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Audiência com Kassab tem muito blá blá blá e pouco debate

Ministério ignorou informações sobre a privatização de satélite que foi comprado com finalidade de universalização da banda larga no país

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática promoveu, nesta quarta-feira, dia 26, audiência pública com o ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab. Ele compareceu à audiência junto com os presidentes da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), Telebrás, Agência Espacial Brasileira (AEB), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e todos os secretários do ministério, mas falou menos de 20 minutos do total de 3h30 de duração da atividade. O restante foi utilizado pelos secretários e representantes das estatais, além de deputados da base aliada.

Especificamente em relação aos Correios, Kassab afirmou que o atual governo “é contra a privatização” e que trabalha para fortalecer a empresa. Porém, o ministro destacou que o governo não irá transferir recursos do Tesouro Nacional para os Correios, pretendendo resolver problemas financeiros da instituição a partir da gestão.

A posição do governo é questionada pelo deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG), para quem o não investimento de recursos nos Correios, neste momento de situação financeira difícil, coloca a empresa em risco. O que é confirmado pela fala do próprio presidente dos Correios, Guilherme Campos, que informou que, por conta da crise financeira, as férias dos trabalhadores da empresa estão suspensas por um ano.

Intervenção

No que diz respeito às telecomunicações, Gilberto Kassab declarou que o governo vai editar nos próximos dias uma medida provisória (MP) com as regras de intervenção na empresa de telefonia e banda larga Oi, que está em recuperação judicial. Segundo o ministro, a carta redigida pelos conselheiros da Anatel indicando a necessidade de intervenção soou como alerta para o ministério.

Em 2008, a Anatel e o Governo Federal mudaram o Plano Geral de Outorgas (PGO) com a publicação do Decreto nº 6.654/2008, o que permitiu a compra da Brasil Telecom pela Oi. Assim, a Oi tornou-se concessionária de telefonia fixa em 26 estados do país – à exceção de São Paulo, onde operava a Telefônica, atualmente Vivo.

O antigo PGO (Decreto nº 2.534/1998) proibia a compra de uma empresa de telefonia fixa por outra que atuasse em região diferente, entre outros motivos, para impedir que a atuação destas se estendessem a grandes regiões. Com a compra da Brasil Telecom, a Oi assumiu obrigações de universalização da telefonia fixa nas áreas menos lucrativas de praticamente todo o país, enquanto a Telefônica se concentrou no estado de São Paulo (como referido acima).

A Oi opera apenas no Brasil ao mesmo tempo em que concorre com empresas globais de telecomunicações, que sendo autorizadas a ofertar o serviço, não têm as mesmas obrigações de cobertura. Ao longo do tempo, a Oi não só acumulou dívidas para manter o nível de investimento no país como para pagar dividendos aos acionistas. Além, de receber série de multas que a operadora da Anatel pelo não cumprimento das obrigações de universalização da telefonia fixa e outras, negociadas em substituição/troca das primeiras.

Satélite

Durante a audiência, foi informado que o lançamento do primeiro Satélite Geoestacionário Brasileiro ocorrerá no dia 4 de maio, o que permitirá o aumento da cobertura de banda larga no território nacional. Segundo o secretário de Telecomunicações do ministério, André Muller Borges, com o satélite, “em poucos meses não haverá uma região do país que não possa ser atendida com banda larga, e em algumas localidades até com competição”.

Porém, a realidade não é tão bonita como quer o secretário. O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, etc., deve ser leiloado pelo Governo Federal para grandes operadoras que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou de baixa renda.

No projeto original do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), 70% da capacidade do satélite estaria vinculada à implementação de políticas públicas. Mas, após as mudanças implementadas pela gestão atual, 80% da capacidade do satélite destinada para uso civil será privatizada.

O edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço prestado. Exige apenas “cumprir as metas do PNBL”. Aliás, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) já foi considerado um fracasso exatamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo, permitindo assim o acesso da população com baixa renda.

TV digital

Gilberto Kassab anunciou também a publicação de uma portaria adiando para o segundo semestre o desligamento do serviço de TV analógica e a implantação definitiva da TV digital em algumas cidades. O Grupo de Implantação do Processo de Distribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (Gired) havia proposto o adiamento do processo para quatro agrupamentos de municípios: Fortaleza (CE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG) e parte do interior de São Paulo. Inicialmente, o desligamento do sinal analógico nestas cidades ocorreria até julho.  

A secretária de Radiodifusão do ministério, Vanda Bonna Nogueira, afirmou que tudo tem corrido dentro do esperado e que o desligamento do sinal na cidade de São Paulo foi um sucesso, não havendo reclamações sobre o assunto. Ela ignora, porém, que, com o desligamento do sinal analógico, a distribuição dos canais digitais abertos por parte das operadoras de TV por assinatura passou a depender de autorização a ser dada pelas emissoras de sinal aberto. Como não houve acordo das operadoras de TV por assinatura com SBT, Record e Rede TV!, os paulistas perderam o acesso a estes canais na TV paga, gerando sim uma série de reclamações e pedidos dos clientes de diminuição do valor do pacote – já que os três canais não estavam mais disponíveis. Portanto, se não houver acordo entre emissoras e operadoras, outras cidades podem enfrentar o mesmo problema à medida que o desligamento analógico for sendo realizado.

Fust e Fistel

Autor do requerimento para realização da audiência, o deputado Sandro Alex (PSD-PR) pediu o uso efetivo do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) e do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) para seus fins, deixando de ser utilizados para outros fins pelo governo.

O deputado sugeriu que seja elaborado pelo governo, em conjunto com os parlamentares, um cronograma para pôr fim ao contingenciamento desses recursos. Kassab concordou com a proposta e disse que será sugerido um cronograma de desbloqueio gradativo, alcançando-se o desbloqueio total em 2020. Quase a totalidade do dinheiro dos dois fundos vão atualmente para os cofres do Tesouro Nacional, sem ser aplicados na finalidade para a qual foram criados.

De qualquer forma, a audiência, que poderia esclarecer aos deputados alguns assuntos relacionados à privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) e dos Correios, acabou virando uma reunião de apresentação da pasta e uma confraternização junto à base aliada do governo. Os representantes do ministério utilizaram tanto espaço para suas falas que houve tempo apenas para que um deputado da oposição conseguisse se manifestar, inviabilizando qualquer possibilidade de debate. O que era exatamente a estratégia do governo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Na era das privatizações, um satélite para as operadoras

Como um satélite de 2,7 bilhões de reais para banda larga se tornou fornecimento de infraestrutura para as mesmas grandes empresas de telecomunicações lucrarem

Por Marina Pita*

O entreguismo que tomou conta da política nacional de telecomunicações após o impeachment de Dilma Rousseff não tem limites. Chega até o espaço.

A nova ação de Michel Temer nesta linha é privatizar o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação Estratégicas (SGDC).

O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira etc, agora será leiloado para grandes operadoras, que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou baixa renda.

Mas a sociedade civil, organizada por meio da Coalizão Direitos na Rede e em diálogo com parlamentares, está decidida a paralisar o processo. Começa uma nova batalha.

A perspectiva de mudar o cenário de desigualdade – atualmente 50% dos domicílios do país estão desconectados – foi desmantelada.

No projeto original do SGDC, 70% da capacidade satelital estaria destinada à implementação de políticas públicas.

Em entrevista ao Portal TeleSíntese, o ex-presidente da empresa de capital misto e responsável pela estruturação do projeto do SGDC, Jorge Bittar, estimou em mais de 100 mil o número de escolas, das quais 50 mil rurais, que não têm acesso à internet.

“As escolas de periferia também precisam de conectividade. Onde não há links de boa qualidade, o satélite cobriria essa necessidade. Não dá para colocar link compartilhado em escola de 500 alunos. Tem que ser colocado 50MB, 100MB 150MB full. Nós tínhamos um projeto de levar conteúdos educacionais às escolas brasileiras. Eu posso afirmar, se eu fosse conectar todas as escolas rurais e as escolas das periferias brasileiras, a capacidade total do SGDC não seria suficiente”, frisou Bittar.

Mas, após as mudanças implementadas pelo novo presidente da empresa de capital misto, Jarbas Valente, 80% da capacidade satelital destinada para uso civil será privatizada em três lotes.

Para piorar, o caráter público do projeto foi totalmente descaracterizado, uma vez que o edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço.

Não foi sequer adotada a tradicional mescla entre áreas nobres com áreas pouco rentáveis, de forma a obrigar os compradores de áreas rentáveis a levar conexão a outras, pouco atraentes economicamente, em uma tentativa de equilíbrio financeiro da proposta.

O edital exige apenas o vago “cumprir as metas do PNBL”. O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), vale lembrar, já foi considerado um fracasso justamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo – esconderam os pacotes, fizeram venda casada e mais todo tipo de prática condenável pelo direito do consumidor.

Repetir a dose, dessa vez sem nenhum detalhamento, é a opção de quem não faz política a sério. É um filme já visto quando o assunto é política pública de acesso à internet.

A total liberdade de atuação das empresas vencedoras do leilão é algo extremamente preocupante.

“Isso significa que eles poderão vender no atacado, no varejo, ou mesmo se concentrar apenas no setor corporativo, o mais rentável do setor. Assim, mais uma vez o caráter público e a missão social do investimento saem prejudicadas”, avalia a deputada Margarida Salomão (PT), uma das parlamentares que buscam frear os planos do novo governo.

Pelo modelo de negócio do satélite da gestão anterior, a capacidade dele seria pulverizada pelos pequenos provedores de internet que já atendem as áreas ignoradas pelas grandes corporações.

Em março, o número de conexões de banda larga fixa voltou a crescer justamente pela atuação deste grupo.

“Com avanço de 5,55% e 126,8 mil adições líquidas, os Internet Service Providers (ISPs) totalizaram 2,413 milhões de acessos fixos em março, mantendo-se como o quarto maior grupo do mercado. Nos 12 meses, o avanço foi de 18,29%”, aponta análise publicada no portal Teletime.

Concorrência e preço

O fato de a Telebras ter optado por dividir a capacidade satelital (da parcela civil) em apenas três lotes comerciais é algo importante de se analisar. Com a Oi quebrada, sobram justamente três grupos – América Movil, Vivo e TIM – com capital para adquirir um deles. Isso pode significar baixa concorrência e ofertas de baixo valor na licitação.

Também chama a atenção o fato de a Telebras fixar preço mínimo para os três lotes comerciais, que o edital chama “preço de reserva”, mas mantê-lo sob sigilo.

A sociedade não poderá apurar quanto houve de ágio no processo. Além disso, pelo modelo de edital proposto pela Telebras, é possível uma empresa comprar até dois lotes, o que permite uma concentração maior do mercado.

Reação da sociedade civil

No dia 19 de abril, a deputada federal Margarida Salomão (PT) entrou com representação no Ministério Público Federal (MPF) e no Tribunal de Contas da União (TCU) contra a privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

Assinam a representação entidades representativas organizadas na Coalizão Direitos na Rede, entre elas, Proteste, Barão de Itararé, Internet sem Fronteiras – Brasil, Intervozes, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Instituto Beta para Internet e Democracia (Ibidem), Coletivo Digital, Actantes e Instituto Nupef.

O líder do PT na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini, os parlamentares Lindbergh Farias (PT), Fátima Bezerra (PT), Roberto Requião (PMDB), Luiza Erundina (Psol), Luciana Barbosa (PCdoB), André Figueiredo (PDT) e Alessandro Molon (Rede) também assinam o texto.

É mais uma batalha que se inicia entre o governo, que atende apenas aos interesses das companhias, e a sociedade civil, que segue na disputa das políticas públicas de telecomunicações para universalizar o acesso à web e garantir demais direitos vinculados, como a liberdade de expressão e o acesso à informação. Para que todos os brasileiros e brasileiras possam, por exemplo, ler este artigo.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

Por que devemos regular o Netflix?

Regras específicas para o vídeo sob demanda podem estimular ampliação de catálogos e aumentar oferta de conteúdo brasileiro, sem custo significativo.

Por João Brant*

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) encerrou, há poucos dias, uma consulta sobre a regulação do serviço de vídeo sob demanda (VOD, do inglês video on demand). Em oito páginas, a Ancine sugere quais princípios deveriam pautar a organização deste serviço, que hoje reúne provedores como Netflix, NET Now, iTunes, Vivo Play, Claro Vídeo e Globo Play. Mas, afinal, por que regular um serviço que parece funcionar bem?

Há vários bons motivos para isso. O primeiro e mais imediato é que a falta de regulação tem levado à inibição no crescimento dos catálogos desses serviços. Explica-se. Todo o setor audiovisual está sujeito à cobrança de uma contribuição que alimenta o Fundo Setorial do Audiovisual – que, por sua vez, alimenta a produção independente no país. Como o VOD não é reconhecido como um serviço específico, sua cobrança cai numa categoria de ‘outros mercados’, que faz com que ele tenha de pagar R$ 3.000 por longa-metragem que tem em seu catálogo. Assim, quanto maior o catálogo, maior o pagamento, mesmo que os usuários não consumam efetivamente aqueles filmes.

A proposta que está na mesa é mudar isso. As empresas passariam a contribuir com um pequeno percentual de sua receita. Isso faria com que o aumento do catálogo fosse estimulado, e não inibido. Mas há outro motivo ainda mais relevante para se propor uma regulação para o VOD, especialmente se você concorda que a TV por assinatura ganhou com a implantação das cotas de produção nacional e independente, ocorrida nos últimos anos no Brasil.

A aprovação da lei 12.485/2011, que juntou os serviços de TV por assinatura e passou a tratá-los como serviço de acesso condicionado, inaugurou um novo momento para o audiovisual brasileiro. Novo porque, pela primeira vez, foi reservado espaço para a produção nacional e independente na televisão por assinatura. Ao mesmo tempo, se articulou um vigoroso sistema de fomento que arrecada recursos de diversos serviços, em especial das telecomunicações, e os transfere principalmente para a produção de obras independentes para o cinema e para a TV e para a construção de salas de exibição em todo o país.

Com isso, cresceu muito o número de obras brasileiras e independentes na TV por assinatura. Ganhou o público, que passou a ter mais diversidade na oferta, e ganhou o setor audiovisual, que entrou em efervescência, criou amplas oportunidades de trabalho e fez com que o valor adicionado pelo audiovisual à economia brasileira crescesse em proporções bem maiores que a média de outros setores.

O Fundo Setorial do Audiovisual tem ainda muito o que evoluir no sentido de garantir maior diversidade na distribuição dos recursos, apoio à produção de grupos historicamente marginalizados – inclusive por meio de ações afirmativas – e maior democratização do acesso. Mas não há dúvidas de que a lei aprovada em 2011 estabeleceu condições de elevar a produção audiovisual brasileira a um patamar superior qualitativa e quantitativamente.

Agora, a regulamentação do serviço de vídeo sob demanda é essencial para que os avanços obtidos pela lei 12.485 não se tornem história em pouco tempo.

Mercado em crescimento

O VOD cresce vertiginosamente no Brasil e no mundo, e se os princípios consagrados no Brasil para a TV por assinatura não passarem a valer também VOD, a tendência é voltarmos ao patamar anterior, porque a realidade de mercado já indica uma tendência de migração entre os serviços. De fato, já são dezenas de provedores com serviços voltados ao público brasileiro, que oferecem conteúdo adaptado ao português, disputam o mercado publicitário brasileiro e vendem obras e assinaturas no país. Embora convivam diferentes modelos de negócio (por assinatura, por transação de obras e por publicidade), todos eles disputam mercado com a TV por assinatura e entre si.

Essa regulação, então, deveria prever espaço e destaque para a produção brasileira, inclusive a produção independente, de forma a garantir que o VOD repita o sucesso da abertura de mercado realizada na TV por assinatura.

É isso que toda a Europa tem feito, buscando garantir espaço para a produção doméstica nos catálogos de VOD. Uma das vantagens do serviço, inclusive, é que a obrigação de carregamento de conteúdo brasileiro não diminui em nada a oferta de conteúdos estrangeiros. É só mais diversidade à disposição do público.

Outro aspecto fundamental é empoderar o produtor brasileiro na negociação de direitos. Hoje o produtor fica espremido entre exigências conflitantes na distribuição das obras para cinema e para vídeo sob demanda. Na briga entre gigantes, o produtor é a parte fraca, que não recebe sequer a informação de quantas vezes seu filme foi assistido em determinada plataforma.

O serviço corre risco de ficar mais caro? Muito pouco. Se estamos falando de uma tributação de 2% de ISS (já aprovada) e 4% de Condecine, por exemplo, são 6% a mais, mas deve-se descontar tudo que elas já pagam em Condecine no sistema atual.

Brigar contra a regulação por conta desse valor mínimo significa, portanto, defender que se preste um serviço lucrativo sem pagar impostos (o que não faz nenhum sentido) ou que o vídeo sob demanda, que é o serviço audiovisual que mais cresce, não contribua para fortalecer a produção brasileira e independente. A regulação, nos termos que vem sendo discutida, é boa para o público e para os produtores audiovisuais.

* João Brant é integrante do Intervozes. Foi Secretário-Executivo do Ministério da Cultura de 2015 a 2016.

Entidades e parlamentares entram com representação contra privatização de satélite brasileiro

Governo Federal lançou edital abrindo a exploração de satélite geoestacionário para empresas privadas sem exigências prévias de universalização da banda larga ou fixação de preço mínimo para venda

Entidades da sociedade civil e parlamentares estiveram reunidos nesta quarta-feira, dia 19, na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília (DF), para entregar uma representação dirigida ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) contra a privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

O equipamento adquirido pela Telebrás tem bandas Ka (de uso civil) seria usado para comunicações estratégicas do governo e para ampliação da oferta de banda larga no país, especialmente em áreas remotas, e X (de uso militar), que corresponde a 30% da capacidade do satélite, de uso exclusivo das Forças Armadas.

A aquisição de um satélite próprio para as comunicações civis e militares brasileiras foi uma decisão estratégica encampada pelos militares “para garantir a soberania nacional”, idealizada durante o governo Lula e executada no governo Dilma Rousseff. Segundo o Ministério da Defesa à época, “os satélites que prestam serviço no Brasil ou são controlados por estações que estão fora do país ou possuem o controle de atitude nas mãos de empresas de capital estrangeiro”. Foi com esse argumento que o ministério conseguiu convencer a então presidenta Dilma a comprar o satélite.

O projeto inicial, que contou com um investimento de mais de R$ 2 bilhões, tinha como objetivos garantir que não houvesse “interrupções dos serviços em uma situação de conflito internacional ou decorrente de outros interesses políticos ou econômicos”, além de levar banda larga de qualidade para todo o país, principalmente escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, para a região amazônica e outras áreas de baixa densidade demográfica, que são preteridas pelas grandes empresas do país, de forma a promover um preço mais acessível, a partir da mediação de pequenos provedores.

Porém, com as mudanças realizadas na proposta após o processo de impeachment, a gestão de Michel Temer optou por vender o satélite a preço sigiloso para grandes empresas de comunicação. O que faz com que as entidades da sociedade civil denunciem os riscos que o projeto passa a apresentar para a massificação do acesso à banda larga e para a promoção da inclusão digital. “O caráter público, motivo pelo qual foi decidido a compra do satélite, será abandonado e grandes operadoras de telecomunicação se beneficiarão, sem exigência de qualquer meta de universalização, ou preço mínimo de venda”, destaca Bia Barbosa, secretária executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O edital lançado em março passado privatiza a banda Ka do satélite e não especifica um valor mínimo para o arremate. De acordo com a deputada federal, Margarida Salomão (PT-MG) o documento afirma que “sairá vencedora do leilão a empresa que ofertar o maior valor para explorar a concessão, no entanto, o preço mínimo exigido está mantido sob sigilo”, explica Margarida Salomão.

Para Margarida ainda mais grave é o descumprimento da missão social do projeto. “O edital não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço. Não foi sequer utilizada a tradicional mescla entre áreas nobres com áreas pouco rentáveis. O edital exige apenas o vago ‘cumprir’ as metas do PNBL”, critica a deputada apontando que o investimento público feito no satélite tem que de alguma forma estar previsto no edital como retorno para a população, caso contrário, a medida contesta aos princípios da transparência e moralidade, publicidade e interesse público no qual o governo deve se guiar.

Assinam a representação os deputados federais, Margarida Salomão (PT-MG), Carlos Zarattini (PT-SP), Luiza Erundina (Psol-SP), Luciana Barbosa (PCdoB-PE), André Figueiredo (PDT-CE) e Alessandro Molon (Rede-RJ) e os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Fátima Bezerra (PT-PB), Roberto Requião (PMDB-PR).

E as entidades representativas: Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PROTESTE), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Associação Internet Sem Fronteiras – Brasil, Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM); Coletivo Digital, Actantes; e Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação (Instituto Nupef).

O SGDC é o único satélite de alta capacidade em banda Ka com cobertura totalmente nacional. A vida útil do equipamento será de 18 anos. O satélite terá dois centros de controle (em Brasília e no Rio de Janeiro), além de contar com cinco gateways – estações terrestres com equipamentos que fazem o tráfego de dados do satélite – instalados em Brasília, Rio de Janeiro, Florianópolis, Campo Grande e Salvador. As operações devem começar no segundo semestre de 2017. O SGDC já está no Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, de onde será lançado.

O Brasil contava com satélites próprios para as comunicações militares até 1998, quando a então Embratel foi privatizada. Desde então, o país só tem satélites de baixa órbita que são usados, por exemplo, para monitoramento ambiental, principalmente na Amazônia. O Satélite Geoestacionário vai ser o primeiro satélite nacional de comunicação após a privatização da Embratel, mas já vê o seu projeto novamente sendo aberto para a privatização.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Oi: governo empurra o problema com a barriga e caso segue sem solução

Proposta de alterações na legislação para salvar a companhia serve apenas aos acionistas e não resolve a prestação do serviço no país

Marina Pita* com colaboração de Gustavo Gindre**

A atual situação da Oi coloca o direito à comunicação de boa parte dos brasileiros em risco. A empresa, maior concessionária de telecomunicações do país em extensão territorial, não apenas abriu o maior pedido de recuperação judicial da história brasileira – R$ 65,4 bilhões em dívidas – com também corre o risco de sofrer intervenção estatal.

A concessionária é a única fornecedora de infraestrutura em cerca de 3 mil municípios brasileiros, a maior parte no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A situação é calamitosa, no entanto, não pode ser usada como álibi para livrar a Oi de suas obrigações, nem tampouco ser justificativa para jogar recursos públicos em uma empresa privada sem que existam garantias de resolução do problema de insegurança em que a atual situação da Oi coloca o Brasil.

Infelizmente é isto que está se desenhando para um futuro próximo.

Vale lembrar que a insegurança em que o país está hoje só ocorreu porque, em 2008, por conta dos interesses do momento, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Ministério das Comunicações e o Governo Federal, mudaram o Plano Geral de Outorgas (PGO), com a publicação do Decreto nº 6.654/2008, para permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi.

Assim, a Oi tornou-se concessionária de telefonia fixa em 26 estados do país – exceto em São Paulo, onde operava a Telefônica, atualmente Vivo.

O antigo PGO (Decreto nº 2.534/1998) proibia a compra de uma empresa de telefonia fixa por outra que atuasse em região diferente, entre outros motivos, para impedir que, em caso de dificuldades, estas se estendessem a grandes regiões.

A “supertele”, como ficou conhecida a empresa após a fusão, tem obrigações de universalização da telefonia fixa nas áreas menos lucrativas do país, enquanto a Telefônica se concentra no Estado de São Paulo, mais lucrativo.

A Oi opera apenas no Brasil ao mesmo tempo em que concorre com empresas globais de telecomunicações, que sendo autorizadas a ofertar o serviço, não têm as mesmas obrigações de cobertura.

Essa situação, já da época da criação da “gigante”, era a receita da desgraça, que se concretizou rapidamente com a atividade dos acionistas La Fonte e Andrade Gutierrez. Seguidas vezes estes acionistas impuseram seus interesses à empresa, contra a vontade dos acionistas minoritários e com a anuência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Anatel. Desta forma extraíram lucro para manter seus negócios encurtando a vida da concessionária.

Ao longo do tempo, a Oi não só acumulou dívidas para manter alto o nível de investimento no país como para pagar dividendos aos acionistas.

A isso, soma-se uma série de multas que a operadora recebeu da Anatel pelo não cumprimento das obrigações de universalização da telefonia fixa e outras, negociadas em substituição/troca das primeiras.

A Oi diz que deve à Anatel R$ 11 bilhões. A agência afirma que são R$ 20 bilhões. De qualquer forma, o montante é imenso. Para se ter uma ideia, projeções de custo para a universalização da internet no Brasil estimam que o valor estaria em R$ 50 bilhões – levando fibra óptica a todos os municípios.

Enquanto a Oi tenta aprovar um plano de recuperação judicial com seus credores – que seguem dizendo que a companhia não tem sido transparente neste processo e que o plano apresentado é de natureza ilegal e abusiva, com favorecimento inadequado de detentores do capital da empresa –, o governo prepara um plano de intervenção na concessionária, para evitar que a única solução seja a cassação da concessão de telefonia fixa da companhia por falta de capacidade de investimento.

Apesar de a intervenção, com a substituição dos administradores, ser a única saída para garantir o direito dos brasileiros e a manutenção do serviço no curto, médio e longo prazos, a proposta de medida provisória que, segundo a imprensa, já está estaria na Casa Civil, pode ser mais uma etapa da longa história de como a política nacional está a serviço de interesses privados, sem responder aos direitos e necessidades da população.

E os motivos para desconfiança de favorecimento a interesses econômicos privados crescem ainda mais diante das recentes denúncias feitas por Marcelo Odebrecht e outros executivos da construtora no âmbito da operação Lava Jato. O detalhamento de como são feitas as compras de medidas provisórias para beneficiar determinados setores só reforçam que é preciso ficar atento ao que ocorre também nas telecomunicações, ainda que o discurso político sobre a MP da Oi não seja o de favorecimento.

Não é o que mostrou a entrevista à revista “Isto É Dinheiro”, em 17 de março, intitulada “Há chance zero de barganha e de anistia para a Oi”. Nela o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab, já ventilava a ideia de troca de multas da Oi, por não comprimento com as obrigações de contratos, por investimentos, levando a interpretação contraditória da postura do Governo em relação à falência da Oi.

O que fica implícito nesta entrevista é que, mais uma vez, a Anatel faria uma anistia das empresas que não cumprem as obrigações previamente acordadas em contrato. E mais, o resultado destes investimentos seria de posse da empresa que segue endividada e com comprovada incapacidade de gerenciamento financeiro.

Além disso – e mesmo que ninguém diga abertamente – o plano atual de mudanças da Lei Geral de Telecomunicações LGT (Lei nº 9.472/1997) que, entre outras coisas, pretende acabar com o regime público e com as obrigações dele decorrentes, e garantir que os bens reversíveis das concessionárias não precisaram retornar à União em 2025, também é uma movimentação para tentar salvar a Oi.

Mas, mesmo que esta proposta absurda de alteração da LGT seja levada adiante, os problemas da Oi persistiriam. A companhia ainda teria o monopólio em cerca de 3 mil municípios brasileiros de baixa lucratividade, uma dívida gigantesca (ainda que abatida à parcela devida à Anatel), a concorrência com gigantes internacionais do setor e uma estrutura defasada pela baixa capacidade de investimento dos últimos anos, que exigiria vultosos recursos para ser atualizada. Nenhuma das propostas do governo fornece respostas a esses problemas.

Uma proposta de construção de infraestrutura em troca das multas da Anatel só poderia ser levantada se, na equação, a Telebras fosse incluída. A infraestrutura construída pela Oi com estes recursos seria obrigatoriamente compartilhada com a estatal brasileira que, por sua vez, entregaria a capacidade de rede aos operadores de serviços de telecomunicações regionais.

Agora, como fazer com que as demais companhias autorizadas que atuam no país avancem no sentido de incorporar em suas atividades os 3 mil municípios onde a Oi atua sozinha? Qualquer ação neste sentido é hoje impensável. Na verdade, o direcionamento da Anatel tem sido no sentido contrário.

Na proposta para o novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) apresentada pela Anatel e em consulta pública, a agência só irá atuar nas cidades onde identificar a real necessidade de estímulo à competição, deixando de atuar exatamente nas cidades onde não há estímulo econômico para qualquer operador se apresentar e, por isso, quem lá estiver não será incomodado.

Mesmo que o governo opte por editar uma medida provisória para intervenção de fato na concessionária de serviço público e não fique utilizando esta “carta na manga” apenas como pressão sobre a Oi para que avance nas negociações com credores, o imbróglio que a situação da Oi representa para as telecomunicações do país e para os cidadãos brasileiros não se resolve facilmente.

Mais do que estes remendos de política pública, falta ao país uma agenda para a universalização da banda larga, considerando as tecnologias convergentes que podem emular e substituir a telefonia fixa.

*Marina Pita é jornalista e membro do Conselho Diretor do Intervoze; **Gustavo Gindre é É jornalista formado pela UFF, pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER), mestre em Comunicação (UFRJ) e doutorando em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (UFRJ).