulação e políticas de comunicação e coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social João Brant faz coro com o presidente da ABPI-TV. “O grande problema é que as emissoras misturam, propositalmente, produção independente com arrendamento de horário na programação”, avalia.

Brant explica a diferença entre uma coisa e outra: “Na produção independente, a emissora compra a programação de um produtor, a partir da oferta de programação por parte destes. No arrendamento, é o contrário: o horário é que é vendido para igrejas, lojas etc. Por isso que é indispensável a regulamentação dessa questão.”

Em resposta ao argumento das emissoras que levantam dúvidas sobre a qualidade da produção independente, Dias tem uma resposta na ponta da língua. “É ingenuidade achar que, num país desse tamanho, os diretores das empresas de radiodifusão são os melhores.”