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Relatório substitui Conselho Curador da EBC por um Comitê Editorial

Parecer reforça a concessão de poder total ao ocupante da Presidência da República para indicação e exoneração do diretor-presidente da empresa

Foi apresentado nesta terça-feira, dia 6, na Comissão Mista do Congresso Nacional, o relatório elaborado pelo senador Lasier Martins (PDT/RS) que analisa a Medida Provisória (MP) 744/2016 – a MP altera a Lei da EBC (Lei 11.652/2011). Uma questão destacada no parecer é a criação de um Comitê Editorial e de Programação em substituição ao Conselho Curador, extinto pela MP 744. O Conselho Curador contava com representantes da sociedade civil e do governo.

Para o relator, o comitê vai resolver uma questão colocada durante as audiências realizadas para debater as mudanças na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é a participação da sociedade nas decisões da empresa. Porém, o relatório diminui o número de integrantes das respectivas instâncias de 22 (Conselho Curador) para 11 (Comitê Editorial), além de limitar as atribuições da última exclusivamente à definição da linha editorial da EBC. “A principal diferença entre as duas instâncias é que a nova não terá nenhuma função administrativa no organograma da empresa, como o poder de destituir o diretor-presidente, prerrogativa que estava à disposição do ConselhoCurador”, reconhece o próprio Lasier Martins.

O relatório indica que as decisões do Comitê Editorial têm caráter consultivo e deliberativo, devendo ser seguidas pela diretoria-executiva da empresa. Em caso de descumprimento, o comitê acionaria a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, que intercederia junto à direção da EBC.

Um segundo ponto destacado no relatório diz respeito diretamente ao cargo de diretor-executivo da EBC. Na proposta de Lasier Martins, o diretor-presidente precisará passar por uma sabatina e pela aprovação do Senado, ainda que a sua nomeação e demissão sejam determinadas a qualquer momento pela Presidência da República. Sendo assim, o relatório do senador mantém um dos principais problemas responsáveis pela descaracterização da empresa pública trazidos na MP 744, que é o fim da estabilidade no mandato do presidente da empresa.

Controle social e gestão pública

Ainda justificando seu parecer, o senador traz dois argumentos principais para a criação do Comitê Editorial e de Programação. O primeiro é que “parece não haver divergência a respeito de que um de seus principais requisitos mínimos é possuir algum mecanismo de controle social, com a participação da sociedade”.

O segundo argumento, conforme sua fala, é de ordem financeira. Caso não seja previsto qualquer mecanismo que caracterize a EBC como gestora de comunicação pública e com participação social, isso poderia significar a extinção, por perda de objeto, da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), devida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, nos termos da Lei nº 11.652, de 2008. Lasier Martins reforça essa questão no relatório, destacando que, “se [a EBC] não for uma empresa de caráter público, as teles não teriam razão para recolher a CFRP, que em 2015 totalizou mais de R$ 300 milhões”. A CRFP seria a principal fonte orçamentária da EBC, mas esse recurso encontra-se bloqueado hoje por uma disputa judicial.

Críticas à inconsistência do relatório

O presidente da Comissão Mista do Congresso Nacional, deputado Ságuas Moraes (PT-MT), criticou o relatório final dos trabalhos realizados pelo colegiado. Para ele, até mesmo propostas que poderiam trazer algum avanço acabam sendo anuladas por outras que retiram sua eficácia. “O relator criou, por exemplo, a figura do Comitê Editorial e de Programação para orientar a produção de conteúdo. Poderia até funcionar, mas ele determina que essa instância deva ser composta apenas por pessoas oriundas da mídia, prejudicando a voz da sociedade. Outro ponto interessante, que é a sabatina do diretor-presidente da EBC pelo Senado, acaba se perdendo quando é criada a possiblidade do presidente da República demitir sumariamente o dirigente máximo da EBC a seu bel prazer”, afirma.

Medição de audiência

Uma outra questão controversa foi a proposta do relator sobre os “métodos para elevar os índices de audiência da EBC”. O senador Lasier Martins recomenda no parecer que a empresa pública contrate regularmente pesquisas para auferir a audiência, como forma de orientar a produção de conteúdo, ignorando a contribuição da sociedade civil, em audiência pública realizada no dia 29 de novembro, em que foram feitas várias intervenções dos participantes no sentido de afirmar que a preocupação da comunicação pública deve estar na divulgação da diversidade e pluralidade brasileiras, e menos na questão de “medições de audiências”. Isso porque tais medições quantitativas foram criadas com fins mercadológicos, não tendo a complexidade necessária para avaliar os resultados da comunicação pública, conforme seus objetivos específicos.

“As funções básicas da comunicação pública são construção de cidadania, utilidade pública, interesse público, sustentar a cidadania, promover a educação, estimular a criatividade e excelência cultural, diminuir a concentração dos veículos – uma das funções muito importantes da comunicação pública também – e aumentar a pluralidade de vozes e opiniões na mídia, sem se prender à necessidade de uma medição de audiência que não representa a realidade e a totalidade da população brasileira”, enfatizou Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), durante a audiência do dia 29 de novembro.

Pessoas de notório saber

Na verdade, o Comitê Editorial e de Programação aparece no relatório mais como uma forma de minimizar as fortes críticas feitas pela sociedade civil durante as audiências públicas realizadas pela comissão. Porém, ao restringir as indicações a “pessoas de notório saber em comunicação social”, tal comitê não cumpre o papel de garantir diversidade e pluralidade na tomada de decisões. Essa é uma diferença essencial em relação ao projeto da EBC desmontado pela MP 744/2016.

O extinto Conselho Curador tinha 15 representantes da sociedade civil que não estavam necessariamente vinculados ao setor da comunicação, porém que possuíam o conhecimento de telespectador do segmento que representava naquela instância. Com o Comitê Editorial, a representação da sociedade vai se limitar aos próprios profissionais da comunicação. Serão comunicadores falando com comunicadores em nome da sociedade, sem a participação de outros sujeitos de nossa composição social.

Atribuições do Comitê Editorial

O Comitê Editorial proposto pelo senador Lasier Martins tem entre suas atribuições:

* deliberar sobre os planos editoriais propostos pela Diretoria-Executiva para os veículos da EBC, na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública;

* deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC;

* propor a ampliação de espaço, no âmbito da programação, para pautas sobre o papel e a importância da mídia pública no contexto brasileiro;

* convocar audiências e consultas públicas que oportunizem a ampla discussão sobre os conteúdos produzidos e que permitam qualificar o desempenho do serviço prestado;

* formular mecanismo que permita a aferição permanente sobre a tipificação da audiência da EBC, mediante a construção de indicadores e métricas consentâneos com a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, considerando as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais.

Composição do Comitê Editorial

De acordo com o relatório, o Comitê Editorial e de Programação será composto por membros indicados por entidades representativas dos seguintes setores:

* um representante de emissoras públicas de rádio e televisão;

* um representante dos cursos superiores de Comunicação Social;

* um representante do setor audiovisual independente;

* um representante dos veículos legislativos de comunicação;

* um representante da comunidade cultural;

* um representante da comunidade científica e tecnológica;

* um representante de entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;

* um representante de entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;

* um representante de entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;

* um representante dos cursos superiores de Educação;

* um representante dos empregados da EBC.

Lido o relatório, foi concedida vista coletiva da matéria, com indicação de votação do parecer para esta quinta-feira, dia 8, às 9 horas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Sem Conselho Curador, não há comunicação efetivamente pública

Conclusão norteia manifestações de participantes em audiência pública sobre a MP 744/2016. Segmentos da sociedade se mostram preocupados com a falta de entendimento do atual governo sobre as diferenças entre uma empresa pública e uma empresa estatal

Representantes de organizações da sociedade, especialistas e funcionários da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) participaram nesta terça-feira, dia 29, de uma audiência pública destinada a debater a Medida Provisória (MP) 744/2016, que reestrutura a empresa, diminui sua autonomia e descaracteriza seu caráter público, alterando dessa forma a Lei 11.652/2008, de criação da EBC.

A MP 744 estabelece o fim do Conselho Curador e a vinculação da EBC à Casa Civil, e não mais à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Também muda a configuração da diretoria-executiva, que passa a ser composta por um diretor-presidente, um diretor-geral e quatro diretores, todos nomeados pelo presidente da República, que poderá exonerá-los a qualquer momento sem nenhuma mediação. O que evidentemente diminui a autonomia da empresa e a deixa refém dos interesses do governo de turno. Antes da medida, o diretor-presidente da EBC tinha mandato de quatro anos e podia ser reconduzido ao cargo.

Gilberto Rios, coordenador-executivo da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), enfatizou na audiência que qualquer intenção de reestruturação da EBC não pode ignorar todo o debate prévio realizado para a construção de uma empresa pública de comunicação no Brasil. “Esse debate iniciou num Fórum de Comunicação Pública e continuou por muito tempo, até chegar a um projeto que desse conta dos anseios de um conjunto de organizações”, afirmou.

A representante dos funcionários da EBC, Akemi Nitahara, repudiou a atitude do atual diretor-presidente da empresa, Laerte Rímoli, que, na primeira audiência sobre o tema, realizada na quinta-feira, 24, acusou alguns funcionários e conselheiros de serem insubordinados e ligados a partidos políticos. “Somos concursados, não entramos [na empresa] por cota de partidos. Conhecemos muito bem a lei que criou a EBC e é ela que nós defendemos. Defendemos seu caráter público e a manutenção de sua autonomia sem ingerências no trabalho que é realizado”, reforçou.

Questionada pelo relator da MP 744, o senador Lasier Martins, sobre a importância de cada veículo da empresa, Nitahara destacou que não existe hierarquia de importância nos veículos da EBC. “Todos os veículos têm importância em sua área de atuação, enquanto veículos públicos, e desenvolvem um importante papel na democratização da informação”, respondeu ela.

Sem justificativa para edição da medida

Presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS), o advogado Miguel Ângelo Cançado lembrou na audiência que as MPs só devem ser utilizadas em caso de relevância e urgência, como previsto no artigo 62 da Constituição Federal. “A CCS acredita que esse [a reestruturação da EBC] não seja um caso urgente quanto ao mérito. Não acreditamos que a extinção do Conselho Curador seja a solução, não se pode falar em eficiência sem o controle social. Essas medidas vão contra o artigo 223 da Constituição e promovem uma distorção da comunicação pública”, avaliou ele, ressalvando que deveria ser uma preocupação do Poder Executivo assegurar o princípio da complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal de comunicação, conforme previsto na Constituição.

Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), ponderou que organismos internacionais defendem a existência de uma comunicação pública com referência para a construção de uma sociedade democrática. “Os sistemas estatal e privado não são suficientes para garantir pluralidade na comunicação. Essa MP [744/2016] descaracteriza o caráter público. A EBC não é de nenhum partido, de nenhuma organização. Ela é da sociedade”, argumentou.

Mielli lembrou que o Conselho Curador “é justamente o espaço de participação e debates público” da sociedade na EBC, e questionou a obstinação de setores que questionam a existência da empresa usando como argumento dados de verificação de audiência. “Não é esse o papel da comunicação pública. A sua função é atender a pluralidade e diversidade, e não corresponder a expectativas mercadológicas”.

Para Teresa Cruvinel, jornalista e ex-presidente da EBC, a alteração por medida provisória de uma lei [Lei 11.652/2008] criada e aprovada no Congresso Nacional é inconstitucional. Cruvinel reforça que a comunicação pública deve ser independente do mercado e do Estado e deve também contar com a participação da sociedade, o que é possível por meio, justamente, do trabalho do Conselho Curador. “Essa MP é ambígua, pois a empresa deixará de ser de fato pública e se tornará uma empresa governamental. Ou o governo assume que está se apropriando da EBC ou os senhores [parlamentares] rejeitem essa MP“, enfatizou Cruvinel, citando exemplos internacionais da ação de conselhos semelhantes cuja atuação deliberativa é tão mais expressiva quanto têm sua “voz respeitada nas empresas”.

MP diminui autonomia em relação ao governo

Afastada do Conselho Curador desde a edição da MP 744, a jornalista e ex-presidente do Conselho Curador da EBC Rita Freire relatou o trabalho executado e sua independência em relação a partidos políticos. “Nos preocupamos em dar à EBC um caráter plural e estamos lutando pelo direito de ter uma comunicação pública verdadeira. Não estamos defendendo cargos, o que queremos é garantir a autonomia da empresa e o seu compromisso com a sociedade, não com governos”.

Venício Lima, jornalista, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e ex-membro do Conselho Curador da EBC, também enfatizou que a MP 744 transforma a experiência de comunicação pública em comunicação estatal. Para ele, o que está em jogo é a disputa pela formação da opinião pública no Brasil.

O professor questionou o desrespeito aos artigos 220 e 223 da Constituição Federal. O primeiro proíbe monopólios formados por meios de comunicação; o segundo estabelece a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal. “Quando não regulamentamos esses princípios, o Estado brasileiro prossegue delegando à iniciativa privada a responsabilidade pela comunicação”, apontou. Ele lembrou que existe desde 2010 no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, ajuizada pelo jurista Fábio Konder Comparato, que requer à Corte que determine ao Congresso Nacional a regulamentação de matérias existentes em três artigos da Constituição Federal (220, 221 e 223), relativos à comunicação social.

Presente na audiência, o deputado Jean Wylys (Psol-RJ), coordenador da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular, respondendo a um questionamento do senador Lasier Martins, citou trabalhos realizados pelo Conselho Curador da EBC, entre eles a criação de faixa de transmissão para programas de diversidade religiosa. “A demonização da EBC mistura mentira com preconceitos políticos arraigados”, declarou Wylys.

Nesta quinta, 1º/12, às 9h30, será realizada mais uma audiência pública no âmbito da Comissão Mista que analisa a MP 744/2016, desta vez com o ministro Eliseu Padilha. As audiências estão sendo transmitidas ao vivo pela TV Senado. Todas as pessoas que se manifestaram na audiência desta terça acreditam que é possível melhorar o projeto de comunicação pública colocado em prática pela EBC, mas todas são unânimes também em afirmar que a MP 744 acaba com o caráter público da empresa, a transformando em uma empresa de assessoria ao atual governo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

A inconstitucionalidade da MP 744 e o desmantelamento da EBC

Congresso começa a debater medida provisória de Temer que desmonta empresa pública de comunicação e dá marcha à ré em princípios constitucionais

Por Pietro de Jesús Lora Alarcón e Tatiana Stroppa*

Nesta quinta-feira 24 começou formalmente o processo de debates na Comissão Mista encarregada de analisar a Medida Provisória 744/2016, que trata da reestruturação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Participaram da primeira audiência pública o presidente atual da empresa, Laerte Rímoli, e o ex-presidente, Ricardo Melo, demitido pelo presidente Michel Temer após a edição da MP.

Publicada em 2 de setembro, a medida provisória alterou substancialmente a Lei nº 11.652 de 2008, consolidando um verdadeiro esvaziamento do caráter público da empresa.

Fez isso ao:

a) extinguir o Conselho Curador da EBC, então composto por 22 membros, entre os quais 15 representantes da sociedade civil, eliminando assim o principal instrumento de constituição do caráter público e democrático da Empresa;

b) extinguir a garantia de mandato de quatro anos para o diretor-presidente, que agora passa a ser livremente nomeado e exonerado pelo presidente da República;

c) mudar a composição do Conselho de Administração da EBC, que passa a ser composto por seis indicados do governo e um dos empregados (antes, eram quatro do governo e um dos funcionários da Empresa).

A exposição de motivos da MP, que deveria trazer as razões que justificariam sua edição, traz apenas a seguinte assertiva, assinada pelo ministro Eliseu Padilha:

“A relevância e a urgência que justificam a edição da Medida Provisória proposta a Vossa Excelência derivam da urgente necessidade de se garantir maior eficiência à gestão da EBC”.

A frase não poderia ser mais insuficiente. Claramente não satisfaz as exigências constitucionais. Isso porque, pelo caráter da MP, utilizada em casos emergenciais, a análise dos pressupostos impõe que se verifique com clareza os limites que o Chefe do Executivo tem para editá-la. Relevância e urgência são requisitos fundamentais para a constitucionalidade da medida.

Diga-se com clareza: o fato de a EBC vir a ter ou ter de fato eventuais problemas de gestão ou de eficiência – como superficialmente mencionado na exposição de motivos e abordado por Laerte Rímoli na audiência desta quinta-feira – não justifica a aniquilação de instrumentos legalmente criados e que lhe permitiam sua independência perante o Governo.

Em outras palavras: a possível relevância e urgência para uma adequação da situação econômica da EBC jamais poderia ser instrumentalizada contra a própria Constituição Federal para justificar, na realidade, interferências do Governo na administração de uma emissora pública nacional, sobretudo na definição de sua linha editorial.

Como pode, então, haver aderência constitucional numa medida provisória que contraria os princípios que norteiam a comunicação pública brasileira e que contribuem para a formação de uma opinião pública livre?

Fim da autonomia

Ao contrário da relevância alegada, o que existe na MP 744 é uma restrição da participação dos cidadãos no debate público e uma violação à tentativa de democratização da comunicação no país, pois, ao invés de fortalecer o sistema público, ela o fragiliza, aproximando-o do sistema estatal. É uma verdadeira “marcha à ré” na busca do redesenho imposto pela Constituição.

Isso porque a MP fere o princípio da complementaridade trazido no Art. 223 da CF/88, que determina a existência dos sistemas privado, público e estatal na prestação de serviços públicos de radiodifusão.

O ato do Executivo simplesmente liquida os instrumentos trazidos na Lei 11.652/2008 que buscam assegurar a independência da EBC perante o poder estatal e, neste passo, torna vulnerável o sistema público de comunicação – que não tem condições de sobreviver sem que haja a independência e autonomia perante qualquer interferência política.

Veja que as referidas alterações maculam justamente a independência que é imprescindível para o sistema público de comunicação. A escolha feita pela Lei 11.652/2008 de atribuição ao Diretor-Presidente de um mandato fixo, não coincidente com o mandato de presidente da república, visava assegurar a independência da EBC perante o governo, garantindo, ao cabo de contas, a independência editorial necessária para a pluralidade qualitativa na informação.

No mesmo sentido, a ampliação da participação do governo na composição do Conselho de Administração da EBC fere a autonomia necessária em relação ao Governo Federal para a definição da produção, da programação e da distribuição de conteúdo, antes submetidas ao crivo do Conselho Curador.

A extinção do Conselho Curador viola também o pluralismo. A construção de um ambiente plural passa necessariamente pela democratização da comunicação, visto que o oligopólio irrestrito dos meios de comunicação de massa no Brasil não fornece condições reais para a formação de uma opinião pública livre e autônoma no país.

Por fim, a extinção do Conselho Curador viola também a participação democrática, justamente por ser o Conselho um espaço responsável por abrigar representantes de diversos setores da sociedade, do Congresso, do governo e de funcionários da EBC, com a missão de assegurar a diversidade e a pluralidade na programação da empresa, servindo também como instância para preservar a autonomia desta em relação ao governo e ao mercado.

Ao aproximar a EBC de uma simples TV estatal, a MP 744 traz um enorme prejuízo à própria sociedade brasileira, tratada, em regra, como mera consumidora da informação produzida pela mídia privada. Para serem efetivamente públicas, as emissoras precisam ter instrumentos garantidores de sua independência, e é justamente contra tais instrumentos que a MP 744/16  está direcionada.

Alternativas econômicas

Como frequentemente acontece, o governo federal pode aduzir problemas orçamentários para a gestão da Empresa que deveriam ser resolvidos de forma premente.  Sem embargo, outros elementos, neste caso, poderiam ser levados em conta.

Se a EBC passa efetivamente por problemas orçamentários, por que o governo não libera o valor disponível da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), paga pelas empresas de telecomunicações?

Ou ainda, se a forma de financiamento não é adequada, por que não há, então, a elaboração e a apresentação de um projeto de lei transparente e que permita a participação da sociedade para fortalecer a EBC?

Logicamente, a edição da MP 744 tem provocado reações das diversas instituições e grupos da sociedade civil que se posicionam em defesa dos postulados constitucionais para a democratização da comunicação.

A Associação Brasileira de Emissoras Públicas Educativas e Culturais (Abepec), o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e  organizações como a Artigo 19 e o Intervozes tem feito moções de repúdio.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, também emitiu nota técnica na qual afirma a inconstitucionalidade da MP.

E o Conselho de Comunicação Social, órgão de assessoramento do Congresso Nacional, publicou parecer recomendando modificações na MP 744 que garantam o pronto restabelecimento do Conselho Curador.

Até os relatores para a Liberdade de Expressão da ONU e a OEA divulgaram uma manifestação de preocupação sobre as interferências na Empresa Brasil de Comunicação. O caso será tratado em uma audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no início de dezembro, no Panamá.

Por isso é preciso acompanhar os rumos dos debates na Comissão Especial da MP 744. Novas audiências públicas estão agendadas para os dias 29 e 30 de novembro.

E perceber o quanto as mudanças impostas pelo governo à EBC afetarão a própria consolidação da democracia, já fragilizada pela ausência de democratização do acesso aos meios de comunicação.

* Pietro de Jesús Lora Alarcón é mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, professor de Direito da PUC/SP e da ITE de Bauru/SP; Tatiana Stroppa é mestre em Direito Constitucional, professora e pesquisadora da ITE de Bauru/SP.

Comunicação pública do Rio Grande do Sul sofre desmonte

Na avalanche de completo desrespeito às instituições democráticas, a comunicação pública tem sofrido ataques que vão além da esfera federal

Por Mônica Mourão*

No início desta semana, a comunicação pública brasileira sofreu mais um golpe com o anúncio da extinção da Fundação Piratini, que faz a gestão das duas emissoras públicas do Estado do Rio Grande do Sul – a TVE e a FM Cultura. A intenção foi apresentada na segunda-feira 21 pelo governador do Estado, Ivo Sartori (PMDB). Além da Piratini, outras oito fundações ligadas ao governo deixarão de existir. A justificativa seriam os altos custos com essa estrutura: 28 milhões de reais ao ano, segundo o governo.

Caso aprovada pela Assembleia Legislativa estadual, a medida resultará na demissão em massa de centenas de trabalhadores ligados à fundação, conforme já denunciou o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) – mais de 1,2 mil quando somados os servidores de todas as fundações que se pretende extinguir. Ainda de acordo com o FNDC, a TVE tem um público de mais de 6,5 milhões de pessoas e, com os investimentos que estavam previstos, deveria alcançar um total de 8 milhões de habitantes nos próximos anos.

Com décadas de atuação – a TVE foi inaugurada em 1974 e a FM Cultura em 1989 –, o futuro das emissoras ligadas à Fundação Piratini ainda é incerto. Após a repercussão negativa desta decisão, no entanto, o governo do Rio Grande do Sul reformulou o discurso, afirmando que as emissoras não serão extintas e sim terão suas estruturas “readequadas”, processo que será feito pela Secretaria de Comunicação daquele Estado.

O fato de ser uma Secretaria de Estado a se tornar responsável pela gestão da comunicação pública é elemento determinante para se prever que esta comunicação deixará de ser pública e se tornará governamental. Assim, é bem provável que o Rio Grande do Sul perca duas emissoras públicas e ganhe duas emissoras de governo, atentas exclusivamente à veiculação de conteúdos de interesse do Palácio Piratini.

A principal justificativa para o desmonte é o argumento técnico da “calamidade financeira”. É preciso questionar, afinal, por que a comunicação pública é sempre tida como o alvo fácil de “readequações” que, no fim das contas, esvaziam seu sentido público, transformando-as em correia de transmissão de ações de governos?

Este esvaziamento ficou evidente com a Medida Provisória 744/2016, produzida na esfera federal, que extinguiu o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). O órgão, formado por diferentes atores indicados pela sociedade civil, visava garantir, embora nem sempre conseguisse, um dos pilares da comunicação pública, que é a gestão democrática com participação social.

Antes disso, o governo de Michel Temer (PMDB), ainda quando interino, já havia demonstrando seu total desprezo pela comunicação pública e pelas instituições democráticas, ao exonerar, em maio, o então diretor-presidente da EBC, Ricardo Pereira de Melo, cujo mandado deveria seguir até 2020 e só poderia ser interrompido por decisão do Conselho Curador. A ação, embora embargada naquele momento político, foi concretizada com a efetivação do governo golpista e com a MP 744/2016.

E mais, funcionários concursados perderam cargos de chefia e nomeados foram também exonerados. A desculpa que circulava nos bastidores era de que a EBC estava a serviço do Partido dos Trabalhadores (PT) e do governo Dilma. Uma gafe cometida recentemente pelo atual presidente no fim da entrevista que concedeu ao programa Roda Viva, ao agradecer pela “propaganda” da empresa, revela, afinal, de quem é a intenção de promover o aparelhamento da Empresa Brasil de Comunicação.

O ano de 2016 nos mostrou de forma muito contundente o quanto a mídia ainda tem poder para construir e destruir reputações e governos. A concentração dos meios de comunicação no País, somada às inúmeras violações ao direito à liberdade de expressão da população que são consequência desta concentração, enfatizam a necessidade de se mobilizar recursos e ações políticas para fortalecer a comunicação pública, implementando aquilo que prevê o artigo 223 da Constituição federal, que é a complementaridade do sistema de comunicação (público, estatal e privado).

Ora, as medidas em curso, tanto em âmbito federal quanto nas esferas estaduais apontam justamente na direção contrária, ao solaparem as poucas iniciativas concretas de comunicação pública desenvolvidas no País. Estes atos nos fazem retroceder décadas no debate sobre a importância deste tipo de comunicação, inclusive sob a perspectiva do carregamento do conteúdo independente produzido nas diversas regiões do Brasil.

Além da caça às bruxas feita na EBC, a ofensiva para minar o caráter público da empresa já se faz sentir na programação, que vem perdendo em pluralidade e diversidade. No caso do Rio Grande do Sul, vale perguntar, um órgão de propaganda governamental, será esse o futuro que se desenha para a TVE e a FM Cultura? Esperamos que não.

*Mônica Mourão é jornalista e integra a Coordenação Executiva do Coletivo Intervozes

Comissão define plano de trabalho para MP que acaba com caráter público da EBC

A comissão mista da Medida Provisória (MP) 744/16, que muda a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovou nesta quarta-feira, dia 22, o plano de trabalho da comissão. A medida acabou com o Conselho Curador e deu poder ao presidente da República para destituir o presidente da estatal.

A comissão é composta por 12 senadores e 12 deputados dos quais formam a mesa de trabalho como presidente: Deputado Ságuas Moraes, vice-presidente: Senador Paulo Rocha e o relator: Senador Lasier Martins e a Deputada Angela Albino: relatora-revisora.

Na reunião o relator da MP, senador Lasier Martins (PDT-RS), propôs a realização de três audiências públicas para instruir a matéria. A primeira já será na próxima quinta-feira (24) e, a segunda-feira (29), com representantes da EBC. A terceira audiência está prevista para o dia 30, com a presença do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Segundo Lasier o motivo da pressa é com o curto prazo para análise da MP, cuja efetividade expira em fevereiro de 2017. O relator acredita que a votação ocorra no dia 6 de dezembro, com adiamento para o dia seguinte em caso de pedido de vista. Em seguida, a MP 744 segue para análise, pela Câmara dos Deputados, no dia 13 de dezembro. No Senado, a votação deverá ocorrer na primeira semana de fevereiro.

Histórico

A MP 744/2016 foi editada em setembro e trouxe como principais mudanças o fim do mandato fixo do diretor-presidente da empresa, a redução da diretoria executiva da EBC de oito para seis integrantes e a extinção do Conselho Curador. Já à época, os conselheiros da CCS consideraram a decisão do governo como “equivocada”, já que realizava as alterações por meio de uma MP – que tem força de lei desde a sua edição. Ou seja, a decisão foi unilateral, sem a oportunidade de debate prévio.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é gestora dos canais TV Brasil, TV Brasil Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional e do sistema público de rádio composto por oito emissoras.

Criada em 2008, por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso, com apoio dos movimentos sociais e dos produtores independentes de audiovisual, a EBC nasceu a partir da Carta de Brasília, produzida pelo I Fórum de TVs Públicas, em 2007, e entregue ao então presidente Lula.

A MP 744 dissolve justamente o centro democrático da empresa e que garante a pluralidade, diversidades e participação social que é o Conselho Curador. A ausência do Conselho gera problemas e enfraquece o caráter público da empresa e a transformando em apenas mais uma estatal e neste momento, se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica. Um exemplo do uso indevido dos meios de comunicação públicos, numa tentativa de transformá-los em “chapa branca” foi a edição desse mês do programa Roda Viva exibida na segunda-feira, dia 14, em que Michel Temer foi o entrevistado do programa, e as perguntas foram todas apresentadas por jornalistas comprometidos com o discurso da “grande” mídia.

Complementaridade

O artigo 223 da Constituição Federal, prevê um modelo de disciplina dos serviços de televisão sendo prestado de forma pública privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal), pública não privativo (sistema de radiodifusão público) e de atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado) e impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal. Em outras palavras, deveria se garantir o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, o que vem ocorrendo é justamente o contrário, o governo vem promovendo o desmonte da comunicação pública com respaldo e apoio do setor privado.

Uma outra questão levantada que vai contra a pluralidade e diversidade na comunicação foi o pronunciamento realizado no início do mês pelo atual presidente da EBC, Laerte Rimoli em que disse que a empresa pretendia estabelecer parcerias na produção de conteúdo com a Rede Globo. Essa afirmação fere qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública e ainda indica um favorecimento de uma empresa do setor privado.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação