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Criminalização de comunitárias será intensificada para a Copa do Mundo

Na última segunda-feira, dia 24, por volta das 22 horas, manifestantes reocuparam o estúdio da Rádio Muda, voltando a colocá-la em operação. Na manhã do dia anterior, a emissora, que funciona na Universidade de Campinas (Unicamp) e transmite diariamente há cerca de três décadas, havia sido desmontada. A ação aconteceu poucos dias depois de a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) enviar informe a associações de rádios comunitárias comunicando que, em consequência da proximidade da Copa do Mundo, haveria o “reforço da fiscalização” em todo o Brasil e “autuação” no primeiro semestre de 2014.

A carta recebida justifica o recrudescimento da repressão contra as rádios comunitárias e livres pela “proximidade da Copa do Mundo Fifa Brasil 2014 e a necessidade de utilização intensa do espectro radioelétrico durante a realização de eventos de grande magnitude”. A ação segue assim uma série de medidas que têm intensificado a criminalização dos movimentos sociais e populares em nome da ordem e do bom andamento dos compromissos do governo com os mega-eventos, como a proposta de uma lei antiterrorismo, de um manual de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a Lei Geral da Copa.

Segundo Pedro Martins, representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) no Brasil, o plano da Anatel expõe ainda mais a política atual do governo e do Ministério da Comunicações de continuar protegendo a mídia corporativa em detrimento de ampliar a pluralidade e a diversidade de vozes no espectro. Ele diz acreditar que “a repressão à Rádio Muda esteja dentro deste plano, que expõe ainda mais a política atual do governo e do Ministério da Comunicações de continuar protegendo a mídia corporativa em detrimento de ampliar a pluralidade e a diversidade de vozes no espectro. E a Copa vem servindo como elemento para aumentar ainda mais a repressão, o que é bem preocupante”.

Um levantamento publicado em 2010 pela Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) indicou que 471 entidades na região de Campinas buscavam o reconhecimento do serviço de radiodifusão, sendo que 51% estavam com seus processos arquivados, 9% em andamento e 27 % aguardando aviso de habilitação. Desse total, apenas 63 entidades tinham seus pleitos autorizados. Hoje, quatro anos depois, esse número teria subido para 65, de acordo com informações do Movimento Nacional das Rádios Comunitárias (MNRC).

Os números demonstram que a prioridade para o setor tem sido dar peso nas autuações, em detrimento das autorizações. A forma como vêm atuando os agentes do Estado tem sido objeto de críticas pelos defensores das rádios comunitárias e livres. Jerry de Oliveira, representante do MNRC em São Paulo, declara que “o MNRC de São Paulo repudia esta ação contra a Rádio Muda, ainda mais sabendo por meio de documento informal que a operação aconteceria fora dos padrões determinados pelo código civil”.

O documento ao qual Oliveira se refere seria a troca de e-mails entre agentes da Anatel, na qual recomendariam “atenção especial” à Rádio Muda por ser operada por estudantes da Unicamp que têm resistido às investidas dos agentes (a rádio já foi fechada seis vezes). Na mensagem, a recomendação é de que a ação seja feita em um feriado ou domingo pela manhã, como aconteceu no fim de semana anterior. O representante do MNRC afirma que a Anatel tem “medo da organização popular”.

A resistência dos estudantes da Unicamp, que reocuparam os estúdios da Rádio Muda na caixa d’água da universidade, continua. O MNRC diz estar preparado para resistir.

Financiamento de mídia independente é discutido na Câmara

A deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) apresentou no dia 30 de outubro (quarta-feira), na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, um relatório com propostas para o financiamento de mídia independente. O documento foi formulado por uma subcomissão, da qual a parlamentar foi a relatora, e que desde dezembro de 2011segue discutindo o tema.

A relatora considerou que o texto final da subcomissão é uma “repescagem da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)” e dos debates que têm sido feitos na Câmara. Segundo ela, espera-se com o documento apresentar “proposições que reflitam o pensamento da casa e dos movimentos sociais sobre o assunto”.

A subcomissão, que realizou audiências públicas em Recife (PE) e Brasília (DF), considerou como eixos fundamentais do debate a venda de espaço publicitário das mídias independentes e a criação de fundos de incentivo.  O relatório conclui apresentando nove proposições, dentre sugestões de projetos de lei, recomendações a órgãos do poder executivo e a criação de uma “Lei Rouanet da mídia independente”.

Uma das propostas sugere a formulação de um projeto de lei que garanta “no mínimo, 20% das verbas destinadas à publicidade dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário Federais em divulgação por meio de emissoras de radiodifusão comunitária, de radiodifusão educativa e de veículos de comunicação caracterizados como microempresa, empresa de pequeno porte ou empresa individual de responsabilidade limitada”. Ainda de acordo com o relatório, a publicidade poderia ocupar até 20% da irradiação diária das emissoras comunitárias.

De acordo com o relatório, a referência para as discussões foi a existência de “uma mídia popular, que emerge de grupos da sociedade organizada, e que tem como principal objetivo promover novos canais de informação, que possam ampliar o acesso à informação e contribuir para a democratização das comunicações no Brasil”. O conceito abrange emissoras de rádio e TV comunitárias e educativas; produtoras brasileiras regionais independentes; veículos de comunicação de pequeno porte; além de alguns canais de programação de distribuição obrigatória transmitidos por meio da televisão por assinatura.

A votação do relatório estava prevista para esta quarta, mas foi adiada, a pedido dos deputados Arolde de Oliveira (PSD-RJ) e Jorge Bittar (PT-RJ).  O relatório pode ser acessado na íntegra na página da Câmara.

Rádios comunitárias legalizadas lutam pela sobrevivência

Existem 34 rádios comunitárias reconhecidas na cidade de São Paulo, segundo lista do Ministério das Comunicações datada de julho deste ano. Desse total, 16 já receberam sua licença provisória – caso da Associação Cantareira -, 11 aguardam deliberação do Congresso Nacional para receberem licença e começarem a funcionar legalizadas e, dentre outras situações, apenas a União das Associações e Sociedade de Heliópolis e São João Clímaco (Rádio Heliópolis) possui a autorização definitiva assinada pelo ministro das Comunicações .

As 34 reconhecidas pelo poder público estão contabilizadas dentro das 41 possíveis rádios comunitárias de São Paulo, de acordo com mapa do Ministério das Comunicações para a cidade feito em edital de chamada para as emissoras em 2006. Dentre centenas de pedidos feitos à época, as 41 que conseguiram um canal foram as associações que conseguiram o maior número de apoios formais de outras entidades. No entanto, de lá para cá sete ficaram pelo caminho por não conseguirem cumprir a burocracia necessária para efetivar suas licenças.

Em 2008, quase na conclusão do processo de licitação, oito organizações que assinaram o Compromisso de Honra em defesa das rádios comunitárias (como Intervozes, Oboré, Associação Brasileira de Imprensa) fizeram um balanço do processo, e chegaram à conclusão de que o mapa não atendeu à demanda, por ter permitido poucos canais para esse tipo de veículo. Além do resultado insuficiente, as organizações criticaram os critérios, considerados imprecisos e injustos. Segundo essas organizações, as 41 rádios permitidas geograficamente no mapa de São Paulo, está muito aquém da demanda da cidade. A maior parte dos moradores da cidade está na “sombra”, isto é, no vácuo entre uma rádio legalizada e outra – o mapa não levou em consideração rádios não legalizadas, ainda que sejam comunitárias.

A maioria das rádios comunitárias hoje reconhecidas tem uma longa história de luta pela implementação do seu próprio veículo de comunicação. Como a Nova Paraisópolis, inaugurada mês passado após 11 anos de tentativas, ou ainda a Rádio Cantareira, que tenta sua legalização desde 98, ano da Lei 9.612, que criou condições para a legalização desses meios comunitários.

 

Mas depois da árdua tarefa de conseguir uma autorização do governo federal, vem outros grandes desafios para manter a emissora funcionando de forma plena. “Dizer que a rádio é regulamentada pesa bastante. O pessoal procura para fazer anúncio, todo dia tem gente para fazer apoio, e antes eles ficavam meio preocupados. Mas hoje temos muito mais limitações, ficou super engessada, com pouca liberdade de ação. Não pode fazer comercial, por exemplo. Como vai manter a rádio?”, questiona Juçara Zotti, da Associação Cantareira.

Ela conta também que antes da autorização, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estava sempre em contato com a rádio, no caso para perseguir. Porém, após a licença de operação veio o abandono: apesar de no entorno da Cantareira existirem três rádios na mesma freqüência (em Pirituba e em Perus), a Agência não faz nada. “Tem uma rádio AM e FM do Bom Retiro, 87.5, da Assembleia de Deus, que se desligarmos nosso transmissor, ela pega tudo”, denuncia.

A freqüência que o Ministério das Comunicações destinou às rádios comunitárias da cidade (87.5 FM) é outro problema que as emissoras enfrentam, mesmo após todo o processo burocrático que tiveram que cumprir ao longo de anos. Em 2004, a Anatel designou o canal 198 (equivalente à freqüência 87.5 MHz) que, segundo balanço das entidades pró rádios comunitárias de 2008, fica localizado no extremo do dial e em alguns aparelhos simplesmente não pode ser sincronizado. Entre as propostas das organizações, sugeriam a definição de novas diretrizes técnicas – flexíveis e adaptáveis de acordo com as particularidades de cada localidade -, e a revisão dos problemáticos critérios de composição e de desempate entre as rádios, incapazes de apontar qual entidade é de fato a mais representativa.


Legalizados

“Estamos felizes com nossa outorga, mas vamos continuar na luta para legalizar outras”, disse João Miranda na segunda visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à comunidade de Heliópolis, quando receberam a autorização definitiva em 2008. Na época, João era presidente da rádio. Ele chegou a ser preso em 2006, no segundo fechamento da emissora pela Anatel. Geronino Barbosa, que foi diretor da rádio em época anterior à legalização, conta a história: “não éramos legalizados na burocracia, mas éramos uma rádio pública, ética e comunitária.”

A comunidade de Heliópolis, região sudeste de São Paulo, tem cerca de 125 mil habitantes, 35 mil famílias que a UNAS (União de Núcleos Associação e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Climaco) tenta alcançar. A rádio é seu principal meio de comunicação, e surgiu como instrumento político para facilitar a organização comunitária – responsável por maioria da infraestrutura que a região conquistou. “Ela [rádio] surgiu para ajudar na organização do bairro. No começo só nos dias que tinha reunião que ela funcionava, para lembrar as pessoas de comparecerem”, conta Genésia Miranda, diretora da UNAS e líder comunitária.

Quando surgiu em 92, a rádio consistia em duas cornetas funcionando em dois pontos da favela, sendo chamada de Rádio Popular de Heliópolis. “Ela passou a ser FM por sugestão de padres italianos, que vieram em 93 e mandaram verba”, conta Rogério José da Silva, locutor do programa “Mistura Fina”. Começaram a transmitir em FM em 97. Também obtiveram equipamentos do Ministério da Cultura, ao se tornarem Ponto de Cultura, na gestão de Gilberto Gil. Segundo Rogério, o público ouvinte atual está por volta dos 60 mil, 40 mil dos arredores de Heliópolis, e os outros 20 mil são de São Caetano, Vila Prudente.

Durante o processo de legalização, a Anatel sempre alegou falta de canal para a associação, mesmo que sempre houvesse permissão para funcionamento de novas emissoras comerciais. “Qualquer rádio comercial pode bater em nós, atrapalhar nosso sinal. Agora, se somos nós que batemos em alguém, segundo a lei temos que interromper imediatamente o sinal”, critica Geronino Barbosa.

A favela da Cantareira, diferentemente de Heliópolis, não tem uma associação de moradores ou um centro organizador das políticas comunitárias locais. O grupo de comunicadores que iniciou a rádio em 95 era muito ligado à Igreja Católica e durante anos fizeram parte da Associação das Rádios Comunitárias Católicas, juntamente com outros movimentos que lutavam pela regularização. “A partir de 96 começou repressão bem forte em cima das rádios comunitárias”, conta Juçara Zotti. Esse processo desencadeou a Lei 9612/98 e nesse mesmo ano a Rádio Cantareira já entrou com pedido junto ao Minicom.

O pedido ficou esquecido até 2006, quando saiu o primeiro aviso de habilitação da capital. Conseguiram a licença definitiva este ano e reinauguraram a rádio em 18 de julho. “Nós funcionamos dez anos sem autorização do Ministério. A gente nunca foi julgado porque a gente mantinha nosso projeto comunitário”, diz a mobilizadora Juçara. Durante esse período, a rádio da Cantareira não chegou a ser invadida pela Polícia Federal.

Construída em 1995, a rádio nasceu da percepção da necessidade de ter meio de comunicação na Brasilândia. “A comunidade não tinha lugar pra compartilhar as coisas. E até mesmo o tipo de comunicação que chegava não atendia a demanda de falar do local”. Chamar reunião de bairro, divulgar tudo que as entidades faziam na região, questões de saúde e saneamento, eram temas que faziam parte do cotidiano da rádio. “A época do governo era bem difícil, havia a implantação do Paz na Cidade, plano de atendimento básico da saúde, que na verdade era privatização”, recorda Juçara.

Vida após a legalização

Financiamento é um tema espinhoso, que tem sido tratado com atenção pelos comunicadores da Cantareira. “Você vai fazer divulgação de um mercado e chamar de apoio cultural. É um colaborador que está ajudando, estamos chamando colaboração de apoio”. Juçara discorda que merchandising é apoio cultural – apoio que procuram fazer em parcerias com espaços culturais e pessoas que trabalham com arte e divulgam seus projetos na rádio, pagando ou não. Mesmo com a imprecisão do nome, essa tem sido a saída para a manutenção da maioria das rádios comunitárias.

“Os apoios culturais podem ser coisas como o Zé da Padaria que paga para falar o nome do estabelecimento algumas vezes por dia”, explica Rogério, da Heliópolis. Para eles, a lei que a Anatel fez é para impedir que as rádios sobrevivam. Além do sistema de fome, outra limitação que veio com a legalização, foi a proibição de se fazer “links”, para transmissão ao vivo de eventos como shows – “só se usarmos um cabo de 500m do evento até aqui”.

O caso da Nova Paraisópolis, recém legalizada, é similar. Só podem conseguir recursos pelo método do “apoio cultural”, mas é o que podem fazer por ora, mesmo que discordem da legislação. “Ficamos mais de onze anos brigando para conseguir a rádio. Nossa luta agora é pra criar meios de subsistência”, afirmou o diretor de comunicação Joildo dos Santos. Sem o risco de serem invadidos pela Polícia Federal, como já ocorreu.

 

Curso ensina crianças de Heliópolis a produzir matérias informativas

Aprender a escrever uma reportagem não será um privilégio apenas dos estudantes de jornalismo. No próximo sábado (10), trinta alunos, entre 12 e 15 anos, participarão do primeiro dia do curso "Correspondentes da Cidadania", idealizado pela Oboré, empresa de serviços especiais voltada para a comunicação popular e pela UNAS, Associação dos Moradores de Heliópolis.

O projeto tem o objetivo de ensinar as crianças a produzir uma matéria informativa, trabalhar em equipe, pesquisar na internet e editar um boletim online, para facilitar a comunicação com a comunidade. Os alunos foram selecionados, primeiramente, por provas internas de suas escolas, totalizando 120, que fizeram uma visita à Universidade de São Paulo (USP) e escreveram uma redação sobre o passeio. Dessa forma, foram selecionadas trinta crianças, que freqüentarão 16 sábados de curso.

"A expectativa é formar jovens capazes de escrever uma notícia e informar a comunidade", afirma Sérgio Gomes, representante da Oboré. A entidade ficará responsável pelas excursões que levarão os alunos aos principais pontos da cidade de São Paulo durante os dias de atividades. Além dela, a Universidade Metodista e o Projeto Redigir são apoiadores do projeto, que tem como coordenadora pedagógica a professora, Cecília Peruzzo.

Além de formar "jornalistas-mirins", o trabalho pretende denunciar as condições precárias dos departamentos de informática em que se encontram as quatro escolas participantes do projeto: EE Prof. Ataliba de Oliveira, EE Manuela Lacerda Vergueiro, Escola Municipal Gonzaguinha e EM Campos Salles. "Algumas têm computadores que estão nas caixas, já que a sala de informática está inundada, outras não têm acesso à internet, e assim por diante", declara Gomes.

Por isso, a Oboré firmou parceria com a Evolution, uma lan house da comunidade de Heliópolis, que abrirá as portas todos os domingos, das 10h às 12h, para os alunos do curso. Além disso, cada criança terá uma espécie de padrinho, responsável por pagar R$10 por mês- durante os quatro meses- para que ela possa utilizar os serviços eletrônicos.