Rádios comunitárias legalizadas lutam pela sobrevivência

Existem 34 rádios comunitárias reconhecidas na cidade de São Paulo, segundo lista do Ministério das Comunicações datada de julho deste ano. Desse total, 16 já receberam sua licença provisória – caso da Associação Cantareira -, 11 aguardam deliberação do Congresso Nacional para receberem licença e começarem a funcionar legalizadas e, dentre outras situações, apenas a União das Associações e Sociedade de Heliópolis e São João Clímaco (Rádio Heliópolis) possui a autorização definitiva assinada pelo ministro das Comunicações .

As 34 reconhecidas pelo poder público estão contabilizadas dentro das 41 possíveis rádios comunitárias de São Paulo, de acordo com mapa do Ministério das Comunicações para a cidade feito em edital de chamada para as emissoras em 2006. Dentre centenas de pedidos feitos à época, as 41 que conseguiram um canal foram as associações que conseguiram o maior número de apoios formais de outras entidades. No entanto, de lá para cá sete ficaram pelo caminho por não conseguirem cumprir a burocracia necessária para efetivar suas licenças.

Em 2008, quase na conclusão do processo de licitação, oito organizações que assinaram o Compromisso de Honra em defesa das rádios comunitárias (como Intervozes, Oboré, Associação Brasileira de Imprensa) fizeram um balanço do processo, e chegaram à conclusão de que o mapa não atendeu à demanda, por ter permitido poucos canais para esse tipo de veículo. Além do resultado insuficiente, as organizações criticaram os critérios, considerados imprecisos e injustos. Segundo essas organizações, as 41 rádios permitidas geograficamente no mapa de São Paulo, está muito aquém da demanda da cidade. A maior parte dos moradores da cidade está na “sombra”, isto é, no vácuo entre uma rádio legalizada e outra – o mapa não levou em consideração rádios não legalizadas, ainda que sejam comunitárias.

A maioria das rádios comunitárias hoje reconhecidas tem uma longa história de luta pela implementação do seu próprio veículo de comunicação. Como a Nova Paraisópolis, inaugurada mês passado após 11 anos de tentativas, ou ainda a Rádio Cantareira, que tenta sua legalização desde 98, ano da Lei 9.612, que criou condições para a legalização desses meios comunitários.

 

Mas depois da árdua tarefa de conseguir uma autorização do governo federal, vem outros grandes desafios para manter a emissora funcionando de forma plena. “Dizer que a rádio é regulamentada pesa bastante. O pessoal procura para fazer anúncio, todo dia tem gente para fazer apoio, e antes eles ficavam meio preocupados. Mas hoje temos muito mais limitações, ficou super engessada, com pouca liberdade de ação. Não pode fazer comercial, por exemplo. Como vai manter a rádio?”, questiona Juçara Zotti, da Associação Cantareira.

Ela conta também que antes da autorização, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estava sempre em contato com a rádio, no caso para perseguir. Porém, após a licença de operação veio o abandono: apesar de no entorno da Cantareira existirem três rádios na mesma freqüência (em Pirituba e em Perus), a Agência não faz nada. “Tem uma rádio AM e FM do Bom Retiro, 87.5, da Assembleia de Deus, que se desligarmos nosso transmissor, ela pega tudo”, denuncia.

A freqüência que o Ministério das Comunicações destinou às rádios comunitárias da cidade (87.5 FM) é outro problema que as emissoras enfrentam, mesmo após todo o processo burocrático que tiveram que cumprir ao longo de anos. Em 2004, a Anatel designou o canal 198 (equivalente à freqüência 87.5 MHz) que, segundo balanço das entidades pró rádios comunitárias de 2008, fica localizado no extremo do dial e em alguns aparelhos simplesmente não pode ser sincronizado. Entre as propostas das organizações, sugeriam a definição de novas diretrizes técnicas – flexíveis e adaptáveis de acordo com as particularidades de cada localidade -, e a revisão dos problemáticos critérios de composição e de desempate entre as rádios, incapazes de apontar qual entidade é de fato a mais representativa.


Legalizados

“Estamos felizes com nossa outorga, mas vamos continuar na luta para legalizar outras”, disse João Miranda na segunda visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à comunidade de Heliópolis, quando receberam a autorização definitiva em 2008. Na época, João era presidente da rádio. Ele chegou a ser preso em 2006, no segundo fechamento da emissora pela Anatel. Geronino Barbosa, que foi diretor da rádio em época anterior à legalização, conta a história: “não éramos legalizados na burocracia, mas éramos uma rádio pública, ética e comunitária.”

A comunidade de Heliópolis, região sudeste de São Paulo, tem cerca de 125 mil habitantes, 35 mil famílias que a UNAS (União de Núcleos Associação e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Climaco) tenta alcançar. A rádio é seu principal meio de comunicação, e surgiu como instrumento político para facilitar a organização comunitária – responsável por maioria da infraestrutura que a região conquistou. “Ela [rádio] surgiu para ajudar na organização do bairro. No começo só nos dias que tinha reunião que ela funcionava, para lembrar as pessoas de comparecerem”, conta Genésia Miranda, diretora da UNAS e líder comunitária.

Quando surgiu em 92, a rádio consistia em duas cornetas funcionando em dois pontos da favela, sendo chamada de Rádio Popular de Heliópolis. “Ela passou a ser FM por sugestão de padres italianos, que vieram em 93 e mandaram verba”, conta Rogério José da Silva, locutor do programa “Mistura Fina”. Começaram a transmitir em FM em 97. Também obtiveram equipamentos do Ministério da Cultura, ao se tornarem Ponto de Cultura, na gestão de Gilberto Gil. Segundo Rogério, o público ouvinte atual está por volta dos 60 mil, 40 mil dos arredores de Heliópolis, e os outros 20 mil são de São Caetano, Vila Prudente.

Durante o processo de legalização, a Anatel sempre alegou falta de canal para a associação, mesmo que sempre houvesse permissão para funcionamento de novas emissoras comerciais. “Qualquer rádio comercial pode bater em nós, atrapalhar nosso sinal. Agora, se somos nós que batemos em alguém, segundo a lei temos que interromper imediatamente o sinal”, critica Geronino Barbosa.

A favela da Cantareira, diferentemente de Heliópolis, não tem uma associação de moradores ou um centro organizador das políticas comunitárias locais. O grupo de comunicadores que iniciou a rádio em 95 era muito ligado à Igreja Católica e durante anos fizeram parte da Associação das Rádios Comunitárias Católicas, juntamente com outros movimentos que lutavam pela regularização. “A partir de 96 começou repressão bem forte em cima das rádios comunitárias”, conta Juçara Zotti. Esse processo desencadeou a Lei 9612/98 e nesse mesmo ano a Rádio Cantareira já entrou com pedido junto ao Minicom.

O pedido ficou esquecido até 2006, quando saiu o primeiro aviso de habilitação da capital. Conseguiram a licença definitiva este ano e reinauguraram a rádio em 18 de julho. “Nós funcionamos dez anos sem autorização do Ministério. A gente nunca foi julgado porque a gente mantinha nosso projeto comunitário”, diz a mobilizadora Juçara. Durante esse período, a rádio da Cantareira não chegou a ser invadida pela Polícia Federal.

Construída em 1995, a rádio nasceu da percepção da necessidade de ter meio de comunicação na Brasilândia. “A comunidade não tinha lugar pra compartilhar as coisas. E até mesmo o tipo de comunicação que chegava não atendia a demanda de falar do local”. Chamar reunião de bairro, divulgar tudo que as entidades faziam na região, questões de saúde e saneamento, eram temas que faziam parte do cotidiano da rádio. “A época do governo era bem difícil, havia a implantação do Paz na Cidade, plano de atendimento básico da saúde, que na verdade era privatização”, recorda Juçara.

Vida após a legalização

Financiamento é um tema espinhoso, que tem sido tratado com atenção pelos comunicadores da Cantareira. “Você vai fazer divulgação de um mercado e chamar de apoio cultural. É um colaborador que está ajudando, estamos chamando colaboração de apoio”. Juçara discorda que merchandising é apoio cultural – apoio que procuram fazer em parcerias com espaços culturais e pessoas que trabalham com arte e divulgam seus projetos na rádio, pagando ou não. Mesmo com a imprecisão do nome, essa tem sido a saída para a manutenção da maioria das rádios comunitárias.

“Os apoios culturais podem ser coisas como o Zé da Padaria que paga para falar o nome do estabelecimento algumas vezes por dia”, explica Rogério, da Heliópolis. Para eles, a lei que a Anatel fez é para impedir que as rádios sobrevivam. Além do sistema de fome, outra limitação que veio com a legalização, foi a proibição de se fazer “links”, para transmissão ao vivo de eventos como shows – “só se usarmos um cabo de 500m do evento até aqui”.

O caso da Nova Paraisópolis, recém legalizada, é similar. Só podem conseguir recursos pelo método do “apoio cultural”, mas é o que podem fazer por ora, mesmo que discordem da legislação. “Ficamos mais de onze anos brigando para conseguir a rádio. Nossa luta agora é pra criar meios de subsistência”, afirmou o diretor de comunicação Joildo dos Santos. Sem o risco de serem invadidos pela Polícia Federal, como já ocorreu.

 

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