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TV digital móvel demorará alguns anos para ser popular

{mosimage}Apesar de a mobilidade ser uma das promessas associadas pelo governo à escolha do padrão japonês ISDB como base do Sistema Brasileiro de TV Digital, o uso de aparelhos portáteis que recebem sinal de TV digital começou a crescer um pouco mais significativamente no país este ano. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), no último trimestre houve um crescimento de 400% na venda de celulares com conversores digitais. Mesmo assim, o número total de terminais com a nova função é baixo. A projeção da Abinee é que existam 500 mil celulares em uso que recebem o sinal de TV digital. Número ainda pouco representativo perto dos 183,7 milhões de assinantes de telefonia móvel que existem no país.

Uma das dificuldades para a massificação da nova tecnologia é o custo da inclusão do sistema de recepção nos aparelhos. O modelo de aparelho que a LG lançou em junho deste ano que vem com o Ginga (middleware brasileiro que permite a interatividade) sai por cerca de R$ 700. Segundo o diretor da Abinee e da Nokia Luiz Cláudio Carneiro parte da explicação para o preço final tão alto é uma dificuldade tecnológica para a aplicação do conversor digital em aparelhos com telas pequenas, mais baratos.

Ele acredita que esse problema deve ser contornado em breve e que a partir do próximo ano começarão a ser comercializados celulares mais baratos com a nova funcionalidade. Sua expectativa é que eles cheguem a um valor R$ 200 para o consumidor. Mesmo que este preço se torne realidade, a popularização da TV digital móvel vai depender da oferta das emissoras do sinal digital.

O primeiro celular no Brasil com recepção do sinal digital foi lançado em 2008. Porém, apenas em junho deste ano a indústria (LG) colocou no mercado um aparelho com recursos interativos – com o Ginga embarcado. E ainda assim, para chegar ao valor de lançamento de R$ 700, a LG não incorporou ao modelo a conectividade de Terceira Geração (3G), o que reduz as possibilidades de interação via internet para o usuário.

A pouca agilidade dos fabricantes em produzir aparelhos com receptores de TV digital demonstra que ainda não se pode perceber claramente o modelo de negócios que a indústria do setor quer adotar. Talvez essa tenha sido a motivação para que o governo federal resolvesse estabelecer uma política para tentar massificar o novo serviço nos celulares.

Política industrial

Inicialmente, foi criada uma regra que alterou as normas dos Processos Produtivos Básicos definidos para a fabricação de celulares no país. A Portaria Interministerial 237/2008 definia que, a partir de janeiro deste ano, pelo menos 5% da produção nacional de equipamentos que recebem incentivos fiscais da Lei de Informática ou do Pólo Industrial de Manaus deveria vir com um receptor de TV digital embutido, incluindo o Ginga.

No entanto, alguns fabricantes de celulares reclamaram desse percentual e o governo reviu sua posição, criando uma nova regra para a questão. Desde dezembro de 2009, o que está valendo é a Portaria Interministerial 223. A nova regra isenta as empresas de produzirem uma cota mínima de celulares com receptor digital este ano. Só vai cobrar tal ação em 2012, quando os fabricantes terão que cumprir o índice de 3% de aparelhos com a nova função. A partir de janeiro de 2013 em diante, a porcentagem sobe para 5%.

A nova portaria também retira a obrigação da fabricação dos terminais móveis com o Ginga. A nova portaria diz apenas que “os sinais de TV digital deverão ser compatíveis com as especificações e normas do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD), inclusive com o middleware/Ginga, de acordo com norma brasileira (NBR) aplicável”. “As restrições ficaram por conta da conclusão de normas no uso do middleware que estão sendo propostas pelo Fórum do SBTVD”, explica o secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, Augusto Cesar Gadelha.

Em relação à flexibilização dos prazos e percentuais, o secretário diz que isso ocorreu em função de reivindicação da indústria. “Alguns fabricantes questionaram a exigência do PPB por falta de capacidade técnica de implementação e de interesse das operadoras em comercializar o aparelho com recepção de TV digital aberta nas quantidades relativas aos percentuais estabelecidos. Logo, fez-se necessário rever a portaria”, afirma Gadelha.

O integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Arthur William acredita que o governo não deveria ter revisto a portaria. “Esse prazo foi muito flexibilizado. Ficou ruim porque as pessoas querem TV digital no celular”, diz ele, lembrando que enquanto isso a população tem recorrido aos celulares de marcas menos conhecidas, geralmente vindos da China e de baixa qualidade.

Convergência

O celular vem se tornando uma das principais plataformas digitais convergentes, com a TV digital sendo mais uma das tantas funções que vem sendo acopladas aos aparelhos. O mês de dezembro do ano passado marcou o momento em que o tráfego mundial de dados nos aparelhos móveis – como e-mail, vídeos e músicas – ultrapassou o volume de tráfego de voz, segundo informações da Ericsson, maior fornecedora do mundo de equipamentos para redes.

Com isso, as operadoras têm perdido as receitas advindas do uso da voz no celular, que ainda é a maior fonte de lucros delas. Como esse é um movimento que dificilmente terá volta, as teles têm cobrado preços elevados pelos serviços de internet móvel. Talvez por isso Luiz Cláudio, da Abinee, entenda que a agregação de serviços seja positiva, na medida em que também aumenta o desejo das pessoas de comprarem mais e melhores aparelhos para usarem novas funções.

Dessa forma, a tendência é que as operadoras de telefonia móvel criem mecanismos de cobrança de serviços que venham a ser criados com a TV digital nos aparelhos. É possível imaginar ações semelhantes às que tem sido desenvolvidas com as emissoras de TV aberta e que incentivam o uso de SMS pelos cidadãos em caso de promoções, por exemplo.

É o que prevê o consultor de Mercado e Pesquisador da área de Tecnologia de Serviços do CPqD, Sidney Longo. “Com o surgimento dos celulares com TV digital e o middleware Ginga, as aplicações interativas – votações, solicitações de vídeos adicionais, etc. – acontecerão com mais frequencia e as operadoras vão ganhar com receitas de dados das interações via o canal de retorno da operadora”, diz. Resta saber se esse não será um impeditivo para que a população tenha o recurso em seus celulares.

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Preços e desinformação desestimulam compra de TV digital

{mosimage}Em uma rápida conversa com consumidores em um shopping center é possível perceber que a TV digital ainda não está “na boca do povo”. Apesar de televisores imensos com alta qualidade de imagens terem ganhado ares de “sonho de consumo” em peças de publicidade e nas próprias lojas, muitas pessoas ainda não se sentem estimuladas o bastante para fazer este gasto. A desinformação, a falta de novidades em relação à TV analógica e os preços elevados dos aparelhos parecem ser os principais motivos para este desinteresse.

A servidora pública Débora de Oliveira Lira, por exemplo, comprou uma TV de LCD há três anos e não vê motivos para trocar seu televisor por um novo. Por isso, ela espera que chegue às lojas os conversores externos, opção mais barata em relação a uma nova TV com o receptor digital. Ela acredita que a procura pela nova tecnologia tem sido baixa porque, além dos altos preços dos televisores, as pessoas ainda não compreendem a diferença da tecnologia digital para a televisão analógica. “A imagem melhora, mas a gente não se sente estimulado”, diz.

Quando da criação do Sistema Brasileiro de TV Digital, em 2006, o governo brasileiro estipulou – e reafirmou esta semana – que as emissoras devem desligar suas transmissões analógicas em 2016. Para a servidora pública, as pessoas só vão começar a se interessar de fato pela TV digital quando esse prazo estiver próximo. É o que Débora prevê que acontecerá com ela mesma, já que considera a imagem de sua atual TV suficientemente boa.

Mas mesmo quem quer melhorar a qualidade da imagem decide adiar a troca devido ao preço da nova tecnologia. “Tenho interesse. A imagem é bem mais nítida”, afirma a cabeleireira Leda Márcia. No entanto, ela ainda não teve condições de comprar um televisor com conversor, que sai por volta de R$ 2 mil nas versões mais simples.

Além disso, tanto Débora quanto Leda não sabem muito bem quais seriam as novidades da TV digital. E elas estão longe de serem casos isolados. Até mesmo quem já comprou uma televisão com conversor não está entendendo bem as diferenças da nova tecnologia. “É a moda”, diz o motorista Sérgio da Silva, que se motivou a pagar R$ 3.700 pela nova TV por causa da Copa do Mundo.

Gerente de uma loja de departamentos situada em um shopping de Brasília, Neide Ribeiro tem percebido a desinformação das pessoas em relação ao funcionamento da TV digital. Ela diz, por exemplo, que muita gente interessada em comprar um televisor com conversor mora em cidades aonde o sinal digital ainda nem chegou.

No dia a dia da loja, Neide também tem visto que a procura tem sido maior por televisões com conversor embutido. São poucas as pessoas, por exemplo, que aproveitam a baixa dos preços das televisões de LCD analógicas, pensando em adquirir um conversor externo depois. A diferença de preço entre os dois televisores, com e sem conversor, chega a R$ 800,00 em sua loja.

Na loja onde Neide trabalha, não existem conversores externos à venda. A gerente explica que isso aconteceu porque os que foram comercializados anteriormente apresentaram problemas técnicos. Os aparelhos não estavam lendo corretamente o sinal digital nos televisores de LCD, gerando muitas reclamações dos compradores.

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Promessa da TV digital, interatividade ainda engatinha

{mosimage}Passados mais de dois anos da primeira transmissão da TV digital no país, um dos principais recursos a ela associados, a interatividade, só agora começa a fazer parte dos aparelhos de TV e celulares do país, ainda de forma tímida. Apenas este ano algumas empresas começaram a colocar no mercado equipamentos (TV e celular) que permitem acessar os conteúdos interativos que vêm sendo testadas pelas emissoras. Além disso, quem se antecipou em comprar um conversor, terá de trocá-lo se quiser interagir com os aplicativos oferecidos. A maioria dos set top box produzidos até agora não possuíam o Ginga, programa desenvolvido no Brasil que possibilita a interatividade.

As pesquisas para o desenvolvimento do Ginga são antigas, o que significa que a interatividade na TV brasileira poderia estar em um estágio mais avançado de implantação. Porém, isso não aconteceu por problemas relacionados à propriedade intelectual.

O Ginga é um middleware, ou seja, um sistema que faz a mediação entre os diversos tipos de aplicativos que as emissoras criarão para ofertar conteúdos interativos e o sistema operacional do SBTVD. A versão original do sistema, o Ginga-J, é baseado na linguagem Java e possuía parte de sua composição advinda de software proprietário. Por isso, o governo brasileiro gastou um bom tempo tentando encontrar uma forma de não utilizar a parte proprietária até conseguir. Com isso, se descarta o pagamento de royalties e os aparelhos digitais tornam-se mais baratos. Diante desta demanda, os pesquisadores desenvolveram outro subsistema, o Ginga-NCL.

Como a indústria lucra mais vendendo televisões com conversores embutidos, não tem havido investimento em desenvolver e ofertar conversores (as conhecidas caixinhas) com o Ginga instalado. Sendo assim, o recurso da interatividade ainda é oferecido apenas àqueles que conseguiram comprar as caras televisões que vem com a funcionalidade. E mesmo os que fizeram esse investimento não podem desfrutar tanto da novidade, pois são poucas as emissoras que produzem aplicativos de interação com o telespectador.

As poucas emissoras que apresentam o recurso estão visando funcionalidades que possam agregar valor às suas programações. A Globo, por exemplo, ofereceu ao telespectador o acesso a tabelas, dados dos jogos em tempo real e resultados da Copa do Mundo. Para o Big Brother Brasil, um de seus programas de maior audiência, a interatividade vai possibilitar votar na eliminação de participantes ou acessar informações sobre eles. Nas novelas, está prevista a possibilidade do usuário acessar dados sobre os capítulos atual e anterior, além de galeria de fotos.

A utilização do canal de retorno, como se vê, se dá de forma bastante restrita. Potencialmente, a interação através do sistema digital de TV poderia se tornar um elemento da política de inclusão digital, com o canal de retorno sendo usado inclusive para o acesso à internet. Outra possibilidade, é a utilização do recurso para serviços de governo eletrônico. Não há indicações, ainda, de como será o uso destes recursos pelas televisões do campo público, que dependem do projeto da Rede Nacional de Televisão Pública Digital (RNTPD) para chegarem a população via sinal digital [saiba mais].

Ritmo

“Foi muito lento o processo. Nós poderíamos ter feito como na Argentina, mas não fizemos”, diz o professor de Informática da PUC-Rio Luiz Fernando Soares, que é um dos coordenadores do desenvolvimento do Ginga. No país vizinho, a política de implantação da TV digital inclui a distribuição de conversores para a população, uma tentativa de massificar rapidamente a nova tecnologia. E neles está embarcado o Ginga (apenas o subsistema NCL, por enquanto).

Para o professor, seria importante que se tomassem medidas para que a indústria produzisse conversores com o Ginga. “Eles [as empresas] acham que o conversor não dá lucro. O governo é que deveria chegar nessa hora e dizer que tem que ter [o Ginga] no conversor”, critica Luiz Soares. Ele acredita que, se isso não acontecer em breve, é possível que os set top boxes comecem a ser importados.

O governo parece que está começando a se mexer nesse sentido. Em dezembro do ano passado, editou uma portaria interministerial que determina que cada fabricante de celular possua uma cota obrigatória de 5% de terminais produzidos localmente com o Sistema Brasileiro de TV Digital e o Ginga NCL.

Perfis

O Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Fórum SBTVD) criou dois módulos de operação do Ginga. Em ambos, a interatividade é possível de forma equivalente. No entanto, um deles, mais simples, não possui a mesma capacidade de receber mídias adicionais. Ele só possui interações em áudio e não em vídeo (como a divisão da tela em duas ou mais programações). Essa diferenciação foi pensada para viabilizar a fabricação de conversores mais baratos.

“Foi para começar logo. Os perfis mais avançados exigem mais capacidade dos equipamentos. Com o tempo, isso vai acontecendo”, explica Liliana Nakonechnyj, coordenadora do módulo de promoção do Fórum SBTVD. No entanto, como o perfil mais avançado deve vir acoplado em aparelhos mais caros, há o risco de essa política criar diferentes categorias de usuários, a partir do poder de compra de cada um.

TV por assinatura

Outro imbróglio que precisa ser equacionado na interatividade brasileira é adequar o Ginga, produzido para o sistema de TV aberta, para a TV por assinatura, que utiliza outro padrão tecnológico de interação, mais simples. “Não há compatibilidade. Se a TV por assinatura quiser ter aplicação das emissoras, vai ter que botar o Ginga dentro da caixinha (set top box)”, diz o professor Luiz Fernando Soares, da PUC-Rio. A caixinha, nesse caso, seria a atualmente utilizada pelas operadoras da TV paga.

O presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg, não parece estar muito preocupado com essa falta de sintonia entre os sistemas. Para ele, é certo que não haverá compatibilidade. “Não vamos fazer nada além do que aquilo que a gente já faz”, afirma. Sua aposta é que as operadoras da TV paga produzirão recursos cada vez mais sofisticados de interatividade, que, a seu ver, serão mais interessantes do que os aplicativos das emissoras abertas. “A interatividade num sistema aberto tem sempre limitações razoáveis”, acredita. Em outras palavras, o setor de TV paga aposta na competição com o sistema aberto.

Essa incompatibilidade pode ser ruim para os usuários, na opinião do professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcos Dantas. “O menor dos prejuízos é ser necessário ter mais de um conversor”, diz. Ele explica que o padrão adotado na Europa, o DVB, permite que apenas um conversor seja utilizado para todas as plataformas – TV aberta e paga – e para operadoras diferentes.

Além disso, existe a possibilidade de as emissoras, por falta de estrutura, não produzirem aplicativos diferentes para os canais que oferecem na TV aberta e para os que estão na TV por assinatura.

Para Arthur William, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, isso faria com que a produção da interatividade seja feita apenas para os canais fechados, que é mais simples, e seja adaptada para as programações abertas. Mais um dos desafios que deverão ser enfrentados para que a tão propagada interatividade do sistema “nipo-brasileiro” seja realmente um diferencial positivo da nova tecnologia e acessível a toda a população de forma igual.

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No Brasil, TV digital ainda é para poucos

{mosimage}É certo que a admiração do brasileiro por futebol fez aumentar o consumo de televisores digitais no país. Projeções do Fórum SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre) indicam que apenas neste ano, impulsionadas pela Copa do Mundo, as vendas devem superar os 2 milhões de aparelhos (entre TVs, celulares e conversores digitais) vendidos até o fim do ano passado, fazendo com que esse número chegue a 8 milhões até o encerramento de 2010. No entanto, a política de expansão da TV digital no Brasil segue aquém do que se esperava. Parcela significativa da classe média segue alheia à digitalização e, para os mais pobres, esta sequer parece ser uma perspectiva.

Passados dois anos e meio da primeira transmissão em sinal digital no país, a população não tem encontrado motivos suficientes para adquirir um televisor com o receptor digital acoplado ou um conversor externo. Para o ministro das Comunicações, José Artur Filardi, a transição está ocorrendo sem muitos problemas. “Está normal e muito acima da expectativa”, considera. Os dados citados pelo ministério são que, no Brasil, a cobertura do sinal digital já está disponível em 38 cidades – entre elas, 21 capitais. Atinge uma área em que vivem 70 milhões de pessoas.

Porém, os 8 milhões de receptores que deverão estar em funcionamento até o fim do ano são menos de 10% deste total. Além disso, os números eventualmente divulgados pelo Fórum SBTVD ou pelos fabricantes não atestam, como se poderia crer, que o Brasil acelera o processo de digitalização da TV aberta. Pelo contrário, o que se observa é que a compra de televisores adaptados à tecnologia digital é feita por aqueles que querem aproveitar o serviço de alta definição oferecido pela TV por assinatura, da qual boa parte já é assinante.

A Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) não tem dados que atrelem à venda das televisões com conversores ao número de assinantes de TV paga que possuem o serviço de HD (alta definição), mas o presidente da entidade, Alexandre Annenberg, diz que essa é uma constatação evidente. “Conheço muito pouca gente que tem [aparelhos] HD só para a TV aberta”, comenta.

Apesar da falta de levantamentos oficiais, não é preciso tanto esforço para perceber que o crescimento da venda dos grandes e caros televisores adaptados à tecnologia digital coincide com o aumento do número de pessoas que começaram a usar os serviços em HD na TV paga em 2010. A Net, por exemplo, informa que, nos primeiros três meses deste ano, houve um crescimento de 70% de assinantes que usam o HD em comparação com os últimos três meses do ano passado. A oferta da alta definição pela empresa existe desde o fim de 2007.

O perfil do assinante de TV paga no Brasil é bem definido. Apesar de ter havido um aumento no número de assinaturas (10% este ano em comparação com os cinco primeiros meses de 2009) o serviço ainda não chega a 5% dos municípios e a 10% da população. Alem disso, continua concentrado nas classes A e B. De acordo com dados de 2008, a penetração da TV paga foi de apenas 9% na classe C. Em outras palavras, é este o perfil dos brasileiros e brasileiras que podem, hoje, assistir os canais de TV aberta com a qualidade e as funcionalidades prometidas com a criação do SBTVD.

Custos da conversão

Uma das razões para que a TV digital ainda se encontre nesse patamar é o custo gerado para o cidadão que, sem ser assinante de TV paga, queira adaptar-se à era digital. A aposta original do governo foi deixar a popularização dos set top box – os conversores externos que, conectados a qualquer televisor e uma antena UHF, recebem o sinal digital aberto – por conta das regras de mercado. A ideia é que o preço da “caixinha” fosse reduzido à medida que as vendas fossem aumentando e gerando escala de produção, o que não ocorreu.

Hoje, os conversores custam entre R$ 400 e R$ 600 – bem mais que os U$ 100 imaginados pelo ex-ministro das Comunicações Hélio Costa. Este é o valor mínimo a ser desembolsado por quem quer receber o sinal com melhor qualidade no seu atual televisor. Porém, para aproveitar o diferencial prometido pela TV digital – a alta definição – o investimento tem de ser bem maior.

Se a opção for trocar o aparelho por um novo, uma TV de 32'' com conversor embutido sai por cerca de R$ 1.700. Ainda assim, apesar de receber uma imagem com qualidade próxima a de um DVD, ela não opera em alta definição (Full HD). Para isso, é preciso que o consumidor adquira uma TV com resolução igual ou maior que 1920 pixels na horizontal por 1080 pixels na vertical, o que só é possível em aparelhos com 42'' ou mais.

Entre fazer um grande investimento para ter acesso a 5 ou 6 canais em HD ou gastar o valor de um salário mínimo para apenas receber estes canais sem sombras ou chuviscos, a grande maioria da população decidiu não aderir ao sistema digital. E governo e indústria do setor não estão se entendendo em relação à política de popularização da TV digital no país.

Diante das vendas irrisórias de conversores, o governo anunciou no começo do ano uma adaptação da política industrial da Zona Franca de Manaus exigindo que as indústrias lá instaladas passassem a embutir conversores nos aparelhos HD ready (prontos para alta definição). Este ano, os modelos de 42 polegadas ou mais devem sair de fábrica com o conversor e, a partir do ano que vem, a exigência vale para todos os modelos produzidos.

De início, houve reclamação, mas as empresas de eletrônicos resolveram apostar no receptor embutido nos aparelhos do tipo HD ready (prontos para alta definição). É mais lucrativo vender um televisor de grandes proporções do que a caixinha. Agora, os poucos modelos de conversores existentes estão sumindo das lojas.

Mudando novamente de ideia, o governo resolveu discutir um incentivo para a produção de conversores. De acordo com o ministro das Comunicações, José Artur Filardi, a preocupação maior do governo neste momento deve ser tomar iniciativas que consigam abaixar os preços dos conversores digitais. “O que a gente agora tem que se focar é em relação ao set top box. Realmente quem tem uma televisão que está em boas condições não vai jogar fora. Então a gente tem que ver se consegue através de incentivo ou qualquer medida possa popularizar mais o set top box”, afirma o ministro.

Em reunião realizada na segunda-feira (21) com a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), o assessor especial da Casa Civil André Barbosa afirmou que a meta é a elaboração de um programa que incentive a fabricação de 15 milhões desses aparelhos entre 2011 e 2013 voltados para as classes D e E – chegando a R$ 200,00. A contrapartida governamental seria a desoneração tributária (como PIS e Confins) dos produtos. A Eletros não quis se pronunciar sobre o assunto.

Curiosamente, a queda nos preços dos aparelhos poderá ocorrer mais por políticas criadas pelos países que vêm sendo convencidos pelo governo brasileiro a adotar o padrão tecnológico brasileiro (ISDB-T) como base para a digitalização da TV. A Argentina é o exemplo mais adiantado. Além de executar ações de fomento à produção, o governo argentino está distribuindo conversores digitais para a população de baixa renda. A ideia é distribuir 1,2 milhões de aparelhos antes do fim do ano. Naquele país, as transmissões começaram apenas no fim de 2009.

Pouca diferença

Além dos custos para a adaptação, há também um problema de cobertura do sinal em algumas cidades que já fizeram a transição para o digital, o que tem ocasionado reclamação e até devolução de conversores. Em municípios importantes como São Paulo e Rio de Janeiro existem áreas em que não é possível assistir à TV digital. Para resolver o problema, que pode se repetir em outros locais e especialmente em regiões acidentadas, é preciso que as empresas coloquem retransmissores para amplificar o sinal. “É um desafio, mas as emissoras estão investindo em retransmissores”, garante Liliana Nakonechnyj, coordenadora do módulo de promoção do Fórum SBTVD.

Mas a falta de interesse da população pela TV digital não passa apenas pelos altos preços dos aparelhos – sejam eles televisões, conversores ou celulares – ou a cobertura insuficiente. A inexistência de novidades significativas desestimula as pessoas a saírem da transmissão analógica. Duas delas seriam centrais para isso: a interatividade e a oferta de mais conteúdo. Ambas não fazem parte da realidade do projeto de governo e empresas para a digitalização.

A aposta do Brasil para a geração de recursos interativos interessantes é o software aberto Ginga, desenvolvido por pesquisadores brasileiros. Depois de anos de estudo, ele passou pela aprovação da União Internacional de Telecomunicações (UIT) e, a partir desse reconhecimento internacional, sua implantação está sendo acelerada. No entanto, ainda não existem conversores com o Ginga integrado. Só algumas televisões com receptores internos contam com ele. Além disso, as emissoras ainda não estão produzindo muitos aplicativos de interação.

Outra questão em aberto é a forma com que a população vai interagir com a TV. O modelo mais simples é por meio do próprio controle remoto, a partir de opções disponíveis na tela. Porém, algo ainda muito aquém das possibilidades que podem surgir. Possivelmente, o uso do canal de retorno – que é o que permite a interação, inclusive com recursos próximos aos da internet – pode se dar pelo uso das redes de telecomunicações, como as de telefone fixo, móvel e internet. Se assim for, é provável também que essa será uma funcionalidade paga, o que pode ser mais um entrave para a popularização da TV digital.

Outro detalhe determinante é que a digitalização não trará aos telespectadores mais e diversificados conteúdos, o que provavelmente geraria mais interesse. O padrão japonês adotado no Brasil – chamado de nipo-brasileiro pelo governo – permite que isso seja feito, já que ele possibilita a compressão do sinal. A quantidade de programações (canais) da TV aberta poderia ser multiplicada por quatro. No entanto, há dois problemas.

O primeiro é que a distribuição de canais para serem usados pelas atuais emissoras transferirem suas programação para o sistema digital, feita a partir da publicação do Decreto 5.820/06, impede, na prática, a entrada de novos atores na TV aberta. Isso porque o tamanho da faixa destinada às emissoras no sistema analógico – de 6 Mhz – foi mantido para o sistema digital. Nesta largura de banda (o tamanho do canal), poderiam ser transmitidas pelos menos outras 4 programações. O decreto está sendo alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), que deve ser julgada em breve pelo Supremo Tribunal Federal [saiba mais].

A segunda questão é a regulamentação da multiprogramação. Até agora, a regra estabelecida pelo Ministério das Comunicações diz que apenas as emissoras exploradas pela União poderão lançar mão da multiprogramação. A medida casa com interesses da Rede Globo, que já manifestou seu desinteresse em usar tal recurso, já que a divisão de conteúdos poderia gerar dispersão de audiência e de arrecadação publicitária. Outras emissoras, como Bandeirantes e RedeTV!, pressionam pela liberação do uso do recurso exatamente para tentar fazer frente à Globo. Por enquanto, menos um motivo para ir às compras.

Latifúndio e lentidão

O resultado das decisões governamentais é que as atuais emissoras que estão operando com o sinal analógico e o digital ao mesmo tempo não utilizam a maior parte dos 6 Mhz que receberam do governo para a transição do sistema. “É um latifúndio digital”, critica Arthur William, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. E emenda: “A TV digital no Brasil não foi planejada. A postura do governo de deixar o mercado regulamentar é o erro. O empresário vai fazer no tempo dele. Para ele não é vantajoso acelerar agora.”

Para Arthur, é possível que, mantendo-se o atual ritmo, o Brasil não cumpra o prazo previsto para a transição completa para o sistema digital, que é 2016. “O que pode salvar esse prazo é a Copa de 2014 e as Olimpíadas, em 2012”, avalia.

O professor de Comunicação da Universidade Federal de Sergipe César Bolaño acredita que o ritmo de transição segue lento como se previa. “Era natural que não houvesse demanda porque o modelo não é sensivelmente diferente do que já existe”, diz Bolaño.

Para ele, um processo de democratização da TV não está ligado necessariamente à tecnologia e sim ao modelo da comunicação no país. “O problema não é a TV digital é a TV aberta brasileira. Ela tem um modelo de funcionamento privado. A tecnologia não democratiza. A não ser que a TV pública consiga no campo digital o que não conseguiu na TV aberta”, opina César Bolaño. A tecnologia inclusive, segundo o professor, pode aprofundar as diferenças entre os grandes e pequenos veículos de comunicação. “Quanto mais tecnologia, mais custo. Ela tende a reforçar as posições de quem detém mais capital.”

O professor, porém, ressalta que a política do governo brasileiro de conquistar novos países para adoção do padrão nipo-brasileiro tem sido acertada. “O aspecto positivo é tentar criar uma condição sul-americana do ponto de vista industrial”, observa Bolaño. O último país para que o Brasil exportou seu padrão foi as Filipinas. Com isso, já são dez países que aderiram ao ISDB-T. A maioria deles está na América Latina. Até julho, a previsão é de que a África decida seu padrão e o governo brasileiro está em diálogo com alguns países do continente.

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