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Câmara dos Deputados teve pressa para aprovar anistia a rádios e TVs

Medida Provisória entrou em votação no plenário apenas algumas horas depois do assunto ter sido analisado pela comissão mista responsável

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira, dia 21, a Medida Provisória (MP) 747/2016, que altera as regras do processo de renovação de outorga dos serviços de rádio e televisão previstas na Lei 5.785/1972. O relatório, de autoria do deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), havia sido aprovado na tarde do mesmo dia na comissão mista da MP.

A MP 747 altera o processo de concessão de rádios e TVs, determinando que interessados em renovar a concessão ou a permissão devem apresentar requerimento nos 12 meses anteriores ao término do respectivo prazo da outorga. As entidades que não fizerem o pedido de renovação no tempo previsto serão notificadas para que se manifestem em até 90 dias. Também será possível regularizar permissões que já estejam vencidas. Estas determinações “afrouxam” os deveres das emissoras, que prestam serviço por meio de uma concessão pública.

Na prática, a medida concede anistia ampla e geral às emissoras que estavam com suas concessões vencidas ou que não tinham solicitado a renovação no prazo legal. Quase a metade das emissoras de rádio de todo o país estão nesta situação, além de um grande número de emissoras de TV.

Rádios Comunitárias

Durante a apresentação do parecer do relator da MP 747/2016, os deputados e senadores presentes acordaram em incluir as rádios comunitárias na mesma anistia. Porém o deputado André Figueiredo (PDT-CE) alertou em plenário para o fato de o texto da Medida Provisória 747 separar em artigos diferentes a renovação de concessões, permissões e autorizações de radiodifusão. Ele questionou as intenções do relator em separar os artigos. “O texto poderia fazer menção a concessões, permissões e autorizações de serviços de radiodifusão no mesmo artigo, e não deixar as autorizações que regem as rádios comunitárias em artigos diferentes. Isso sinaliza uma intenção de veto [posterior]”, destacou.

André Figueiredo apresentou destaque de emenda ao relatório, pretendendo incluir as rádios comunitárias no mesmo artigo da MP que trata das concessões, mas a proposta foi rejeitada por 184 votos a 160 pelo plenário.

Texto Aprovado

As rádios comunitárias que não renovaram suas concessões dentro do prazo serão atendidas em suas reivindicações, e aquelas que ainda não deram entrada no processo terão um período adicional de 60 dias para regularização.

Na votação em plenário, deputados retiraram do projeto o trecho que previa que concessionários só poderiam renovar os prazos de concessão, permissão e autorização se tivessem cumprido todas as “obrigações legais e contratuais, mantido a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público”.

A MP aprovada manteve os prazos de concessão, permissão e autorização em 10 anos para rádios e em 15 anos para TVs. O novo texto diz que os prazos poderão ser renovados por períodos sucessivos e iguais, mas não prevê mais como requisito para renovação que os concessionários cumpram obrigações legais e mantenham idoneidade técnica, financeira e moral.

Comissão Mista

Durante a tramitação, a MP 747/2016 recebeu 41 emendas. O relator acolheu integralmente duas delas, e uma terceira de forma parcial.

Uma das emendas acolhidas integralmente, de autoria do deputado Sandro Alex (PSD-PR), tratava sobre “ocupações e multifuncionalidades geradas pela digitalização das emissoras de radiodifusão, novas tecnologias, equipamentos e meios de informação e comunicação”. Essa emenda abre espaço à regulação da multifuncionalidade, caracterizando uma possível precarização do trabalho.

Já a emenda apresentada pelo deputado Esperidião Amin (PP-SC) foi parcialmente recebida. Ela listava uma série de questões a se levar em consideração para atestar a idoneidade moral prevista no projeto.

Mas a principal alteração no texto foi motivada pela emenda 27, de autoria do deputado André Figueiredo, que estende o mesmo benefício de anistia às rádios comunitárias e educativas. O texto segue agora para o Senado. Caso não seja votado até o dia 12 de março, os efeitos da medida perdem validade e ela será arquivada.

Uso indevido de MPs

O governo vem recebendo críticas por não oferecer tempo aos necessários debates sobre os temas de seu interesse, o que ocorreria durante a tramitação dos respectivos projetos no Legislativo. Ao invés disso, tem governado mediante a edição de uma série de medidas provisórias (MPs).

Ao contrário dos demais projetos discutidos no Congresso, que precisam ser aprovados para ter validade, as medidas provisórias têm efeito de lei e aplicação imediata já a partir de sua publicação. Depois de entrar em vigor é que a MP vai ser analisada pelo Congresso Nacional para ser transformada definitivamente em lei.

Desde que assumiu o cargo, Michel Temer já encaminhou para análise dos parlamentares um total de 41 MPs, sendo duas delas na primeira semana deste ano.

De acordo com alguns técnicos legislativos do Senado, responsáveis por acompanhar a correta tramitação dos projetos e medidas na Casa, o que está ocorrendo é “uma banalização das MPs”. A Medida Provisória é um instrumento com força de lei elaborado em casos de relevância e urgência, dizem os técnicos, e a maioria das medidas editadas no governo de Michel Temer não seguem esse critério.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

LIÇÕES DO “ATLETIBA” CONTRA O MONOPÓLIO DA GLOBO

Postura das equipes demonstra a importância de resistir ao oligopólio midiático, cujo prejuízo para espectadores vai muito além do futebol

Por André Pasti*

O clássico de domingo 19 entre Atlético-PR e Coritiba (o “Atletiba”) entrará para a história como um capítulo na luta contra o monopólio da Globo no futebol brasileiro. Os clubes negaram o péssimo acordo financeiro proposto pela emissora para transmitir a partida e decidiram exibir o jogo em seus canais no Youtube e Facebook.

Com a torcida nas arquibancadas e os jogadores prontos para o jogo, o inacreditável aconteceu: a Federação Paranaense de Futebol, a pedido da Rede Globo, impediu a transmissão da partida online. Só haveria jogo sem transmissão, em recado da Globo aos clubes “rebeldes”. Como os clubes não recuaram, a federação impediu a partida de acontecer.

Acostumada a mandar no futebol nacional, a Globo não contava com a coragem das equipes. Com a ação, elas deram visibilidade aos prejuízos do monopólio da emissora ao esporte. Como discutimos há algumas semanas, os danos do monopólio de transmissões são muitos.

Desde o horário das partidas às dez da noite, péssimo para os torcedores trabalhadores e para os próprios jogadores, a campeonatos estaduais inteiros “escondidos” das torcidas. Do financiamento extremamente desigual dos direitos de imagem dos clubes, que inviabiliza o crescimento das equipes menores, à invisibilização do futebol feminino.

A frase “quem paga a banda, escolhe a música” tem sido usada há tempos pelos comentaristas submissos à Globo para justificar esses absurdos das decisões do monopólio. Nesse “Atletiba” ficou muito claro o quanto essa lógica é prejudicial a todos os envolvidos no esporte: não importavam os direitos dos jogadores, dos clubes, nem dos torcedores presentes na Arena da Baixada; não importava o futebol – só o interesse da emissora estava valendo.

Muitos torcedores brasileiros têm questionado o monopólio midiático no futebol, com campanhas como a “Jogo dez da noite, NÃO!”, que chegou a diversos estádios pelo País. No ano passado, a “Gaviões da Fiel” protestou com faixas “Rede Globo, o Corinthians não é seu quintal” e “Jogo às 22h também merece punição”. A novidade agora é o enfrentamento do monopólio pelos próprios clubes.

Combater o monopólio da mídia no futebol é possível, como comprova a experiência argentina. Lá, o programa “Futebol para Todos” e a regulação democrática da comunicação audiovisual (a famosa “Lei de Meios”) reconheceram o direito à audiência dos eventos esportivos pela população e o futebol como patrimônio cultural nacional.

As transmissões passaram a ser realizadas em diversos canais e horários, incluindo a televisão pública, com transmissões online gratuitas em alta qualidade. Além disso, as cotas de TV foram redistribuídas, melhorando a competitividade do campeonato nacional. Infelizmente, esses avanços estão sendo agora atacados pelo governo neoliberal de Maurício Macri.

Pode a internet abalar o poder da Globo?

Os clubes propuseram como alternativa à transmissão televisiva a exibição por suas contas nas plataformas Youtube e Facebook. Mas, se a intenção é fazer frente ao monopólio da Globo, é importante apontar alguns limites dessa transmissão online.

Em primeiro lugar, há uma disparidade de acesso: apenas metade (51%) das residências brasileiras possuem acesso à internet, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2015/CGI. Entre os usuários de internet, 31% não possuem acesso à banda larga. A mesma pesquisa revela que 97% dos domicílios brasileiros possuem televisão – com acesso a canais abertos.

Portanto, ainda é muito desigual no Brasil o alcance e o acesso possibilitado pela televisão aberta e pela internet. Essa desigualdade de acesso também se reflete entre as regiões do território brasileiro e nas distintas condições presentes nas cidades.

Outro limite está dado pelas plataformas escolhidas. Youtube e Facebook estão longe de ser plataformas livres. Pertencem a grandes empresas estadunidenses que estão concentrando a produção e circulação de informações nas redes.

Eles são novos “porteiros” digitais, decidindo o que desejam censurar, o que nós podemos visualizar, quais informações terão ou não destaque. Transferir a concentração do controle da informação dos conglomerados da radiodifusão para os conglomerados de internet seria apenas mudar os donos do monopólio.

É preciso pensar políticas que democratizem efetivamente a comunicação, considerando a realidade do território brasileiro. Vale lembrar que a televisão aberta – caso da Globo – é uma concessão pública, que deve atender ao interesse público e cumprir regras previstas em nossa Constituição.

Para além do futebol

A Globo segue agindo como a péssima “dona da bola” do futebol de rua**. A emissora mandou seu recado: ninguém poderia contrariar uma decisão do monopólio. Desta vez, no entanto, os clubes enfrentaram o canal e deram um exemplo de que é possível dizer não e lutar contra os danos do monopólio ao futebol nacional.

Aos que começaram a perceber os prejuízos do monopólio da Globo ao futebol, é preciso, também, fazer um alerta: os danos de uma mídia monopolizada vão muito além do esporte. Nossos direitos de cidadãos são ignorados ou atacados como os direitos dos torcedores no “Atletiba”.

O controle dos discursos em circulação tem permitido aos monopólios sustentar golpes de estado, invisibilizar e criminalizar movimentos sociais e pautas de direitos humanos, defender políticas danosas aos mais pobres, criminalizar a juventude negra das periferias, entre tantos outros problemas. A diversidade cultural, regional, étnica e sexual presentes em nosso país são tão prejudicadas pelo monopólio quanto o futebol.

Que o “Atletiba” seja o início de uma resistência em defesa do futebol e da comunicação como direitos de todos. Precisamos ampliar essa resistência e o combate ao monopólio midiático, dentro e fora do futebol.

**Em nota, o SporTV se isentou da responsabilidade no episódio de ontem, apesar de evidências de que a partida não ocorreu por conta da tentativa de transmissão via internet, segundo disse o 4º árbitro do jogo.

*André Pasti é doutorando em Geografia Humana na USP, professor do Cotuca/Unicamp e integrante do Coletivo Intervozes

Senador Agripino Maia faz manobra para não perder concessão de rádio e TV

Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, o senador e seu filho, o deputado Felipe Maia, venderam a participação no Sistema Tropical de Comunicação

Numa manobra para tentar escapar de punição e para não perder sua concessão de radiodifusão, o senador JoséAgripino Maia (DEM-RN) e seu filho, o deputado federal Felipe Maia (DEM-RN), venderam suas ações no Sistema Tropical de Comunicação. Essa manobra atende a uma recomendação do Ministério das Comunicações, conforme divulgado pela jornalista Eliana Lima no jornal Tribuna do Norte.

Em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte (MPF-RN) ajuizou ação civil pública contra a União, a emissora TV Tropical (afiliada da Record TV no Rio Grande do Norte), a Rádio Libertadora Mossoroense e outras quatro rádios, todas pertencentes ao senador e seu filho.

A ação do MPF pede ao Ministério das Comunicações que casse as outorgas de concessão da TV Tropical e das emissoras de rádio. No pedido, o MPF afirma que José Agripino e Felipe Maia ferem a Constituição Federal ao figurarem como sócios dessas empresas de comunicação.

Segundo o procurador Rodrigo Telles, que assina a ação,  “a liberdade de expressão, o direito à informação, a proteção da normalidade e legitimidade das eleições, do exercício do mandato eletivo e os demais preceitos fundamentais decorrentes do princípio democrático precisam ser preservados”. Desta forma, Telles pede na ação o cancelamento da concessão, permissão e/ou autorização do serviço de radiodifusão sonora e de som e imagem outorgado à TV Tropical, Rádio Libertadora Mossoroense, Rádio Ouro Branco, Alagamar Rádio Sociedade Ltda., Rádio Curimataú de Nova Cruz Ltda. e Rádio A Voz do Seridó.

O MPF pede ainda que a União, por intermédio do Ministério das Comunicações, seja condenada a realizar nova licitação para os serviços de radiodifusão outorgados às rés e a se abster de conceder renovações ou futuras outorgas do serviço de radiodifusão às rés ou a outras pessoas jurídicas das quais José Agripino e Felipe Maia sejam ou venham a ser sócios, enquanto forem titulares de mandato eletivo.

De acordo com o artigo 54, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, é vedado a parlamentares serem sócios ou associados de pessoas jurídicas concessionárias do serviço público de radiodifusão. “E assim o é em razão de seu potencial (da radiodifusão) de funcionar também e, no mais das vezes, preponderantemente, como órgão de imprensa, impondo-se assim que a vedação incida inevitavelmente em face das empresas concessionárias que detenham em seus quadros sociais deputados e senadores”, argumentou o procurador.

“Mudança” no comando do grupo

O Sistema Tropical pertence ao espólio do ex-governador Tarcísio Maia, tendo hoje como sócia majoritária a viúva Tereza Maia, mãe do senador Agripino Maia. O senador Agripino e o filho Felipe Maia são sócios minoritários. Eles estão vendendo suas participações para Otho Maia e Ana Sílvia Maia, membros da mesma família.

Essa movimentação reforça a tese de que esta é apenas uma operação formal, dado o  receio de Agripino e Felipe de que a ação do MPF resulte na perda da concessão do serviço de radiodifusão sonora ou de som e imagens.

Com a publicação de decreto pelo Palácio do Planalto no último dia 8 de fevereiro, no qual autoriza a alteração de nomes no comando do grupo Tropical de Comunicação, o Ministério das Comunicações ignora os apontamentos feitos pelo MPF e se porta de forma conivente com a operação.

Os Donos da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil, aponta que, na atual legislatura (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Câmara dos Deputados. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa. Entre estes senadores, figuram Aécio Neves (PSDB-MG), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o próprio Agripino Maia (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA).

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda os casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de laranjas ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos.

O domínio político sobre os meios de comunicação expõe um grave conflito de interesses, uma vez que o próprio Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões e permissões de radiodifusão. Atualmente, algumas ações civis públicas movidas nos estados e duas ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), a 246 e a 379, ambas ajuizadas no Supremo Tribunal Federal pelo PSOL, questionam as concessões dadas a políticos.

As arguições ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. Ambas aguardam a apresentação de voto de um mesmo ministro, Gilmar Mendes.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação de radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo.

SENADO APROVA MP QUE DESMONTA CARÁTER PÚBLICO DA EBC

Medida Provisória que acaba com Conselho Curador e mandato para presidente da EBC foi aprovada e transforma a comunicação pública em governamental

O Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira, dia 8, a Medida Provisória 744/2016, que modifica a Lei 11.652/2007 – que instituiu a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e apontou os princípios norteadores do serviço da radiodifusão pública – por 47 votos a 13. As principais modificações apresentadas pelo relator da MP na comissão mista, senador Lasier Martins (PSD-RS), foram a transformação do antigo Conselho Curador em Comitê Editorial e o fim de mandato fixo para o presidente da empresa, fazendo com que, a partir de agora, possam ocorrer mudanças na direção da empresa a qualquer momento, sempre que o desejar o presidente da República.

Para as entidades e ativistas que defendem a comunicação pública, esses eram os principais mecanismos de garantia de autonomia da EBC em relação ao governo federal. Segundo Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), agora o Conselho de Administração terá seus membros indicados pela Presidência da República, com exceção do representante dos funcionários, além de não se saber quais serão os critérios de preenchimento do Comitê Editorial e de Programação. “Isso claramente transforma a EBC numa empresa de comunicação governamental”, afirma ela.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) usou a tribuna para denunciar que esse era um momento de ataque a empresas públicas no país. “Uma MP só deve ser feita se está presente a urgência ou relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias. Onde residiria a urgência constitucional de reformulação da estrutura de uma empresa pública que vem desenvolvendo suas atividades?” questiona.

Grazziotin ressaltou que a proposta até poderia tramitar em regime de urgência, caso fosse a vontade da presidência, mas não enquanto Medida Provisória. Para ela, o governo deixa claro que o objetivo é o enfraquecimento do sistema público de comunicação. “Com a MP, a comunicação pública enfraquece do ponto de vista de sua independência e da sua capacidade de inserção na sociedade. Estamos calando uma das poucas vozes independentes desse país”, lamenta.

Também a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) considera que o governo comete um ato inconstitucional com a MP, pois a existência de um sistema de comunicação pública não-governamental faz parte de algo que já está previsto na Constituição, no artigo 223, que é a complementaridade entre os sistemas de comunicação público, estatal e privado. Essa complementaridade teria por objetivo assegurar a efetiva realização da liberdade de manifestação do pensamento, pela possibilidade de serem ouvidas outras vozes, além daquelas emitidas pelo poder público e pelo mercado. “A EBC foi criada para preencher uma lacuna que estava aberta na comunicação com a sociedade. O objetivo dessa empresa não deve ser o lucro, e sim a comunicação independente, educativa e cultural. E é isso que tanto incomoda ao governo, a liberdade para mostrar um lado diferente do que predomina na mídia nativa”, reforça.

Em outubro de 2016, o Ministério Público Federal apresentou uma nota técnica sobre a Medida Provisória, apontando que esta poderia trazer como consequência a fragilização estrutural da EBC, com “a subordinação da empresa às diretrizes do governo e o seu condicionamento às regras estritas de mercado”. Desta forma, abre-se o espaço para a prática da “censura de natureza política, ideológica e artística”, tanto pela definição da linha editorial da empresa e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes, quanto pelo silenciamento das vozes divergentes ao governo.

EBC trilhava para efetivação da Comunicação Pública
Mesmo com orçamento limitado e falta de prioridade dada nas últimas gestões à comunicação pública, o projeto que vinha sendo desenvolvido pela empresa e seus veículos apontava para o caminho seguido por bons exemplos internacionais de sistemas públicos de comunicação no mundo.

Em 2015, um dos principais veículos da empresa, a TV Brasil foi a emissora que exibiu o maior número de longas-metragens nacionais, veiculando ao todo 120 filmes brasileiros, segundo a Ancine. A Globo, segunda colocada, exibiu 87 filmes e a TV Cultura (SP), 55.
A TV Brasil também é o único canal da TV aberta com programação infantil, revertendo uma lógica imposta pelo mercado de que hoje, no Brasil, só podem assistir a programas infantis as famílias que quem têm dinheiro para pagar uma assinatura de TV.

A EBC atuava como cabeça-de-rede de 23 TVs públicas, além de ter seu conteúdo reproduzido diariamente por mais de 3 mil veículos gratuitamente para qualquer mídia. “Esse tipo de impacto não se mede com os cálculos tradicionais de audiência da mídia comercial. Na comunicação pública, o objetivo é jogar luz sobre temas que o mercado não se interessa por razões práticas”, afirma Bia Barbosa.

Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), é um atentado a um ecossistema complexo que sustenta o campo público de comunicação e envolve centenas de emissoras educativas e culturais, universitárias, comunitárias, legislativas e judiciárias que atuam em centenas de cidades brasileiras.
Desta forma, as mudanças feitas por Temer não resolvem os problemas de gestão que já haviam sido identificados na EBC. Pelo contrário. Nesta nova estrutura, a empresa tende a responder ainda mais diretamente às demandas do governo federal.

Novo modelo
Pelo texto, o comitê editorial terá como integrantes membros indicados por entidades representativas da sociedade, mediante lista tríplice, e designados pelo Presidente da República.

Haverá um representante de cada um dos seguintes setores: emissoras públicas de rádio e televisão; cursos superiores de Comunicação Social; setor audiovisual independente; veículos legislativos de comunicação; comunidade cultural; comunidade científica e tecnológica; entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes; entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias; entidades da sociedade civil de defesa do direito à comunicação; cursos superiores de Educação; e empregados da EBC.

Os membros do comitê terão mandato de dois anos, vedada à recondução, e suas determinações deverão ser observadas obrigatoriamente pelos órgãos de administração da empresa e não explica como essa representação da sociedade civil será feita, além de reduzir o papel do Comitê em relação ao que o Conselho Curador tinha, cabia ao Conselho Curador, entre outras prerrogativas, aprovar o plano de trabalho geral da EBC, que envolvia questões sobre gestão, financiamento, formação de rede, etc.

Antes o Conselho Curador tinha quatro ministros de Estado; um representante indicado pelo Senado e outro pela Câmara dos Deputados; um representante dos funcionários, escolhido na forma do estatuto; e 15 representantes da sociedade civil, também indicados na forma do estatuto.

No Conselho de Administração da empresa, o relatório de Lasier Martins inclui novos membros: um indicado pelo ministro do Planejamento; um representante indicado pelo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; um membro representante dos empregados da EBC; e dois membros independentes, indicados na forma da lei de dirigentes das estatais (13.303/16).

A diretoria executiva, cuja nomeação pelo presidente da República incidia apenas sobre o diretor-presidente e sobre o diretor-geral, o texto aprovado estabelece que também os quatro diretores serão nomeados pelo chefe do Executivo.

O relatório manteve a prerrogativa estabelecida pela MP de o presidente da República demitir o diretor-presidente da empresa a qualquer momento. Antes da medida provisória, o diretor-presidente tinha mandato fixo de quatro anos e só poderia ser destituído pelo conselho curador. Antes da nomeação do diretor-presidente pelo Presidente da República, seu nome deve ser referendado pelo Senado Federal.

Manifestações Internacionais
A importância de um sistema público de comunicação no Brasil foi objeto de várias manifestações da Relatoria Especial das Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão e da Relatoria Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para este tema, que reconhecem que, diante de um cenário indevido de concentração da comunicação, o sistema público cumpre um papel fundamental para a promoção da diversidade no Brasil.

Os órgãos destacam que a retirada do caráter público da EBC revela um descompromisso com a construção de um país mais respeitoso e inclusivo, que trate a comunicação como política pública e como um dos direitos humanos fundamentais reconhecidos pelas Nações Unidas.

Atualmente, o jornalista Laerte Rímoli, que chefiou a comunicação da Câmara dos Deputados durante parte da gestão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o presidente da EBC.

Rímoli também integrou a campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) a presidente em 2014, quando o tucano foi derrotado por Dilma. Segundo a lei das estatais, Rimoli não poderia ocupar tal cargo.

O Ministério Público Federal no Distrito Federal analisa uma representação recebida contra o jornalista neste sentido. Em setembro passado, a Folha de S.Paulo denunciou que Rimoli recebeu salário da EBC mesmo quando estava afastado da presidência por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Senado aprova MP de Temer que desmonta a EBC

Medida Provisória que acaba com Conselho e mandato para presidente da empresa pública de comunicação foi aprovada nesta terça, transformando a comunicação pública em governamental

Por Bia Barbosa*

O Senado Federal aprovou nesta terça-feira 7, por 47 votos a 13, a Medida Provisória que altera a lei que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), acabando com seu caráter público. As duas principais medidas do governo Temer que modificam o desenho institucional da EBC foram mantidas. São elas: a extinção do Conselho Curador, principal espaço de participação da sociedade civil na gestão da EBC, e o fim de mandato fixo para o presidente da empresa. Ambos eram os principais mecanismos de garantia de autonomia da EBC em relação ao governo federal. Como ficou, a MP pode representar o fim da principal estrutura de comunicação pública do País.

Mesmo em um país que tem uma história recente neste campo, tendo a comunicação comercial imperado na radiodifusão brasileira, o impacto de tamanho desmonte é altíssimo para a nossa democracia.

Segundo nota técnica do Ministério Público Federal sobre a medida provisória, como consequência da fragilização estrutural produzida na EBC, com “a subordinação da empresa às diretrizes do governo e o condicionamento às regras estritas de mercado”, abre-se o espaço para a prática da “censura de natureza política, ideológica e artística”, tanto pela definição da linha editorial e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes, quanto pelo silenciamento de vozes que ousem divergir do governo.

Desde a edição da MP 744, dezenas de profissionais foram demitidos, programas foram retirados da grade das emissoras, contratos foram cancelados, conteúdos foram removidos dos portais da empresa, matérias e reportagens produzidas pelos jornalistas não foram veiculadas e funcionários estão sendo perseguidos.

Trata-se de um estado de controle absolutamente descabido e inaceitável, digno de regimes de exceção; uma nítida demonstração do nível de aparelhamento a que a empresa está sendo submetida. De acordo com os procuradores federais, ao contrário do que o governo Temer alegou publicamente para alterar a estrutura da EBC, a intenção da MP foi afastar qualquer possibilidade de resistência à utilização da emissora pelos interesses governamentais.

Na avaliação do MPF, a estrutura existente na EBC reunia um feixe de órgãos que impunham limites ao exercício do personalismo de seu diretor-presidente, de seus órgãos de cúpula e traziam em si, sobretudo através do Conselho Curador, uma requintada forma de controle social.

Agora, além de não contar com um Conselho Curador e dos dirigentes não terem mandato, o Conselho de Administração da empresa passa a ser o órgão administrativo superior da EBC, com inteiro controle do Poder Executivo. Trata-se de uma “abrupta intervenção do Poder Executivo”, afirma o Ministério Público.

O próprio Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso, órgão auxiliar do Parlamento, emitiu parecer afirmando que “a MP leva à EBC à condição de mero aparelho governamental, deixando cada vez mais distante o projeto de uma comunicação pública autônoma e eficiente”.

Neste sentido, as mudanças feitas na Lei da EBC são consideradas inconstitucionais por muitos especialistas – incluindo a Relatoria Especial da OEA para a Liberdade de Expressão.

Isso porque, ao aniquilar com a experiência de implantação de um sistema público no país, ao lado do estatal e do privado, a MP também desrespeitou o artigo 220 da Constituição Federal, que trata da complementaridade entre os sistemas de comunicação.

Medida ignora benefícios da EBC ao país

Apesar do orçamento enxuto, dos entraves burocráticos e da falta de prioridade dada nas últimas gestões à comunicação pública, o projeto que vinha sendo desenvolvido pela EBC e seus veículos apontava para o caminho certo, seguindo bons exemplos internacionais de sistemas públicos de comunicação no mundo.

Em 2015, um dos principais veículos da empresa, a TV Brasil foi a emissora que exibiu o maior número de longas-metragens nacionais, veiculando ao todo 120 filmes brasileiros, segundo a Ancine. A Globo, segunda colocada, exibiu 87 filmes e a TV Cultura (SP), 55.

A TV Brasil também é o único canal da TV aberta com programação infantil, revertendo uma lógica imposta pelo mercado de que hoje, no Brasil, só podem assistir a programas infantis as famílias que quem têm dinheiro para pagar uma assinatura de TV. Durante o debate no Congresso nesta terça, o senador Aloysio Nunes (PSDB/SP) chegou a criticar o fato de a emissora veicular 4 horas diárias de programação infantil, o que foi rebatido pela senadora Lídice da Mata (PSB/BA).

Diariamente, mais de 3 mil veículos reproduzem os conteúdos de texto e foto de qualidade que são produzidos pela Agência Brasil – outro importante veículo sob gestão da EBC – e distribuídos gratuitamente para qualquer mídia. Esse tipo de impacto não se mede com os cálculos tradicionais de audiência da mídia comercial. Na comunicação pública, o objetivo é jogar luz sobre temas que o mercado não se interessa por razões práticas.

Por fim, o desmonte do caráter público da EBC e sua transformação numa empresa de comunicação governamental também impactará significativamente a Rede Nacional de Comunicação Pública, formada por emissoras de cerca de 20 estados associadas à EBC.

Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), é um atentado a um ecossistema complexo que sustenta o campo público de comunicação e envolve centenas de emissoras educativas e culturais, universitárias, comunitárias, legislativas e judiciárias que atuam em centenas de cidades brasileiras.

Desta forma, as mudanças feitas por Temer não resolvem os problemas de gestão que já haviam sido identificados na EBC. Pelo contrário. Nesta nova estrutura, a empresa tende a responder ainda mais diretamente às demandas do governo federal. Segundo parecer do Conselho de Comunicação Social, não se pode falar em eficiência se o principal órgão de controle social foi extirpado do cenário. Por isso, o CCS deu parecer defendendo que todas as prerrogativas do Conselho Curador fossem resgatadas.

Comitê pra inglês ver

Apesar de toda a pressão – inclusive internacional – pelo restabelecimento do Conselho Curador, o relator da MP, senador Lasier Martins (PSD-RS), se contentou a incluir no texto a previsão de criação de um Comitê Editorial e de Programação, supostamente como espaço de participação da sociedade civil nos canais da EBC.

Só que o texto aprovado não explica como essa representação da sociedade civil será escolhida e reduz significativamente o papel do Comitê em relação ao que o Conselho Curador tinha.

O Comitê, por exemplo, só poderá dar pitacos na programação dos veículos da EBC, enquanto cabia ao Conselho Curador, entre outras prerrogativas, aprovar o plano de trabalho geral da EBC, que envolvia questões sobre gestão, financiamento, formação de rede, etc.

O Conselho Curador também podia dar votos de desconfiança para o presidente da empresa, que tinha mandato fixo, garantindo sua autonomia em relação ao governo federal. Agora o presidente da EBC somente pode ser demitido pelo presidente da República, e a qualquer momento.

E quem passou pelo Conselho Curador, acusado por Temer de ter sido aparelhado pelo PT?

Personalidades como Cláudio Lembo (ex-governador de São Paulo pelo DEM), José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (o Boninho, da Globo), José Martins (empresário), Maria da Penha (que deu nome à lei de combate à violência contra a mulher), os acadêmicos Daniel Aarão Reis Filho, Murilo César Ramos e Venício Lima, Luiz Gonzaga Belluzo (economista), MV Bill (artista), Joel Zito Araújo (cineasta), Wagner Tiso (maestro), Matsa Yawanawá (indígena) e muitos outros.

Durante a última consulta pública para renovação do órgão, mais de 200 entidades se inscreveram no processo.

Agora, sem Conselho Curador e com a promessa de criação de um Comitê Editorial, a EBC é presidida por Laerte Rimoli, um dos coordenadores da comunicação da campanha de Aécio Neves à Presidência em 2014. Segundo a lei das estatais, Rimoli sequer poderia ocupar tal cargo.

O Ministério Público Federal no Distrito Federal analisa uma representação recebida contra o jornalista neste sentido. Em setembro passado, a Folha de S.Paulo denunciou que Rimoli recebeu salário da EBC mesmo quando estava afastado da presidência por uma liminar do Supremo Tribunal Federal.

Esta é a eficiência que Temer tem aplicado à EBC – e diante da qual a maioria dos senadores lavou as mãos nesta terça. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as mudanças na Lei da EBC deve ser protocolada no Supremo Tribunal Federal ainda esta semana. O embate continuará, agora, no Judiciário.

*Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas (FGV), coordenadora do Coletivo Intervozes e secretária geral do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação)