TV comunitária de Vitória é dirigida por ex-secretário estadual

Enquanto sobram conteúdos na TV que não contribuem para incentivar a cidadania, uma oportunidade de mudar o foco dos conteúdos televisivos é mal aproveitada. Poucas são as pessoas que sabem que as entidades da sociedade civil têm uma emissora de televisão, o canal comunitário previsto pela Lei do Cabo, de 1995. As limitações do modelo – que disponibiliza um único canal para o conjunto das organizações –, as dificuldades de articulação entre entidades, a pouca disposição das operadoras para de fato ofertar o canal e a falta de informação fizeram com que, em Vitória, ele só fosse ocupado dez anos depois, em 2005. Desde então, ele passou a hospedar a TV Ambiental e é gerenciado por um grupo liderado pelo biólogo e ex-secretário estadual de Meio Ambiente Almir Bressan Júnior.

A TV Ambiental é transmitida pelas operadoras Net (canal 10) e RCA (canal 2). A grade de programação conta com sete programas que, segundo Almir Bressan, são feitos por uma produtora chamada Dinâmica Produções. “Fala-se em cultura, comércio-exterior, logística, de desenvolvimento sustentável e da vida da cidade”, relata. Se de um lado exalta a programação, a falta de objetividade para responder questões sobre a gestão do canal deixa claro que ao menos de uma qualidade a TV ainda carece: transparência. Não é fácil conseguir informações sobre o funcionamento desse canal que é público e, segundo a legislação, deveria ser gerido pelo conjunto das entidades interessadas.

Segundo Bressan, que afirma estar licenciado de função pública, existe uma entidade que coordena o uso da TV comunitária. É a Associação dos Canais Comunitários de Vitória, que tem o próprio Bressan como presidente. No entanto, a lista de quem participa dessa associação não é pública. Ela não possui nem ao menos um site e seu presidente restringe-se a dizer que são “várias entidades”.

Até uma informação básica como o local de funcionamento da associação é omitida. Perguntado sobre o endereço da organização, Bressan se limita a dizer que ela se situa no centro de Vitória. Independente da desconfiança que a falta desta informação possa gerar em relação à gestão do canal, no mínimo esta omissão impede que uma organização social que deseja participar do canal, o que é seu direito, consiga contatar a associação. Mesmo assim, o diretor da TV afirma que o grupo que quiser participar de alguma forma no canal pode procurá-lo “para conversar sobre a proposta”.

“Se o canal não for utilizado pelas entidades, ele fica como qualquer outro canal comercial”, critica Fernando Trezza, representante da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom).

Outra informação que deveria ser pública é a forma de financiamento do canal. O modelo mais comumente adotado pelos canais comunitários é que a entidade que realiza um determinado programa banca seu custo de produção. É uma saída encontrada pelas organizações, já que é proibida a propaganda comercial nesses canais e também não existe nenhum tipo de mecanismo de financiamento público para eles.

No caso capixaba, não foi possível conhecer a forma com que a TV consegue sustentar sua programação. O diretor da TV Ambiental afirmou que os custos de produção são elevados, mas também não disse quem paga a confecção dos programas.

A autorização

Diferente do que ocorre com os canais abertos de rádio e TV, o grupo interessado em coordenar o uso de um canal comunitário não precisa passar por avaliação do governo Federal e do Congresso Nacional. Ele entra em contato direto com a operadora de TV a cabo local, que analisa o pedido e depois distribui a programação para os seus assinantes. Quando há mais de um grupo pleiteando o canal, é feita uma tentativa de acordo entre eles para que haja um consenso em relação ao seu uso.

A autorização para ocupação do canal comunitário pela TV Ambiental foi dada em 2005. A forma como isso foi feito, porém, também não é clara. A operadora Net não quis explicar como foi o processo para a concessão da autorização. Não soube informar nem qual a data correta em que a autorização foi emitida.

Sabe-se que, para conseguir a autorização, a entidade que pretende gerenciar o canal deve cumprir alguns critérios. Um deles diz que empresas privadas não podem participar da gestão da emissora comunitária. Outro, afirma que o gestor não pode proibir que outras entidades públicas tenham espaço na programação.

Em caso de denúncia de mau uso do canal, o Ministério Público ou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) podem ser acionados, por intermédio da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom).

Histórico

O grupo de Almir Bressan não foi o único interessado em usar a TV comunitária. Antes da ocupação do canal, houve uma tentativa de várias entidades da sociedade civil de fazer isso. O Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo foi um dos principais agentes da articulação, que terminou frustrada.

A jornalista e coordenadora de Comunicação do Sindicato dos Bancários Sueli de Freitas era presidente do Sindicato dos Jornalistas na época. Ela conta que as entidades estavam organizadas e conseguiram até avançar na questão burocrática. “Chegamos a fazer uma proposta de estatuto e a criar uma associação”, diz Sueli. A associação foi batizada com o nome do jornalista morto em um acidente de trânsito José Carlos Luz Marques.

A diretoria provisória era formada por pessoas como Paulo Buback, representando o Sindicato dos Engenheiros, David Protti, professor universitário, e a própria Sueli. A organização, porém, nunca chegou a se efetivar. Existiu apenas no papel.

A legislação também complicou o funcionamento do canal àquela época. A lei que cria a TV comunitária não são estabelece alternativas de captação de recursos, por exemplo, já que o uso de publicidade comercial é proibido. “Pensamos em criar uma contribuição das entidades que participavam da discussão”, afirma Sueli. Iniciativa que também não foi em frente.

As questões financeiras e organizativas não foram os únicos problemas que impediram a associação não funcionou. “A maioria das pessoas não tinha tempo de se dedicar. Não sei se a construção do canal era prioridade para as entidades. Nem do Sindicato dos Jornalistas era”, avalia Sueli.

A idéia era ocupar a programação inicialmente com vídeos já produzidos pelas entidades. No entanto, uma tela com a frase “Canal Comunitário em Construção” e o telefone do Sindicato dos Jornalistas foi a única “programação” que esse grupo de pessoas conseguiu colocar no ar.

A atual presidente do Sindicato dos Jornalistas, Suzana Tatagiba, vê com preocupação a forma como é ocupado hoje o canal comunitário em Vitória. Ela afirma desconhecer a associação que gerencia o canal e acredita que o tema deve voltar à pauta de discussão dos interessados na democratização da comunicação.

Legislação

As TVs comunitárias surgiram por meio da lei 8.977 de 1995. Conhecida como Lei do Cabo, ela regulamenta todo o serviço. Além disso, é nela que surge a obrigação das operadoras em oferecer os chamados “canais cidadãos”, um deles, a TV para uso comunitário.

São seis canais de utilização gratuita previstos em lei, divididos da seguinte forma: um canal legislativo municipal/estadual, reservado para o uso compartilhado entre as câmaras de vereadores e a Assembléia Legislativa do respectivo Estado; um canal reservado para a Câmara dos Deputados; um canal reservado para o Senado Federal; um canal universitário; um canal educativo-cultural e um canal comunitário aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem fins lucrativos.

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