Promessa da TV digital, interatividade ainda engatinha

{mosimage}Passados mais de dois anos da primeira transmissão da TV digital no país, um dos principais recursos a ela associados, a interatividade, só agora começa a fazer parte dos aparelhos de TV e celulares do país, ainda de forma tímida. Apenas este ano algumas empresas começaram a colocar no mercado equipamentos (TV e celular) que permitem acessar os conteúdos interativos que vêm sendo testadas pelas emissoras. Além disso, quem se antecipou em comprar um conversor, terá de trocá-lo se quiser interagir com os aplicativos oferecidos. A maioria dos set top box produzidos até agora não possuíam o Ginga, programa desenvolvido no Brasil que possibilita a interatividade.

As pesquisas para o desenvolvimento do Ginga são antigas, o que significa que a interatividade na TV brasileira poderia estar em um estágio mais avançado de implantação. Porém, isso não aconteceu por problemas relacionados à propriedade intelectual.

O Ginga é um middleware, ou seja, um sistema que faz a mediação entre os diversos tipos de aplicativos que as emissoras criarão para ofertar conteúdos interativos e o sistema operacional do SBTVD. A versão original do sistema, o Ginga-J, é baseado na linguagem Java e possuía parte de sua composição advinda de software proprietário. Por isso, o governo brasileiro gastou um bom tempo tentando encontrar uma forma de não utilizar a parte proprietária até conseguir. Com isso, se descarta o pagamento de royalties e os aparelhos digitais tornam-se mais baratos. Diante desta demanda, os pesquisadores desenvolveram outro subsistema, o Ginga-NCL.

Como a indústria lucra mais vendendo televisões com conversores embutidos, não tem havido investimento em desenvolver e ofertar conversores (as conhecidas caixinhas) com o Ginga instalado. Sendo assim, o recurso da interatividade ainda é oferecido apenas àqueles que conseguiram comprar as caras televisões que vem com a funcionalidade. E mesmo os que fizeram esse investimento não podem desfrutar tanto da novidade, pois são poucas as emissoras que produzem aplicativos de interação com o telespectador.

As poucas emissoras que apresentam o recurso estão visando funcionalidades que possam agregar valor às suas programações. A Globo, por exemplo, ofereceu ao telespectador o acesso a tabelas, dados dos jogos em tempo real e resultados da Copa do Mundo. Para o Big Brother Brasil, um de seus programas de maior audiência, a interatividade vai possibilitar votar na eliminação de participantes ou acessar informações sobre eles. Nas novelas, está prevista a possibilidade do usuário acessar dados sobre os capítulos atual e anterior, além de galeria de fotos.

A utilização do canal de retorno, como se vê, se dá de forma bastante restrita. Potencialmente, a interação através do sistema digital de TV poderia se tornar um elemento da política de inclusão digital, com o canal de retorno sendo usado inclusive para o acesso à internet. Outra possibilidade, é a utilização do recurso para serviços de governo eletrônico. Não há indicações, ainda, de como será o uso destes recursos pelas televisões do campo público, que dependem do projeto da Rede Nacional de Televisão Pública Digital (RNTPD) para chegarem a população via sinal digital [saiba mais].

Ritmo

“Foi muito lento o processo. Nós poderíamos ter feito como na Argentina, mas não fizemos”, diz o professor de Informática da PUC-Rio Luiz Fernando Soares, que é um dos coordenadores do desenvolvimento do Ginga. No país vizinho, a política de implantação da TV digital inclui a distribuição de conversores para a população, uma tentativa de massificar rapidamente a nova tecnologia. E neles está embarcado o Ginga (apenas o subsistema NCL, por enquanto).

Para o professor, seria importante que se tomassem medidas para que a indústria produzisse conversores com o Ginga. “Eles [as empresas] acham que o conversor não dá lucro. O governo é que deveria chegar nessa hora e dizer que tem que ter [o Ginga] no conversor”, critica Luiz Soares. Ele acredita que, se isso não acontecer em breve, é possível que os set top boxes comecem a ser importados.

O governo parece que está começando a se mexer nesse sentido. Em dezembro do ano passado, editou uma portaria interministerial que determina que cada fabricante de celular possua uma cota obrigatória de 5% de terminais produzidos localmente com o Sistema Brasileiro de TV Digital e o Ginga NCL.

Perfis

O Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Fórum SBTVD) criou dois módulos de operação do Ginga. Em ambos, a interatividade é possível de forma equivalente. No entanto, um deles, mais simples, não possui a mesma capacidade de receber mídias adicionais. Ele só possui interações em áudio e não em vídeo (como a divisão da tela em duas ou mais programações). Essa diferenciação foi pensada para viabilizar a fabricação de conversores mais baratos.

“Foi para começar logo. Os perfis mais avançados exigem mais capacidade dos equipamentos. Com o tempo, isso vai acontecendo”, explica Liliana Nakonechnyj, coordenadora do módulo de promoção do Fórum SBTVD. No entanto, como o perfil mais avançado deve vir acoplado em aparelhos mais caros, há o risco de essa política criar diferentes categorias de usuários, a partir do poder de compra de cada um.

TV por assinatura

Outro imbróglio que precisa ser equacionado na interatividade brasileira é adequar o Ginga, produzido para o sistema de TV aberta, para a TV por assinatura, que utiliza outro padrão tecnológico de interação, mais simples. “Não há compatibilidade. Se a TV por assinatura quiser ter aplicação das emissoras, vai ter que botar o Ginga dentro da caixinha (set top box)”, diz o professor Luiz Fernando Soares, da PUC-Rio. A caixinha, nesse caso, seria a atualmente utilizada pelas operadoras da TV paga.

O presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg, não parece estar muito preocupado com essa falta de sintonia entre os sistemas. Para ele, é certo que não haverá compatibilidade. “Não vamos fazer nada além do que aquilo que a gente já faz”, afirma. Sua aposta é que as operadoras da TV paga produzirão recursos cada vez mais sofisticados de interatividade, que, a seu ver, serão mais interessantes do que os aplicativos das emissoras abertas. “A interatividade num sistema aberto tem sempre limitações razoáveis”, acredita. Em outras palavras, o setor de TV paga aposta na competição com o sistema aberto.

Essa incompatibilidade pode ser ruim para os usuários, na opinião do professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcos Dantas. “O menor dos prejuízos é ser necessário ter mais de um conversor”, diz. Ele explica que o padrão adotado na Europa, o DVB, permite que apenas um conversor seja utilizado para todas as plataformas – TV aberta e paga – e para operadoras diferentes.

Além disso, existe a possibilidade de as emissoras, por falta de estrutura, não produzirem aplicativos diferentes para os canais que oferecem na TV aberta e para os que estão na TV por assinatura.

Para Arthur William, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, isso faria com que a produção da interatividade seja feita apenas para os canais fechados, que é mais simples, e seja adaptada para as programações abertas. Mais um dos desafios que deverão ser enfrentados para que a tão propagada interatividade do sistema “nipo-brasileiro” seja realmente um diferencial positivo da nova tecnologia e acessível a toda a população de forma igual.

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