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Participação social é principal pilar da comunicação pública, defendem especialistas e ativistas

A comunicação no Brasil foi implementada com base em uma perspectiva privada. Somente em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foram dados os primeiros passos para a construção de uma rede de emissoras públicas no país. Porém, desde a sua criação, a empresa sofreu questionamentos quanto à sua atuação e relevância, principalmente por parte de empresários do setor privado de comunicações.

Com a consolidação do impeachment da presidenta Dilma Roussef, várias medidas foram tomadas para enfraquecer a EBC e acabar com seu caráter público. Para debater sobre esse assunto a União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil) realizou na última quarta-feira, dia 10, a mesa A Comunicação Pública e seus percalços recentes no Brasil.

Rita Freire, presidenta do Conselho Curador da EBC – extinto com a publicação da Medida Provisória (MP) 744 -, relatou que as medidas que vêm sendo tomadas na empresa desde de que Michel Temer assumiu a Presidência visam não só enfraquecer a empresa, mas também acabar com qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública. “Para ser considerada pública, a emissora precisa ter participação social. As decisões que o governo vem tomando estão enfraquecendo todas as emissoras públicas do país”, afirma.

Para Bia Barbosa, coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a experiência do Brasil com a comunicação pública é ainda “embrionária”, surgindo com um problema já em sua origem: a vinculação com a Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). “Como pode uma empresa pública estar vinculada ao setor que é responsável por fazer a assessoria do governo”, questiona.

Apesar da crítica pontual, Barbosa afirma que a EBC é um “embrião é fundamental” para a consolidação de uma rede de comunicação pública. “A extinção do Conselho Curador transformou a EBC em uma empresa meramente governamental, algo que era interesse de muitos parlamentares e de grandes grupos de comunicação que estão tendo a conta paga por apoiar o golpe”, frisou. Ela destacou que, nos últimos dias, algumas pautas têm sido aprovadas a toque de caixa no Congresso Nacional, entre elas a anistia aos concessionários de rádio e TV com outorgas vencidas e a aprovação da “flexibilização” de veiculação da Voz do Brasil.

Ivonete Lopes, pesquisadora do Copráticas – Grupo de Pesquisa em Comunicação e Práticas Sociais daUniversidade Federal de Viçosa, apresentou duas hipóteses para as mudanças que vêm ocorrendo na EBC. Uma seria o potencial visto pelos gestores na sua promoção pessoal. A outra seria a reserva de mercado, buscando o benefício de algum grupo específico. “A compra de conteúdo da Rede Globo anunciada essa semana pela presidência da empresa evidencia essa segunda tese”, apontou ela.

Lopes afirmou que, durante todos os anos de existência da EBC, a Rede Globo sempre recebeu uma verba muito maior em publicidade do governo em relação à própria EBC. “A Empresa Brasil de Comunicação  abriu caminhos para uma programação diferenciada, que aborda a diversidade e pluralidade do país, e consegue produzir e inovar mesmo com o contingenciamento do governo”, destacou.

A professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Nélia Del Bianco defende que a lei de criação da EBC nos aproximou dos princípios defendidos pela Unesco para uma comunicação pública. “Universalidade, Diversidade, Independência e Diferenciação são as balizas para cumprirmos o caráter público de uma empresa. Com a extinção do Conselho Curador, nos afastamos cada vez mais destes princípios”.

A professora apontou ainda que, no caminho para a democratização da comunicação no Brasil, ainda temos muito que avançar. Pois “o oligopólio irrestrito dos meios de comunicação de massa não fornece condições reais para a formação de uma opinião pública livre e autônoma”, relatou.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é uma empresa pública criada em 2007 no contexto do sistema público de comunicação previsto na Constituição Federal em complementaridade aos sistemas privado e estatal. É gestora da TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, das rádios Nacional AM do Rio, Nacional AM e FM de Brasília, Nacional OC da Amazônia e Nacional AM e FM do Alto Solimões, bem como das rádios AM e FM MEC do Rio de Janeiro. É também responsável pela Voz do Brasil e pelo canal de TV NBR, que veicula os atos do governo federal.

A empresa divulga conteúdos jornalísticos, educativos, culturais, esportivos e de entretenimento, buscando expressar a diversidade e pluralidade brasileiras. A estrutura prevista no decreto de criação contava com: Assembleia Geral; órgãos da administração, que são o Conselho de Administração e a Diretoria-Executiva; e órgãos de fiscalização, que são o Conselho Curador e o Conselho Fiscal, mais Auditoria Interna.

Medida Provisória 744/2016

A MP 744, publicada no dia 2 de setembro no Diário Oficial da União (DOE), apresenta alterações que atacam a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a participação da sociedade civil nas decisões da empresa, acabando com seu Conselho Curador.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Definidas comissões que farão análise das medidas sobre EBC e concessão de rádios e TVs

As comissões mistas encarregadas de analisar e emitir parecer sobre as Medidas Provisórias (MPs) 744/2016, que estabelece mudanças na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e 747/2016, que altera o processo de concessão de rádios e TVs, foram instaladas e elegeram seus presidentes e relatores na quarta-feira, dia 19 de outubro.

A MP 744/2016 prevê a extinção do Conselho Curador da EBC. Assim, a empresa passaria a ser administrada por um Conselho de Administração e por uma Diretoria-Executiva, mantendo em sua estrutura ainda um Conselho Fiscal. A medida também dá uma nova composição ao Conselho de Administração da empresa, reduzindo a Diretoria-Executiva em dois diretores, e estabelece que todos os membros serão nomeados e exonerados pelo Presidente da República.

Risco ao caráter público da EBC
A Medida Provisória nº 744 altera a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, que criou a empresa. O Conselho Curador extinto pela MP é uma das principais conquistas da sociedade civil organizada com atuação no campo da comunicação. Afinal, uma gestão democrática só se estabelece de fato se houver um modelo de gestão com participação social – o que foi conquistado pelo Conselho Curador.

Outro retrocesso trazido pela MP 744 é o fim do mandato de diretor-presidente, que, pelo modelo previsto na lei, só poderia ser destituído por dois votos de desconfiança do Conselho Curador. Essa alteração faz com que o comando da empresa fique refém de nomeações e exonerações por parte da Presidência da República. A MP acaba por alterar o artigo da lei que reafirma a autonomia do sistema público de radiodifusão em relação ao governo federal para definir a produção, programação e distribuição de conteúdo.

Medida favorece aparelhamento
Segundo Jonas Valente, coordenador de formação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF e jornalista concursado da TV Brasil, com o discurso de “atacar o partidarismo e o aparelhamento pelo governo”, o atual governo federal retira os principais mecanismos que justamente protegiam a empresa – com todos os seus defeitos e limites – deste citado partidarismo e aparelhamento pelos governos de plantão.

“A MP escancara o que o governo Temer queria: extirpar o diretor-presidente indicado na época de Dilma Rousseff, acabar com a participação social na empresa e atacar os instrumentos concretos que configuravam o seu caráter público. Ou seja, na prática, a MP abre a porteira para a EBC voltar a fazer comunicação governamental”, lamenta.

Violações à Constituição Federal
A MP é mal vista por todos os segmentos sociais que defendem a democratização da comunicação, pelas entidades sindicais das categorias que atuam na EBC (jornalistas e radialistas) e pela Comissão de Empregados da empresa. No começo do mês, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, também se posicionou sobre a medida, dizendo que ela “traz violações formais e materiais à Constituição Federal”, e encaminhou para o Congresso Nacional nota técnica sobre o tema.

A Comissão que irá analisar a MP 744 será presidida pelo deputado federal Ságuas Moraes (PT-MT), tendo o senador Paulo Rocha (PT-PA) como vice-presidente. Foram designados como relator o senador Lasier Martins (PDT-RS), e como relatora-revisora a deputada federal Angela Albino (PCdoB-SC). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 47 à Medida Provisória 744, que agora segue com a relatoria.

Mudanças na concessão de rádios e TVS
A MP 747/2016, por sua vez, altera o processo de concessão de rádios e TVs, determinando que interessados em renovar a concessão ou a permissão devem apresentar requerimento nos 12 meses anteriores ao término do respectivo prazo da outorga. As entidades que não fizerem o pedido de renovação no tempo previsto serão notificadas para que se manifestem em até 90 dias. Também será possível regularizar permissões que já estejam vencidas. Estas determinações “afrouxam” os deveres dos concessionários que prestam serviço por meio de uma concessão pública.

Na prática, a medida concede anistia ampla e geral às emissoras que estavam com suas concessões vencidas ou que não tinham solicitado a renovação no prazo legal. Quase a metade das emissoras de rádio de todo o país estão nesta situação, além de um grande número de emissoras de TV.

Discriminação às rádios comunitárias
Assim como a outra medida citada acima, também a MP 747 recebe duras críticas das entidades que defendem a democratização da comunicação. Isso porque ela discrimina a comunicação pública, anistiando outorgas privadas e permitindo que todas obtenham a renovação, mas deixando de fora as rádios comunitárias que também estão com a autorização vencida ou prestes a vencer.

O fato da MP 747 ignorar as rádios comunitárias que também precisam ter suas autorizações renovadas não é casual. O governo de Michel Temer deixou de lançar dezenas de editais previstos para a criação de novas emissoras comunitárias, prejudicando estas comunidades e impedindo as rádios de fazer publicidade.

A comissão mista da MP 747/2016 será presidida pelo senador Cidinho Santos (PR-MT), tendo como vice a deputada Gorete Pereira (PR). O relatório será elaborado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) e a relatora-revisora será a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO). Compõem a comissão 12 senadores e 12 deputados federais, havendo o mesmo número de suplentes. Foram apresentadas 41 emendas à medida provisória, que tem como prazo final de funcionamento o dia 1º de dezembro, podendo ser prorrogado por mais 60 dias. A matéria segue neste momento com a relatoria.

O que são as medidas provisórias?
Medida provisória é um instrumento com força de lei elaborado pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, cujo prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período. O documento legal produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para sua transformação definitiva em lei.

Depois de aprovada na Câmara e no Senado, a MP (ou o projeto de lei de conversão, se houver modificação do texto original) é enviada à Presidência da República para sanção. O presidente tem a prerrogativa de vetar o texto de forma parcial ou integralmente, caso discorde de eventuais alterações feitas no Congresso Nacional.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Conselho Nacional do Congresso aprova relatório contra MP que extingue Conselho Curador da EBC

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional aprovou nesta segunda-feira, 10, relatório que contesta a Medida Provisória (MP) 744/2016, do governo federal, que extingue o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A MP 744/2016 foi editada em setembro e trouxe como principais mudanças o fim do mandato fixo do diretor-presidente da empresa, a redução da diretoria executiva da EBC de oito para seis integrantes e a extinção do conselho curador. Já à época, os conselheiros consideraram a decisão do governo como “equivocada”, já que realizava as alterações por meio de uma MP – que tem força de lei desde a sua edição. Ou seja, a decisão foi unilateral, sem a oportunidade de debate prévio.

O relator da manifestação do CCS, conselheiro Davi Emerich, lembra que a iniciativa privada se consolidou na comunicação no Brasil por meio de modelos de negócio marcados por benefícios públicos. Para ele, o Estado brasileiro também foi tímido em organizar a participação pública na comunicação, prejudicando a estabilidade de suas próprias ações e a formulação de novos conceitos que pudessem colaborar com o desenvolvimento das sociedades. Segundo Emerich no relatório, “essa incompetência – às vezes até por motivação ideológica – se verifica principalmente quando se discute a necessidade de criação de modelos comunicativos radicalmente públicos, infensos ou pouco infensos às investidas do próprio Estado, do mercado e de outras esferas de interesses privados e corporativos”.

Emerich reforça que a lei que criou a EBC (Lei 11.652/2008) concedeu ao Conselho Curador a missão de zelar pela autonomia da empresa, impedindo interferências do governo ou do mercado sobre a programação da comunicação pública. Com o fim do colegiado, “as declarações de intenção feitas na lei perdem a materialidade”, frisa ele. O conselheiro destaca que, com a extinção do conselho, a empresa tende a responder às orientações e ordens do Executivo, e não da sociedade, como estabelece um princípio da lei de criação da empresa. O que a leva a uma condição de mera empresa estatal.

Walter Ceneviva, que acompanhou o relatório no que diz respeito à defesa da EBC, diverge quanto à atuação do conselho curador. Segundo ele, quando se lê os relatórios deste conselho, percebe-se que o mesmo “não cumpriu sua missão”. Avaliação esta que é contestada pelo conselheiro Nascimento Silva, que lembra que várias das críticas direcionadas ao funcionamento da EBC têm como fonte justamente a atuação do conselho curador da empresa. A crítica com base na leitura dos relatórios, segundo Nascimento, é uma demonstração de que o conselho curador vinha cumprindo seu papel, que inclui exatamente a emissão desses relatórios.

Audiência e interesse público

Uma das críticas levantadas por quem defende a extinção da EBC é a falta de audiência da TV Brasil. Essa ideia é rebatida pelo conselheiro Emerich, que é firme ao afirmar que a “medição de audiência é própria das empresas de fim comercial – o que não é o caso da EBC nem de outras empresas públicas de comunicação”. Para essas emissoras, segundo o conselheiro, o ideal é avaliar outro tipo de eficiência, como a capacidade de criar programas que possam promover novos debates (os quais as emissoras comerciais não têm interesse em realizar).

Como conclusão do relatório, Davi Emerich aponta para algumas exposições pontuais que devem ser encampadas pelo Congresso. “Talvez o mais prudente seja resgatar, por meio de um projeto de lei de conversão, as prerrogativas do conselho curador, instrumento hoje disponível para que as ações da EBC sejam acompanhadas e fiscalizadas pela sociedade em sua pluralidade”, destaca ele. O Conselho de Comunicação Social ainda sugere a criação de uma comissão temporária mista de senadores e deputados e a realização de audiências públicas para discutir, formular e propor um novo modelo de comunicação pública, tendo por base a EBC e sua experiência.

A comissão especial do Congresso Nacional que vai analisar a MP que extingue o conselho curador da EBC ainda não foi instalada. A MP já recebeu 47 emendas, a maioria pedindo a restituição da configuração original da empresa.

Outorgas da TV por assinatura

O CCS decidiu criar uma comissão para acompanhar o projeto de lei que admite a possibilidade de adaptação das outorgas do serviço de TV por assinatura para serviços de radiodifusão de sons e imagens (PL 2611/2015). O projeto não passou por nenhum debate público que pudesse esclarecer ou ampliar as informações sobre a questão e não leva em consideração o caráter de concessão pública da radiodifusão.

As outorgas de televisão por assinatura existem desde 1988. Algumas foram transferidas ao longo do tempo e acabaram na mão de grupos religiosos. Outras seguem sob o controle de grupos de mídia. Nenhuma conseguiu viabilizar operações de TV paga e todos os empresários envolvidos sonham em transformá-las definitivamente em serviços de radiodifusão.

O problema é que a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, discutida entre 2007 e 2011, estabeleceu que nenhuma das outorgas em questão seria renovada. Se aprovada em caráter definitivo, a proposta vai “anistiar” 25 outorgas ainda existentes e que deveriam ser extintas ao final do prazo de vigência.

A proposta, de autoria do deputado Marcos Soares (PR-RJ) – filho de RR Soares, proprietário de algumas dessas outorgas –, está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O conselheiro Nascimento Silva foi designado relator dentro da nova comissão do CCS.

Conselho de Comunicação Social (CCS)

O Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional é formado por membros da sociedade civil e representantes das empresas de mídia nacionais. O órgão tem por atribuição apresentar estudos e pareceres sobre projetos relacionados aos temas de comunicação social e da liberdade de expressão. Composto por 13 titulares e 13 suplentes, o CCS atua como órgão auxiliar do Congresso Nacional, conforme determina o artigo 224 da Constituição Federal.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Greve na RTV Cultura de SP é resistência ao sucateamento da emissora

O desmonte promovido pelo governo de São Paulo é o mesmo pretendido por Temer na EBC

Por Ana Claudia Mielke*

A Constituição de 1988 é clara ao estabelecer a necessidade de se garantir a complementaridade do sistema de comunicação no Brasil, que deve ser composto por mídias comerciais, públicas e estatais. Mas o artigo 223 sequer chegou a ser regulamentado, e as poucas experiências de comunicação pública existentes estão em vias de serem desmontadas.

Em São Paulo, uma greve de seis dias jogou luz ao desmonte da RTV Cultura. Entre os dias 8 e 14 de setembro, radialistas e jornalistas da emissora, juntos, promoveram uma greve geral. A reivindicação de emergência? Reajuste dos salários. Afinal estes não foram reajustados conforme acordo coletivo firmado entre as duas categorias – representadas por seus sindicatos – e as empresas de mídia privada.

As perdas, segundo os próprios sindicatos, chegam a 25% no caso dos jornalistas, que tiveram o último reajuste salarial em dezembro de 2013, e a 20% no caso dos radialistas, que tiveram o último reajuste de salário em maio de 2014.

O pano de fundo desta greve – como não poderia deixar de ser – é, no entanto, a resistência para que a comunicação pública não seja totalmente esfacelada. Não se trata de um problema novo. Há pelo menos dez anos, radialistas, jornalistas, entidades de classe e organizações da sociedade civil têm denunciado o sucateamento que vem sendo imposto à RTV Cultura de São Paulo. Estes grupos estão, desde 2015, organizados na campanha “Eu quero a RTV Cultura Viva!

A falta de investimentos em recursos humanos, a consequente a diminuição no número de funcionários e a não realização dos reajustes conforme convenção coletiva das categorias são apenas a ponta do iceberg de um verdadeiro desmonte da comunicação pública que segue em curso no Estado de São Paulo.

A RTV Cultura é gerida pela Fundação Padre Anchieta. Em seus mais de 40 anos de produção e difusão de programação (ela foi criada em 1960 e reinaugurada em 1969), foi inúmeras vezes considerada a melhor emissora do País em qualidade da programação e já figurou entre os melhores canais do mundo em programação educativa.

É também considerada um patrimônio dos paulistas (e dos brasileiros), que cresceram assistindo – até então – sua distinta programação infantil. E, durante um bom tempo, a emissora chegou a se tornar cabeça de rede de outras emissoras estaduais, fornecendo uma vasta programação a estas emissoras, sobretudo, programação infantil.

Hoje, basta sintonizar o canal para perceber que muita coisa mudou. E para pior. Muitos programas originais realizados dentro da própria emissora já não existem mais (o programa Viola Minha Viola causou comoção ao ser cancelado em 2015) e a programação tem sido substituída por enlatados, muitos destes voltados às crianças – caso de Paw Patrol (Patrulha Canina), Shimmer e Shine e Winx Club – este último com forte apelo de produtos voltados ao consumo infantil.

O número de funcionários da TV Cultura caiu pela metade nos últimos dez anos. Além disso, o interesse público que deveria orientar a grade, aos poucos, vem sendo substituído pela busca implacável por audiência.

Mesmo com a greve, a direção da Fundação Padre Anchieta sequer apresentou proposta concreta para negociar um acordo coletivo específico com os trabalhadores, demonstrando total descaso com os funcionários e com a própria continuidade do serviço de radiodifusão – houve cancelamento do Jornal da Cultura do horário do meio dia no dia 12 de setembro.

Apesar disso, na primeira audiência de conciliação, realizada no último dia 13, no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), os trabalhadores obtiveram uma importante vitória, já que o caso será levado a julgamento pela Justiça do Trabalho. Os trabalhadores também não terão desconto dos dias parados e terão estabilidade de emprego garantida até o julgamento do dissídio.

Desmonte da EBC

No início de setembro, o governo Michel Temer editou a Medida Provisória 744, acertando em cheio o coração da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ao extinguir o princípio que afirma a autonomia em relação ao Governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão (previsto no parágrafo VIII do art. 2 da Lei nº 11.652/2008). A MP também pôs fim no Conselho Curador da empresa, órgão responsável por garantir a participação social na definição dos princípios que devem reger as emissoras que compõem o sistema.

A ideia da gestão autônoma de governos com participação da sociedade via Conselho Curador era, até então, dois dos principais pilares do projeto de comunicação pública, criado em 2009, para atender ao preceito constitucional da complementaridade. Além destes, outro pilar fundamental era a busca por consolidar um sistema público em rede, que fosse capaz de promover a cultura nacional e ao mesmo tempo estimular a produção regional e independente.

Para isso, foi criada a Rede de Comunicação Pública, em 2009, que fomentou a distribuição de conteúdos entre as várias emissoras estaduais e a EBC. Uma experiência embrionária de um sistema público de comunicação em nível nacional, cujos rumos neste momento são imprevisíveis.

Embora o sucateamento da RTV Cultura não seja recente, é possível fazer um paralelo entre ele o desmonte pretendido na EBC. Isso porque, ainda que o desmonte da EBC possa parecer um fato isolado na conturbada conjuntura pela qual passa o país, ao que parece, possui, assim como no caso paulista, o mesmo embasamento político: corte de gastos.

Na base deste argumento está a visão de que o Estado não deve ser o garantidor do direito à comunicação, logo, não deve prover o financiamento das emissoras públicas.

Financiamento

O “enxugamento da máquina” está no cerne do argumento utilizado pelos tucanos em São Paulo para dissolver, aos poucos, a RTV Cultura e agora vem sendo utilizado também pelo presidente Michel Temer (PMDB) para desidratar a EBC (desde quando assumiu o posto de interino, em maio passado, Temer já se mostrou inclinado a enfraquecer a comunicação pública do país com uma proposta de enxugamento da empresa).

Diria ainda, que nem mesmo os governos petistas, embora responsáveis pela criação da empresa, em 2009, souberam dar à comunicação pública sua real relevância – em especial num país em que o sistema comercial é bastante concentrado –, limitando ou contingenciando recursos orçamentários para a empresa e, principalmente, promovendo uma nada inocente confusão entre comunicação pública e comunicação de governo.

Em outras palavras, o sucateamento de emissoras públicas é parte de uma agenda política de retrocessos, que se pretende implementada por grupos políticos que não apostam no direito à comunicação como instrumento promotor da participação cidadã e da democracia. Para estes grupos, a comunicação pública é apenas um instrumento utilitário de informação governamental e, ainda, uma fonte inesgotável de desperdício de recursos públicos.

Porém, nem os governos tucanos de São Paulo nem as gestões do governo federal foram capazes de abrir um diálogo com a sociedade para discutir propostas concretas de financiamento da comunicação pública, como aquela que prevê a criação de um Fundo Nacional de Comunicação Pública.

Este fundo, se criado, poderia ser composto por: a) 25% da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública prevista na Lei nº 11.652; b) verbas do orçamento público em âmbitos federal e estaduais; c) recursos advindos de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), de 3% sobre a receita obtida com publicidade veiculada nas emissoras privadas; d) pagamento pelas outorgas por parte das emissoras privadas; e) doações de pessoas físicas e jurídicas; e f) outras receitas, conforme prevê a proposta de novo marco regulatório para o setor (Projeto de Lei da Mídia Democrática).

Ora, se não avançamos no debate sobre a importância do sistema público de comunicação e sobre a necessidade de prevermos para ele formas concretas e viáveis de financiamento, no frigir dos ovos, o que temos é resistência. Desta forma, fundamental foi a greve dos radialistas e jornalistas da RTV Cultura em São Paulo, que pautaram a importância da comunicação pública para além do reajuste salarial e da garantia de emprego – o que já seria bastante legítimo.

A paralisação, que ganhou amplo apoio também dos funcionários da EBC, terminou no dia 14 de setembro, após audiência de conciliação realizada um dia antes. Mas o estado de greve permanece, assim como continua a luta em defesa da comunicação pública!

*É jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Conselho de Comunicação do Congresso Nacional manifesta posição contrária à extinção do Conselho Consultivo da EBC

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional decidiu em reunião nesta segunda-feira (12) manifestar-se contrariamente à Medida Provisória 744/2016, que altera a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A decisão foi tomada após debate acentuado, em votação apertada – cinco votos a quatro.

Segundo o conselheiro Celso Schröder, durante seminário realizado pelo CCS para discutir o papel da EBC, todos os presentes ressaltaram a importância do fortalecimento do caráter público da empresa. “O debate resultou em uma publicação com um conjunto de ações propostas com o intuito de fortalecer o sistema público, o que se dá por uma série de ferramentas e, nesse caso, também pela manutenção do Conselho Curador”, destacou.
De acordo com o presidente do conselho, Miguel Ângelo Cançado, as mudanças causaram desconforto na maioria dos integrantes do CCS, principalmente pela forma como foi realizada, por meio de medida provisória. A nota pode ser lida na íntegra aqui.

Intercom em defesa da EBC

Durante a reunião do Conselho de Comunicação Social, foi lida nota divulgada pela Intecom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – em repúdio às ameaças que a medida provisória impõe ao sistema público de comunicação, “em especial quanto às suas potencialidades de pluralismo, inclusão e participação social”. A nota reforça que a “extinção do Conselho Curador representa um retrocesso na construção de um sistema público em Comunicação, no que tange ao processo de construção de conhecimento e expertise na área.”

A Intercom reúne pesquisadores, professores universitários e profissionais do campo da Comunicação e áreas correlatas em atuação no país. Confira a nota aqui.

Seminário em outubro

No encontro do CCS do Congresso Nacional, também foi aprovada a realização de seminário no dia 10 de outubro, para tratar sobre os efeitos da crise econômica sobre a Comunicação Social. Para o conselheiro Nascimento Silva, o momento é de preocupação “com o desemprego e a eliminação de funções no setor de comunicação, especialmente entre radialistas”.

Por acordo dos conselheiros, o debate deverá ser ampliado também para outros temas, entre os quais tecnologia e conteúdos. Para Ronaldo Lemos, vice-presidente do CCS, o debate sobre a regulamentação da internet, por exemplo, deve envolver os setores privado, governamental, a comunidade científica e a sociedade civil.
Pautas adiadas
Foram adiadas para a próxima reunião do Conselho de Comunicação Social as apresentações dos relatórios sobre dois projetos de lei: um que trata de bloqueio de sites e aplicativos e outro (o PL 4.451/2008) que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações, estabelecendo novas normas para as licitações de outorga de concessões e permissões de serviços de radiodifusão.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação