Arquivo da tag: Democratização da Comunicação

PLC que altera a LGT é enviado para sanção sem debate no Senado, mas volta por “inexatidão material”

Renan Calheiros enviou para sanção presidencial o PLC 79/16, que altera lei das telecomunicações a revelia do regimento da Casa e de orientação anterior do Supremo

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), enviou à sanção presidencial o Projeto de Lei 79/2016, que altera a Lei Geral das Telecomunicações, na terça-feira, dia 31, – seu último ato na presidência do Senado. Entidades de defesa da comunicação, e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que a medida é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Senadores de oposição ao projeto acusaram o ato de Calheiros como uma afronta às normas regimentais da Casa e questionaram a decisão através de medida cautelar incidental.

O projeto prevê que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje sob o regime de concessão, seja modificada para oregime de autorização e entrega para empresas privadas um patrimônio público avaliado pelo Tribunal de Contas da União em mais de 100 bilhões.

Entenda o caso
A nova legislação modificaria as regras do setor, permitindo a migração de concessões de telefonia fixa para regime de autorização, transformando bens reversíveis em “investimentos” e concedendo espectro perpétuo. Segundo a Agência Nacional das telecomunicações (Anatel), as licenças poderão ser renovadas indefinidamente, de espectro para redes móveis e satelitais.

A proposta de alteração da lei foi votada de maneira terminativa (sem necessidade de passar pelo plenário) em 6 de dezembro de 2016 na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional. A oposição apresentou recursos contra a tramitação acelerada e sem o amplo debate que seria necessário para o tema.

Senadores de oposição ao projeto ingressaram então com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a tramitação do projeto. A ação havia sido delegada ao ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em 19 de janeiro. Agora, aguarda a indicação do novo relator.

De plantão durante o recesso Judiciário, a presidente do STF, Cármen Lúcia, não acatou o pedido de urgência paraanalisar o tema, pois recebeu a informação de Calheiros de que não havia nenhuma posição sobre o projeto e que ele não seria enviado antes do recesso parlamentar. Naquele momento a magistrada entendeu não existir motivos para uma decisão cautelar visto a posição do Senado.
Os senadores contrários às mudanças na lei foram pegos de surpresa, pois havia um acordo de discutir o projeto após a eleição do novo presidente da Casa, porém em uma medida unilateral e provavelmente pressionado por agentes externos, Renan deu seguimento no projeto na noite do último dia como presidente do senado.

Para a senadora Vanessa Grazziotin existem dois problemas sérios nesse processo, o primeiro é a falta de ética ao descumprir acordo estabelecido entre os senadores para que o projeto fosse debatido em plenário e o segundo odesrespeito a uma orientação do Supremo Tribunal Federal. “No despacho da presidente do STF, feito depois de ter recebido os recursos, é importante destacar um trecho  ‘o eventual encaminhamento do projeto antes do término do recesso parlamentar configura na forma e com conteúdo exposto nas informações prestadas fraude contra a jurisdição passível de punição’, dia 31 ainda estávamos em recesso parlamentar o que contraria a orientação do Supremo”, declara Grazziotin.

Mobilização da sociedade
Nesta quarta, dia 01, ativistas de direitos na internet reunidos pela Coalizão Direitos na Rede estiveram mobilizados no Congresso Nacional para defender os direitos dos usuários e cobrar de deputados e  senadores a defesa dos direitos dos cidadãos e solicitar medidas que pudessem reverter a situação.
Para Bia Barbosa, secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e integrante da Coalizão Direitos na Rede, esse é um caso de lesa-pátria. “A rede que está sendo entregue para essas operadoras é a mesma rede que passa toda estrutura de internet banda larga no Brasil, além de toda estrutura física que formam um patrimônio de mais de 100 bilhões que é do povo brasileiro”.

Ela questiona a forma acelerada que o projeto passou pela Câmara dos Deputados e também pelo Senado, e neste último o fato do presidente do então presidente da Casa, Renan Calheiros, de ignorar o recurso da liderança da minoria que deveria ser acatado automaticamente por ter o número mínimo de assinaturas exigidas pelo regimento. “Durante todo o processo foram descumprido os prazos regimentais, inclusive os que assegurariam que os parlamentares apresentassem emendas ao projeto”, destaca.
A Coalizão defende que o dinheiro pago em impostos pela população brasileira seja usado para a melhoria das condições de vida do povo e não para “socorrer empresas mal geridas e que, sistematicamente, desrespeita, os direitos dos consumidores”.

“É incrível que no contexto de crise do qual estamos passando o governo decida por entregar todo esse patrimônio para as empresas privadas, sem que haja nenhum retorno ao povo brasileiro. Cortam na saúde, na educação, na previdência, mas não cortam nos privilégios dos empresários”, afirma Bia.

Melhorias na Banda Larga, mas não para todos

Além do problema da entrega dos bens reversíveis da União existe outro que preocupa ainda mais os ativistas por uma internet livre e de qualidade. A possível precarização dos serviços em localidades mais distantes e sem atrativos econômicos para investimento do setor de telecom.

O projeto não estabelece nenhuma obrigação para que haja investimento na universalização dos serviços de banda larga. A mudança de regime de concessão para autorização acabará acarretando menos direitos aos consumidores, com um custo mais alto nos serviços.

Em julho do ano passado, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) se posicionou a respeito da mudança na lei, ressalvando que, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – ou seja, disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter tarifas dentro dos critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar, o que resultaria em significativa perda de qualidade do serviçode telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacou à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O Idec defendeu no estudo uma ampla revisão da Lei Geral de Telecomunicações, a fim de garantir a expansão dos serviços prestados e o respeito aos direitos dos usuários e usuárias, e não mudanças pontuais na legislação que objetivam apenas beneficiar as empresas concessionárias.
 
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Brasil x Colômbia: pelo fim do monopólio nas transmissões do futebol

Domínio da Globo na transmissão dos jogos da Seleção e dos clubes nacionais favorece times grandes e impede acesso de torcedores ao esporte

Por André Pasti*

Quem zapeou na televisão na noite desta quarta-feira (25) percebeu que o jogo amistoso entre Brasil e Colômbia foi transmitido por mais de uma dezena de canais da TV aberta e da TV fechada.

Para além da solidariedade com a tragédia da Chapecoense — e da excessiva exploração do tema pelos meios de comunicação —, a transmissão do jogo chamou a atenção de quem está acostumado com o monopólio da Rede Globo na veiculação dos jogos da seleção, do Campeonato Brasileiro e das disputas regionais. A novidade na televisão brasileira é uma excelente oportunidade de retomar uma pauta ofuscada no país: a necessidade de democratizar as transmissões de futebol.

Vale lembrar, entretanto, que a visibilidade ampliada da partida não foi resultado dessa preocupação, mas sim fruto da negociação conflituosa dos direitos de transmissão entre a Globo e a CBF.

Enquanto negociava com a Globo a exclusividade dos próximos amistosos, a CBF pediu uma grande bolada – fala-se em R$ 2 milhões – pela transmissão da partida contra a Colômbia, que não estava inclusa no contrato vigente. O Grupo Globo não aceitou pagar e a CBF então abriu o jogo a todas as emissoras — antecipando um futuro “leilão” que a confederação promete fazer para os próximos amistosos, como forma de pressionar a emissora a pagar mais.

Apesar das intenções nada nobres, a transmissão ampliada nos lembra que o televisionamento desse esporte, um patrimônio da cultura nacional, pode ser diferente e democrático, e mostra o quanto perdemos com o monopólio hoje em prática.

Quem perde com o monopólio das transmissões

A exclusividade nas transmissões do futebol no Brasil traz inúmeros danos aos torcedores, jogadores e ao esporte como um todo. Em primeiro lugar, o dinheiro pago pela Globo pelo monopólio na transmissão das partidas é, para a maioria dos clubes da elite do futebol nacional, a principal fonte de receita. E isso causa muitas distorções.

A concentração dos repasses financeiros aos clubes com maior torcida e audiência televisiva fortalece desproporcionalmente as agremiações maiores e aprofunda a crise dos clubes menores, do futebol regional e do interior.

Como no futebol de rua, a Rede Globo também atua como uma péssima “dona da bola”: decide o horário das partidas a partir de sua grade de programação e quais jogos, clubes e regiões do país terão ou não visibilidade.

Assim, boa parte do futebol nacional fica invisível pela decisão de uma única empresa. A “dona do bola” — nesse caso, da transmissão — decidiu, no ano passado, por exemplo, passar jogos do campeonato carioca em quatro estados da região nordeste. Os torcedores dos clubes locais foram impedidos de assistir ao campeonato de seus times.

Jogo da amizade
O amistoso é uma excelente oportunidade de retomar a pauta da democratização das transmissões (Foto: Reprodução)

O monopólio tem grande responsabilidade também na crise de esvaziamento dos estádios brasileiros. Além de prejudicar a competitividade dos clubes menores, a decisão de marcar jogos para às 22h em dias de semana inviabiliza o retorno pra casa de grande parte dos torcedores trabalhadores, além de ser um péssimo horário para os atletas jogarem.

No caso da seleção nacional, já há uma confusão entre Globo e CBF. Até recentemente, o site da Confederação aparecia como o de uma subsidiária da emissora e a relação entre elas é alvo de investigações. Vale lembrar, ainda, que a corrupção na venda de direitos de transmissão do futebol faz parte dos escândalos envolvendo cartolas da FIFA.

Enfrentar o monopólio é possível

A experiência de um país vizinho prova que é possível ter uma transmissão democrática dos jogos. Na Argentina, até 2009, o Grupo Clarín (a “Globo” local), sócio da empresa TyC, monopolizava as transmissões de futebol, restringindo o acesso à maioria das partidas aos assinantes de pacotes da televisão paga.

Em meio à discussão da necessidade de democratizar a mídia no país, o governo de Cristina Kirchner lançou o programa “Futebol para Todos”. A iniciativa, em acordo com a Associação do Futebol Argentino, AFA (“CBF argentina”), nacionalizou as transmissões futebolísticas, reconhecendo a importância do esporte para a cultura do país. A ideia era que o futebol televisionado chegasse à população gratuitamente pela televisão aberta.

Com o Futebol para Todos, diversos jogos passaram a ser transmitidos na televisão pública e em outros canais, aumentando a diversidade e a visibilidade dos clubes, democratizando o acesso aos jogos e às receitas. As partidas eram, ainda, transmitidas ao vivo com qualidade HD na internet, para quem quisesse assistir, e houve uma redução do abismo de receitas entre os clubes maiores e menores. Times como Arsenal Sarandí e Banfield passaram, por exemplo, a ser competitivos e a vencer campeonatos.

O governo argentino utilizou essa situação da transmissão futebolística como forma de sensibilizar a população sobre os danos da concentração da mídia e as vantagens da democratização da comunicação. No mesmo ano, a chamada Lei de Meios foi aprovada com ampla maioria no parlamento.

Infelizmente, neste momento de retrocessos no mundo e na América Latina, o programa Futebol para Todos também está ameaçado. O novo governo neoliberal de Maurício Macri anunciou que deseja reprivatizar as transmissões e acabar com o projeto. O processo já está em curso e o fim do programa pode acontecer ainda nesta semana — não sem a resistência de quem aprendeu que é possível assistir futebol ampla e gratuitamente.

No Brasil, diversos grupos têm travado o debate em torno da democratização do futebol e das transmissões. O coletivo Futebol, Mídia e Democracia lançou recentemente a campanha “Jogo 10 da noite, não!”, para denunciar os prejuízos do horário.

A democratização do esporte é tema, também, do recém lançado Movimento AGIR — Arquibancada Ampla, Geral e Irrestrita, formado por diversos coletivos, como Democracia Corinthiana, PorComunas, Movimento Punk Santista, Resistência Azul Popular, Dá Bola Pra Elas, Dibradoras, Ludopédio, Rede Paulista de Futebol de Rua, Inter Antifascista, Palmeiras Livre e Futebol, Mídia e Democracia.

Tamanha mobilização reforça a percepção de que é impossível discutir os problemas do futebol brasileiro sem considerar o papel da concentração dos meios de comunicação no Brasil. Trata-se de um tema que deve ser debatido seriamente pela sociedade e por aqueles que defendem o futebol, em toda sua diversidade regional, como patrimônio cultural brasileiro, acessível a todos e transmitido democraticamente em todo o território.

O fim do monopólio das transmissões é bom para os torcedores, para os jogadores e para o futebol brasileiro em geral. Se a Globo age como a “dona da bola”, que quer mandar no jogo, é hora de reagir.

* André Pasti é são-paulino e integrante do Intervozes.

Comunicação apresenta agenda de lutas na Assembleia dos Povos em Resistência

No terceiro dia do Fórum Social das Resistências aconteceu a tradicional Assembleia dos Povos em Resistência, realizada no auditório Araújo Vianna em Porto Alegre, quinta-feira dia 19. A atividade apresentou o resultado de treze plenárias que aconteceram pela manhã e abrangeram os temas: de Comunicação e Cultura Urbana, Direito Humanos, Defesa dos Serviços e Servidores Públicos, Saúde e Defesa do SUS, Tribunal dos Povos e Matriz Africana, Mulheres em Resistência, Juventude, Democracia, Reforma no Sistema Político e Cidades Sustentáveis, Educação – Escola sem Mordaça e os velhos e novos sistemas de resistências econômicas. O objetivo da assembleia é apresentar as reflexões feitas nas plenárias, que foram orientadas por três perguntas: contra o que e contra quem nós resistimos; quais os valores que nossa luta/causa oferecem para um outro mundo possível e; qual a agenda que propomos para para 2017.

As pautas da comunicação foram apresentadas na assembleia por Bia Barbosa, secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e por Cristina Charão, jornalista da TVE – emissora pública vinculada a Fundação Cultural Piratini e que passa por um processo de desmonte promovido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul.

Charão convocou as entidades representadas no evento a se somarem a luta em defesa da Empresa Brasil de Comunicação e das emissoras públicas nos estados. “Precisamos que a comunicação pública seja percebida pela sociedade como um direito e manter um compromisso com aprofundamento desse modelo de comunicação, que é um projeto em construção, e que começou a engatinhar nos últimos anos e vem sofrendo ataque nos últimos meses. Comunicação pública não é apenas um tema, é um fundamento”, reforçou.

Bia Barbosa, que tem acompanhado a pauta nacional, informou que uma agenda conservadora tem sido aprovada a “toque de caixa” no Congresso Nacional. “Essa agenda é o preço do golpe que está sendo pago pela população aos grandes meios de comunicação e de telecomunicações do país que ajudaram a consolidar o impeachment”, afirmou.
Barbosa destaca dois temas principais nessa linha: O projeto de lei que altera a lei geral das telecomunicações (LGT), que entrega cerca de 100 bilhões em infra-estrutura pública para as operadoras de telecom sem contrapartida das empresas. E a possível limitação do acesso à internet fixa, anunciada pelo ministro das comunicações, Gilberto Kassab, na semana passada. “Sabemos o impacto que essas duas medidas podem ter, no caso da limitação de dados ela amplia a exclusão digital, isso quando sabemos que metade da população ainda não tem acesso. A medida também limitar o acesso de quem usa a internet como ferramenta de mobilização e organização política no nosso país”, frisou.

Outra questão levantada por ela são as violações de direitos e principalmente de liberdade de expressão que vem acontecendo no Brasil nos últimos meses. Bia apresentou a Campanha “Calar Jamais!” e convidou as entidades a se somarem e fortalecer a campanha que visa denunciar as violações de direitos à liberdade de expressão no país.

Conheça a Campanha “Calar Jamais!”

A liberdade de expressão é um direito fundamental, base de toda sociedade democrática. Não à toa, em tempos de avanço do conservadorismo e de ruptura democrática em nosso país, as violações à liberdade de expressão têm se intensificado. Da repressão aos protestos de rua à censura privada ou judicial a conteúdo nas redes sociais, passando pela violência contra comunicadores, pelo desmonte da comunicação pública e pelo cerceamento de vozes dissonantes dentro das redações, nossa diversidade de ideias, opiniões e pensamentos tem sido sistematicamente calada.

Para chamar a atenção da sociedade para a seriedade de tais violações, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, em parceria com diversas organizações da sociedade civil, lança a campanha “Calar jamais!”. A plataforma recebe denúncias de violações que ocorrem em todo o país.

3º Encontro Nacional de Comunicação

O FNDC está organizando o 3º Encontro Nacional de Direito à Comunicação que deve acontecer entre os dias 5 a 7 de Maio em Brasília. “Será o momento de mobilização de exercício do direito à liberdade de expressão, quando iremos estruturar uma agenda de luta mais aprofundada em torno da comunicação”, destacou convidando a todos para o evento.

A plenária de comunicação ainda solicitou que o conselho internacional do Fórum Social Mundial entenda a comunicação como uma agenda estratégica dos movimentos e garanta infraestrutura para que esse espaços funcione. “Para que mídia livristas, comunicadores, ativistas e militantes da comunicação que venham participar do FSM tenham como fazer o seu trabalho e que o que é produzido saia daqui para o mundo. Nós falamos sobre isso há 15 anos que é importante construir uma rede internacional de comunicação contra-hegemônica e entendemos que o espaço do Fórum Social Mundial pode ser o embrião para o nascimento dessa rede”, desabafou Barbosa.

Os pontos levantados pela plenária de comunicação serão discutidos junto com os outros temas e será elaborado um relatório das causas e a agenda de lutas propostas pelo Fórum das Resistências, que será apresentado no dia 21, no encerramento do evento.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Franquia de dados na banda larga fixa afronta direitos dos usuários

Kassab declara que internet ilimitada termina no próximo semestre. Impactos para informação, educação, cultura e para democracia podem ser brutais

Por Marcos Urupá*

O ano de 2017 já não começa bem para os usuários da internet no Brasil. Além da ameaça de desmonte do marco regulatório das telecomunicações, por meio de um projeto de lei aprovado a toque de caixa no Senado, agora a polêmica da franquia de dados na banda larga fixa volta à tona.

Em entrevista publicada na quinta-feira(12, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, deixou claro que, a partir do segundo semestre deste ano, as operadoras poderão implementar modelos de pacotes com franquia, extinguindo assim os planos ilimitados na banda larga fixa.

O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Juarez Quadros, desmentiu o ministro nesta sexta-feira 13. Disse que a Anatel não pretende retirar a medida cautelar do órgão, em vigor, que impede as alterações nos planos ilimitados – enquanto não toma uma decisão definitiva sobre o caso. Porém, na entrevista, Kassab deixa claro o governo atuará neste sentido.

Parece mesmo que o ministro e sua equipe não ouviram os milhões de usuários da internet que, no primeiro semestre de 2016, se manifestaram fortemente contra tal mudança depois de surpreendidos pelo anúncio de algumas operadoras de que, a partir de fevereiro de 2017, haveria regras de franquia de dados para a banda larga fixa.

Além dos internautas, diversas organizações de defesa do consumidor e entidades que lutam pela liberdade de expressão na internet – entre elas o Intervozes – promoveram uma petição online pedindo que tal prática comercial não fosse implementada.

A medida afeta de maneira substancial a forma como entendemos e usamos a internet hoje: desde práticas simples, como mandar um email com uma foto anexada, até realizar uma formação à distância ou acompanhar uma audiência pública transmitida ao vivo pelos sites do Senado ou da Câmara dos Deputados.

O número de envios e downloads de arquivos como vídeos, imagens, textos ilustrativos e áudios passaria, por exemplo, a ser controlado pelo usuário e sua família. Empreendedores autônomos que utilizam a internet como trabalho e pequenas escolas e projetos sociais que se conectam através de redes domésticas também seriam limitados.

Estabelecimentos comerciais ou públicos, como uma biblioteca municipal, deixariam de abrir suas redes wi-fi para a conexão de visitantes. Quem não tem acesso à rede hoje por limitações econômicas seria ainda mais excluído digitalmente.

Ou seja, não apenas os impactos na educação, na participação na vida política do País e no acesso à informação e à cultura, garantidos pela Constituição Federal, seriam desastrosos. A medida afetaria decisivamente nossa relação com a internet como a conhecemos hoje.

Em um contexto em que a rede se tornou espaço e mecanismo para o exercício de direitos, aprendizado e entretenimento, impor limites à franquia de dados na internet fixa traria consequências opostas às declarações de Kassab, para quem a medida “está de acordo com os interesses do usuários” e “tenta dar prioridade à melhoria dos serviços e ao que é melhor para o consumidor”. Engana-se o ministro e sua equipe. É justamente o contrário.

A quem interessa a franquia de dados

Impor uma franquia de dados na internet fixa é um modelo de negócio conhecido, que existe em vários países, e há tempos vem sendo reivindicado pelas operadoras no Brasil. Mas não é possível ignorar as diferentes realidades – aqui e lá fora – no momento de discutir tal proposta.

Para além do fato de a internet fixa custar muito caro no Brasil e ser um privilégio de apenas metade da nossa população, outras premissas devem ser levadas em conta.

Em primeiro lugar, mais do que uma relação comercial, o acesso à rede tem se consolidado como um serviço essencial para a sociedade, conforme estabelecido no Marco Civil da Internet. Em segundo lugar, a forma como usamos a rede está intimamente ligada com o seu crescimento.

Ou seja: o alto tráfego de informações, de serviços de e-gov, de cursos à distância – usado hoje como justificativa pelas operadoras para não mais oferecer serviços ilimitados – são consequências da maneira aberta e abrangente de usar a rede mundial de computadores. Liberdade, inclusive, é uma palavra intrinsecamente associada à internet.

O argumento das empresas e, ao que parece, também defendido pelo ministro Gilberto Kassab, é de que hoje a infraestrutura disponível é usada de forma desigual. “Alguns assistem a dezenas de filmes por mês (ou por dia), em streaming. Outros, só aos fins de semana. Por esse raciocínio, não faria sentido cobrar mensalidades iguais de todos os usuários”, disse Kassab.

Ora, mas a diferença entre os usuários (e o que eles pagam pelo acesso) já não está estabelecida na contratação de pacotes de velocidades diferentes? É essa forma desigual de uso da rede que permite às empresas, por exemplo, realizarem uma melhor gestão do tráfego de dados. Agora, pretendem mudar esta lógica.

Será a restrição no volume de dados que permitirá às operadoras alterar o preço dos planos comercializados – muito provavelmente ocasionando um aumento do valor ofertado, que já é alto. O resultado não será outro que não a ampliação da desigualdade digital que já existe no País, com aqueles que podem pagar mais tendo acesso a todas as potencialidades da rede e, os mais pobres, a seus recursos “básicos”, mesmo assim limitados.

Decisões como essa, com data já marcada (no caso, o segundo semestre), não podem ser tomadas sem um amplo debate com a população. Uma discussão, inclusive, que considere, tanto pela Anatel quanto pelo governo federal, a qualidade do acesso à internet hoje no Brasil. Qualquer decisão que atropele essa discussão e ignore a posição dos usuários – como parece fazer o ministro Kassab – será tão ilegítima quanto o governo que a anuncia.

 * Marcos Urupá é membro do Conselho Diretor do Intervozes. É pesquisador do LapCom e Doutorando em Políticas Públicas de Comunicação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

NEGROS E MÍDIA: INVISIBILIDADES

*Ana Claudia Mielke

Há cerca de um ano a imagem do pequeno Matias Melquíades, fotografado pelos pais feliz da vida ao lado de um boneco do Finn, personagem de Star Wars, ganhava as redes sociais. A foto não apenas viralizou nas redes brasileiras, como chegou a John Boyega, ator norte-americano que interpretou o herói no filme O despertar da Força.
Essa historinha consolida o que os negros já vêm há muito tempo dizendo: representatividade importa, sim! Não apenas na televisão e no cinema, como também na publicidade, na literatura e na própria produção dos brinquedos. Afinal, Matias, de apenas 4 anos, quis comprar o boneco porque “se parecia com ele”.
A questão da representatividade do negro na mídia brasileira é algo que vira e mexe recebe holofotes em pesquisas e debates. Não é para menos, a indústria cultural midiática ainda é pouco permeável à ideia de ter o negro em papel protagonista e segue reproduzindo estereótipos, colocando o negro em papéis que configuram, quase sempre, subalternidade.
Os velhos papéis se repetem. Do lado negativo, o escravo, a “mulata” lasciva, a empregada doméstica, o preto bobo ou ignorante que faz a gente rir e o bandido. Do lado positivo, o jogador de futebol, o sambista ou aquele personagem que interpreta a exceção: o moço de família humilde que lutou muito e “venceu na vida”. Figuras que não são exclusividade dos produtos de ficção, visto que são assim também apresentados em programas de auditório e em quadros do jornalismo.
Até três anos atrás, a TV Globo veiculava nas noites de sábado, em seu programa humorístico Zorra Total, a personagem Adelaide, uma negra, pobre e desdentada, retratada como alguém sem higiene, que dividia a casa com uma ratazana e pedia dinheiro nos vagões do metrô, embora carregasse consigo aparelhos celulares de última geração – uma definição de seu caráter. E por que não mencionar a polêmica charge do Jaguar publicada na edição 111 deste Le Monde Diplomatique Brasil? Polêmica que, aliás, rendeu debates e provocou a produção deste especial sobre negros e mídia, que ocupará as páginas do jornal ao longo de 2017.
A eleição de certos atributos dos negros como metonímia para definir e consolidar determinado olhar negativo sobre a negritude vem sendo há muito tempo uma das mais contundentes estratégias para fixar sentidos e inviabilizar a diferença racial. O  indiano Homi Bhabha (2007) identificou essa estratégia ao estudar o discurso do colonialismo. Segundo ele, a diferença é reconhecida como parte da cultura, mas ao mesmo tempo é repudiada em nome da construção de uma identidade unificadora e idealizada. Dessa forma, mantém-se o controle sobre determinadas raças e culturas por meio do alijamento de suas próprias identidades.
No Brasil, o “espetáculo das raças”1 orientou a construção do mito da democracia racial, que por sua vez elaborou a ideia de miscigenação e convivência racial pacífica para forjar o sujeito social mestiço denominado “brasileiro”. Enquanto isso, violentamente produzia o apagamento sistemático e sistêmico da cultura e identidade negras, o que ocorreu pari passu a uma política de exclusão dos negros (do trabalho e dos centros urbanos) no Brasil pós-abolição.
O problema é que esses apagamentos e exclusões seguiram sendo reproduzidos – antes como política e violência, agora como discurso. E em uma sociedade midiatizada são as mídias de massa as principais responsáveis por isso. É como se algo estivesse sempre no mesmo lugar e, ao mesmo tempo, tivesse de ser exaustivamente repetido em uma relação ambivalente entre manutenção e repetição. E os estereótipos são, segundo Bhabha, exatamente isso, um modo de representação complexo, ambivalente e contraditório.
A característica da ambivalência é que dá ao estereótipo a garantia de “repetibilidade em conjunturas históricas e discursivas mutantes” (Bhabha, 2007, p.106) e faz muitos estereótipos continuarem sendo reproduzidos no cinema e na TV, e que estes sejam, por sua vez, temas provocadores de debates acalorados.
Ao mapear a evolução da presença negra na teledramaturgia e no cinema brasileiros, Joel Zito Araújo (2008) concluiu que a telenovela não dava visibilidade à verdadeira composição racial do país e reproduzia a ideologia da branquitude como padrão ideal de beleza. Segundo ele, compactuando “conservadoramente com o uso da mestiçagem como escudo para evitar o reconhecimento da importância da população negra na história e na vida cultural brasileira” (p.982).
A análise é precisa, basta lembrar que a primeira protagonista negra numa telenovela da TV Globo foi vivida pela atriz Taís Araújo em Da cor do pecado, no recentíssimo ano de 2004 – a mesma atriz havia interpretado Xica da Silva numa novela de época na extinta TV Manchete, nos idos de 1996, e voltou ao protagonismo a representar Helena na novela Viver a vida, em 2009. E a primeira protagonista negra de Malhação é de 2016.
A ausência de negros é, ao lado da reprodução de estereótipos, uma forma também de inviabilizar a diferença, apagá-la. Há o “trabalho do silêncio” (Orlandi, 1997), que se produz pela não presença de negros nas produções audiovisuais. Ausência essa que é, em alguma medida, deliberada, visto que seguimos vivendo no regime da normatividade branca, da branquitude2 como padrão. Então, o negro é ausentado, já que sua cor marca uma presença que produz estranhamentos dentro dessa normatividade branca.
O audiovisual é onde os silenciamentos são mais sentidos, visto que lidam com imagem. Para não ficar apenas nos exemplos das telenovelas, vale jogar luz sobre o que acontece no campo das séries de TV. No Estados Unidos, a presença de sitcons e seriados protagonizados por negros é uma realidade desde os anos 1970.3 No Brasil, por outro lado, as tentativas de produzir séries com protagonistas negros são muito recentes, datam da última década: na TV Globo, Antônia (2006), Suburbia (2012), Sexo e as negas (2014) e Mister Brau (2015).
Os exemplos mostram que existem avanços, impulsionados em sua maioria pelas ações históricas do movimento negro e pelo empoderamento dos jovens negros da periferia nos últimos quinze anos (graças ao hip hop ou a movimentos mais ligados à arte urbana e à estética). A adoção de cotas nas universidades, as organizações de cursinhos populares negros nas periferias e a produção de políticas de inclusão em âmbito federal corroboram neste cenário.
Mas estes avanços ainda são pequenos do ponto de vista da qualidade – é preciso garantir maior representatividade positiva do negro nos meios de comunicação – e também do ponto de vista da quantidade, visto que esta representatividade ainda está bem distante da proporção numérica da presença do negro na sociedade brasileira.
Saindo da esfera da ficção, é possível perceber que os silenciamentos operam também nos produtos jornalísticos. São raros os casos de especialistas negros entrevistados em matérias de economia e política. A lógica dos comentaristas segue sendo a da meritocracia: escreve sobre um tema ou responde sobre determinadas questões apenas aqueles que alçaram um nível de elevada qualidade “técnica” ou “intelectual” – nada mais conveniente para uma sociedade que sempre alijou seus negros do acesso a essa suposta qualificação.
Nas matérias de cotidiano, que pautam família, educação, transporte, saúde, moradia etc., quase nunca os negros são personagens das situações ordinárias. Contraditoriamente, estão sempre estampando os cadernos policiais e as imagens deletérias dos programas policialescos que promovem autoritarismo na TV, associando violência, pobreza e negritude.
Mantém-se, assim, tudo exatamente como está: naquela “repetição demoníaca” dos estereótipos descrita por Bhabha. E assim a repetição do estereótipo vai negando a articulação da ideia de raça como elemento cultural, histórico, identitário, permitindo que esta apareça tão somente em sua fixidez como racismo, conforme destaca o filósofo.
O frisson causado pela presença da jornalista Maria Júlia Coutinho no quadro fixo do Jornal Nacional é um bom exemplo da negação da diferença e da produção do racismo. Parte da sociedade não assume enxergar a diferença dela, a sua negritude. Mas bastou ela ocupar um lugar ao qual não era historicamente “destinada” para enxergarem a sua pretidão.
Na publicidade não é diferente. Conforme pesquisa de Carlos A. M. Martins (2010), em 1995 apenas 7% dos anúncios veiculados tinham a presença de modelos negros, número que subiu para 10% em 2000 e para 13% em 2005. Além disso, embora seja visível o aumento progressivo de negros escritores, ainda há limitações e barreiras inexplicáveis à entrada destes no mercado editorial tradicional ou, como afirmou certa vez Fernanda Felisberto, “a literatura negra é rotulada como fundo de catálogo”.4
Evitar a repetibilidade dos estereótipos e dos apagamentos da diferença produzidos na mídia é algo que requer política pública. Nesse sentido, a regulação dos meios, especialmente das mídias eletrônicas de massa (rádio e TV), que no país são objeto de concessão pública, é essencial para garantir a diversidade racial e a participação efetiva dos negros. Não se trata apenas de um debate sobre o consumo, mas do entendimento de que a não representatividade produz consequências devastadoras para a construção da identidade de um povo.
Na ausência de identificações positivas com negros na TV, nas revistas, nos livros, nos brinquedos, “a criança negra afasta-se de si própria, de sua raça, em sua total identificação com a positividade da brancura que é ao mesmo tempo cor e ausência de cor” (Bhabha, 2007, p.118). E são muitas as gerações que passaram por isso no Brasil (eu mesma tive dificuldade outro dia em me lembrar dos personagens negros que marcaram minha infância e adolescência).
A regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal seria um primeiro passo na promoção da diversidade, visto que trata, entre outras coisas, da necessidade de garantir a regionalização da produção. Esta, por sua vez, possibilitaria que identidades e culturas regionais (dentre elas a negra, a quilombola) fossem mais bem representadas. Além disso, parece ser necessário retomar o debate sobre as políticas de ações afirmativas nos meios comerciais de comunicação, como inicialmente se previa com a elaboração do Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010) ou como se pretendia com o PL n. 4.370/1998.5
Por fim, se as mudanças são poucas diante da amplitude do problema, podemos dizer que elas seguem persistentes, à revelia daqueles que não aceitam a diferença e não querem promover a inclusão. Felicidade seria ver, daqui para frente, outras crianças podendo se identificar com personagens negros no cinema e na TV, tal como Matias.

 


1    Referência ao livro de Lilia Moritz Schwarcz que conta a história de como a  intelectualidade branca brasileira (e estrangeira que vinha para cá) elaborou os processos ideológicos (científicos) de branqueamento da sociedade no início do século XX.
2    A branquitude “é um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos outros e a si mesmo; uma posição de poder não nomeada, vivenciada em uma geografia social de raça como um lugar confortável e do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo” (Frankenberg, 1995, p.43).
3    Dentre as chamadas black sitcoms nos EUA estão com That’s My Mama, Good Times, Sanford and Son, What’s Happening?, nos anos 70; The Cosby Show, A Different World e Frank’s Place, nos anos 80; The Fresh Prince of Bel-air (Um maluco no pedaço), nos anos 90; e recentemente, Everybody Hates Chris (Todo mundo odeia o Chris).
4    Mais sobre esse assunto pode ser encontrado nas pesquisas de Fernanda Felisberto ou no mapeamento da Fundação Palmares, que resultou na publicação Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (2014).
5    De autoria de Paulo Paim (PT-RS), o projeto previa o estabelecimento de cotas mínimas de partição de negros, sendo 25% atores e figurantes dos programas de televisão – extensiva aos elencos de peças de teatro – e de 40% nas peças publicitárias apresentadas nas TVs e nos cinemas. O projeto foi arquivado em 2006.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Joel Zito. O negro na dramaturgia, um caso exemplar da decadência do mito da democracia racial brasileira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.16, n.3, p. 970-985, set./dez. 2008.
BHABHA, Homi K. A outra questão: o estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo. In: ______. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
FRANKENBERG, Ruth. The Social Construction of Whiteness: White Women, Race Matters [A construção social da branquitude: mulheres brancas, raça importa]. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995.
MARTINS, Carlos A. M. Racismo anunciado: o negro e a publicidade no Brasil, 2010.
ORLANDI, Eni. As formas dos silêncios: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, 1997.

Ana Claudia Mielke, coordenadora executiva do coletivo Intervozes, jornalista e mestre em ciências da comunicação pela USP

Publicado originalmente na revista Le Monde Diplomatique